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Dez anos de A Terra dos Meninos Pelados

Montagem comemora dez anos

Há dez anos, Samuel Santos estreava o espetáculo A terra dos meninos pelados, texto de Graciliano Ramos. Tantas coisas mudaram neste tempo…mas o olhar do diretor continua sensível ao teatro para a infância e juventude. É um espetáculo que tem um texto muito bom, elenco afinado, lindos figurinos e maquiagem, música. Encanta. Neste fim de semana, a peça está terminando uma temporada no Barreto Júnior. Ainda dá tempo! As sessões serão hoje e amanhã, às 16h30.

ENTREVISTA // SAMUEL SANTOS

A gente sabe o quanto é difícil manter uma peça. Como vocês conseguiram fazer isso com A terra dos meninos pelados?
Desde a nossa estreia em 2002, quando teoricamente dependíamos (sempre) da bilheteria, foram vários fatores. A vontade de querer estar em cena, fazer teatro e vencer as inúmeras dificuldades impostas pelo mercado e pelo sistema capital, onde quem tem o poder de uma mídia televisiva consegue sobreviver de bilheteria. Um ponto importante no caso dos Pelados: a parceria entre os artistas envolvidos na montagem, atores que antes fizeram e os que hoje estão. Acredito no espírito de grupo quando vou para uma construção de uma obra. Mas mesmo assim temos muitas dificuldades, que parece que nunca acabam no abrir e fechar das cortinas. Hoje conseguimos ganhar o Funcultura e por isso estamos na cena.

Texto de Graciliano Ramos tem direção de Samuel Santos. Foto: Fernanda Acioly

O que tem esse texto de tão especial?
A construção de Graciliano Ramos é impregnada de poesia e de um sentimento de reflexão ao próximo. Tudo na A Terra parece uma declaração de amor. Amor ao próximo, ao sonho, a diferença, a diversidade, a amizade. A Terra tem um sentimento próprio da infância, não só aquela nostálgica, mas uma infância romântica, lírica e uma infância atual, com bullying e tudo mais.

Qual foi a importância dessa montagem para o teatro infantil em Pernambuco?
Vínhamos na década de noventa, Governo Collor. O plano Collor tinha como objetivo conter a inflação e cortar gastos desnecessários do governo. E o que foi considerado desnecessário? A cultura! Tanto o cinema quanto o teatro foram jogados no limbo do esquecimento. E como não poderia ser diferente, aqui na terra dos arrecifes a situação foi de extrema delicadeza. Era preciso o sustento. O imediatismo da necessidade de sobrevivência. E a que recorrer? Aos velhos clássicos europeus; e agora a partir dessa década surgia o “teatro Hollywood”. O filão de “hollywoodiar” as peças para crianças, fez a febre do começo dessa década. Com grande aporte de mídia, foi um grande sucesso, mas trouxe grandes danos para o teatro. Tudo era show! Adaptações dos filmes da moda, ou conexões de textos com esse modelo estético. Isso meio que engessou as produções teatrais para crianças. Quem não estivesse nesse molde sofria com a escassez de publico. E cadê a poesia? Cadê a dramaturgia? Bem distantes! Quase tudo era a representação dos estereótipos dos personagens dos musicais e dos filmes de cinema provenientes da terra do Tio Sam! Mas esse era um modelo de teatro, cada um tem o seu, da sua escola, da sua estética e filosofia. O teatro é importante por conta dessa pluralidade/ diversidade. A Terra dos Meninos Pelados surge dentro desse contexto. Como um diferencial no teatro infanto- juvenil, pois a peça tem logo na construção algo elementar ainda para o teatro: uma dramaturgia própria escrita por um autor brasileiro, calcada na poesia e no tratamento honesto dado pelo autor a uma criança real – com o cheiro, gosto, cor da nossa geografia. Lembro de um depoimento do grande ator Paulo de Pontes que diz que assistir à Terra dos Meninos Pelados fez com que ele ficasse revigorado, acreditasse no teatro, no poder de se construir um trabalho com o pensamento de grupo, coletivo. O grande mestre Marco Camarotti – isso eu afirmo com muito prazer – quando acabou a peça, veio em minha direção com um sorriso largo de canto a canto da boca e me abraçou. Senti que era ali o meu batismo. Aquele abraço vinha precedido de respeito, afeto e honestidade, de quem sempre defendia o teatro feito para crianças. E ele entendia A Terra dessa forma. Até hoje aquele abraço vem quando estou dirigindo e escrevendo para crianças e adultos.

Registro fotográfico do primeiro elenco de A Terra dos Meninos Pelados

Como fazer teatro para infância e juventude hoje?
Há a necessidade imediata de um espaço maior na mídia, nas bibliotecas, escolas e nas ações culturais do poder público e privado, com edital específico pra montagem, circulação, formação e dramaturgia para a linguagem do teatro para crianças e adolescentes. Noto poucas criações de textos de teatro voltados para esse público. Aqui em Pernambuco há criações isoladas, que vem sustentando e se diferenciando no atual panorama local: a construção de uma dramaturgia própria em que a criança atual, real se reconheça, se reconheça no seu espaço. Sem capas, espadas, castelos, príncipes, nórdicos, fadas e tudo que aprendemos há séculos a termos como ideal de beleza. A criança de hoje? Será que tem espaço para tanta fantasia que muitas vezes não pertence ao seu habitat? Como romper com isso sem ferir aos princípios motores, matrizes das fábulas e os contos de fadas europeus sem negar esses princípios? É preciso incidir? Fazer, construir outros caminhos bruscamente? Dramaturgia pode conter e contem não só a feitura do texto, mas também a da cena, do palco. E isso precisa e deve também ser analisado! Acredito que se houvesse mais incentivo no campo da criação dramatúrgica, tanto das instituições públicas como privadas, aumentaria o interesse e muitas obras surgiriam assim como novos autores, novas produções com laços dramatúrgicos fincados aqui. E como seria esse incentivo, esse fomento? Desde a publicação de livros específicos por parte das nossas editoras, concursos de dramaturgia para infância e juventude, um edital especifico a linguagem para crianças e adolescentes e por que não a abertura do Teatro de Santa Isabel para temporadas longas? É preciso indagar, rebuscar e fazer refletir para o grande público o que se constrói no campo da linguagem infanto- juvenil, o que a criança anda assistindo e se assiste a espetáculos locais e, se não, por quê? Só se consegue isso com muito interesse de todas as esferas. Seja dos artistas que produzem, seja dos gerenciadores públicos.

Quais as histórias mais engraçadas, marcantes, desses 10 anos de espetáculo?
A última aconteceu domingo passado (23.09): Duda Martins, uma das nossas atrizes, foi pedida em casamento pelo namorado em uma das cenas da peça. Foi algo encantador e emocionante. Teve uma apresentação que fizemos no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, em Itamaracá…Não tínhamos dimensão de como seria a peça nesse ambiente. Lá tem e tinha internos que haviam cometido crimes de alta periculosidade, situação delicada. O clima era meio tenso e ao mesmo tempo de muito respeito. Quando no teatro entraram os detentos todos com seus uniformes iguais, naquele exato momento, pudemos ter a dimensão do que poderia ser a peça naquele espaço. Havia muito barulho no teatrinho e quando Raimundo Pelado tocou sua flauta, o silêncio se instaurou no ambiente. E só era quebrado pelo risos e pelos brilhos atentos dos olhos dos internos. Na cena final, quando Raimundo se despede, todos os internos choravam e pediam para Raimundo não ir embora. A comoção foi geral. Choravam enfermeiros, médicos, atores, eu e os detentos…Inesquecível. E por aí vai!

Conta um pouquinho quem já passou pelo elenco da Terra?
Tantos! No elenco original de 2002 tinhamos: Amaro Vieira, André Caciano, Andrea Rosa, Erick Lopes, Danúbia Soares, Isabela, Lívia Padre, Pedro Ivo, Tiago Melo e Yah Vasconcellos. Os músicos Demetrio Rangel que também compôs a trilha musical, Douglas Duan, Saulo Ricardo, Fernanda Rocha, Tiago Nunes e Samuel Lira. O diretor de arte Java Araujo e na iluminação Horacio Falcão e como contra regra Gaguinho.
Aí entram: Leila Chaves, Marcelo Francisco, Luciana Pontual, Cleyton Cabral, Diana Ramos. Hoje temos: Camila Buarque, Duda Martins, Michel Sant´ana, Julia Shakurr, Gustavo Soares, mais os remanescentes André Caciano, , Erick Lopes e Samuel Lira que agora atua, assim como Douglas Duan, que faz com Leila Chaves e Tiago Nunes a direção musical e que tocam com o músico/ percussionista Fernando Ribeiro.

Pedido de casamento no palco!

Como Samuel Santos mesmo disse na sua entrevista, semana passada a atriz e jornalista Duda Martins foi pedida em casamento em pleno palco! Um momento lindo. Muitas felicidades, Duda!

Serviço:
A Terra dos Meninos Pelados
Quando: hoje e amanhã, às 16h30
Onde: Teatro Barreto Júnior (Rua Estudante Jeremias Bastos, s/n, Pina)
Quanto: R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada)

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Meninos pelados partem por outras geografias

A peça A terra dos meninos pelados, montada em 2002 pelo Grupo Teatral Arte em Foco, deu um impulso à carreira do diretor Samuel Santos. Lúdica e respeitando a inteligência do público, a montagem conquistou o respeito na cena teatral recifense.

A companhia volta a apresentar o espetáculo no 8º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco nos dias 16 e 17 de julho, no Teatro Barreto Júnior, no Pina.

Antes dessas duas sessões, a trupe cumpre agenda em várias cidades, dentro do projeto Itinerância – Geografia Poética. A equipe viajou hoje e vai passar pelos estados do Rio Grande do Norte, Sergipe, Paraíba, Alagoas.

O projeto foi contemplado com Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2010- Circulação de espetáculos. E encerrará a turnê em frente à casa que foi de Graciliano Ramos, em Quebrangulo, interior de Alagoas.

A peça é baseada na novela A Terra dos Meninos Pelados, composta por Graciliano Ramos, em 1937, assim que sai da cadeia. O escritor alagoano foi perseguido graças a uma vaga acusação de subversão comunista e preso em março de 1936, bem no auge da ditadura Vargas.

Na história, Raimundo é alvo das chacotas dos colegas por ser careca e ter um olho azul, outro preto. Ele logicamente sofre com a situação. E um dia, cansado com o que atualmente chamamos de bullying, resolve partir para a terra de Tatipirun, onde “todos os caminhos são certos” e se aplainam para ele passar. Ele aprende lições de geografia e depois entende os ensinamentos ao campo da geografia política.

A terrra dos meninos pelados defende a convivência entre diferenças humanas. E que o grande barato pode ser exatamente esse: ser diferente do outro.

Serviço
A Terra dos Meninos Pelados, Grupo Teatral Arte em Foco (Recife / PE)
Quando: Dias 16 e 17de julho, às 16h30
Onde: Teatro Barreto Júnior (Rua Estudante Jeremias Bastos, 121, Recife)
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia)
Duração: 55 minutos

A terra dos meninos pelados será exibida nos dias 16 e 17 de julho. Foto: Aryella Lira

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