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O preço de uma vingança

The suit, em cartaz no Young Vic. Fotos: Johan Persson/divulgação

If this could be a dream
But it´s not a dream

A que ponto pode chegar uma vingança? A que ponto pode chegar o ciúme, o sentimento de traição, a dor por ela causada? Impossível dizer. Mas Can Themba, que nasceu em Johannesburgo, na África do Sul, na década de 1950, soube dar essa medida quando escreveu The suit. ” ‘This will change our life and make our fortune’, He told his wife – but fate decided otherwise. Apartheid decided otherwise. Like all black authors dead or alive his books were banned and Can Themba was exiled to Swazilland where he quickly died of poverty, sadness and drink”, diz o programa da montagem que está encerrando temporada esta semana no teatro Young Vic, em Londres.

O diretor Peter Brook, que ano passado apresentou Uma flauta mágica no Brasil, já tinha se rendido ao texto de Themba na década de 1990 no seu grupo Théâtre des Bouffes du Nord. Nessa nova versão, explica, trata mais de perto do tema do apartheid. Brook, Marie Hélène Estienne e Franck Krawczyk, compõem tudo de forma tão simples. E tão bonita. Tudo tão essencial. Algumas cadeiras coloridas, umas mesas, um móbile que pode ser uma janela, uma porta, um ônibus. Belas vozes. Atores competentes. E, mais do que tudo isso, uma história para contar.

Alguns podem dizer que ele foi muito sentimental. E é verdade. Mas quem já viveu o bastante para saber que a vida pode ser muito dura, de alguma forma vai se sentir tocado.

Matilda trai o marido Philemon

Matilda (Nonhlanhla Kheswa) é uma mulher que teoricamente tem tudo. E tudo é o amor de um marido atencioso (William Nadylam) que levanta devagarzinho para que ela não acorde e depois traz o café na cama. Ironia da vida, não é o suficiente. Ou, ao menos, em determinado momento, ela achou que não fosse. Certa manhã, Philemon descobre que está sendo traído. Mas é capaz de se esconder no armário para não encarar tão de frente essa situação. Só que o dito cujo escapou deixando para trás uma lembrança não só emocional, mas física: um terno.

There is to be no violence in this house!

Philemon passa então a tratar aquele terno como um convidado especial em sua casa. Daqueles que participam de todas as refeições e são levados para passeios em domingos de sol.

Perhaps she should run away but…

A certa altura, Philemon até parece ter esquecido essa vingança tão cruel com sua esposa e consigo mesmo – mera ilusão. Ele esperou a oportunidade certa para humilhar a mulher. Uma festa em sua casa. Faz com que ela dance com o terno.

Just this once, Philemon.

E aí quando aparentemente está pronto para seguir adiante, é tarde demais.

You have the choice to forgive and forget.

E no meio do turbilhão de sentimentos desse relacionamento, Brook vai construindo o seu cenário. Um local em que o negro até ganha a bíblia de presente depois do culto, mas não pode acompanhar a pregação do mesmo local que os brancos.

This is not for you.

Ou em que um músico negro é brutalmente assassinado com vários tiros, mas não sem antes ter os seus dedos cortados.

He began to sing and they shot him.

A história é contada em terceira pessoa com a ajuda ainda de Jared Mc Neil (em ótima atuação, timing para comédia e drama, e uma linda voz) e a participação de Rikki Henry, que assina também a assistência de direção (ele é também assistente de direção do Young Vic). A luz é de Philippe Vialatte e a cenografia e figurino de Oria Puppo.

Nonhlanhla (que nome difícil, hein!?), que nasceu em Soweto, em Johannesburgo, também está muito bem em cena e tem uma voz linda. William Nadylam trilha perfeitamente bem um caminho difícil – ser o marido traído e, ao mesmo tempo, provocar raiva no público, que se questiona porque ele está fazendo aquilo!

A música é mais uma vez fundamental ao trabalho de Peter Brook. E aqui vai de Scubert a Miriam Makeba, tocada por um pequeno grupo de músicos que também pode fazer ótimas pontas como senhoras da comunidade – momentos impagáveis na montagem! São Arthur Astier, Raphaël Chambouvet e David Dupuis.

Notes

– “(…) theatre is always a self-destructive art, and it is always written on the wind. (…) from the day it is set something invisible is beginning to die” (Peter Brook em The Empty Space)

– Troquei algumas palavras com o ator Jared Mc Neil e ele me disse que, depois de Londres, o grupo vai fazer um intervalo nas apresentações. Deve voltar em janeiro em Nova York e há a previsão de fazer uma turnê por toda a América do Sul, se não me engano, começando pela Colômbia.

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