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As histórias dos Grimm encantam até hoje

Era Uma Vez… Grimm um musical brasileiro com qualidade Fotos Alex Ribeiro – Cria S/A

A primeira coisa que eu teria a dizer sobre Era uma vez… Grimm é que tudo é de um profissionalismo impecável. E isso é muito bom. Os atores são ótimos e cantam muito bem. A produção funciona, os efeitos são incríveis, a música reforça que é possível outras partituras mais elaboradas para nossos ouvidos cansados de tanta bobagem. E tem a mão de Tim Rescala, que coloca elementos de ópera nesse musical.

A cenografia, de Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo, é composta de um grande livro deitado no chão com inclinação para que o fundo do palco fique mais alto, com páginas que passam digitalmente, uma cortina que separa os músicos e serve de suporte para as ilustrações de Rui de Oliveira e as projeções e animações de Renato e Ricardo Vilarouca. O clima fantástico da montagem é reforçado pelos efeitos especiais, como uma árvore que cresce, as mudanças de estações e sobreposições de roupas. Há ainda os alçapões de onde “brotam” elementos como mesas e cadeiras ou se abrem buracos que engolem objetos ou pessoas.

Os efeitos especiais são incríveis. Foto Alex Ribeiro – Cria S/A

Os quatro atores/cantores Chiara Santoro, Janaína Azevedo, José Mauro Brant e Wladimir Pinheiro desenrolam a narrativa dos manos alemães, Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) eruditos e filólogos, que catalogaram belos contos para crianças. Dois narradores traçam uma breve biografia dos dois autores. E depois apresentam duas histórias: O junípero e Cinderela.

A narrativa é intercalada por falas e canções da trilha original de Tim Rescala, e foram executadas ao vivo aqui por cinco músicos da Orquestra Sinfônica do Recife, sob a batuta do ator, humorista e compositor Tim Rescala. São eles Cromácio Leão (trompa), Frederica Bougeois (flauta), João Carlos Araújo (violoncelo), Jonathan Zacarias (clarinete) e Marcos Antunes (viola).

O Junípero não é uma das narrativas mais conhecidas e traz uma trama semelhante a da Bela Adormecida, com a madrasta malvada que não suporta o enteado e termina por tirar sua vida. Há um requinte de crueldade no meio de uma série de violências e uma reviravolta surpreendente. A árvore que cresce, a neve, os bancos e mesas que surgem, e até pequenas casas enchem os olhos do espectador.

A Cinderela que conhecemos se apresenta sem fada madrinha, mas ganha a bênção dos pássaros e dos seres da floresta. Ela esnoba no seu figurino de candidata a princesa. E as disputas entre as filhas são engraçadíssimas. Essa segunda história tem mais humor e uma comunicação mais rápida com a plateia.

Os figurinos são bonitos, a iluminação revela. O clima de terror se instala. Só faço ressalva quanto ao ritmo em alguns pontos das duas histórias e gostaria de um pouco menos de biografia narrada dos escritores. Mas é um espetáculo limpo, belo, bem cantado e interpretado. Um musical brasileiro para se aplaudir.

Cena do episódio Cinderela

Ficha técnica
Texto e Letras: José Mauro Brant (baseado na obra dos irmãos Grimm)
Música Original e Direção Musical: Tim Rescala
Direção: José Mauro Brant e Sueli Guerra
Supervisão: Miguel Vellinho
Elenco / vozes / personagens
José Mauro Brant – Tenor / Wilhelm Grimm, menino, irmã 1, príncipe
Wladimir Pinheiro – Barítono / Jacob Grimm, pai, irmã 2, lobo
Janaina Azevedo – Mezzo Soprano / Jeanette Hassenpflug, Dorothea Wieman e madrastas
Chiara Santoro – Soprano / Dorchen, Marlichen, Cinderela
Cenografia e figurino: Espetacular! Produções & Artes – Ney Madeira, Dani Vidal & Pati Faedo
Iluminação: Paulo César Medeiros
Desenho de som: Fernando Fortes
Animação gráfica: Renato e Ricardo Vilarouca
Ilustrações: Rui de Oliveira
Projeto Gráfico: Maurício Grecco e Úrsula de Mello

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Crítica // Sargento Getúlio: a vida pela palavra dada

Versão baiana do texto de João Ubaldo Ribeiro. Fotos: Ivana Moura

Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, é um personagem fascinante. Com esse romance, publicado em 1971, o escritor ganhou o Prêmio Jabuti de 1972 como autor-revelação. Duro e terno na sua ignorância, o protagonista defende o que chama de honra e palavra dada até as últimas consequências. João Ubaldo registrou que se trata de “uma história de aretê”, em referência à deusa grega, que tem a ver com virtude e obrigação: que cada um deve cumprir seu destino.

O grupo Teatro Nu, de Salvador/BA, participa do Janeiro de Grandes Espetáculos com uma adaptação do texto de João Ubaldo. Teve uma sessão ontem e estão programadas duas sessões para esta sexta-feira, às 17h e 20h, no Teatro Apolo, no Bairro do Recife.

Na montagem, o personagem-narrador conta sua própria história e defende com voracidade seus valores. E em alguns momentos o ator se desdobra em outras vozes. O universo apresentado é de brutalidade, primitivismo. O protagonista, numa linguagem coloquial e com termos regionalistas, vai desfiando seu jeito de ver o mundo. Ele é um rude militar a quem foi confiada uma missão e ele vai até o fim.

Com um humor de contador de casos, ele revela ao público que assassinou a mulher adúltera. Essa é sua última missão antes da aposentadoria, a mando do político Acrísio Nunes. O sargento deve levar um adversário do “chefe” de Paulo Afonso para Aracaju. Mas as coisas mudaram na política (como mudam sempre, e inimigos viram aliados). Mas o cabeça-dura do Getúlio não entende (e não quer entender dessa coisa escorregadia da política) e não admite não finalizar sua tarefa. Virou questão de honra, para o macho que é um exemplo do atraso brasileiro. Suas colocações de tão esdrúxulas soam até engraçadas. O protagonista se gaba de sua grosseria, crueldade, violência e vaidade que encaminha-se para a própria desgraça.

Atuação vigorosa do do ator Carlos Betão

É uma atuação vigorosa do ator Carlos Betão no papel do sargento da polícia militar de Sergipe Getúlio Santos Bezerra. O diretor Gil Vicente Tavares realça a não-linearidade temporal e as mudanças de foco narrativo.

Sobre o palco, uma plataforma. A encenação minimalista conta com poucos elementos. Um banquinho e a lateral de uma carcaça de rural fazem parte do cenário de Rodrigo F. A iluminação de Eduardo Tudella traça as mudanças e cria um clima de estrada no meio do sertão.

É uma interpretação de fôlego do ator Carlos Betão, com um tempo-ritmo impressionante. Ele precisa só tomar cuidado com as falas iniciais, de costas para a plateia, que não dá para entender muito bem pela velocidade. E o tom histriônico, junto com um gestual repetitivo faz lembrar personagens de Lima Duarte na sua cacoépia (palavras são pronunciadas incorretamente). Mas, repito, é uma atuação que merece ser aplaudida.

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