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Cuidado com a barbárie!

José Neto Barbosa em A Mulher Monstro Foto: Annelize Tozetto

José Neto Barbosa em A Mulher Monstro Foto: Annelize Tozetto

Definitivamente, não vivemos tempos de delicadeza. A intolerância predomina e quem tiver mais poder de convencimento pode até passar por cima da razão, da lei, do bom-senso. Isso ocorre no campo da política ou das relações mais estreitas. Ferir o outro que pensa diferente pode até ser um forma de exibir um pequeno troféu. Se os demônios de cada um eram domados para o convívio social, agora os monstros estão soltos.

 Um recorte da realidade político-social do Brasil é explorado no espetáculo A Mulher Monstro, que expõe a conduta de uma burguesinha perseguida pela visão intransigente de seus pares, ou seja do reflexo dela mesma. A mulher tenta domar a solidão e derrama-se em ódio que alimenta dentro de si contra o diferente, num cenário explosivo de corrupção, golpe de estado e cinismo generalizado.

Com atuação do ator José Neto Barbosa, A Mulher Monstro faz mais uma temporada no Recife, desta vez de 9 a 18 de junho (sextas, sábados e domingos) no Teatro Hermilo Borba Filho, no Recife Antigo.

A montagem estreou em 2016, motivada pelas barbáries que passou a circular nas redes sociais e na rua. O artista fez uma colagem de falas reais de figuras públicas e de anônimos, com o conto Creme de Alface de Caio Fernando Abreu. Entram também na dramaturgia suas memórias da “Mulher Monga” dos parques e circos nordestinos, e principalmente fatos e discursos impositivos na sua vida, desde infância, fruto da discriminação sentida no convívio social. 

O conto de Caio F. foi escrito em plena ditadura militar, mas só publicado em 1995: “O que me aterroriza neste conto de 1975 é a sua atualidade. Com a censura da época, seria impossível publicá-lo. Depois, cada vez que o relia, acabava por rejeitá-lo com um arrepio de repulsa pela sua absoluta violência. Assim, durante vinte anos, escondi até de mim mesmo a personagem dessa mulher monstro fabricada pelas grandes cidades. Não é exatamente uma boa sensação, hoje, perceber que as cidades ficaram ainda piores, e pessoas assim ainda mais comuns”, disse o escritor dois anos antes de sua morte.

“Se de 1975 para 1995 Caio percebeu que a sociedade estava mais intolerante, hoje, vemos que pouco avançamos com relação à intolerância e ao preconceito. E eu resolvi fazer da minha arte militância”, conta José Neto, que também dirige a peça.

SERVIÇO

A Mulher Monstro
Quando:
De  9 a 18 de junho de 2017, Sextas e sábados às 19h. Domingo às 18h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Rua do Apolo, 121, Recife Antigo)
Ingressos: R$ 30,00 inteira / R$ 15,00 meia (vendidos também duas horas antes do espetáculo, na Bilheteria do Teatro) 
Classificação indicativa: 16 anos
Duração: pouco mais de 60 minutos.
Informações: 81 33553321 ou facebook.com/semciadeteatro

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A Mulher Monstro no Festival de Curitiba

Foto: Ivana Moura

Peça inspirada em Caio Fernando Abreu critica setores retrógrados da sociedade brasileira. Foto: Ivana Moura

A Mulher Monstro veio debater os panelaços no Festival de Curitiba. O espetáculo erguido entre Natal (RN) e Recife (PE) expõe as características de uma burguesinha intolerante que se enxerga de forma distorcida (para muito melhor). Racista, homofóbica, gordofóbica, elitista, sexista, ela destila veneno e fica cega pelo ódio. A personagem tem essas características, mas a peça faz crítica aos setores mais conservadores e retrógrados da sociedade brasileira, que foram às ruas para pedir o golpe. A peça é baseada no conto Creme de Alface, de Caio Fernando Abreu, e recheada por comentários nas redes sociais que traduzem o preconceito, descriminação, desejo de aniquilamento do outro que pensa diferente do pré-impeachment para cá. O ator José Neto Barbosa (que atua, dirige e assina a dramaturgia da peça) cruzou as opiniões de internautas com o texto de Caio para formar a dramaturgia do espetáculo.

A peça faz apresentações no Fringe, a mostra paralela do Festival de Curitiba – no Teatro Mini Guaíra, de 2 a 5 de abril, sendo, domingo às 15h; segunda, às 18h; terça às 21h; quarta às 12h. O Fringe é uma mostra aberta, sem curadoria, que pode surpreender e que alimenta a esperança dos participantes de serem “descobertos” por algum curador de festival ou receber uma crítica favorável.

Espetáculo com Neto. Foto: Jorge Almeida

Espetáculo com José Neto Barbosa. Foto: Jorge Almeida

A transeunte errante do espaço urbano inventada por Fernando Abreu capta o mundo de forma hostil e responde com violência emotiva. Creme de Alface foi escrito em 1975 e publicado 20 anos depois. José Neto Barbosa, da S.E.M. Cia de Teatro (RN), atuando no Recife, acredita que o conto é exemplar para revelar os abismos da condição humana. Mas Neto Barbosa também ajuíza que essa “mulher monstro” existe dentro de cada um de nós.

O ator leva ao palco resíduos de memória da figura da “Mulher Monga” dos parques e circos nordestinos. “Aquele fenômeno ficou na minha cabeça, pois foi a minha primeira experiência teatral. Após estudar teatro identifiquei naquela pequena encenação algo que passei acreditar: a arte relacional, como explica Nicolas Bourriaud. Aquela estética relacional da Monga, também enraizada de machismo e de exposição do corpo feminino como business, foi a inspiração para transformar não o humano em monstro, mas o monstro em humano”.

O texto de Abreu expõe uma mulher intransigente com as pessoas da sua vida. No trajeto pelas ruas na intenção de pagar alguns crediários a personagem revela sua malevolência com os outros e o mundo e a benevolência consigo mesma. Suas ações salientam principalmente duas questões: a fragilidade dos laços afetivos e o consumismo como válvula de escape. O ator também carrega a dramaturgia com suas histórias pessoais, dos preconceitos e intolerâncias sofridos.

A encenação transcorrer em três movimentos. A performance de título A Mulher Monstro. Cotidiano Contradição, uma avalanche de pensamentos e identificações da personagem. E a terceira que ele chama de Escarro Sobre Si, fincada na sequência do enredo criado pelo Caio Fernando Abreu. E se completa com o diálogo com a plateia.

SERVIÇO
A Mulher Monstro, da S.E.M. Cia de Teatro; dentro do Fringe, do Festival de Curitiba
Quando: De 2 a 5 de abril, sendo, domingo às 15h; segunda, às 18h; terça às 21h; quarta às 12h. 
Onde: Teatro Mini Guaíra, Centro Cultural Teatro Guaíra (Rua XV de Novembro, 971 – Centro)
Ingressos: R$ 20 

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A face abominável de cada um

A Mulher monstro foto: Ivana Moura ,

Conto de Caio Fernando Abreu e intolerância nas redes sociais são materiais da peça. Foto: Ivana Moura

O ator José Neto Barbosa fisgou o conto Creme de Alface, de Caio Fernando Abreu, em 2015 no ápice da tensão política que partia o Brasil em grupos “rivais”, quando o ódio escorria pelas ruas e era anunciado em panelaços ou em pedidos da volta da ditadura militar. Um quadro estarrecedor. Os comentários nas redes sociais seriam cômicos se não fossem a tradução de sentimentos reais de profundo preconceito, descriminação, desejo de aniquilamento do outro que pensa diferente. Barbosa cruzou as opiniões dos internautas com o texto de Caio para formar a dramaturgia do espetáculo A Mulher Monstro, que se apresenta neste domingo,às 20h, na 9ª Mostra Capiba de Teatro, do Sesc Casa Amarela.

Barbosa atua, dirige e assina a dramaturgia da peça. A figura do monólogo, atravessada pelo texto de Abreu e pelo pensamento conservador que assola o país, é racista, homofóbica, gordofóbica, elitista, sexista, destila veneno, fica cega pelo ódio e tem uma visão otimista e equivocada de si mesma. Seus fantasmas são medonhos. Mas Neto Barbosa faz questão de deixar claro que essa “mulher monstro” existe dentro de cada um de nós.

Creme de Alface foi escrito por Caio Fernando Abreu em 1975 e publicado 20 anos depois. Quatro décadas se passaram desde que o escritor gaúcho combinou aquelas palavras para traçar a transeunte errante do espaço urbano que sente o mundo hostil e reage à altura das suas emoções.

Amante da obra de Caio, de quem é leitor assíduo há oito anos, José Neto Barbosa, da S.E.M. Cia de Teatro (RN), aposta que o conto prossegue dilacerante e igualmente pertinente ao expor as contradições da natureza humana.

As perversidades dos brasileiros, em expressões e atitudes que denunciam o preconceito e os argumentos segregacionistas, antidemocráticos, radicalistas e fundamentalistas ocupam o palco. O ator também carrega a peça com suas memórias da “Mulher Monga” dos parques e circos nordestinos.

Ao levar o contexto do Brasil contemporâneo o artista reforça o caráter político da peça como arte militante. O trabalho foi erguido diante das barbáries lidas e ouvidas de forma despudorada no cotidiano recente do país. Neto também insere histórias pessoais, dos preconceitos e intolerâncias sofridos, dos discursos impositivos, desde infância sobre ele.

O texto de Abreu expõe uma mulher intransigente com as pessoas da sua vida. No trajeto pelas ruas na intenção de pagar alguns crediários a personagem revela sua malevolência com as outros e o mundo e a benevolência consigo mesma. Suas ações salientam principalmente duas questões: a fragilidade dos laços afetivos e o consumismo como válvula de escape.

Leia nossa primeira crítica sobre A Mulher Monstro A realidade é mais cruel que a ficção

Entrevista: José Neto Barbosa

Ator potiguar atua no Recife há dois anos. Foto: Rick Rodrigs

Ator potiguar atua no Recife há dois anos. Foto: Rick Rodrigs

Por que A Mulher Monstro como título?
O título de A Mulher Monstro surgiu de uma entrevista do autor de Creme de Alface, Caio Fernando Abreu. Ele mesmo denomina assim a personagem, que nos baseamos para montar o espetáculo. Ele disse, quando publicou o conto em 1995, sobre o texto que foi escrito em plena ditadura militar: “durante vinte anos, escondi até de mim mesmo a personagem dessa mulher monstro fabricada pelas grandes cidades. Não é exatamente uma boa sensação, hoje, perceber que as cidades ficaram ainda piores, e pessoas assim ainda mais comuns”. Achei forte o termo e acrescentei o artigo para ficar mais coerente.

Como foi a composição da peça?
O espetáculo foi surgindo como consequência de diversos fatores. Ainda em 2015 começava a explodir acontecimentos políticos no Brasil, antes mesmo do processo de impeachment da Dilma. O ódio e o desrespeito, sempre existentes passou a ganhar voz sem vergonha nas redes sociais, nas ruas e nas opiniões de figuras públicas. Os pensamentos segregacionistas e antidemocráticos estavam expostos ali, na nossa cara, carregados de intolerância nas expressões e argumentos. Fui apagar alguns arquivos do celular pessoal e me deparei com muitos prints (fotos da tela do celular) de diversas opiniões e publicações de anônimos, amigos, conhecidos e famosos. O que me espantava, o que me era monstruoso, eu guardava com uma sensação que nem sei explicar exatamente. Fazia foto e guardava. Eu tinha, então, em mãos um material que não poderia simplesmente deletar. Ao mesmo passo, venho pesquisando a vida e obra de Caio desde início de 2009. Reli o conto Creme de Alface e resolvi atualizar, levar o conto para a cena, que é uma investigação que tenho no teatro, seria um desafio necessário para o momento social e político. No momento eram 40 anos da escrita daquele conto, e me espantou sua personagem ainda ser tão atual e tão parecida conosco – com sua humanidade peculiar, mas ainda de uma monstruosidade intolerante. Juntei os prints com o conto, acrescentei mais coisas. Coloquei memórias desde a infância, fatos íntimos nunca antes relevados e agora subvertidos na dramaturgia. Em seis meses mais ou menos estava com a base do texto teatral. Após isso, os passos foram intensificar o meu treinamento de ator, beber mais da poética de tudo aquilo que tinha em mãos e que tinha vivido, experimentar e escolher estéticas em sala de ensaio, se jogar nesse abismo que é apresentar um espetáculo.

Não é muito difícil assumir várias funções no espetáculo – atuar, dirigir, assinar a dramaturgia?
Não foi uma escolha. A dramaturgia foi surgindo de forma bem natural. E as escolhas, os direcionamentos, surgiam como imagens, vontade de experimentar ao ler, empolgação criativa. Como sabia o que queria falar e atingir com a encenação, pensei ainda em experimentar com atores e eu iria dirigir. Algumas tentativas com atores amigos, e eu via que não era o que o processo pedia. Resolvi entrar na cena. Então não foram exatamente escolhas. É um processo mais solitário sim, foi doloroso, não só por falar de coisas que me assolam. Mas com os outros integrantes da Cia ficávamos felizes a cada experimentação por ter dessa vez um espetáculo mais a nossa cara.

A personagem fica confinada em uma jaula de uma mulher gorila de festinhas de interior? Por que essa opção?
Sim, durante o processo eu via o quanto somos monstros e destrutivos não só com o que nos rodeia, mas com nós mesmos. As palavras são armas afiadíssimas, causam medo. A Mulher Monga dos circos e parques nordestinos, por ter crescido no agreste do Rio Grande do Norte, foi a minha primeira experiência teatral. Aquele fenômeno ficou na minha cabeça. Após estudar teatro identifiquei naquela pequena encenação algo que passei acreditar: a arte relacional, como explica Nicolas Bourriaud. Aquela estética relacional da Monga, também enraizada de machismo e de exposição do corpo feminino como business, foi a inspiração para transformar não o humano em monstro, mas o monstro em humano. Fazer teatro é falar também de suas monstruosidades, essa transformação já é experimentada no artista na sociedade.

Você fala que o debate após o espetáculo é o quarto ato? Onde começa e onde termina cada um dos outros três?
Dividi a dramaturgia em três partes, mesmo não deixando tão claro para a plateia: a primeira que é uma performance de título A Mulher Monstro mesmo; outra que se chama Cotidiano Contradição, que uma chuva de pensamentos e identificações da personagem. E a terceira chamamos de Escarro Sobre Si, a sequência do enredo criado pelo Caio Fernando Abreu. Para nós que fazemos a peça, esses três atos de encenação se completam com o diálogo com a plateia. Queremos ouvir o público, não apenas o que acharam do espetáculo, não. E nem de questões técnicas apenas. Mas queremos ouvir as pessoas, fazer com que elas olhem para as outras que estão ao seu redor. Que possam expor suas opiniões acerca da temática da intolerância, como mote diversas expressões escritas na cenografia. Acreditamos que o diálogo, não só exatamente a redenção ao identificar-se como também monstro, é chave para fazer da nossa arte militância.

E o que você tem aprendido com esse diálogo com o público?
O teatro é a arte do encontro, e esse quarto ato serve para mostrar que o espetáculo não é distante e nem é, infelizmente, uma caricatura do que vemos por aí.

Você acha que as pessoas da plateia são realmente sinceras nessas conversas?
Não sei, viu? Acredito que as pessoas saem menos intolerantes, mesmo que não admitam, conseguem identificar expressões da cultura popular, da cultura familiar ou suas, que quando proferidas machucam quem está ao seu redor. Qualquer tipo de reação na plateia já nos deixa de dever cumprido, e olhe que as mais diversas reações acontecem.

Que transformações a peça já sofreu desde sua estreia?
Passou por transformações estéticas, acabamos por não modificar a poética e o que queríamos falar. Ajustamos, afinamos apenas o pensamento artístico e político. Os códigos do que e como queríamos expressar o tema e a história da personagem. O processo de criação se deu em uma ocupação que fizemos no Recife Antigo, num piso superior de uma boate na rua da Moeda. Lá fizemos leituras dramáticas fechadas para militantes de direitos humanos e movimentos sociais do Recife, e fizemos também em Natal leituras dramáticas abertas ao público. A pré-estreia aconteceu em julho no Rio Grande do Norte e a estreia no interior de Pernambuco, em um festival nordestino de teatro em Trindade.

José Neto Barbosa em A Mulher Monstro. Fotos: Ivana Moura

José Neto Barbosa em A Mulher Monstro. Fotos: Ivana Moura

A 9ª Mostra Capiba de Teatro, do Sesc Casa Amarela reúne nove montagens em torno da ideia de território do ator solidário e da vastidão proporcionada pelo palco. A programação traz nove espetáculos de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Sergipe, até o dia 22.

São eles: O Açougueiro, com Alexandre Guimarães; A Mulher Monstro, com José Neto Barbosa; Histórias Bordadas em Mim, com a atriz Agrinez Melo; Soledad – A Terra é Fogo Sob Nossos Pés, com a atriz Hilda Torres; A Receita, com Naná Sodré; O Mascate, a Pé Rapada e os Forasteiros, Diógenes D. Lima; Para Acabar de Vez com o Julgamento de Artaud, Samir Murad e Vulcão com Diane Velôso.

A Mostra também abriga três oficinas: A Narrativa do Contador de Histórias na Construção da Personagem, com a atriz Augusta Ferraz; O Ator no Século XXI – Uma proposta de encontro entre o Ocidente e o Oriente, comandada por Samir Murad, e Ateliê de Crítica e Reflexão Teatral, com as jornalistas e críticas Luciana Romagnolli e Ivana Moura.

Além das três oficinas, haverá a aula-espetáculo Como era bonito lá, na segunda-feira (17), às 14h, com a atriz, diretora, pesquisadora e professora Nara Keiserman.

Veja mais sobre a Mostra:
Mostra Capiba chega à 9ª edição
Capiba começa com Caio Fernando Abreu
Vida de gado

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia, encenação e atuação: José Neto Barbosa
Iluminação: Sergio Gurgel Filho e José Neto Barbosa
Maquiagem: Diógenes e José Neto Barbosa
Cenografia e figurino: José Neto Barbosa
Assistência de cenografia: Anderson Oliveira e Diego Alves
Sonoplastia: Diógenes, Mylena Sousa e José Neto Barbosa
Registro: Mylena Sousa
Produção: S.E.M. Cia de Teatro (Sentimento, Estéticas e Movimento)
Classificação indicativa: 16 anos
Duração: aprox 60 minutos, mais bate-papo com a plateia.

SERVIÇO
A Mulher Monstro, da S.E.M. Cia de Teatro
Quando: Neste domingo, 16/10, às 20h
Onde: Teatro Capiba
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia).
Informações:

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A realidade é mais cruel que a ficção

Neto questiona as ruindades latentes no ser humano em A Mulher Monstro. Foto: Ivana Moura

Texto é baseado em conto de Caio Fernando Abreu e nas narrativas conservadoras. Foto: Ivana Moura

É possível que você fique com muita raiva da personagem da peça A Mulher Monstro. É provável que você ria de algumas falas altamente preconceituosas. É arriscado simplesmente condenar a Fulana da encenação, porque em muitos pontos as barbaridades que ela faz, pensa ou diz estão entranhadas até na constituição do brasileiro mais nobre, daquele que defende os plenos direitos humanos e dos seres vivos do planeta Terra. Aquela criatura do palco flerta com as ideias do Bol+nato. Ou reproduz a absoluta arrogância da elite e a estupidez de certos líderes religiosos. E esse caráter pode trair o nosso próprio gesto coletivo, pensamento ou fala. Ela é absurda.

E não dá para encarar essa criatura na chave da comédia. Inclusive porque humilhar, desprezar, rebaixar, desqualificar, aviltar as pessoas por qualquer motivo não tem graça. Especialmente nesses tempos sombrios em que vivemos, de intolerância em todas as letras do alfabeto. Em que cada um defende sua verdade e os caminhos para o diálogo estão obstruídos pela prepotência do umbigo.

O ator, dramaturgo e diretor José Neto Barbosa, da S.E.M. Cia de Teatro (RN), arquitetou a peça A Mulher Monstro tendo como eixos: o texto Creme de Alface, escrito por Caio Fernando Abreu em 1975 e publicado em Ovelhas negras (2002); e a avalanche de informações / comentários postados nas redes sociais (como Facebook e Instagram), falas aleatórias veiculadas na TV e nas ruas que exaltam panelaços e condenações “sem provas, mas com convicção”.

A Mulher Monstro estreou ontem e faz mais uma sessão neste sábado (24/09), às 20h, no Teatro Arraial Ariano Suassuna, na Rua da Aurora, no Recife.

Texto é baseado em conto de Caio Fernando Abreu

Neto Barbosa questiona as ruindades latentes no ser humano em A Mulher Monstro. Foto: Ivana Moura

A crueldade do conto Creme de Alface provocou a rejeição do próprio autor pelo texto, publicado mais de 20 anos depois de sua criação. A realidade é mais pesada e está deixando o ar irrespirável.

As palavras do escritor gaúcho foram encaixadas nas narrativas de parcelas mais conservadora e retrógrada da sociedade brasileira. O resultado é dilacerante diante do fervilhar de discriminação.

A barbárie, a intolerância e o preconceito da época da ditadura militar ganharam proporções alarmantes nas circunstâncias do golpe midiático-jurídico. E o espetáculo aproveita as imagens e as versões veiculadas pela imprensa conservadora, que criou seus bodes expiatórios. O panelaço é um dos primeiros.

A incapacidade de conviver com as regras democráticas e o ódio construído e alimentado nos noticiários em rede nacional está no subtexto da montagem. A figura que comanda o monólogo é uma monstra conservadora, que ostenta nos seus genes um pouco de tudo isso. Ela é racista, homofóbica, gordofóbica, elitista, sexista e por aí vai.

Essa mulher monstra de Abreu trafega pelo espaço urbano com dificuldade . Ela irrita-se com quem encontra pelo caminho: “aqueles negrinhos gritando loterias”; “…e este maldito velho com passinho de tartaruga bem na minha frente…”; “pivetes imundos, tinham que matar todos”; “só uma cretina seria capaz de trazer duas crianças ao centro da cidade a esta hora”; “animal, por que não olha onde pisa?”; “como é que uma gorda dessas pode sair à rua ao lado de outra gorda ainda mais larga?”. Ela não quer ser tocada pela multidão, “o senhor por favor poderia fazer o obséquio de tirar o cotovelo da minha barriga?”

Vozes da parcela mais conservadora da sociedade brasileira são expostas no palco

Vozes da parcela mais conservadora da sociedade brasileira são expostas no palco

Na primeira cena o ator na função de mulher-gorila dentro de uma gaiola é transformada numa dona de blusa branca e saia. Sua verborragia está contaminada pela desonestidade intelectual e pelo raciocínio capcioso. A luz faz a marcação na mudança dos discursos que ela trava sobre o mundo exterior e interior e seus pensamentos. A marcação frenética que revela as situações e personagens ganha espessura na modulação da voz, entonações e intenções que o intérprete desenvolve com muita propriedade. As mudanças de postura e expressão facial acompanham o processo, em rápidas transições.

Ela revela indiferença pela dor do outro. Nutre por si mesma uma autocomiseração e imagem tão positiva que supera qualquer espelho da rainha da Branca de Neve. Não se enxerga como realmente é. Nem vê a crueldade, a violência e monstruosidade que carrega. Sua posição é de vítima do mundo contemporâneo: “eu não nasci para viver neste tempo, sensível demais, no colégio já diziam”.

Retoma lembranças da própria existência e da dos conhecidos. E ao contrário do que nutre por si, eles não merecem sua generosidade: “Raul se enforcara no banheiro, cinco anos exatos amanhã”; “Lucinda quebrou as duas pernas atropelada por um corcel azul três dias depois de Martinha confessar que estava grávida de três meses, e não quer casar, a putinha”; “Marquinhos o tempo todo enfiando aquelas coisas nas veias, roubando coisas pra comprar a droga”; “Arthur subindo e descendo sobre o par de coxas escancaradas da empregadinha”; “Rosemari bebendo cada vez mais, meio litro de uísque até o meio dia, depressão, ela diz,”; “Lia Augusta agora querendo ser modelo, fortunas naquelas fotos, não tenho nada com isso mas falei assim pra Iolanda, bem na cara dela…”

A protagonista encara a rua para pagar alguns crediários. No embate com outros transeuntes ele destila seu ódio disfarçado, seu egoísmo e a frustração com sua vida caótica: “seus porcos, boiada, manada’; ‘desviou com nojo do velho, a pústula exposta, vai pedir dinheiro na Secretaria da Fazenda, já cansei de dizer que mendigo é problema social”.

A perversidade está em toda parte

A perversidade está em toda parte

O ambiente da rua é sufocante para ela com “aqueles jornais cheios de horrores, porcarias, aquele barulho das britadeiras furando o concreto, a fumaça negra dos ônibus”. Resolve adiar o pagamento para proporcionar a si mesma um pequeno prazer. De Assistir a um filme estrelado por Jane Fonda.

Mas tinha uma garotinha no meio do caminho. “A menina segurou seu braço pedindo um troquinho pelo amor de deus pro meu irmãozinho que tá no hospital desenganado, pra minha mãezinha que tá na cama entrevada, tia…”. “A menina insistia só um troquinho pro meu irmãozinho e pra minha mãezinha, moça bonita, e tão perfumada”. Ela nega mais uma vez e agride com palavras: “Ela sacudiu com força o braço como quem quer se livrar de um bicho, uma coisa suja grudada, enleada, e foi então que a menina cravou fundo as unhas no seu braço e gritou bem alto, todo mundo ouvindo apesar do barulho dos carros, dos ônibus, dos camelôs, das britadeiras, a menina gritou: sua puta sua vaca sua rica fudida lazarenta vai morrer toda podre”.

Ela agride fisicamente a menina. E como nas outras situações em que a protagonista se envolve, as imagens sugeridas pelos falas,e interpretação segura de Neto Barbosa são suficientes para despertar as mais diversas emoções.

E por fim ainda temos uma conversa com os criadores, sobre o processo. Um troca, uma comunhão. Neto Barbosa exposto em suas fragilidades, mais forte como artista, com uma mulher monstro odienta, mas encantadora.

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia, encenação e atuação: José Neto Barbosa
Iluminação: Sergio Gurgel Filho e José Neto Barbosa
Maquiagem: Diógenes e José Neto Barbosa
Cenografia e figurino: José Neto Barbosa
Assistência de cenografia: Anderson Oliveira e Diego Alves
Sonoplastia: Diógenes, Mylena Sousa e José Neto Barbosa
Registro: Mylena Sousa
Produção: S.E.M. Cia de Teatro (Sentimento, Estéticas e Movimento)
Classificação indicativa: 16 anos
Duração: aprox 60 minutos, mais bate-papo com a plateia.

SERVIÇO
A Mulher Monstro, da S.E.M. Cia de Teatro
Quando: sexta (23) e sábado (24), às 20h
Onde: Teatro Arraial (Rua da Aurora, 457, Boa Vista).
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia). Informações: 3184-3057

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Monstruosidades do cotidiano

Ator e dramaturgo Neto Foto: Mylena Sousa

Ator e dramaturgo José Neto Barbosa. Foto: Mylena Sousa

A Mulher Monstro é novo espetáculo de José Neto Barbosa. A peça é inspirada nas suas memórias da figura de “Mulher Monga” dos parques e circos nordestinos para mostrar as várias facetas da discriminação. Ele também foi buscar fôlego em Caio Fernando Abreu, no conto Creme de Alface. A encenação expõe as monstruosidades verbais e físicas no cotidiano do atual momento sociopolítico do Brasil. “O ódio se mostra sem embaraço, principalmente nas opiniões das redes sociais, das ruas e nas lamentáveis posturas de figuras públicas”, observa o ator dramaturgo.

A S.E.M. Cia de Teatro promoveu leituras dramáticas, apresentações e bate-papo sobre arte militância com representantes de ONGs e movimentos sociais em Pernambuco e também no Rio Grande do Norte, para afinar os discursos artísticos e políticos da montagem,

A peça faz duas apresentações no Teatro Arraial Ariano Suassuna nos dias 23 e 24 de setembro, sexta-feira e sábado, às 20h, com ingressos a preços populares.

A mulher monstro. foto: Jorge Almeida

A mulher monstro. Foto: Jorge Almeida

“O que me aterroriza neste conto de 1975 é a sua atualidade. Com a censura da época, seria impossível publicá-lo. Depois, cada vez que o relia, acabava por rejeitá-lo com um arrepio de repulsa pela sua absoluta violência. Assim, durante vinte anos, escondi até de mim mesmo a personagem dessa mulher-monstro fabricada pelas grandes cidades. Não é exatamente uma boa sensação, hoje, perceber que as cidades ficaram ainda piores, e pessoas assim ainda mais comuns.” Explica Caio Fernando Abreu na nota introdutória do conto Creme de Alface, publicado no livro Ovelhas Negras, composto de textos rejeitados pelo autor entre os anos de 1962 a 1995.

No conto de Abreu, uma mulher anda pelas ruas com o propósito de pagar alguns crediários. Mas passa a indagar sobre os fatos do cotidiano e o redemoinho em que vive. Tenta tirar uma folga. O espaço urbano ficcionalizado chama a atenção para dois pontos:  o consumismo e a fragilidade dos laços humanos.

A intolerância da qual falava o escritor foi enraizada na sociedade. O espetáculo busca amplificar no palco as perversidades dos brasileiros, em expressões e atitudes que denunciam o preconceito e os argumentos segregacionistas, antidemocráticos, radicalistas e fundamentalistas.

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia, encenação e atuação: José Neto Barbosa
Iluminação: Sergio Gurgel Filho e José Neto Barbosa
Maquiagem: Diógenes e José Neto Barbosa
Cenografia e figurino: José Neto Barbosa
Assistência de cenografia: Anderson Oliveira e Diego Alves
Sonoplastia: Diógenes, Mylena Sousa e José Neto Barbosa
Registro: Mylena Sousa
Produção: S.E.M. Cia de Teatro (Sentimento, Estéticas e Movimento)
Classificação indicativa: 16 anos
Duração: aprox 60 minutos, mais bate-papo com a plateia.

SERVIÇO:
A Mulher Monstro, de José Neto Barbosa
Quando: 23 e 24 de setembro de 2016, sexta-feira e sábado, às 20h
Onde: Teatro Arraial Ariano Suassuna (R. da Aurora, 457 – Boa Vista, Recife
Telefones: 81 99599-8987 (produção) | 81 3184-3057 (Teatro)
Ingressos: R$ 20,00 inteira | R$ 10,00 meia
Vendas antecipadas: www.eventick.com.br/amulhermonstroarraial

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