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Black off abre Feteag de forma contundente

Black Off no Recife. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Black Off no Recife. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Algumas coisas podem aquecer nossos corações. Em meio a tantas notícias tristes de violência e abandono, há pulsações que vem das Artes Cênicas, e chegam para inundar de energia e resistência alguns palcos do Recife. Vozes que aumentam o tom para falar de assuntos urgentes são apresentadas na programação do Festival de Teatro do Agreste – FETEAG e no projeto Luz Negra: O Negro em Estado de Representação. O FETEAG, dos curadores Fábio Pascoal e Marianne Consentino,  chega à 27ª edição com atrações no Recife e em Caruaru e tem a Africanidade como tema em peças e debates que tratam de preconceito e identidade. Já o Luz Negra, articulado pelo O Poste – Soluções Luminosas, que começa nesta quinta-feira (19) e segue até o dia 29, tem como principal foco o protagonismo do negro no teatro. Esses dois eventos, que ocorrem em paralelo na cena teatral no Recife (o Feteag também em Caruaru) impulsionam estados de experimentação e reflexão sobre questões urgentes. 

Black off, da companhia de teatro Manaka Empowerment, abriu ontem no Teatro Hermilo Borba Filho lotado (pouco mais de 100 pessoas) a programação do Feteag. A atriz e diretora sul-africana Ntando Cele, que mora na Suíça, não poupa ninguém. Com ironia, sarcasmo, o espelhamento atravessado, a artista mira os clichês que envolvem preconceito racial e a  naturalização do racismo. Ela mistura performance, vídeo, música punk e comédia num espetáculo porrada, cheio de camadas, inteligente e com gradações do riso, ao reflexivo até a explosão do rock politizado.

A encenação é dividida em dois atos e três movimentos. No primeiro ato, a atriz apresenta a personagem Bianca White, que reproduz discurso e postura racistas de forma bem ácida. Ntando Cele aparece em versão “whiteface”, com rosto pintado de tinta branca e peruca loira, lentes azuis, luvas e um quimono. Mas, como ela já afirmou, sua intenção em Black Off não é o reverso do racismo, mas a expressão da sua subjetividade como mulher negra e a experiência que ocorre na sua pele.

Ntando Cele satiriza e debocha do olhar e hábitos da classe privilegiada na banalização do preconceito. Em algum momento ela pergunta: “como chamam os negros no Brasil? Ou não os chamam? Há negros aqui?”. E em outro faz uma “dança tribal”, vestida com uma sacola estampada, para situar a visão que o mundo ocidental tem da África.

Com humor ferino, ela desliza por expressão grotesca da personagem que reflete o pensamento que diminui o outro a partir da cor da pele. A artista achincalha o comportamento de gente branca.  Bianca White exalta os valores do capitalismo com seu incentivo ao egocentrismo e à futilidade.

Com suas frases de efeitos, pausas, dancinhas ela leva o racismo ao ridículo. “Pense em todas as coisas brancas que há em você, seus ossos, seus dentes… Sente-se melhor?”, disse ao convidar uma pessoa da plateia para refletir no palco. A proximidade com a cena também aditiva a cumplicidade com o público.

foto Ivana Moura

As fusões de imagens quando a artista retira a maquiagem da artista. Foto Ivana Moura

Sua pontaria é certeira e ela mira na arte e no seu consumo. “Os negros fazem muito sexo e estão sempre cansados. Por isso não vão ao cinema, ao teatro e não entendem arte complicada”, comenta a personagem. E faz duas revelações dessa arte. Na primeira, enche a boca com pequenos objetos e sacode os cabelos louros; na segunda, põe pregadores de roupa na face e solta uma música sobre prevenção do Ebola. Ela faz chacota até da ideia dos espetáculos contemporâneos e da sua ótima “banda de jazzistas brancos”.

No segundo movimento do primeiro ato, Ntando retira a maquiagem e a peruca e. diante da câmera, expõe seu rosto ampliado no telão. São muito potentes as fusões dos rostos branco de Branca White e negro da artista.  Imagem aumentada dos olhos, as manchas da pele, os poros, da boca, bochechas. Essas dimensões provocam estranhamento.

No segundo ato, totalmente sem maquiagem, ela protagoniza um show de rock em alta voltagem crítica. A artista começa dizendo “Para as pessoas brancas que adoram ajudar a resolver os problemas dos outros. Por favor, parem”. Ntando – que está grávida – comenta que as pessoas vão achar o filho dela fofo nos primeiros anos de vida, mas, quando crescer, será só “mais um negro”.

Em atitude de enfrentamento, no vocal de uma banda de brancos, sua postura é punk. Letras diretas, som forte, em busca de empoderamento. É luta.  “Fuck yourself. Não precisamos de vocês”, grita. 

A articulação dos pensamentos racistas de sua personagem debochada, divertida e crítica é desconcertante. Um espetáculo que provoca do riso solto de stand up comedy à reflexão densa de questões complexas.

SERVIÇO

Black Off, com a artista sul-africana Ntando Cele,
Quando: Nesta sexta-feira, às 20h
Onde: Teatro Rui Limeira Rosal, do SESC Caruaru
Quanto:
Gratuito

Máscaras faciais da artista sul-africana.Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Máscaras faciais da artista sul-africana.Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Agenda dos espetáculos no post 27º Feteag e Mostra Luz Negra estão entre as atrações da agenda

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Magiluth defende obra aberta no Feteag

O ano que sonhamos perigosamente. Foto: Renata Pires/ Divulgação

O ano que sonhamos perigosamente. Foto: Renata Pires/ Divulgação

O grupo Magiluth, do Recife, pegou emprestado o título do livro do filósofo esloveno Slavoj Žižek e ferveu suas ideias, misturadas a outras inspirações. Outros detonadores da peça são obras do filósofo francês Gilles Deleuze e do cineasta grego Yorgos Lanthimos (vencedor do Prêmio do Júri de Cannes, com o filme A lagosta). Além de Tchekhov, do movimento Ocupe Estelita, dos levantes mundialmente reconhecidos, como Occupy Wall Street, a Primavera Árabe, e a Revolução Laranja na Ucrânia. Todas as referências foram processadas para chegar ao espetáculo O ano em que sonhamos perigosamente, oitava montagem do grupo.

O bando de rapazes pernambucanos questiona a crise e o colapso do sistema capitalista no seu atual estágio. Reflete sobre esse tempo de levantes, mobilizações e ocupações, e investe na crítica ao modelo de desenvolvimento urbano no Recife. A apresentação da peça ocorre hoje (13), no Teatro Rui Limeira Rosal, no SESC Caruaru, dentro da programação do Festival de Teatro do Agreste – Feteag.

Nesse construto de resistência ético-estético-político, cinco homens treinam (correm, brigam, dançam, caem e morrem), na tentativa de encontrar novas formas e composições para construir algo belo, ainda inominado. Nas tensões físicas e psicológicas eles reverberam o caos. Uma obra aberta a interpretações e que já conta com uma fortuna crítica. Escrevemos sobre a peça depois da estreia. Confira: Arte em tempos sombrios

A peça é dirigida por Pedro Wagner, que assina a dramaturgia com Giordano Castro. Os dois integram o elenco ao lado de Erivaldo Oliveira, Mário Sergio Cabral e Erivaldo Oliveira e os stand ins Lucas Torres e Bruno Parmera.

FICHA TÉCNICA:
Direção: Pedro Wagner
Dramaturgia: Giordano Castro e Pedro Wagner
Atores: Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Mário Sergio Cabral, Pedro Wagner
Stand in: Lucas Torres e Bruno Parmera
Preparação Corporal: Flávia Pinheiro
Desenho de Som: Leandro Oliván
Desenho de Luz: Pedro Vilela
Direção de Arte: Flávia Pinheiro
Design Gráfico: Thiago Liberdade
Fotografia: Renata Pires
Caixas de Som: Emanuel Rangel, Jeffeson Mandu e Leandro Oliván
Técnico: Lucas Torres e Bruno Parmera
Realização: Grupo Magiluth

Serviço
Onde: Teatro Rui Limeira Rosal – SESC Caruaru
Quando: Quinta-feira (13), às 20h
Quanto: Grátis
Classificação etária: 18 anos

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