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Lorca ilumina o percurso
Critica de Quatro Luas

Os atores Douglas Duan e Matheus Carlos na peça Quatro Luas. Foto: Morgana Narjara 

A produção faz uso inteligente de elementos visuais e sonoros para criar seu mundo mágico. Foto: Ivana Moura

Um menino grande me indaga se Federico morreu. Fico surpresa, porque essa pergunta não apareceu no meu horizonte ao assistir Quatro Luas, um espetáculo de teatro primordialmente para a infância, que combina formas animadas, atuação, canto e música ao vivo, onde um grupo de ciganos compartilha a história do Federico citado. Embarquei direto no percurso do Ciganinho órfão fascinado pela Lua Cheia. Mas fico intrigada com a indagação, porque para mim, no contexto da peça, morte, portal, acessos secretos, cacimbas, indicam passagens para mundos mágicos. E o pacto estava feito.

O Mensageiro do Vento do Sul narra que Federico se desequilibrou e caiu dentro daquela cacimba, sumindo na sua imensidão profunda, escura e que parecia não ter fim. Isso está no começo da peça. E diz o texto: “E a noite se fez presente e tudo se transformou de repente. A cacimba sumiu e o menino se viu solitário na vastidão da noite, como se estivesse num outro plano, num outro mundo, um mundo misterioso e cheio de encantamentos”.

Então menino grande, essa fala pode ser a senha para você embarcar? Vamos, não tenha medo.

Os adultos são assim, às vezes têm medo, mas escondem.

Brunna Martins, como a Lua Cheia e Douglas Duan manipulando o pequeno Federico. Foto: Morgana Narjara 

Quatro Luas, uma produção do Bando Coletivo de Teatro, mergulha no rico universo de Federico García Lorca – um dos mais importantes poetas e dramaturgos da Espanha do século 20 – , trazendo-o para o público infantil contemporâneo. Escrita e dirigida por Claudio Lira, a peça utiliza em sua dramaturgia referências a poemas como Romance de la luna, luna e Os Encontros do Caracol Aventureiro, e das peças Assim que Passarem Cinco Anos: Lenda do Tempo e Bodas de Sangue.

A peça começa antes mesmo da entrada no teatro, com os atores cantando no saguão a história do Ciganinho Federico, um boneco manipulável. Esta escolha cria uma atmosfera envolvente desde o início. Os outros personagens dessa trama lúdica incluem os Narradores (Mensageiros do Vento), que são quatro ciganos ligados aos ventos Norte, Sul, Leste e Oeste; as Rãs Quase Surda e Quase Cega; o exército de Formigas; a Mariposa; as fases da Lua (Minguante, Nova, Crescente, Cheia); a Gata Azul e o Cavaleiro Jorge. O protagonista encontra esses seres imaginários e animais falantes na sua jornada de descobertas e troca de aprendizagens. 

O espetáculo foi apresentado no Teatro Apolo durante o 23º Festival Recife do Teatro Nacional, fechando a temporada de 2024 desse trabalho que circulou por 31 cidades dentro do projeto Palco Giratório do Sesc. O elenco carrega no corpo a bagagem dessa turnê e encontro com vários públicos de diversos estados do Brasil, exibindo uma maturidade evidente. Quatro Luas não subestima sua jovem audiência, apresentando situações complexas e temas sensíveis sem recorrer a simplificações excessivas ou lições morais explícitas.

O talentoso elenco, formado por Brunna Martins, Célia Regina, Douglas Duan e Matheus Carlos, se multiplica entre narração e interpretação, manipulação de bonecos e canto. Douglas Duan, que além de atuar, assina a dramaturgia sonora e a direção musical.

Toda a trilha é executada ao vivo por dois músicos: Arnaldo do Monte na percussão e Zé Freire ao violão, que executam as músicas e todo o ambiente sonoro dessa experiência cênica. No entanto, durante a apresentação no Festival Recife do Teatro Nacional, observamos que o volume dos instrumentos ocasionalmente competia com as vozes dos atores, um detalhe técnico que merece atenção em futuras apresentações.

Quatro Luas tem dramaturgia e direção de Claudio Lira. Foto Morgana Narjara / Divulgação

A produção investe no fascínio das crianças por mistérios e estimula a curiosidade, a imaginação e o pensamento crítico dos pequenos e grandes espectadores.

Um dos elementos mais marcantes da peça é a subversão de expectativas, exposta com vivacidade na interação entre Federico e as Rãs. O menino fica surpreso ao ouvir Rãs falando, e elas, por sua vez, expressam igual admiração ao ouvir um menino falar, invertendo a lógica esperada. Interpretadas por Brunna Martins e Célia Regina, as Rãs reclamonas e hilárias, sábias, irônicas e um tanto cínicas, uma Quase Surda e outra Quase Cega, protagonizam um quadro que mescla elementos fantásticos, filosóficos e humorísticos para explorar assuntos delicados de uma maneira leve e lúdica. Elas se apresentam como velhas e doentes, apesar do vigor demonstrado em risadas e brincadeiras. E ao serem inquiridas pelo menino sobre ser idosa e ter alegria, uma delas responde: “Quem disse que velhice é sinônimo de tristeza! Essa é boa”.

Elas inserem o tema da vida eterna de maneira intrigante e paradoxal, dizendo ao Ciganinho que é como “viver em um lugar que não existe” e onde “o tempo é o agora”. Mas entre si revelam que não compartilham dessa fé cega na vida eterna. E arrematam que “tudo é mistério”, levando de forma sutil as ideias do desconhecido e do inexplicável, abrindo portinhas de interesse nos pequenos.

À medida que Federico avança em sua jornada, ele encontra outros personagens igualmente intrigantes. A tropa de Formigas que pune uma delas por enxergar as estrelas, por exemplo, oferece uma crítica aos bozoidiotas, quando proclama que seu exército nunca será vermelho. Já a Mariposa oferece uma dose de otimismo. Essas cenas exigem agilidade dos atores na manipulação dos objetivos e na transição entre uma ideia repressora e perspectiva de futuro.

Um dos pontos altos é o divertido e delicioso encontro do protagonista com a Gata Azul, interpretada por Duan. Cômica e imprevisível, ela oscila entre miados provocadores e diálogos espirituosos, surpreendendo com suas mudanças repentinas de comportamento. Seu humor sarcástico e autodepreciativo adiciona uma camada extra de comicidade, especialmente quando contrastado com sua atitude presunçosa sobre ter “sete vidas” e um “sentido de direção bem apurado”.

Federico encontra as quatro fases da Lua em sua jornada, cada uma com características distintas:  a Minguante emotiva, a Nova enigmática, a Crescente alegre e a Cheia sábia. Cada fase lunar contribui de forma única para a transformação e autodescoberta do Ciganinho.

O espetáculo fez turnê por 31 cidades brasileiras, dentro do projeto Palco Giratório. Foto: Morgana Narjara

O aspecto visual da peça é igualmente admirável. Célia Regina, além de sua atuação, criou os objetos cênicos em parceria com Romualdo Freitas e assina a direção de arte junto com Claudio Lira. Os figurinos e adereços são meticulosamente elaborados, trazendo riqueza nos detalhes, com suas saias longas em camadas, blusas com babados, lenços e bandanas na cabeça para todo o elenco.

A iluminação e cenografia criam uma atmosfera onírica para manter o interesse visual das crianças no desenvolvimento da peça, que carrega uma sensação de acolhimento e conforto.

Em Quatro Luas, os espectadores são convidados a mergulhar no livre fluxo da imaginação, acompanhando o percurso de Federico, que desbrava as complexidades de sua própria jornada emocional. O espetáculo propõe uma reflexão sobre a natureza mutável das coisas, revelando novas facetas enquanto mantêm suas essências.

Nesta jornada, nada é óbvio. Quatro Luas oferece uma experiência envolvente, explorando um universo repleto de possibilidades e transformações.

Ficha Técnica

Dramaturgia e Encenação: Claudio Lira, a partir do universo de Federico Garcia Lorca
Elenco: Brunna Martins, Célia Regina, Dougla Duan e Matheus Carlos
Músicos: Hélio Machado (Viola) e Arnaldo Do Monte (Percussão)
Dramaturgia Sonora, Direção Musical e Preparação Vocal: Douglas Duan
Iluminação: Eron Villar
Direção de Arte: Claudio Lira e Célia Regina
Criação e confecção de bonecos e adereços: Romualdo Freitas e Célia Regina
Auxiliar de confecção de adereços: Adriano Freitas
Confecção da Árvore: Douglas Duan
Cenotécnicos: Eduardo Albuquerque (Dudu) e Gustavo Araújo
Costureiras: Maria Lima e Márcia Marisa
Assessoria de imprensa e redes sociais: Milton Raulino – 1000tons Comunicação
Programação Visual: Claudio Lira
Produção: Ivo Barreto e Claudio Lira
Realização: O Bando Coletivo De Teatro

O Satisfeita, Yolanda? faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica,  apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : CENA ABERTA, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Ruína Acesa e Tudo menos uma crítica

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A dança da resistência

Maria Paula Costa Rêgo, no espetáculo Terra. Foto: Guto Muniz/ Divulgação

Maria Paula Costa Rêgo, no espetáculo Terra. Foto: Guto Muniz/ Divulgação

Abril é mês de reivindicação e articulação artístico-política para artistas da dança em Pernambuco. Uma série de ações estão previstas, como debates políticos, performances, feira, aulas, consultorias, intercâmbios, espetáculos, mostra de fotografia e intervenções visuais.  A segunda edição do DDDança começa hoje às 19h30, no Teatro Arraial Ariano Suassuna (Rua da Aurora, 457, Boa Vista, Recife-PE), com a exibição do espetáculo Terra em outras terras, de Maria Paula Costa Rêgo, do Grupo Grial e convidados. E o ápice deve ocorrer no dia 29 de abril, Dia Internacional da Dança, na Torre Malakoff. Na ocasião, será entregue um documento oficial, com as exigências do setor, ao Ministro da Cultura Juca Ferreira.

O espetáculo Terra é a referência para polemizar sobre territórios – ocupação e perda – e chegar a Terra em outras terras. Bailarinos de várias linguagens vão participar – capoeira, hip hop, balé clássico, dança contemporânea e outras – numa demonstração do rizomático do DDDança. Entre os convidados estão Anne Costa, Orun Santana, Julyanne Rocha, Emerson Dias, Maria Agrelli, Pedro Salustiano, Paulinho Sete Flexas e FX. O Terra em outras terras dispõe de trilha sonora assinada por Naná Vasconcelos e homenageia o percussionista, que morreu recentemente.

O lugar dos corpos, cultura, sons e movimentos negros na dança irá orientar o laboratório de dramaturgia em dança Corpos em manifesto, na quarta-feira (6), a partir das 9h30, no Teatro Arraial. Dançarinos, pesquisadores, performers e demais interessados vão debater questões relativas ao tema A bailarina negra / O bailarino negro. Desse enfrentamento estéticos e de ideias resultará uma performance-manifesto a ser exibida às 19h30, aberta ao público.

Jorge Kildery em Elègún - um corpo em trânsito. Foto: Divulgação

Jorge Kildery em Elègún – um corpo em trânsito. Foto: Divulgação

Estão envolvidos bailarinos negros da cidade, como Orum Santana, Jorge Kildery, Manuel Castomo, Alê Carvalho, Anne Costa, Jaqson Gomes e Simone Silva, e os músicos Isaar, Bárbara Regina, Arnaldo do Monte e Aduni Guedes. Além de amanhã, o laboratório Corpos em manifesto ocorrerá em mais duas quartas-feiras de abril (nos dias 13 e 20), com temáticas renovadas a cada edição. Dia 13, o tema é Tradição e contemporaneidade – relação e conflito. Irão participar Pedro Salustiano, integrantes da Escola de Frevo Maestro Fernando Borges, bailarinos da dança clássica e do hip hop. Dança numérica – a utilização da tecnologia pela dança é o mote do dia 20.

Na sexta-feira (8), no Espaço Experimental, a partir das 18h está marcada uma exposição com imagens da dança, clicadas por profissionais como Hans von Manteuffel, Rogério Alves e André Nery.

O DDDança busca potencializar o pensamento e a prática da dança como cadeia produtiva. Além de prever o diálogo entre realizadores, produtores e apreciadores dessa arte. Neste segundo ano, o evento é produzido em parceria com artistas, com apoio dos governos estadual, municipal e federal, e toda a programação é gratuita.

O Encontro Nacional da Dança será realizado no Recife nos dias 27, 28 e 29 de abril, com a presença de gestores, artistas e coletivos de vários estados brasileiros, com o propósito de fortalecer a articulação nacional da dança, E terá a presença do Comitê Gestor da Política Nacional das Artes e do Ministro da Cultura, Juca Ferreira. As inscrições para o encontro poderão ser feitas até o dia 25 no site.

O pessoal de Pernambuco, fora do Recife, deve inscrever propostas até o dia 12, em dddanca.wordpress.com. Um representante de uma das 12 Regiões de Desenvolvimento (RDs) pernambucanas terá sua vinda assegurada pelo governo do estado, incluindo alimentação e hospedagem. A seleção se dará por cartas de intenção e de currículos.

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