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Crítica // Sargento Getúlio: a vida pela palavra dada

Versão baiana do texto de João Ubaldo Ribeiro. Fotos: Ivana Moura

Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, é um personagem fascinante. Com esse romance, publicado em 1971, o escritor ganhou o Prêmio Jabuti de 1972 como autor-revelação. Duro e terno na sua ignorância, o protagonista defende o que chama de honra e palavra dada até as últimas consequências. João Ubaldo registrou que se trata de “uma história de aretê”, em referência à deusa grega, que tem a ver com virtude e obrigação: que cada um deve cumprir seu destino.

O grupo Teatro Nu, de Salvador/BA, participa do Janeiro de Grandes Espetáculos com uma adaptação do texto de João Ubaldo. Teve uma sessão ontem e estão programadas duas sessões para esta sexta-feira, às 17h e 20h, no Teatro Apolo, no Bairro do Recife.

Na montagem, o personagem-narrador conta sua própria história e defende com voracidade seus valores. E em alguns momentos o ator se desdobra em outras vozes. O universo apresentado é de brutalidade, primitivismo. O protagonista, numa linguagem coloquial e com termos regionalistas, vai desfiando seu jeito de ver o mundo. Ele é um rude militar a quem foi confiada uma missão e ele vai até o fim.

Com um humor de contador de casos, ele revela ao público que assassinou a mulher adúltera. Essa é sua última missão antes da aposentadoria, a mando do político Acrísio Nunes. O sargento deve levar um adversário do “chefe” de Paulo Afonso para Aracaju. Mas as coisas mudaram na política (como mudam sempre, e inimigos viram aliados). Mas o cabeça-dura do Getúlio não entende (e não quer entender dessa coisa escorregadia da política) e não admite não finalizar sua tarefa. Virou questão de honra, para o macho que é um exemplo do atraso brasileiro. Suas colocações de tão esdrúxulas soam até engraçadas. O protagonista se gaba de sua grosseria, crueldade, violência e vaidade que encaminha-se para a própria desgraça.

Atuação vigorosa do do ator Carlos Betão

É uma atuação vigorosa do ator Carlos Betão no papel do sargento da polícia militar de Sergipe Getúlio Santos Bezerra. O diretor Gil Vicente Tavares realça a não-linearidade temporal e as mudanças de foco narrativo.

Sobre o palco, uma plataforma. A encenação minimalista conta com poucos elementos. Um banquinho e a lateral de uma carcaça de rural fazem parte do cenário de Rodrigo F. A iluminação de Eduardo Tudella traça as mudanças e cria um clima de estrada no meio do sertão.

É uma interpretação de fôlego do ator Carlos Betão, com um tempo-ritmo impressionante. Ele precisa só tomar cuidado com as falas iniciais, de costas para a plateia, que não dá para entender muito bem pela velocidade. E o tom histriônico, junto com um gestual repetitivo faz lembrar personagens de Lima Duarte na sua cacoépia (palavras são pronunciadas incorretamente). Mas, repito, é uma atuação que merece ser aplaudida.

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