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Ayiti: o espetáculo da revolução

Ayiti, a montanha que assombra o mundo se desenvolve em um contexto de crescente questionamento às narrativas históricas hegemônicas. Foto: Marina Cavalcante / Divulgação

A Revolução Haitiana (1791-1804) foi uma insurreição que desafiou as bases ideológicas do colonialismo europeu e demonstrou a falência moral do sistema escravocrata. Contudo, permanece sistematicamente marginalizada nos currículos escolares das elites acadêmicas e dos Estados nacionais. Neste sábado, 2 de agosto, Marconi Bispo apresenta no Teatro Solo Gens, no Recife Antigo, a pré-estreia de Ayiti, a montanha que assombra o mundo. O espetáculo resgata essa memória silenciada e marca os 30 anos de carreira de desse artista,  uma voz coerente e lúcida do teatro político que fala a partir de Pernambuco e do Nordeste brasileiro.

O ator confronta diretamente o cânone historiográfico ocidental ao colocar em cena o que o antropólogo haitiano Michel-Rolph Trouillot definiu como “o evento impensável da modernidade” – uma revolução que a mentalidade colonial não conseguia nem mesmo conceber como possibilidade histórica. A montagem questiona por que uma revolução tão impactante permanece ausente dos sistemas educacionais globais.

Enquanto a Revolução Francesa (1789-1799) ocupa lugar central nos estudos históricos mundiais, poucos conhecem o movimento simultâneo que, nas Antilhas, superou em radicalidade os próprios jacobinos parisienses. Esta disparidade não é acidental: revela o caráter eurocêntrico da produção do conhecimento histórico.

A revolução haitiana foi mais radical porque os escravizados de Saint-Domingue (atual Haiti) levaram os ideais iluministas às suas consequências lógicas finais. Enquanto os revolucionários franceses mantiveram a escravidão nas colônias e excluíram mulheres e pobres dos direitos políticos, os insurgentes haitianos aboliram simultaneamente escravidão, colonialismo e hierarquias raciais. Entre 1791 e 1804, aproximadamente 500 mil africanos escravizados derrotaram militarmente França, Espanha e Inglaterra, expulsaram os colonizadores e fundaram a primeira república negra independente das Américas.

Pernambucano Marconi Bispo leva aos palcos a insurreição que apavorou impérios e inspirou liberdades. Foto: Inês Costa / Divulgação 

Michel-Rolph Trouillot, autor de Silencing the Past: Power and the Production of History (1995), argumenta que “a Revolução Haitiana é o acontecimento mais revolucionário na história das revoluções” precisamente porque representa uma ruptura ontológica – isto é, uma quebra fundamental na própria concepção de realidade – no pensamento ocidental. Trouillot, professor de antropologia na Universidade Johns Hopkins (Baltimore, Estados Unidos) até sua morte em 2012, demonstra como essa revolução foi sistematicamente apagada por contradizer as bases ideológicas da supremacia branca – sistema de poder que estabelece a superioridade racial europeia como fundamento natural da organização social.

Sob a liderança de figuras extraordinárias como Toussaint Louverture (1743-1803) – ex-escravizado que se tornou autodidata em latim, francês, história militar e filosofia política –, Jean-Jacques Dessalines (1758-1806) – general que proclamou a independência haitiana e se tornou o primeiro governante do país livre –, e Henri Christophe (1767-1820) – que construiu fortalezas monumentais ainda hoje patrimônio da UNESCO –, os revolucionários haitianos derrotaram os exércitos de Napoleão Bonaparte e proclamaram a abolição total da escravidão 64 anos antes do Brasil.

O impacto global foi imediato e aterrorizante para as potências escravistas. Thomas Jefferson, terceiro presidente americano e proprietário de mais de 600 escravizados, conforme documenta a obra Master of the Mountain (2012) do historiador Henry Wiencek, impôs embargo comercial total ao Haiti e se recusou a reconhecer sua independência. A França, por sua vez, exigiu uma indenização de 150 milhões de francos (equivalente a cerca de 21 bilhões de dólares atuais) pela “perda de propriedade” – os próprios ex-escravizados –, dívida que estrangulou economicamente o país até 1947.

Por que essa revolução permanece ausente dos currículos escolares brasileiros e mundiais? A resposta encontra-se na própria natureza transformadora radical do episódio – sua capacidade de romper completamente com as estruturas de poder estabelecidas. Como explicar que africanos “primitivos” – segundo a ideologia colonial – derrotaram a “civilizada” Europa? Como justificar a manutenção da escravidão após escravizados demonstrarem sua capacidade revolucionária e organizativa?

Cyril Lionel Robert James (1901-1989), autor de The Black Jacobins: Toussaint L’Ouverture and the San Domingo Revolution (1938), obra considerada pioneira nos estudos pós-coloniais, demonstra magistralmente como os revolucionários haitianos aplicaram os princípios da Revolução Francesa com uma coerência que os próprios franceses não tiveram. Enquanto Robespierre guilhotinava aristocratas mas mantinha a escravidão colonial, Toussaint abolia a escravidão e estabelecia igualdade racial absoluta.

A Perspectiva Decolonial de Marconi Bispo

Bispo tem 45 produções cênicas na trajetória. Foto: Leandro Lima / Divulgação

Dramaturgia entrelaça performance corporal, percussões de matriz africana, poesia oral e dança ritual. Foto: Lucas Emanuel / Divulgação

Ayiti, a montanha que assombra o mundo nasce de um contexto de crescente questionamento às narrativas históricas hegemônicas. Marconi Bispo constrói uma dramaturgia que entrelaça performance corporal, percussões de matriz africana, poesia oral e dança ritual, estruturando o espetáculo como o que a teórica Leda Maria Martins denomina “oralitura” – conceito que reconhece as tradições orais africanas como epistemologias legítimas, desenvolvido em obras como Afrografias da Memória (1997).

“Por que sabemos tão pouco sobre a revolução que fundou a primeira nação negra de ex-escravizados a derrotar invasores, expulsar colonizadores, abolir escravidão e proclamar soberania absoluta?”, questiona Bispo. A pergunta funciona como fio condutor dramatúrgico porque sua resposta revela os mecanismos de apagamento que ainda operam na contemporaneidade.

O artista estabelece conexões históricas concretas entre Haiti e Pernambuco através de uma metodologia que denomina “cartografia afroatlântica”. Ambos territórios compartilham heranças iorubás, experiências quilombolas e tradições de resistência que atravessaram o Atlântico. A Revolução Haitiana ecoou diretamente no Quilombo dos Palmares (século XVII, Serra da Barriga/AL), na Revolta dos Malês (1835, Salvador/BA) – insurreição de escravizados muçulmanos que planejavam tomar o poder na Bahia –, e na Cabanagem (1835-1840, Pará) – revolta popular que chegou a controlar a província paraense por quase um ano.

A Colaboração Acadêmica Internacional

A dramaturgia compartilhada com Kamai Freire adiciona rigor acadêmico internacional ao projeto. Freire, maestro e sacerdote de candomblé que desenvolve pesquisa doutoral sobre música e espiritualidade na Revolução Haitiana pela Universidade HfM Franz Liszt Weimar – instituição alemã especializada em música fundada em 1872 na cidade de Weimar –, traz perspectivas que conectam sonoridades africanas, liturgias haitianas e cosmogonias afro-brasileiras.

Esta colaboração interliga diferentes tradições acadêmicas e saberes ancestrais, criando uma obra que dialoga simultaneamente com a pesquisa universitária europeia, as tradições orais africanas e as experiências diaspóricas contemporâneas. No final de 2024, entre os meses de outubro e dezembro, o artista pernambucano desenvolveu uma residência artística no Porto, Portugal, viabilizada através de uma parceria institucional que envolveu a Circolando Cooperativa Cultural, Central Elétrica, Programa InResidence e Câmara Municipal do Porto. Esta imersão investigativa na cidade portuguesa aprofundou sua pesquisa sobre as reverberações atlânticas da insurreição haitiana e suas conexões com o imaginário colonial luso-brasileiro.

Três Décadas de Arte Política Consistente

Marconi Bispo completa 30 anos de carreira em 2025, consolidando três décadas de teatro político. Sua trajetória de 45 produções cênicas evidencia uma consistência artística construída sobre compromissos éticos com as questões raciais e territoriais. Ao longo dessas três décadas, o artista desenvolveu um conceito de transformação artística permanente baseado na constante renovação das formas estéticas como instrumento de mudança social – perspectiva que encontra eco na pedagogia teatral de Paulo Freire e nas propostas de democratização cultural de Augusto Boal.

Formado pela UFPE em 1999, Bispo desenvolveu uma metodologia que articula teatro brechtiano, ritualística afro-brasileira e pedagogia freiriana. Como sacerdote iniciado para Ìyémọjá e Ọbàlùfọ̀n (2004) e Ọrúnmìlà Bàbá Ifá (2023), sua criação artística funciona como canal de ancestralidade e ferramenta de cura coletiva – conceito fundamentado nos estudos de Muniz Sodré sobre a “ciência social afro-brasileira” (Pensar Nagô, 2017), que demonstra como as tradições iorubás operam processos terapêuticos comunitários.

A pré-estreia reúne importantes nomes da cultura pernambucana: Thulio Xambá e Beto Xambá, do Grupo Bongar, trazem percussões que conectam Recife às sonoridades da resistência haitiana. Os tambores desempenharam papel fundamental na comunicação entre insurgentes durante a revolução.

Brunna Martins, Kadydja Erlen e Arthur Canavarro integram um elenco que representa a diversidade geracional do teatro negro nordestino. Esta aliança materializa redes de solidariedade artística que espelham as próprias redes clandestinas que sustentaram a comunicação entre diferentes regiões de Saint-Domingue durante a revolução. 

SERVIÇO
🎭 ESPETÁCULO “AYITI, A MONTANHA QUE ASSOMBRA O MUNDO”
📅 2 de agosto (sábado) | ⏰ 19h
📍 Solo Gens – Rua do Apolo, 70, Recife Antigo
🎫 R$ 20 (meia) | R$ 40 (inteira)
📧 marconibispo77@gmail.com | 📱 @marconi.bispo

🔥 FICHA TÉCNICA
Concepção e Interpretação: Marconi Bispo
Dramaturgia: Marconi Bispo e Kamai Freire
Coordenação de Pesquisa: Kamai Freire
Audiovisual: Arthur Canavarro, Diego Amorim, Fernando Camaroti, Hassan Santos
Projeção e Iluminação: João Guilherme de Paula
Assessoria de Imprensa: Daniel Lima
Participações: Arthur Canavarro, Beto Xambá, Brunna Martins, Kadydja Erlen, Thulio Xambá

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Lorca ilumina o percurso
Critica de Quatro Luas

Os atores Douglas Duan e Matheus Carlos na peça Quatro Luas. Foto: Morgana Narjara 

A produção faz uso inteligente de elementos visuais e sonoros para criar seu mundo mágico. Foto: Ivana Moura

Um menino grande me indaga se Federico morreu. Fico surpresa, porque essa pergunta não apareceu no meu horizonte ao assistir Quatro Luas, um espetáculo de teatro primordialmente para a infância, que combina formas animadas, atuação, canto e música ao vivo, onde um grupo de ciganos compartilha a história do Federico citado. Embarquei direto no percurso do Ciganinho órfão fascinado pela Lua Cheia. Mas fico intrigada com a indagação, porque para mim, no contexto da peça, morte, portal, acessos secretos, cacimbas, indicam passagens para mundos mágicos. E o pacto estava feito.

O Mensageiro do Vento do Sul narra que Federico se desequilibrou e caiu dentro daquela cacimba, sumindo na sua imensidão profunda, escura e que parecia não ter fim. Isso está no começo da peça. E diz o texto: “E a noite se fez presente e tudo se transformou de repente. A cacimba sumiu e o menino se viu solitário na vastidão da noite, como se estivesse num outro plano, num outro mundo, um mundo misterioso e cheio de encantamentos”.

Então menino grande, essa fala pode ser a senha para você embarcar? Vamos, não tenha medo.

Os adultos são assim, às vezes têm medo, mas escondem.

Brunna Martins, como a Lua Cheia e Douglas Duan manipulando o pequeno Federico. Foto: Morgana Narjara 

Quatro Luas, uma produção do Bando Coletivo de Teatro, mergulha no rico universo de Federico García Lorca – um dos mais importantes poetas e dramaturgos da Espanha do século 20 – , trazendo-o para o público infantil contemporâneo. Escrita e dirigida por Claudio Lira, a peça utiliza em sua dramaturgia referências a poemas como Romance de la luna, luna e Os Encontros do Caracol Aventureiro, e das peças Assim que Passarem Cinco Anos: Lenda do Tempo e Bodas de Sangue.

A peça começa antes mesmo da entrada no teatro, com os atores cantando no saguão a história do Ciganinho Federico, um boneco manipulável. Esta escolha cria uma atmosfera envolvente desde o início. Os outros personagens dessa trama lúdica incluem os Narradores (Mensageiros do Vento), que são quatro ciganos ligados aos ventos Norte, Sul, Leste e Oeste; as Rãs Quase Surda e Quase Cega; o exército de Formigas; a Mariposa; as fases da Lua (Minguante, Nova, Crescente, Cheia); a Gata Azul e o Cavaleiro Jorge. O protagonista encontra esses seres imaginários e animais falantes na sua jornada de descobertas e troca de aprendizagens. 

O espetáculo foi apresentado no Teatro Apolo durante o 23º Festival Recife do Teatro Nacional, fechando a temporada de 2024 desse trabalho que circulou por 31 cidades dentro do projeto Palco Giratório do Sesc. O elenco carrega no corpo a bagagem dessa turnê e encontro com vários públicos de diversos estados do Brasil, exibindo uma maturidade evidente. Quatro Luas não subestima sua jovem audiência, apresentando situações complexas e temas sensíveis sem recorrer a simplificações excessivas ou lições morais explícitas.

O talentoso elenco, formado por Brunna Martins, Célia Regina, Douglas Duan e Matheus Carlos, se multiplica entre narração e interpretação, manipulação de bonecos e canto. Douglas Duan, que além de atuar, assina a dramaturgia sonora e a direção musical.

Toda a trilha é executada ao vivo por dois músicos: Arnaldo do Monte na percussão e Zé Freire ao violão, que executam as músicas e todo o ambiente sonoro dessa experiência cênica. No entanto, durante a apresentação no Festival Recife do Teatro Nacional, observamos que o volume dos instrumentos ocasionalmente competia com as vozes dos atores, um detalhe técnico que merece atenção em futuras apresentações.

Quatro Luas tem dramaturgia e direção de Claudio Lira. Foto Morgana Narjara / Divulgação

A produção investe no fascínio das crianças por mistérios e estimula a curiosidade, a imaginação e o pensamento crítico dos pequenos e grandes espectadores.

Um dos elementos mais marcantes da peça é a subversão de expectativas, exposta com vivacidade na interação entre Federico e as Rãs. O menino fica surpreso ao ouvir Rãs falando, e elas, por sua vez, expressam igual admiração ao ouvir um menino falar, invertendo a lógica esperada. Interpretadas por Brunna Martins e Célia Regina, as Rãs reclamonas e hilárias, sábias, irônicas e um tanto cínicas, uma Quase Surda e outra Quase Cega, protagonizam um quadro que mescla elementos fantásticos, filosóficos e humorísticos para explorar assuntos delicados de uma maneira leve e lúdica. Elas se apresentam como velhas e doentes, apesar do vigor demonstrado em risadas e brincadeiras. E ao serem inquiridas pelo menino sobre ser idosa e ter alegria, uma delas responde: “Quem disse que velhice é sinônimo de tristeza! Essa é boa”.

Elas inserem o tema da vida eterna de maneira intrigante e paradoxal, dizendo ao Ciganinho que é como “viver em um lugar que não existe” e onde “o tempo é o agora”. Mas entre si revelam que não compartilham dessa fé cega na vida eterna. E arrematam que “tudo é mistério”, levando de forma sutil as ideias do desconhecido e do inexplicável, abrindo portinhas de interesse nos pequenos.

À medida que Federico avança em sua jornada, ele encontra outros personagens igualmente intrigantes. A tropa de Formigas que pune uma delas por enxergar as estrelas, por exemplo, oferece uma crítica aos bozoidiotas, quando proclama que seu exército nunca será vermelho. Já a Mariposa oferece uma dose de otimismo. Essas cenas exigem agilidade dos atores na manipulação dos objetivos e na transição entre uma ideia repressora e perspectiva de futuro.

Um dos pontos altos é o divertido e delicioso encontro do protagonista com a Gata Azul, interpretada por Duan. Cômica e imprevisível, ela oscila entre miados provocadores e diálogos espirituosos, surpreendendo com suas mudanças repentinas de comportamento. Seu humor sarcástico e autodepreciativo adiciona uma camada extra de comicidade, especialmente quando contrastado com sua atitude presunçosa sobre ter “sete vidas” e um “sentido de direção bem apurado”.

Federico encontra as quatro fases da Lua em sua jornada, cada uma com características distintas:  a Minguante emotiva, a Nova enigmática, a Crescente alegre e a Cheia sábia. Cada fase lunar contribui de forma única para a transformação e autodescoberta do Ciganinho.

O espetáculo fez turnê por 31 cidades brasileiras, dentro do projeto Palco Giratório. Foto: Morgana Narjara

O aspecto visual da peça é igualmente admirável. Célia Regina, além de sua atuação, criou os objetos cênicos em parceria com Romualdo Freitas e assina a direção de arte junto com Claudio Lira. Os figurinos e adereços são meticulosamente elaborados, trazendo riqueza nos detalhes, com suas saias longas em camadas, blusas com babados, lenços e bandanas na cabeça para todo o elenco.

A iluminação e cenografia criam uma atmosfera onírica para manter o interesse visual das crianças no desenvolvimento da peça, que carrega uma sensação de acolhimento e conforto.

Em Quatro Luas, os espectadores são convidados a mergulhar no livre fluxo da imaginação, acompanhando o percurso de Federico, que desbrava as complexidades de sua própria jornada emocional. O espetáculo propõe uma reflexão sobre a natureza mutável das coisas, revelando novas facetas enquanto mantêm suas essências.

Nesta jornada, nada é óbvio. Quatro Luas oferece uma experiência envolvente, explorando um universo repleto de possibilidades e transformações.

Ficha Técnica

Dramaturgia e Encenação: Claudio Lira, a partir do universo de Federico Garcia Lorca
Elenco: Brunna Martins, Célia Regina, Dougla Duan e Matheus Carlos
Músicos: Hélio Machado (Viola) e Arnaldo Do Monte (Percussão)
Dramaturgia Sonora, Direção Musical e Preparação Vocal: Douglas Duan
Iluminação: Eron Villar
Direção de Arte: Claudio Lira e Célia Regina
Criação e confecção de bonecos e adereços: Romualdo Freitas e Célia Regina
Auxiliar de confecção de adereços: Adriano Freitas
Confecção da Árvore: Douglas Duan
Cenotécnicos: Eduardo Albuquerque (Dudu) e Gustavo Araújo
Costureiras: Maria Lima e Márcia Marisa
Assessoria de imprensa e redes sociais: Milton Raulino – 1000tons Comunicação
Programação Visual: Claudio Lira
Produção: Ivo Barreto e Claudio Lira
Realização: O Bando Coletivo De Teatro

O Satisfeita, Yolanda? faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica,  apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : CENA ABERTA, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Ruína Acesa e Tudo menos uma crítica

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Uma jornada encantadora inspirada em Lorca
Crítica de Quatro Luas

Quatro Luas, entre o humor, a magia e leves reflexões existenciais. Foto: Ivana Moura

O espetáculo Quatro Luas, apresentado pelo coletivo O Bando de Olinda (PE) no Teatro Marco Camarotti, em Recife, como parte da programação do Palco Giratório 2024, é uma experiência teatral envolvente que celebra a poesia, a imaginação e a infância em peça inspirada na obra de Federico Garcia Lorca, um dos mais importantes escritores espanhóis do século XX. Conhecido principalmente por suas obras voltadas para o público adulto, como Romancero Gitano e Bodas de Sangue, Lorca também dedicou parte de sua produção literária às crianças, com destaque para Os Encontros de um Caracol Aventureiro, uma coleção de poemas que explora o mundo através dos olhos de um pequeno caracol, e Os Títeres de Porrete, uma peça de teatro que aborda temas como a liberdade e a opressão de forma lúdica e acessível aos pequenos.

Desde o primeiro momento, o público é cativado pela atmosfera mágica criada pela trupe de atores que, representando ciganos, canta, toca e dança nos corredores e hall do teatro. Essa introdução serve como um convite para adentrar o universo onírico proposto pelo espetáculo, preparando os espectadores para a jornada que está por vir.

Ao entrar na sala de espetáculos, somos recebidos por uma cenografia e uma iluminação que transportam a plateia para um mundo de sonhos e descobertas. A história acompanha o protagonista Federico, um pequeno boneco manipulado pelo elenco com destreza e sincronia, em sua busca pela Lua Cheia. A jornada de Federico é repleta de encontros fantásticos com animais falantes, exércitos de formigas e as quatro fases da Lua personificadas.

Vários bichos falantes ocupam a cena, como a Gata Azul. Foto: Ivana Moura

O texto de Claudio Lira, responsável também pela direção, é rico em referências à obra de Lorca, a linguagem poética e as metáforas utilizadas oferecem diferentes camadas de leitura, cativando tanto as crianças quanto os adultos. Os diálogos são bem construídos, com momentos de humor leve e inteligente, como no encontro com as duas Rãs, uma que não enxergava muito bem e outra que não escutava muito bem, criando situações divertidas e reflexões filosóficas sobre a finitude.

O elenco, formado por Brunna Martins, Célia Regina, Douglas Duan e Matheus Carlos, demonstra versatilidade ao transitar entre a manipulação de bonecos, as falas, as canções e a interação com a plateia. A cumplicidade entre os atores e o público é evidente, criando uma atmosfera de encantamento compartilhado. Momentos como o conselho da Mariposa para o Menino ir dançar e viver a vida, ou a frescura da Gata Azul, arrancam risadas e reflexões.

A trilha sonora original de Douglas Duan tem canções executadas ao vivo por Arnaldo do Monte (percussão) e Zé Freire (violão), e estão perfeitamente integradas à narrativa, amplificando a carga emotiva das cenas e marcando as nuances da peça. A música se torna um elemento fundamental para a imersão do público no universo poético criado em cena.

A direção de Claudio Lira é sensível e precisa, explorando de forma inteligente os recursos do teatro de bonecos e a linguagem do teatro animado. O ritmo da peça é bem conduzido, com momentos de introspecção e poesia alternados com outros de dinamismo e interação com a plateia. O espetáculo consegue dosar de forma equilibrada os momentos de apelo emocional, as frases de efeito existencial e os achados poéticos, mantendo o público envolvido do início ao fim.

Quatro Luas é um espetáculo que celebra a força da palavra, a magia do teatro de bonecos e o talento de seus criadores. Ao se inspirar no universo lorquiano e, mais especificamente, em suas obras voltadas para a infância, a peça oferece uma experiência teatral encantadora, que convida o público a se reconectar com a criança interior e a redescobrir o poder transformador da imaginação.

FICHA TECNICA:

Dramaturgia e Encenação: Claudio Lira
Elenco: Brunna Martins, Célia Regina, Douglas Duan e Matheus Carlos
Músicos: Zé Freire (Violão) e Arnaldo do Monte (Percussão)
Dramaturgia Sonora, Direção Musical e Preparação Vocal: Douglas Duan
Iluminação: Eron Villar
Direção de Arte: Claudio Lira e Célia Regina
Criação e confecção dos bonecos e adereços: Romualdo Freitas e Célia Regina
Criação e confecção das Luas: Romualdo Freitas, Célia Regina e Adriano Freitas
Confecção da Árvore: Douglas Duan
Registro de Fotos e Vídeos: Colibri Audio Visual/Morgana Narjara
Produção: Claudio Lira e o Grupo
Realização: O Bando Coletivo de teatro.

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Mostra de Mulheres Pretas discute visibilidade

Aline Gomes performa Mãe Maria. Foto: Shilton Araújo

Nesta quinta-feira, 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder quilombola do século 18, O Poste Soluções Luminosas abre a programação de uma iniciativa fundamental: a PretAção – I Mostra de Mulheres Pretas.

A invisibilidade da mulher negra é um dos muitos reflexos do racismo institucional. Quando pensamos no contexto da arte, essa realidade não é diferente. Talvez por isso, os trabalhos que compõem a PretAção tratem sobre representatividade, o enfrentamento cotidiano do preconceito e de todas as formas de violência sofridas pelas mulheres negras.

“Queremos visibilizar todas essas artistas que estão participando da primeira edição da PretAção, visibilizar as que vieram antes de nós e, inclusive, quem vem depois, como Eloísa, minha filha, que tem só dois anos. A gente quer deixar esse espaço de representatividade, esse lugar de fala, para que outas pretas, as que estão vindo, as que vão chegar, possam assumir esse lugar. E que o discurso não seja de resistência, mas de existência”, afirma Agrinez Melo, uma das idealizadoras da ação, que não conta com nenhum apoio governamental.

Muitos dos espetáculos e performances transitam pelo documental, pelo autobiográfico, como é o caso de Mi Madre, de Jhanaína Gomes, que traça relações entre a sua história e as histórias de mulheres da sua família, explicitando uma relação de tensão entre a presença masculina e feminina. Ou do solo da própria Agrinez Melo, Histórias Bordadas em Mim, um convite para um chá e para ouvir sobre a trajetória da atriz.

Na PretAção, essas mulheres pretas, artistas, são protagonistas das próprias narrativas. “Os quatro espetáculos falam de nós mesmas, das nossas experiências, das novas vivências ressignificadas. Ressignificar é uma palavra forte neste momento. A partir das nossas vivências, falamos de várias questões, como empoderamento, a reafirmação da mulher negra na sociedade e da artista negra nesse espaço, questionar o porquê dessa invisibilidade”, comenta Agrinez. Para a atriz, a mostra é também um espaço de irmandade. “É uma mostra de comemoração, que festeja o nosso encontro, a nossa união. E nada melhor do que essa data, que nos representa”.

A programação montada por Agrinez e Naná Sodré, ambas do grupo O Poste Soluções Luminosas – um espaço de referência e resistência do teatro negro em Pernambuco e no Brasil –, em parceria com várias artistas, inclui espetáculos, performances e rodas de diálogos.

A programação vai até o próximo domingo (28), no O Poste Soluções Luminosas (Rua da Aurora, 529, Boa Vista). Os ingressos custam R$ 15 + 1 quilo de alimento não perecível ou R$ 20. Os alimentos arrecadados serão doados a instituições que trabalham com o empoderamento da mulher negra e contra a violência.  

Agrinez Melo no solo Histórias Bordadas em Mim. Foto: Fernando Azevedo

Programação:

25 de julho (quinta-feira), às 18h
Abertura PretAção – I Mostra de Mulheres Pretas
Onde:  Ao ar livre, no entorno do Espaço O Poste
Performance de abertura com Camila Mendes (Nós), Jhanaína Gomes (Mi Madre), Yasmmyn Nejaim (poesia) e Odailta Alves (poesia).

26 de julho (sexta-feira)
Onde: Espaço O Poste Soluções Luminosas
19h: A Receita
Sinopse: Morte, violência, loucura e a intolerância de uma maneira peculiar são narradas nesse solo, que traz uma personagem no seu processo limite. A dramaturgia é de Samuel Santos. Atuação: Naná Sodré
20h: Performances Mãe Maria, De Corpo e Dandara
Sinopses:
Mãe Maria: A personagem Mãe Maria nasceu dentro do espetáculo O Mensageiro, a partir da necessidade da atriz, dançarina e pesquisadora Aline Gomes de trazer à cena a condição feminina no início do século XX na Região Metropolitana do Recife. Atuação: Aline Gomes
De Corpo: Resgata a exposição das maranhas ancestrais que percorrem o corpo feminino. Dos fios que cercam de chagas nativas e genéticas a vivência da pele negra. Narra em movimentos o grito do pulso, da pausa, da prosa, da carne, da víscera, da dor e da beleza da mulher preta. Atuação: Brunna Martins
Dandara: Inspirada na heroína Dandara, que lutou ao lado de homens e mulheres nas muitas batalhas e ataques a Palmares, a atriz Érika Nery nos mostra sua força, fé e ancestralidade traduzida em arte. Atuação: Érika Nery
20h30: Roda de Diálogo com as performers

Dandara. Foto: Fernando Azevedo

27 de julho (sábado)
Onde: Espaço O Poste Soluções Luminosas
17h: Mi Madre
Sinopse: Inspirada por imagens e histórias contadas durante seu período de infância, Jhanaína Gomes remonta memórias de suas antepassadas alinhavando pontos de convergência entre sua própria história e a de suas matriarcas, tecendo uma correlação de tensão entre a presença masculina e o feminino ferido no percurso da vida dessas mulheres. Atuação: Jhanaína Gomes
18h15: Performances Kami** e Nada Mais me Deixará Calada
Sinopses:
Kami**: Traz à tona o corpo presente e potente da mulher. Construída a partir de técnicas utilizadas no Teatro Antropológico, das referências dos orixás Oxum e Iansã, e de elementos da natureza, mostra de forma muito simples, coesa e poética, que as mulheres querem liberdade. Atuação: Camila Mendes
Nada Mais me Deixará Calada: Durante sua jornada, enfrentando o processo de aceitação, a mulher negra se depara sempre com a solidão. Entretanto, em um momento crucial, ela acaba descobrindo que toda sua essência foi posta em segundo plano, e depois de ser enganada, maquiada e sexualizada, ela se rebela, mostrando que não irá aguentar mais nada e nem ficará mais calada. Atuação: Yasmmyn Nejaim
19h: Histórias Bordadas em Mim
Sinopse: Uma atriz, um baú, uma borboleta e uma conversa…é assim que se inicia Histórias Bordadas em Mim. Um convite para um chá, acompanhado de tareco e pão doce, e assim vão se alinhavando as histórias reais, vividas pela atriz em diversos momentos de sua vida. Atuação: Agrinez Melo
20h: Roda de Diálogo com as performers

28 de julho (domingo)
18h: Ombela
Sinopse: Ombela é uma palavra africana na língua Umbundo angolana, que em português significa “chuva”. É através da sacralidade da água que o espetáculo se desvela ao público; do elemento físico, Ombela se transforma em duas entidades que ganham corpo e voz. Atuação: Agrinez Melo e Naná Sodré.
19h10: Roda de Diálogo com as performers e encerramento da mostra

Ingressos: R$15,00 + 1kg de alimento não perecível ou R$20,00, sem o alimento.

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