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A dança contemporânea pode ser uma piada

Espetáculo do Dimenti goza com a cara de todo mundo. Fotos: Ivana Moura

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Parafraseando o Ultraje a Rigor: ridículos, a “gente somos” ridículos. É o que diz o espetáculo Tombé. Somos todos, de alguma forma, risíveis? Pelo menos é o que a Dimenti, de Salvador, levanta em sua montagem com uma profusão de clichês da dança e outros elementos que joga no centro da mangação praticamente todos os mortais. Eles acreditam que a ironia e o veneno destilados unem as criaturas. Os próprios são alvos do escracho. E a partir daí não poupam ninguém. Nem mesmo a professora que ensinou as primeiras piruetas. Ela aparece mais obsoleta do que nunca a incentivar: “preencham os espaços vazios!”. E pede para que cada um procure uma energia coletiva e busque seu animal interior.

É meus caros, a dança contemporânea foi transformada em comédia nos corpos dos integrantes do Dimenti. A apresentação ocorreu no Teatro Apolo, dentro do Palco Giratório.

Tombé se contorce em exercícios metalinguísticos, ataca hierarquias nas relações entre bailarinos e seus mestres. Gênero e etnia não escapam à avalanche de deboche. Nesse processo criativo coletivo colaborativo a trupe caçoa de procedimentos para alcançar as destrezas corporais; embaralha dança, teatro e performance; e reforça o caráter mutante das obras.

A língua dos integrantes do grupo é afiada e repleta de ironia

Tombé tira proveito do nonsense daquelas bizarras sessões de DR no trabalho ou em um grupo de estudo ou na perda de controle de um deles. Mas na base da mangação estão conceituações sobre dança contemporânea, formação e outras técnicas, chaves e frases de efeito do mundo acadêmico sobre a arte e seus teóricos.

As tensões de poder ganham alta voltagem, e, podem ser reconhecidas entre outros sujeitos de qualquer empresa ou juntamento de pessoas.Eles falam mais do que dançam e tudo é meio exagerado, desengonçado ou disforme. E os estereótipos pululam.

A companhia de bailarinos-criadores-estudiosos convoca os filósofos franceses pós-estruturalistas numa sátira ao universo pedagógico, zomba da aprendizagem na dança. Enquanto executa ações simultâneas, muitas com citação paródica, a tropa evidencia as rachaduras nos estereótipos e carnavaliza as tradições.

Trupe defende que qualquer pessoa se identifica com algo da peça

Provoca derrisão com o grotesco do caso.

A plateia protagoniza ondas de risos contagiantes. E eu resisti à descarga coletiva por um bom tempo, mas em algum momento esse humor cáustico me pegou também.

Entre piruetas, ironias, um dos bailarinos fala: “Eu não sabia que a vida se reduzia a isso!”, frase que a única mulher da encenação, que é fanha na peça, também vai repetir para fechar o espetáculo.

Eles utilizam “tags” que são tiros certeiros. Mas correm o risco de virar piada interna do mundo da dança. É uma montagem que resvala para o exagero e equalizar esse humor é o desafio de cada sessão.

Ficha técnica:
Criação e performance: Eduardo Gomes, Fábio Osório Monteiro, Jorge Alencar, Neto Machado e Rúbia Romani
Direção coreográfica: Jorge Alencar
Tema musical original: Osvaldo Ferraz e Tiago Rocha
Projeto de luz: Márcio Nonato
Direção de produção: Ellen Mello
Produtor assistente: Fábio Osório Monteiro

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Corpo em trânsito

Kleber Lourenço em Portugal. Fotos: Jorge Pereira

Ele não aguentou ficar longe do carnaval pernambucano. Encontrei-o trazendo a mala no elevador de um prédio no Centro da cidade, poucos dias antes da folia, dizendo que tinha conseguido agilizar a volta para casa depois de alguns meses em Portugal. Foi lá que Kleber Lourenço concretizou o seu terceiro espetáculo solo de dança contemporânea: Estar aqui ou ali?. Agora, mais uma vez, o bailarino, ator, diretor, performer vai experimentar o deslocamento. Estreia o espetáculo hoje, às 16h, em Petrolina, dentro de uma circulação promovida pelo Sesc, chamada Encena PE.

Muito coerente, aliás, já que o solo trata exatamente do trânsito, das identificações culturais construídas num percurso e os estranhamentos que decorrem desse processo. “Passei três meses sozinho em Portugal, mergulhado no trabalho. Buscando uma relação de reconhecimento nos lugares. E fiquei em Lagos, uma cidade turística, que tem semelhanças com o Recife. Tem uma ligação também com a história da colonização, com a rota de escravos”, conta.

A viagem foi realizada através do Programa de Candidaturas Internacionais do LAC – Laboratório de Actividades Criativas da cidade de Lagos. “Ano passado, oito artistas internacionais foram contemplados por esse projeto, de música, artes plásticas, com quem eu trocava muito”, relembra. Para compor o seu espetáculo, Kleber também viajou por todo o Nordeste à procura de identificar semelhanças e diferenças, estereótipos, a sensação de ser estrangeiro e de como é a adaptação a essa situação.

Já de volta ao Recife, na sala de ensaios do Teatro de Santa Isabel, Lourenço contou com a ajuda do coreógrafo Jorge Alencar, diretor artístico do grupo baiano Dimenti (ele assina a cocriação e colaboração dramatúrgica); e do músico Zé Guilherme, mais conhecido como Missionário José, que cuida das músicas dos espetáculos do intérprete desde Negro de estimação, segundo solo do bailarino. “Desta vez estamos tentando combinar coisas que teoricamente não se misturam, além de discutir a não-negação das músicas do ambiente, já que o espetáculo será apresentado na rua”, explica Missionário José.

Estar aqui ou ali? estreia hoje, em Petrolina

Em Petrolina, para a estreia e a realização da oficina Práticas corporais em trânsito (que já teve as incrições encerradas), o bailarino contará com a ajuda de Jorge Alencar, que tinha sido convidado por Kleber desde 2008 para compor o projeto. “Como colocar as teorias em prática, transformando em cena, isso me interessa bastante”, explica Alencar.

Estar aqui ou ali? ainda vai passar por Araripina, Bodocó, Buíque, Belo Jardim, Surubim, Caruaru e São Lourenço da Mata. No Recife, a apresentação será dentro da Cena bacante, projeto do Palco Giratório, no Espaço Muda, dia 27, às 23h, com a participação de Catarina Dee Jah e Júnior Black. Só aqui na capital pernambucana é que o espetáculo será apresentando num espaço fechado; nos outros lugares, o artista pretende interagir com a cidade e com os seus estímulos, se apresentando em feiras, praças, locais de grande circulação de pessoas.

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