Arquivo da tag: Lucas Torres

Luz do Magiluth no Festival de Curitiba

Aquilo que meu olhar guardou para você. Foto: Ivana Moura

Assisti à montagem Aquilo que meu olhar guardou para você duas vezes. No Teatro Hermilo Borba Filho, durante o festival Janeiro de Grandes Espetáculos e durante a curta temporada no Teatro Joaquim Cardozo, ambas no Recife. Gostaria de conferir a performance dos rapazes em Curitiba, mas um engarrafamento qualquer (de vontades, de quedas de reserva, de avião, de agilidade) não permitiu. Voilà

Gosto do espetáculo. Aquela inquietação de cada um deles, aquelas micro histórias que se confundem (e nos confundem), a estrutura fragmentada, as pulsações libertárias em cada gesto pequeno quase imperceptível do cotidiano. E o humor… Um humor inteligente, às vezes sarcástico, com um olhar crítico sobre minúsculas mazelas. De coisas que tocam. Tocaram a mim. Com muitas flutuações de assuntos.

Gosto da “sujeira” pop das marcas.

Lucas Torres

Achei muito divertida a crítica (meio sarro com humana pontinha de despeito) aos prêmios. Quando Pedro Vilela morre em cena e Giordano diz  que não é justo porque ele não ganhou nem um prêmio da Apacepe (Associação dos produtores de Pernambuco).

Isso me fez lembrar como é engraçada e complexa a relação que as pessoas têm com os prêmios, como se fossem um certificado incontestável de competência. Tô falando do geral e não só da abordagem da peça. E não é por aí. Tudo é muito mais complexo e depende das forças que atuam naquele momento, dos gostos e muitos coisinhas miúdas, etc…

Voltando à peça. Os pequenos episódios cotidianos, que ganham uma proporção enorme na vida das pessoas, são explorados de forma corajosa, correndo riscos.

A cidade, o Recife, muitas vezes aparece pouco de forma macro. Mas está ali em pequenas proporções, quase como a memória que carregamos e se mistura com outras lembranças que produzem um jeito de corpo, uma expressão.

Ator Pedro Wagner

Aquilo que meu olhar guardou para você explora as contradições, de sentimentos, de atitudes, de parcerias. E cria uma interação bem particular com a plateia. Mas é algo vivo e pode seguir contornos bem específicos em cada apresentação. Como já disse o diritor Luis Fernando Marqueso, o elenco – formado por Giordano Castro, Pedro Vilela, Pedro Wagner, Erivaldo Oliveira e Lucas Torres – tem “uma displicência poética, uma liberdade de amarras”.  Isso está na forma, no conteúdo, no jeito de explorar.

Mas também diz muito desse ser contemporâneo, que pode estar em cidades periféricas e com grande vocação para o desenvolvimento como o Recife. Ou na capital do poder político, como Brasília.

O espetáculo foi concebido a partir de uma investigação da urbanização das cidades, em projeto patrocinado pelo Itaú Cultural. De início a peça chamava-se Do Concreto Ao Mangue: Aquilo Que Meu Olhar Guardou Para Você, baseado na troca de conteúdos entre os dois grupos.

Dos 46 fragmentos contabilizados por eles, os atores desconstroem a quarta parede desde o  início do espetáculo e, no final, o público se torna personagem decisivo.

Erivaldo Oliveira e Giordano Castro

A cena, o sentimento da cena, do personagem se volatiza rapidamente para encaixar em outras cenas. O elenco expõe esperanças e ambições de seus personagens para em seguida desconstruir essas ilusões. É um quebra-cabeças afetivo, marcado por escolhas que poderiam ser feitas no dia a dia, por qualquer um.

Enquanto o pulso, pulsa e a poesia brota dos pequenos gestos, os atores esbanjam humor. Um humor característico do lugar. Outras trupes já tiveram a sua gréia. A do Magiluth tem um pouco mais de leveza, para dizer que estamos todos perdidos e o fim do fim para os humanos não muda tanto assim.  Mas enquanto não chega a morte, ou coisa parecida (ai Belchior dos bons tempos!)  seus personagens estão repletos de luz, intensos, correndo atrás, mas que podem acabar a qualquer hora.  São encontros e despedidas, o tempo inteiro, em que eles depositam todo o ser.

Fotos: Ivana Moura

Boa sorte e sucesso, zebrinhas.

Serviço:

Aquilo que meu olhar guardou para você

Teatro Contemporâneo | Recife-PE |

Onde: Teatro Paiol (em Curitiba)

Quando: 5 e 6 de abril às 21h

Quanto: R$ 25 e R$ 50


Postado com as tags: , , , , , , , ,

Muitos olhares

Aquilo que meu olhar guardou para você, do Grupo Magiluth
Imagens: Ivana Moura

Quando: quintas e sextas-feiras, às 20h, até 23 de março
Onde: Teatro Joaquim Cardozo (Centro Cultural Benfica – Rua Benfica, 157, Madalena)
Quanto:R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)
Informações:(81) 3226-0423

Ficha técnica
Texto: Giordano Castro
Direção: Luís Fernando Marques e Grupo Magiluth
Direção de arte: Guilherme Luigi e Thaysa Zooby
Iluminação: Pedro Vilela
Sonoplastia: Grupo Magiluth
Elenco: Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Pedro Wagner e Pedro Vilela

Postado com as tags: , , , , , , , , ,

Quando a dúvida é maior do que a certeza

O canto de Gregório está em temporada no Marco Camarotti. Fotos: Ivana Moura

GREGÓRIO — Pensar me coloca acima das emoções. O pensamento voa alto e lá de cima avista, em seus labirintos, as emoções rasteiras. Mas do seu próprio céu o pensamento não escapa — e outros labirintos muito mais devastadores o envolvem. Para a alma, pensar é definitivamente mais doloroso do que sentir — a dor sem saída provocada por um paradoxo é eterna. As emoções? Para o saudoso, a lembrança alivia. Para o perdido, uma palavra consola. O desesperado — de que mais ele precisa senão de fé? Mas a ninguém, em nenhum tempo, em nenhum lugar, é permitido escapar da dor de um paradoxo. Para ninguém tirar conclusões precipitadas, deixo claro: eu sou um ser humano, eu não sou uma máquina. Porém, quando choro — ouçam bem isto — quando eu choro, minhas lágrimas não me comovem. Para meu assombro, até comovem certos corações. Corações sensíveis, sem dúvida, mas, espantado, me pergunto: sensíveis exatamente a quê? Enquanto minhas lágrimas correm, vejo à minha frente um doce olhar de enternecimento. Minhas lágrimas correm, e provocam nesse coração uma grande ternura. Enquanto isso, meu Deus, eu mesmo não entendo por que choro. Acontece que, enquanto choro, não consigo deixar de pensar. E o pensamento me faz uma dura acusação: choro para obter piedade. Isso me revolta, isso me repugna. Então tento resgatar dentro de mim aquilo que me impulsionou o pranto e, aterrado, não encontro nada. Terei, digamos, me arrependido de alguma coisa? Quem responde é o meu intelecto: arrependimento, Gregório, era o que você queria representar com suas lágrimas. A dúvida me paralisa: chorei porque estava arrependido ou porque precisava parecer arrependido? Não, não é que eu estivesse fingindo de propósito. Mas minha mente talvez entendesse que era necessário eu parecer arrependido — e de uma forma tão intensa que nem eu mesmo desconfiasse de que meu choro servia ao engano. Mas há um coração a se compadecer diante de mim, certo de meu arrependimento sincero, enquanto eu, numa estranha porém vigorosa iluminação, tudo o que consigo é me dizer: quero que meu arrependimento seja sincero, tudo o que quero neste instante de minha vida é ser absolutamente sincero neste arrependimento — mas não sei se sou nem sei se não sou sincero. É a dúvida que me atinge: se me vejo como sincero — sou de fato sincero ou quero apenas fazer com que eu acredite que tudo o que quero é ser sincero? Eis aqui um Ser Humano como eu, e eis aqui o Intelecto desse Ser Humano. (Aponta as duas personagens.) Como um Ser Humano pode ser açoitado pelo seu Intelecto?”

Pedro Wagner é o protagonista

O canto de Gregório, do grupo Magiluth
Direção: Pedro Vilela
Dramaturgia: Paulo Santoro
Elenco: Pedro Wagner, Giordano Castro, Erivaldo Oliveira e Lucas Torres
Direção de arte: Renata Gamelo, Cecília Pessoa, Guilherme Luigi
Sonoplastia: Hugo Souza
Produção: Grupo Magiluth

Confira a crítica feita por Ivana Moura na época da primeira temporada do espetáculo, no Teatro Hermilo Borba Filho.

Serviço:
Onde: Teatro Marco Camarotti (Sesc Santo Amaro)
Quando: sábados e domingos, às 18h
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) – doando um quilo de alimento não perecível, o ingressos sai pelo valor da meia-entrada
Capacidade: 50 pessoas

Sócrates, Platão, Jesus Cristo e Buda participam da discussão

E um vídeo de divulgação na época da estreia:

Postado com as tags: , , , , , , , , , , ,

Esse sujeito em crise pensa demais

O canto de Gregório. Montagem do Magiluth, do Recife

Gregório percorre um labirinto de indagações sem fim. E nessas ruminações, sobrepõe mitos da religião e da filosofia. Esse sujeito em crise pensa demais.

O canto de Gregório é o texto de estreia de Paulo Santoro. Foi montado por Antunes Filho em 2004 e ficou em cartaz até mais ou menos 2006, na sala de ensaios do CPT, em São Paulo.

Foi lá que o diretor Paulo (Pedro!!! Vivemos querendo rebatizar esses Magiluthianos!) Vilela conheceu o texto. E sua montagem da companhia Magiluth busca um caminho bastante diferente do que foi traçado por Antunes.

O Magiluth criou uma caixa branca montada no Teatro Hermilo Borba Filho, onde atores e plateia ficam a centímetros de distância, e dentro da cena, como no caso do julgamento em que alguns espectadores fazem parte do júri.

Em cena estão os quatro atores: Pedro Wagner, Giordano Castro, Erivaldo Oliveira, Lucas Torres. Pedro Wagner interpreta Gregório. Os outros três se desdobram em vários papéis. Jesus, Buda, Sócrates, o Juiz, mordomo, júri. Gregório veste uma roupa escura e os outros usam macacões e sapatos brancos.

Também são brancos os banquinhos em que o público se senta, cerca de 50. E as cadeiras e mais banquinhos que servem de equipamento de cena.

O texto tenta ser complexo. Em sua solidão, o protagonista se agita por não ser um homem bom. Mas se depara, depois de inúmeras equações de que “a bondade é logicamente impossível”. Esse resultado vem de uma série de pensamentos que coloca a questão da bondade numa posição inatingível. Ele joga em nossa cara que se realmente fôssemos verdadeiramente generosos e corretos, nem precisaríamos pensar nisso.

Já deu pra perceber que o branco predomina

Dar uma esmola é uma ação de generosidade, fraternidade ou uma pressão social somada a nossa culpa pela desigualdade? Perguntas e mais perguntas. É como raciocina Gregório. E trava embate com muitos personagens. Eles necessariamente não são reais. Podem ser projeção na/ ou /da própria cabeça do protagonista.

Mas não são personagens quaisquer. São mitos que norteiam as questões éticas e morais do nosso mundo ocidental. A discussão é boa. Em alguns momentos parece um bom jogo de tênis. Lá e cá. Gregório tira a plateia da superfície cotidiana e conduz para a reflexão. Ele puxa o público para esse estado vertiginoso de dúvidas. Perguntas e mais perguntas.

A montagem do Magiluth multiplica o personagem Sócrates, em um dois três, quatro… como é possível?! É um bom jogo. Jesus aparece. Mas ele não vai oferecer a salvação. Nem mesmo desse palavrório interminável. Ele compartilha das angústias de Gregório e joga a bola para o público.

Mas Gregório cometeu um crime e vai ser julgado. Disparo. Black out. E chega a polícia. Uma solução inteligente e bem humorada do grupo. Ele é questionado. A solenidade do tribunal cede lugar à irreverência nesta montagem.

A cada pergunta, o protagonista responde com outra pergunta. Gregório tenta se defender. “Por favor, Senhor Juiz, eu não estou me furtando a nenhuma resposta. Gostaria mesmo de saber se sou ou não culpado pelo ato que cometi. O que sei é que havia um revólver carregado em minhas mãos, que esse revólver foi disparado por um movimento de meu dedo indicador, e que um projétil, motivado por esse movimento, saiu da arma com direção ao peito de um cidadão, que, em seguida, foi atingido e faleceu. Isso é de conhecimento de todos.”

Nesse percurso existencialista, o texto traça conexões com Franz Kafka (O Processo) e Albert Camus (O Estrangeiro).

Nesse território de ideias, a montagem dirigida por Pedro Vilela faz dessa vivência kafkiana uma ode ao pensamento, ao questionamento de todas as coisas, com pitadas de humor. E remete para os caminhos contemporâneos para se chegar à reflexão, servido em doses sequenciais pelo mordomo.

O elenco se entrega a essa alucinação existencial desse homem. E fica para o espectador a função de decidir se tudo aquilo não faz parte do imaginário de Gregório, inclusive seu próprio crime.

Para quem gosta de adjetivos. Um ótimo espetáculo, com uma pulsação contemporânea e uma sacanagem, como marca estilística do grupo.

Resquícios de um carnaval

O CANTO DE GREGÓRIO
De: Paulo Santoro
Direção: Pedro Vilela
Elenco: Pedro Wagner (no papel de Gregório), Giordano Castro, Erivaldo Oliveira e Lucas Torres.
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Bairro do Recife)
Quando: Sextas e sábados, às 20h, e domingos, às 19h, só até 1º de maio
Quanto: R$ 16 e R$ 8 (meia)

Postado com as tags: , , , , , , , ,

Imagens de O canto de Gregório

O espetáculo O Canto de Gregório, com o Grupo Magiluth, estreou ontem no Teatro Hermilo Borba Filho. O texto é de Paulo Santoro e a direção de Paulo (Pedro!!!!) Vilela. Participam do elenco Pedro Wagner (no papel de Gregório), Giordano Castro, Erivaldo Oliveira e Lucas Torres.

O personagem Gregório é um homem atormentado pela razão. E ele percorre um labirinto de indagações sem fim. São tentativas para entender. O mundo e a si mesmo. Fluxos e contrafluxos de questionamentos.

Mas a versão magiluthiana de Gregório é mais leve, mais clara e diria até mais debochada do a que eu consegui apreender da montagem de Antunes Filho, anos atrás. Essa sim, densa, escura, praticamente um beco sem saída.

Mas nosso Gregório também dialoga com Buda, Jesus e Sócrates…
O nosso Gregório também apertou o gatilho… Ele é culpado???

Gregório é questionado, acusado, acuado. Em Cena: Erivaldo Oliveira e Pedro Wagner. Fotos: Ivana Moura

Gregório segura a arma do crime

Lucas Torres e Pedro Wagner

Giordano Castro no papel de jurado

Atores Lucas Torres e Erivaldo Oliveira. Fábio Caio na plateia

Embate de ideias e de gestos

O Buda esá nu

Postado com as tags: , , , , , , , ,