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Soledad – A Terra é fogo sob nossos pés:
10 anos de teatro e resistência

Soledad, uma década de memória viva e transformação permanente. Foto: Jorge Farias / Divulgação

Há espetáculos que são concebidos para tensionar as urgências de seu tempo. Soledad – A Terra é Fogo Sob Nossos Pés faz algo mais complexo: ao resgatar uma voz silenciada de 1973, desenvolveu em 2015 uma nova voz que ressoa até hoje, em 2025. Honra Soledad Barrett Viedma como força política contemporânea.

Dez anos de trajetória ininterrupta pelos palcos brasileiros culminam agora em duas apresentações especiais que representam muito mais que marcos comemorativos: são afirmações de que a arte política permanece necessária e transformadora.

Nos dias 2 e 3 de setembro, às 19h30, no Teatro Hermilo Borba Filho, a montagem celebra uma década de existência. Dez anos que, como anuncia a própria produção, “nos transformaram para sempre”. E não é exagero: poucos espetáculos conseguiram unir com tanta força artística e política a recuperação histórica, o empoderamento feminino e a urgência do presente.

O espetáculo  é um marco do teatro político produzido em Pernambuco. Foto: Jorge Farias / Divulgação

Em 2015, quando a atriz pernambucana Hilda Torres, a diretora argentina Malú Bazán e a artista plástica Ñasaindy Barrett – filha de Soledad atuante no projeto – conversaram para dar vida à guerrilheira paraguaia nos palcos, o Brasil vivia um momento político turbulento que ainda não conseguia dimensionar completamente.

Como comentou Malú Bazán: “Desde o processo de pesquisa histórica para a montagem da peça, ainda em 2015, percebemos a relação íntima entre o passado e o presente. Nesse mesmo período aconteciam passeatas em São Paulo, principalmente, pedindo a ‘volta do golpe militar e chega de Paulo Freire'”. O que não sabiam então é que estavam criando uma obra profética, que anteciparia lutas e resistências que só uma década depois seriam plenamente compreendidas.

O espetáculo teve como ponto de partida o livro Soledad no Recife, do escritor pernambucano Urariano Mota, expandindo-se através de uma rede internacional de apoio. Ex-prisioneiros políticos, militantes paraguaios, argentinos e brasileiros, parentes e compatriotas de Soledad contribuíram para que a montagem se tornasse uma investigação coletiva sobre uma das figuras mais emblemáticas e injustiçadas da resistência latino-americana.

Soledad Barrett Viedma: para além dos rótulos da História. Foto: Jorge Farias / Divulgação

A história oficial reduziu Soledad Barrett Viedma (1945-1973) ao rótulo de “mulher do Cabo Anselmo”, uma enorme injustiça para uma personalidade complexa e potente. Neta do escritor, jornalista e líder anarquista Rafael Barrett, ela carregava no sangue uma herança intelectual libertária que atravessava gerações. Esta linhagem de resistência, fundamental para compreender sua formação política, conecta-se diretamente com as lutas anarquistas do início do século XX na América Latina.

Como descreve Hilda Torres : “Nasceu com sua mãe e ela apenas, por isso Soledad – Solidão; criança que cresceu entre sons de bombas e brincadeiras, levando recados codificados em suas saias para dirigentes comunistas”. A militante Soledad falava guarani e dedicava-se a alfabetizar populações indígenas – dimensão fundamental de sua atuação que conectava resistência política e preservação cultural originária.

Sua trajetória é um mapa da resistência latino-americana: exilada com menos de um ano, aos 16 anos já realizava apresentações de danças folclóricas em eventos solidários ao Paraguai no Uruguai. Aos 17, foi sequestrada por neonazistas que gravaram a suástica em suas coxas quando ela se recusou a gritar “viva Hitler!”. Estudou teorias comunistas na antiga URSS, treinou guerrilha em Cuba, onde se casou e teve sua filha Ñasaindy com José Maria de Ferreira de Araújo.

Em 1970, veio ao Brasil em missão pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Aqui, apaixonou-se por José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, sem saber que ele era um agente duplo. Grávida dele, foi entregue ao perverso delegado Sérgio Paranhos Fleury e assassinada junto com outros cinco companheiros no Massacre da Granja São Bento, em 8 de janeiro de 1973, em Abreu e Lima.

Dramaturgia colaborativa da resistência assinada por Malú Bazán e Hilda Torres. Foto: Jorge Farias / Divulgação

A dramaturgia foi desenvolvida pela atriz Hilda Torres e pela diretora Malú Bazán e contou com múltiplas colaborações para chegar ao texto final. Ñasaindy Barrett assina a identidade visual e as composições da trilha sonora. O texto é uma colcha de retalhos da memória histórica continental, tendo como base o livro de Urariano Mota e ampliando-se através de entrevistas com ex-prisioneiros políticos, da publicação 68, a geração que queria mudar o mundo (organizada por Eliete Ferrer), dos registros da Comissão da Verdade e do Tortura Nunca Mais.

Fundamental para a criação foram os poemas de Marco Albertim e as composições musicais de Ñasaindy Barrett, que empresta sua voz de cantora ao espetáculo, criando uma ponte sonora entre passado e presente. A direção musical de Lucas Notaro integra estes elementos em uma trilha que dialoga com as tradições musicais paraguaias, brasileiras e de resistência latino-americana.

Uma interpretação histórica e transformadora de Hilda Torres. Foto: Jorge Farias / Divulgação

A performance de Hilda Torres em Soledad é amplamente reconhecida como um marco na carreira da atriz e no teatro político brasileiro. Sozinha em cena, ela encarna a guerrilheira paraguaia com uma entrega total que vai do sussurro íntimo ao grito revolucionário, do guarani ancestral aos movimentos do cavalo-marinho pernambucano.

Para honrar a identidade da personagem, Torres aprendeu palavras e expressões em guarani – uma escolha que vai além da técnica, é política, reconhecendo a importância da língua originária na formação de Soledad. Os movimentos do cavalo-marinho nas cenas de batalha criam uma ponte entre as culturas paraguaia e nordestina, evidenciando como a resistência encontra expressão em diferentes territórios e tradições.

Como escreveu a jornalista Ivana Moura (que sou eu! 😉) em crítica publicada em maio de 2016: “É uma atuação de fôlego de Hilda Torres. A maior de sua carreira. Uma entrega total. Potente e bela. Por seus poros, por seus olhos, nos seus gestos, na gradação de sua voz, nas explosões emotivas da personagem pulsam o essencial de vida”.

Muitos elementos cênicos convocam as memórias da protagonista. Foto: Jorge Farias / Divulgação 

A direção de Malú Bazán criou uma encenação de elementos mínimos mas de máximo impacto imagético. O cenário despojado – uma cadeira, livros, papéis espalhados do processo de criação, uma boneca confeccionada por Maria de Lourdes Albuquerque (que em 2016 tinha 94 anos, uma das mães que buscaram filhos desaparecidos na ditadura) – transforma o palco em um espaço de memória viva e ritual ancestral.

A encenação exalta os mitos e ritos ancestrais e evoca os povos originários, incorporando elementos como o banho ritual com os seios desnudos (conectando com a Terra e a feminilidade ancestral) e a celebração de orixás como Nanã do candomblé. Estas escolhas estéticas têm dimensão política, reconhecendo as múltiplas resistências que Soledad representava.

A iluminação de Eron Villar cria ambientes que oscilam entre a intimidade confessional e a grandeza épica, enquanto a direção musical integra sonoridades que vão do guarani aos cantos de resistência brasileiros.

Um feminismo revolucionário habita o espetáculo. Foto: Jorge Farias / Divulgação 

Um dos aspectos mais inovadores do espetáculo é como ele resgata Soledad como precursora do feminismo interseccional contemporâneo. Em plena década de 1970, ela já praticava o que hoje chamamos de interseccionalidade: mulher, indígena, refugiada, mãe, guerrilheira. Esta postura, que em 1973 era revolucionária, em 2025 ressoa profundamente com movimentos feministas contemporâneos, lutas por direitos reprodutivos e feminismo decolonial. Soledad alfabetizando indígenas antecipa debates atuais sobre educação popular e resistência cultural.

O espetáculo, como eu observei em crítica de outubro de 2016, “é totalmente feminista, de empoderamento da mulher, e com caráter libertário, contra as repressões”. Mas consegue isso sem anacronismo, mantendo a complexidade histórica da personagem – mulher, mãe, filha, companheira, dançarina, poetisa – em toda sua humanidade.

2015-2025: Uma Década 

Quando o espetáculo estreou em 2015, o Brasil vivia o início de uma crise democrática que ainda não compreendia completamente. O impeachment de Dilma Rousseff se gestava, o feminismo lutava por espaços básicos, a memória da ditadura era questionada por negacionistas emergentes, e a América Latina via seus governos progressistas em declínio.

Dez anos depois, o planeta viveu transformações que tornaram Soledad ainda mais relevante: o Brasil viveu sua própria tentativa golpista em 8 de janeiro de 2023, compreendendo visceralmente os mecanismos autoritários que Soledad enfrentou; questões de gênero ganharam centralidade global,.

O espetáculo hoje encontra uma nova geração de espectadores: jovens de 15-25 anos que nasceram na democracia mas testemunharam autoritarismo recente; ativistas digitais que conhecem resistência virtual, mas precisam compreender resistência física; feministas contemporâneas que conectam instintivamente com o empoderamento interseccional de Soledad; movimentos identitários que compreendem a multiplicidade de opressões que ela enfrentava. Soledad, hoje reconhecida como referência feminista em toda a América Latina, dialoga com movimentos de mulheres indígenas contemporâneos, lutas por justiça de gênero no continente, resistências à violência política atual e a questão dos feminicídios que tornaram sua morte ainda mais simbólica.

Relevância histórica e reparação da memória. Foto: Jorge Farias / Divulgação

Como afirmou o escritor Urariano Mota em artigo intitulado Dilma Rousseff e Soledad Barrett, publicado no Diario de Pernambuco em 29 de agosto de 2016: “Soledad Barrett Viedma é um dos casos mais eloquentes da guerra suja da ditadura no Brasil”. O espetáculo funciona como um ato de reparação histórica, restituindo a Soledad o lugar de protagonista de sua própria história de luta e como referência continental de resistência feminina.

A montagem manifesta, nas palavras de Ivana Moura em crítica publicada em maio de 2016, “o poder da arte, de promover a reparação – pelo menos da imagem pública – das violações a direitos fundamentais. Para reescrever a História e subverter a ordem do esquecimento”.

Mas vai além: ao conectar Soledad com suas raízes guaranis, sua herança anarquista familiar e sua dimensão internacional, o espetáculo reinscreve toda uma linhagem de resistência que perpassa diferentes territórios e épocas.

Desde sua estreia, Soledad percorreu diversos palcos do Brasil, participou de festivais, foi apresentada em São Paulo como parte da Circulação Nacional, sempre provocando debates que ultrapassam o teatro. Em 2019, durante apresentação no Galpão do Folias em São Paulo, a militante Damaris Oliveira Lucena foi homenageada, evidenciando como o espetáculo conecta gerações de resistência.

A produção manteve um compromisso com a memória coletiva continental. Em setembro de 2016, durante as comemorações de um ano da montagem, foi realizado um ato de gratidão aos ex-prisioneiros políticos, como relatou Hilda Torres em entrevista ao Satisfeita, Yolanda?, publicada em setembro de 2016: “Essa geração atual precisa agradecer a uma geração que jamais poderá ser esquecida”.

Legado e continuidade… Soledad  tem muitas histórias.  Foto: Jorge Farias / Divulgação

Ao completar dez anos, Soledad – A Terra é Fogo Sob Nossos Pés se estabelece como um marco do teatro político brasileiro contemporâneo e referência latino-americana de resistência cultural. Torna-se uma referência de como a arte pode resgatar vozes silenciadas, transformar dor histórica em força transformadora e conectar lutas de diferentes épocas.

As apresentações de 2 e 3 de setembro no Teatro Hermilo Borba Filho celebram dez anos de uma necessidade que se renova: a necessidade de lembrar para transformar, de resistir para construir, de não deixar que a história se repita, mas garantir que a esperança se multiplique.

Como dizia Daniel Viglietti na música que inspira o espetáculo: “Uma coisa aprendi junto a Soledad: que deve-se empunhar o pranto, deixá-lo cantar”.

Dez anos depois, o pranto de Soledad continua cantando. E nós continuamos aprendendo que cantar é resistir, resistir é transformar, transformar é construir o futuro que ela sonhou e pelo qual morreu.

Ficha Técnica

Atriz, idealizadora e produção geral: Hilda Torres
Direção: Malú Bazán
Dramaturgia: Hilda Torres e Malú Bazán
Iluminação: Eron Villar
Direção musical e trilha sonora: Lucas Notaro
Identidade visual, trilha sonora: Nasaindy Barrett
Designer/social mídia: Li Buarque
Assessoria de Imprensa: Dea Almeida
Registro fotográfico: Rogério Alves
Vídeo e edição: Suco filmes
Assistente de produção: Anny Rafaella Ferly e Ariani Ferreira
Produção geral e trilha sonora: Márcio Santos
Realização: Cria do Palco

Serviço

📅  02 e 03 de setembro de 2025, 🕰️ 19h30
📍 Teatro Hermilo Borba Filho – Recife/PE
💰 Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)
🎟️ Vendas: Sympla Dia 02/SET e Dia 03/SET

+ Soledad no Satisfeita, Yolanda?

https://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/soledad-que-ainda-se-nega-a-morrer/
https://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/ressurreicao-de-soledad-barrett-no-palco/
https://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/guerrilheira-altiva/
https://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/manifesto-contra-a-repressao-de-ontem-e-de-hoje/
https://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/guerrilha-e-amor-uma-mistura-explosiva/

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Manifesto contra a repressão, de ontem e de hoje

Hilda Torres no espetáculo Soledad. Foto: Flávia Gomes

Hilda Torres no espetáculo Soledad – A terra é fogo sob nossos pés. Foto: Flávia Gomes

A personagem Soledad, criada pela atriz Hilda Torres, assume o amálgama de militância política e paixão amorosa. Firme e doce. Sedutora na prática do bem comum. A ditadura brasileira (1964-1985) confiscou a vida da jovem guerrilheira paraguaia Soledad Barrett Viedma (1945-1973) de forma covarde. Um relevante trabalho de resgate foi feito pela intérprete em parceria com a diretora argentina Malú Bazán e a própria filha da militante, Ñasaindy Barrett, para erguer o espetáculo Soledad – A terra é fogo sob nossos pés. A montagem estrou ano passado e agora faz uma curta temporada às 20h dos sábados e às 19h dos domingos, no Teatro Hermilo Borba Filho, até o dia 10 de abril.

As veias dilaceradas da ativista respingam em toda América Latina, mas foi nos arredores do Recife que ela sofreu o golpe final e fatal. O agente duplo da ditadura José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, seu “companheiro amoroso” de quem estava grávida, a delatou ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, o terrível carrasco de presos políticos. Sol foi torturada e assassinada numa ação policial que exterminou mais cinco militantes da VPR: Pauline Philipe Reichstul, Eudaldo Gomes da Silva, Evaldo Luis Ferreira, Jarbas Pereira Marques e José Manoel da Silva. O episódio brutal ocorreu na Chácara São Bento, em 8 de janeiro de 1973, em Abreu e Lima, e ficou conhecido como Massacre de São Bento.

Soledad Barret fez parte da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A justiça social estava no seu sangue. Era neta do escritor, jornalista, intelectual e líder anarquista Rafael Barrett. Uma ação de neonazistas em Montevidéu selou sua escolha pela guerrilha. Ao se recusar a reproduzir a frase “viva Hitler!”, ela foi submetida à violência de ter a suástica nazista gravada em suas coxas pelos extremistas.

Para seu aprendizado e atuação na guerrilha, e/ou fugindo das perseguições, Soledad morou na Argentina, no Uruguai, em Cuba e no Brasil, sob a ditadura militar. Em Cuba se enamorou de Zé Maria, pai de sua filha Ñasaindy.

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Excelente atuação de Hilda Torres

Essa cena do real faz um resgate dessa mulher guerreira que era injustamente mencionada como a mulher do Cabo Anselmo. A atriz Hilda Torres e a diretora Malú Bazán construíram a dramaturgia a partir de poemas e textos de pessoas envolvidas na história de Soledad e do livro do jornalista Urariano Mota, Soledad em Recife, relato que resgata a passagem da paraguaia por Pernambucano.

O monólogo poético utiliza poemas, músicas, elementos sonoros, cadeira, livro e outros objetos, como uma boneca confeccionada por Maria de Lourdes Albuquerque, 94, uma das mulheres de fibra que encetou o movimento das mães em busca de seus filhos no período da ditadura. Nas laterais do palco estão esparramados papéis usados durante o processo de produção da peça.

A história de Soledad é contada da forma digna, com entrega total da atriz Hilda Torres. O tom da encenação é totalmente feminista, de empoderamento da mulher, e com caráter libertário, contra as repressões. Mas o peso dessa história de luta, que expõe muitas barbaridades cometidas contra essa mulher aguerrida, não cai no panfletário. As posições da encenação são claras em defesa da vida, pelo respeito à pessoa humana e pela liberdade em todos os níveis.

Empoderamento feminino

Empoderamento feminino

Com os seios desnudos, Hilda entra no palco traçando conexões com a feminilidade, maternidade, com o Planeta Terra. Há muitas camadas de metáforas. E segue outras composições. Nas dobras da saia, levava os recados de libertação como herança de família.

Seus movimentos se alteram entre a narração da intimidade amorosa com a família e amigos e a luta armada, que aprende em pé de igualdade com os homens.

O empenho da intérprete em catapultar a imagem de Soledad para um lugar mais alto passou pelo aprendizado de algumas palavras e expressões em guarani, já que a militante falava o idioma; chegou aos passos rápidos e fortes do cavalo-marinho, que traçam com beleza coreográfica as cenas de batalha.

Os fatos narrados ostentam um ‘status de verdade’, pelo compromisso dos criadores com a realidade de Soledad e dos revolucionários que comprometeram seu tempo e até perderam a vida nessas lutas. Esse teatro documentário, político (e não há outro sentido no teatro político que não seja libertador) clama pelos povos oprimidos do continente. Os elementos ficcionais na montagem completam sua sustentação poética.

É uma atuação de fôlego de Hilda Torres. A maior de sua carreira. Uma entrega total. Potente e bela. Por seus poros, por seus olhos, nos seus gestos, na gradação de sua voz, nas explosões emotivas da personagem pulsam o essencial de vida. Coragem para tornar a existência grande. É comovente quando ela clama pelos desaparecidos políticos e a plateia responde “presente”. A potencialidade dessa anexação do real faz o teatro vibrar. E mesmo o espectador mais anestesiado com o excesso de informação sai da passividade para pertencer e se revoltar contra as barbaridades.

O projeto conta com uma equipe técnica afinada, como a iluminação cúmplice de Eron Villar e direção musical de Lucas Notaro. Soledad – A terra é fogo sob nossos pés fala de um período terrível de perseguições, mas aponta também para os tempos que correm da política brasileira.

Mas não é um espetáculo para qualquer espectador. Para quem tem certeza que há hierarquização de humanos enquanto valor de pessoa, que os pobres não têm direitos a melhorar de vida, que não deve haver empoderamento das mulheres, talvez seja melhor não aparecer. Para os que tem incertezas sobre essas questões ainda há alguma chance. E para quem defende a liberdade, os direitos humanos, o respeito às diferenças é uma encenação para se recarregar.

Ficha Técnica

Direção, cenário e figurino: Malú Bazán
Dramaturgia e pesquisa cênica: Hilda Torres e Malú Bazán
Pesquisa histórica: Hilda Torres, Márcio Santos e Malú Bazán
Execução de cenário e figurino: Felipe Lopes e Maria José Lopes
Iluminação: Eron Villar
Operação de luz: Eron Villar e Gabriel Félix (Villa Lux)
Direção musical: Lucas Notaro
Operação de som e produção executiva: Márcio Santos
Consultoria do idioma guarani: Adrián Morínigo Villalba
Atriz, idealizadora e coordenadora do projeto: Hilda Torres

SERVIÇO

Soledad – A Terra é Fogo Sob Nossos Pés (Cria do Palco – Recife/PE)
Quando: Sábados, às 20h; e domingos, às 19h. Até o dia 10 de abril.
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho, no Bairro do Recife
Quanto: R$ 30 e R$ 15

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Guerrilha e amor, uma mistura explosiva

Hilda Torres no espetáculo Soledad

Hilda Torres no espetáculo Soledad

janeiro-de-grandes-espetáculos-SSSSMuitos morreram pela liberdade. E cada vez que um personagem desses ganha os holofotes é uma justiça para a história. A  guerrilheira paraguaia Soledad Barrett Viedma (1945-1973) teve sua voz sufocada pela opressão das ditaduras por 42 anos. Até o ano passado, quando a atriz Hilda Torres, a diretora argentina Malú Bazán e a própria filha da militante, Ñasaindy Barrett, se juntaram para montar o espetáculo Soledad – A terra é fogo sob nossos pés.

O drama de “Sol” expõe as veias abertas da América Latina numa época de grande opressão política. Um trajeto de vida e poesia. Soledad foi mais uma vítima das barbaridades da ditadura militar do Brasil (1964-1985).

Ela morou na Argentina, no Uruguai, em Cuba e no Brasil, fugindo das repressões. Ao ser sequestrada por um bando de neonazistas em Montevidéu, ela adotou a guerrilha. Ao se recusar dizer a frase “viva Hitler!”, ela foi marcada nas coxas com a suástica nazista. Em Cuba, onde aprendeu a luta armada, conheceu Zé Maria, pai de sua filha Ñasaindy.

No Brasil se apaixonou por José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, companheiro que a entregaria à polícia, às garras do delegado Sérgio Fleury. O Massacre de São Bento matou Soledad grávida e outros cinco militantes na Chácara São Bento, em Abreu e Lima.

É um espetáculo emocionante.

SERVIÇO

Espetáculos de Hoje no Janeiro de Grandes Espetáculos

Soledad – A Terra é Fogo Sob Nossos Pés (Cria do Palco – Recife/PE)
Quando: Dia 18 de janeiro de 2016 (segunda), 20h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Quanto: R$ 20 e R$ 10

Luas de Há Muito Sóis (Papelão Produções e Fafe Cidade das Artes – Recife/Brasil/  Fafe/ Portugal)
Quando: Dias 18 e 19 de janeiro de 2016 (segunda e terça), 20h
Onde: Teatro Capiba (SESC Casa Amarela)
Quanto: R$ 20 e R$ 10

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