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Masculinidades em constantes (des)construções

O artista Elilson participa da Mostra Todos os Gêneros do Itaú Cultural com tributo ao irmão morto

Barrela, de Plínio Marcos. Foto: Marta Santos

Bola de Fogo, de Fabio Osório Monteiro. Foto Patricia Almeida

Existe uma única forma de ser homem? É claro que não!!! Mesmo que alguns insistam em assumir o papel de troglodita, esse tipo não serve mais, se é que um dia prestou. A encrenca do termo sexualidade apareceu no século 19, como aponta Foucault, n’A História da Sexualidade, portanto é um conceito que ocupa as sociedades modernas e pós-modernas. Se já houve um tempo em que a mulher era percebida como um homem invertido, ao longo desse trajeto, o masculino passou de modelo de perfeição, domínio e superioridade à crise de masculinidade. Outros corpos exigiram o protagonismo e repeito às singularidades. Muitas lutas travadas em vários campos abalaram a virilidade hegemônica do modelo macho-man.

Então, masculinidades, no plural, é o mote da sétima edição de Todos os Gêneros: Mostra de Arte e Diversidade promovida pelo o Itaú Cultural deste 24 a 30 de agosto (segunda-feira a domingo) integralmente online, no site do www.itaucultural.org.br. Essa programação gratuita reúne exibições de cenas encomendadas, peça de Plínio Marcos, rap paulistano, músicas do interior do país, dança e debates.

“Cada edição desse projeto recupera os temas das mostras anteriores para agregar outras perspectivas de existência. Nunca partimos do zero, mas de um histórico de vozes que ecoam novamente a cada edição”, defende Galiana Brasil, gerente do Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural, no material de divulgação. “Assim chegamos nesse momento de colocar em foco as tantas possibilidades de construção – e, mesmo, desconstrução – a fim de refletirmos a pluralidade de uma existência homem”.

A programação inicia com Filho Homem, uma investigação do ator carioca Bernardo de Assis nos cruzamentos entre violência, amor e a descoberta da transexualidade, na ficção que mostra dois irmãos, que foram forjados um para ser homem e o outro para ser mulher. Encerra com shows carregados da sonoridade queer. O cantor pernambucano do Agreste Ciel Santos, autodenominado brincante de saia e batom, apresenta faixas do disco Enraizado. O  rapper paulista Rico Dalasam toca músicas do recém-lançado disco Dolores Dala Guardião do Alívio.

São muitos mergulhos no universo de identidade de gênero, sexualidade, corpo e afetividade. Faz parte da programação o espetáculo Barrela, de Plínio Marcos (1935-1999), encenado pela companhia Cemitério de Automóveis, dirigida por Mário Bortolotto. A peça aproveita um fato real de um jovem preso por um pequeno delito e violentado pelos companheiros de cela.

Já em Bola de Fogo, o baiano Fábio Osório Monteiro exibe uma performance de si mesmo como baiana de acarajé, função que abraçou em 2017, inclusive contando com registro oficial na Associação Nacional das Baianas de Acarajé e Mingau, ABAM.

Oboró. Foto: Julio Ricardo

A realidade e a subjetividade de homens negros, marcadas por questões como a hipersexualização do corpo numa sociedade de estrutura racista formam as cenas de Oboró, com os atores Cridemar Aquino, Drayson Menezzes e Sidney Santiago Kuanza, gravadas especialmente para esta edição de Todos os Gêneros. Oboró tem texto de Adalberto Neto e direção de Rodrigo França.

Cenas encomendadas

Cinco artistas convidados respondem à provocação “a masculinidade que me deram e a masculinidade que criei” com cenas criadas para web.

O dramaturgo e ator paulista Ronaldo Serruya utiliza a reza tradicional judaica em homenagem aos mortos, permitida aos filhos homens da pessoa falecida, para aproximar-se desse padrão masculino judaico-cristão que o formou. Kaddish, uma Oração para os Homens que Eu Matei, manifesta a urgência de acabar com esse modelo para afirmar, diante do mundo, o seu corpo queer e portador de HIV.

O pernambucano Elilson explora a representação do número 24 usado como ofensa contra os gays na cena C(h)ancela 24. Ele ergue uma ação-tributo a um irmão, também homossexual, que se suicidou aos 24 anos. O amazonense Odacy Oliveira indaga sobre a couraça como efeito do medo e da vergonha de ser livre. Em CorazA o artista libera a musculatura e se assume.

Já o performer André Vitor Brandão, de Petrolina, Sertão de Pernambuco, discute a a construção de uma masculinidade hegemônica no sertão em Para Não Dançar em Segredo. A masculinidade se torna um princípio energético dinâmico que pode ser alterado em Nkisi Hongolô – A Divindade do Arco-Íris, do coreógrafo gaúcho Rui Moreira.

Para não dançar em segredo, de André Vitor Brandão

Debates

A mesa Masculinidades em Trânsitos vasculha a construção das masculinidades dos participantes – o jornalista gaúcho Airan Albino, que atua nos campos da cultura e das questões de identidade racial com o grupo MilTons, Lino Arruda, quadrinista transmasculino paulista e doutor em literatura com tese sobre autorrepresentação travesti/trans em zines latino-americanos, e o escritor pernambucano Marcelino Freire – numa conversa mediada por Thiago Rosenberg, produtor e editor de conteúdo do Itaú Cultural. O poeta pernambucano Miró faz uma participação especial, lendo um poema de sua autoria.

O carioca Jordhan Lessa, primeiro homem trans publicamente reconhecido da Guarda Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, o terapeuta baiano Marcus Boaventura, que atua como facilitador de grupo de homens, e o antropólogo pernambucano Sirley Vieira, coordenador da Rede de Homens Pela Equidade de Gênero (RHEG) e do Instituto Papai participam da roda de conversa A Construção das Masculinidades. A mediação é do mineiro Guilherme Valadares, fundador do Papo de Homem, portal de conteúdo e de formação e transformação das masculinidades.

O debate Paternidades vai compartilhar as experiências do paulista Luis Baron, criador do Canal Topassado, voltado ao bem-estar e ao elevação da autoestima das pessoas LGBTQIA+ idosas; do capoeirista e bailarino pernambucano Orun Santana, filho do mestre de capoeira Meia-Noite, que criou um espetáculo solo dedicado ao pai, e o naturólogo gaúcho Tiago Koch, criador do projeto Homem Paterno, que ajuda homens que anseiam exercer a paternidade integral. A mediação é de Viviane Duarte, fundadora e CEO da iniciativa Plano Feminino e presidente do Instituto Plano de Menina.

Publicação

Uma publicação associada à mostra busca agregar, aprofundar e trazer outras perspectivas sobre a temática masculinidades em um leque de gêneros textuais. Ensaios, contos e poemas criados para o canal digital estão ilustrados com a arte do uruguaio Troche e uma HQ do quadrinista paulista Lino Arruda. Assinam os textos o escritor moçambicano Mia Couto (Um Corpo Extracorpóreo) e o paulistano Ferréz (Patriarcado no Meu Crucifixo).

O pernambucano Miró comparece com o poema Agora Recolho-me a Mim, Marcelino Freire contribui com a publicação com a prosa A Última Flor. Há ainda as reflexões sobre identidade do jornalista Airan Albino em Carnaval Não se Pula Sozinho e os pensamentos sobre o legado da figura paterna descritos pelo psicanalista carioca Tiago Mussi em A Carta (roubada) ao Pai. A jornalista e cineasta Luiza Fagá escreve em Desde a Fronteira, seu percurso por terrenos das masculinidades.

TODOS OS GÊNEROS: MOSTRA DE ARTE E DIVERSIDADE

Sétima edição
De 24 a 30 de agosto
No site do Itaú Cultural www.itaucultural.org.br

Concepção e realização: Itaú Cultural
Curadoria: Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural

PROGRAMAÇÃO, SINOPSES E SERVIÇO

24 de agosto (segunda-feira)

18h30
Cenas Teatrais – Filho Homem
Um documentário ficcional sobre as diferenças e proximidades entre dois irmãos – um criado
para ser homem e outro criado para ser mulher. Violência, amor e a descoberta da
transexualidade estão entre os temas abordados em cena.
FICHA TÉCNICA:
Concepção e atuação: Bernardo de Assis (RJ)
Duração aproximada: 10 minutos
Classificação Indicativa: não recomendada para menores de 12 anos
Interpretação em Libras

19h
Mesa de abertura – Masculinidades em trânsitos
Com Airan Albino (RS), Lino Arruda (SP) e Marcelino Freire (PE)
Mediação: Thiago Rosenberg (SP)
Duração aproximada: 60 minutos
Classificação indicativa: livre
Interpretação em Libras

25 de agosto (terça-feira)

17h
Roda de Conversa – A construção das masculinidades
Com Jordhan Lessa (RJ), Marcus Boaventura (BA) e Sirley Vieira (PE)
Mediação: Guilherme Valadares (MG)
Duração aproximada: 60 minutos
Classificação Indicativa: não recomendada para menores de 10 anos por conter diálogos
não estimulantes sobre sexo dentro de um contexto educativo
Interpretação em Libras

20h
Cenas Teatrais – Oboró
A obra expõe a realidade e a subjetividade de homens negros, marcadas por questões como
a hipersexualização do corpo e a busca por perfeição em troca de um lugar ao sol numa
sociedade de estrutura racista.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Adalberto Neto
Direção: Rodrigo França
Atuação: Cridemar Aquino (RJ), Drayson Menezzes (RJ) e Sidney Santiago Kuanza (SP)
Produção: Fábio França e Mery Delmond
Realização: Diverso Cultura e Desenvolvimento
Duração aproximada: 40 minutos
Classificação Indicativa: não recomendada para menores de 12 anos
Interpretação em Libras

26 de agosto (quarta-feira)

17h
Roda de Conversa – Paternidades
Com Luis Baron (SP), Orun Santana (PE) e Tiago Koch (RS)
Mediação: Viviane Duarte (SP)
Duração aproximada: 60 minutos
Classificação Indicativa: livre
Interpretação em Libras

20h
Espetáculo – Bola de Fogo
Devidamente trajado, o ator e diretor Fábio Osório Monteiro prepara e frita a massa do
acarajé enquanto performa a si próprio e a outros corpos negros. O trabalho explora questões
de política, espiritualidade, memória, afeto e ancestralidade.
FICHA TÉCNICA:
Direção: Fábio Osório Monteiro (BA)
Codireção: Leonardo França
Colaboração: Jorge Alencar e Neto Machado
Produção executiva: Natália Valério
Produtor assistente/contrarregra: Gabriel Pedreira
Interpretação em Libras: Cintia Santos
Produção: Dimenti Produções Culturais
Duração aproximada: 45 minutos
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 12 anos por conter linguagem
imprópria
Interpretação em Libras

27 de agosto (quinta-feira)

20h
Espetáculo – Barrela
Encenação do primeiro texto do dramaturgo paulista Plínio Marcos (1935-1999), a peça traz a
história real de um menino que, preso por um pequeno delito, foi violentado por
companheiros de cela – os quais, mais tarde, foram mortos por ele. O espetáculo discute o
estado de exceção que se cria em determinados ambientes e o código de conduta entre
criminosos.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Plínio Marcos
Direção e trilha sonora: Mário Bortolotto
Elenco: Mário Bortolotto, Walter Figueiredo, Marcos Gomes, Nelson Peres, Paulo Jordão
(Rodrigo Cordeiro), André Ceccato (Marcos Amaral), Daniel Sato e Alexandre Tigano
Iluminação: Caetano Vilela
Cenário e arte do cartaz: André Kitagawa
Assistentes de direção: Marilia Medina e Gabriela Fortanell
Assessoria de imprensa: Pombo Correio
Fotos: Marta Santos
Duração aproximada: 55 minutos
Classificação indicativa: 16 anos
Interpretação em Libras

28 de agosto (sexta-feira)

20h
Cenas Encomendadas
Duração: 30 minutos no conjunto dos vídeos
Kaddish, uma Oração para os Homens que Eu Matei
Partindo da reza tradicional judaica em homenagem aos mortos, que só pode ser recitada
pelos filhos homens da pessoa falecida, Ronaldo Serruya ficcionaliza elementos
autobiográficos para abordar o modelo masculino judaico-cristão que o formou e a
necessidade de matá-lo para afirmar diante do mundo seu corpo queer e que convive com o
HIV.
FICHA TÉCNICA:
Criação, dramaturgia e atuação: Ronaldo Serruya (SP)
Direção e edição de imagens: Luiz Fernando Marques
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 12 anos por conter linguagem
imprópria e descrição de violência
Interpretação em Libras

C(h)ancela 24
Partindo do uso recorrente no Brasil do número 24 – que remete à figura do “veado” e à
condição de ser “viado” – como xingamento contra homens gays, o artista vê essa herança
vocabular da normatividade hétero-masculina e traz na performance e texto ação-tributo que
fez aos 24 anos para um irmão, também homossexual, suicidado com a mesma idade.
FICHA TÉCNICA:
Criação e performance: Elilson (PE)
Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 12 anos por conter citação de ato violento que pode causar angústia
Interpretação em Libras

29 de agosto (sábado)

20h
Cenas Encomendadas
Duração: 45 minutos no conjunto dos vídeos
Para Não Dançar em Segredo
A obra revisita memórias e construções identitárias de gênero do performer André Vitor
Brandão, abordando as problemáticas da construção de uma masculinidade hegemônica no
Sertão. O vídeo é um convite para a celebração das masculinidades na dança e um desejo de tornar manifesta a pluralidade imanente dos corpos masculinos, sobretudo aqueles que
habitam o Sertão.
FICHA TÉCNICA:
Roteiro, direção e interpretação: André Vitor Brandão (PE)
Direção de fotografia, montagem e edição: Fernando Pereira e Robério Brasileiro
Direção de arte: Ana Paula Maich
Trilha sonora original: Gean Ramos
Assessoria criativa: Jailson Lima
Produção: Alan Barbosa
Classificação indicativa: livre
Interpretação em Libras

CorazA
“A couraça era o medo e a vergonha de ser livre. Eu resolvi soltar e liberar minha musculatura
para respirar e ser o que sou!”
FICHA TÉCNICA:
Direção e interpretação: Odacy Oliveira (AM)
Auxiliar de direção: Alan Panteón
Produção e consultoria artística: Valdemir Oliveira
Iluminação: Alan Panteon e Odacy Oliveira
Cenografia: Odacy Oliveira e Alan Panteón
Filmagem: Alan Panteón
Paisagem sonora: Moncho Bunge
Classificação indicativa: livre
Interpretação em Libras

Nkisi Hongolô – A Divindade do Arco-Íris
Uma abordagem da masculinidade como um princípio energético dinâmico e que pode ser
alterado. Assim, os padrões sociais deixam de ser dados para serem construídos e formatados
pela individualidade de cada um. Hongolô é um Nkisi – uma divindade – de princípio
masculino. Está ligado às mudanças e recebe vários nomes, dependendo do seu local de culto
em terras bantus. É também Hongolô que auxilia na comunicação entre os seres humanos e as
divindades.
FICHA TÉCNICA:
Concepção: Pablo Bernardo, Ricardo Aleixo e Rui Moreira (RS)
Câmeras e atuação: Rui Moreira e Ricardo Aleixo
Concepção de design sonoro: Ricardo Aleixo
Montagem de vídeo e áudio: Pablo Bernardo
Classificação indicativa: livre
Interpretação em Libras

30 de agosto (domingo)

20h
Show
Ciel Santos (PE)
Rico Dalasam (SP)
Duração aproximada: 30 minutos
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 16 anos por conter diálogos
sexuais e nudez velada.
Interpretação em Libras

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