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Soledad que ainda se nega a morrer

Apresentações comemoram um ano do espetáculo Soledad - a vida é fogo sob nossos pés e 37 anos de anistia

Apresentações comemoram um ano de Soledad – A vida é Fogo sob Nossos Pés e 37 anos de anistia no Brasil

O título é do curta metragem de Sebastián Coronel Bareiro, Soledad que aún te niegas a morir. Traduz com presteza a passagem digna, valente, corajosa pelo planeta Terra dessa mulher paraguaia que se tornou militante política e foi assassinada à traição pela ditadura militar brasileira por emboscada do pai da criança que ela carregava no ventre. Há muitas portas de interpretação para o monólogo épico Soledad – A Terra É Fogo Sob Nossos Pés. Todas insuficientes para dar conta da complexidade de uma criação cênica dessa natureza. Mas as percepções e interpretações seguem a urgência do tempo.

O espetáculo faz duas apresentações especiais, nestes 1º e 2 de setembro, no Teatro Hermilo Borba Filho, às 20h, como parte das comemorações de um ano da encenação. Ao mesmo tempo celebra os 37 anos da anistia brasileira. Nesta quinta-feira, logo após a sessão, será reservado um ato de gratidão em homenagem aos ex-prisioneiros políticos, militantes da época que devotaram suas vidas na batalha pela democracia. Além de pessoas que contribuíram com o processo da montagem.

E ainda tinha gente brindando neste último dia de agosto o golpe contra a Democracia. “Respeitem quem foi torturado”, exige a peça que toma posição por quem teve a determinação de cuidar do terreno da soberania e da igualdade. A peça ilumina pontos obscuros da história do Brasil e acompanha Soledad Barret Viedma, desde seu nascimento, passando por vários países, até sua morte. O discurso é veemente. Sozinha em cena, Hilda Torres acende o espírito da guerrilheira da Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR.

“Falar sobre Soledad é traçar um caminho de poesia onde a dor e a alegria estão juntas, seguindo em marcha para erguer ideais libertadores. Falar sobre ‘Sol’ é falar de um pedaço de todos nós, que nos impulsiona diariamente a enfrentar, resistir, sem nunca abrir mão do brilho nos olhos ao imaginar um mundo melhor, com direitos iguais para todos e todas, na compreensão das nossas diferenças”, acredita a intérprete.

O livro Soledad no Recife, do escritor pernambucano Urariano Mota, foi o ponto de partida do processo, em janeiro de 2015. A dramaturgia é assinada pela atriz e pela diretora do espetáculo, Malú Bazán.

Soledad ganha os contornos de um animal que ama a liberdade e dela não abre mão. Com isso assume no seu corpo, nos seus gestos, na sua voz, a militância de todos, um dado universal. A trajetória dessa figura ganha uma poética viva e continua pulsando. Contra os ditadores de todos os tempos, contra a violência em qualquer paragem.

Soledad

Trechos da vida da guerrilheira são expostos no palco

A composição documental da encenação expõe momentos importantes da vida da guerrilheira. Os episódios de dor são exibidos, num cenário de poucos elementos, com uma luz que convida para a intimidade dessa existência e na alternância da representação do trajeto de Soledad e a exploração do metateatro desvelado em seu processo de criação.

O passado e o presente são confrontados, das barbáries de ontem e hoje, em que direitos são confiscados numa montagem em que esses elementos fazem parte de um organismo vivo, pulsante. Alguns retrocessos são denunciados, como o atentado contra o legado do educador pernambucano Paulo Freire.

É um espetáculo em que o feminino tem voz potencializada. E dá xeque-mate na misoginia e no machismo. Contra isso a força dessa mulher que pegou em armas, exigiu tratamento de igual para igual com os homens, mas também é tomada pela onda do feminino, do amor e da ternura.

A encenação exalta os mitos e ritos ancestrais e evoca os povos originários. E incorpora esses dados na passagem do banho na água com os seios à mostra; na celebração de orixás como Nanã, do candomblé. E cenas fortes como das cruzes gamadas, as suásticas, riscadas a aço em suas pernas pelos militantes neonazistas.

Maternidade defendida por Soledad

Maternidade defendida por Soledad

No artigo de Opinião de Urariano Mota, Dilma Rousseff e Soledad Barrett, publicado no último 29 de agosto, no Diario de Pernambuco, o escritor e jornalista traça elos da corrente: impeachment, Dilma, ditadura, anistia, Soledad no teatro e o Recife. “Entendam. Quando a brava presidenta amargou a prisão, todas as vezes em que as companheiras de cela voltavam da tortura, ela as recebia com os braços abertos, amparava, dava às sobreviventes sopinhas de colher na boca, e punha na vitrolinha de pilhas uma canção. Imaginem qual. As ex-presas políticas contam que Dilma sempre pedia a elas que prestassem muita atenção à letra de Para um amor no Recife, de Paulinho da Viola.

Paulinho cantava na cadeia ‘a razão por que mando um sorriso e não corro, é que andei levando a vida quase morto. Quero fechar a ferida, quero estancar o sangue, e sepultar bem longe o que restou da camisa colorida que cobria minha dor. Meu amor, eu não esqueço, não se esqueça, por favor, que voltarei depressa, tão logo acabe a noite, tão logo este tempo passe, para beijar você’ “. Boa lembrança de Mota.

Os traços afetivos de Soledad bolem com a memória de quem sofreu com a ditadura. Ou teve seus parentes e amigos mortos e/ou desaparecidos. A própria atriz Hilda Torres vive seu engajamento político que potencializa todos as emoções no palco. E como diz Urariano Mota é “Um encontro de teatro, história e resistência. Imperdível”

Entrevista // Hilda Torres

Hilda Torres em Aldeia do Velho Chico. Foto: Divulgação

Hilda Torres na Aldeia do Velho Chico. Foto: Divulgação

Um ano depois de viver agarrada no palco com Soledad Barret Viedma, (da Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR, morta ao lado de outros cinco companheiros) – fora o tempo de pesquisa, preparação da produção, ensaios – o que você tem a nos dizer sobre essa mulher?
Nasceu com sua mãe e ela apenas, por isso Soledad – Solidão; criança que cresceu entre sons de bombas e brincadeiras, levando recados codificados em suas saias para dirigentes comunistas, indo visitar seu pai na cadeia, quando não, ele estava clandestino, presente pelos ideais, mas ausente na lida diária; exilada com sua família com menos de 1 ano de idade e, com 16 anos, no Uruguai, no seu segundo exílio, começa a realizar apresentações de danças folclóricas em eventos solidários ao Paraguai; sequestrada aos 17 por um grupo neonazista que marca com uma navalha o símbolo do nazismo; vai pra URSS estudar teorias comunistas, em seguida vai para alguns países da América Latina na tentativa de invadir o Paraguai; 1967, vai para Cuba treinar para luta armada, casa-se e tem uma filha: Ñasaindy Barrett de Araújo, fruto do seu relacionamento com José Maria de Ferreira de Araújo; 1970, vem para o Brasil numa missão pela VPR; Mas aqui é entregue pelo “Cabo Anselmo”, até então o seu companheiro de quem estava grávida. Ela alfabetiza índios! Mulher, jovem, sonhadora, leal aos ideais, mãe, filha, companheira, dançarina, poetisa, militante aguerrida, dócil, serena, dedicada, destemida, empoderada… Soledad Barrett Viedma.

O que significam essas duas apresentações especiais? Essas celebrações?
Comemoraremos um ano de trajetória de um solo que fala de um passado tão presente, de uma mulher aguerrida que nos fortalece na luta de gênero sobretudo nos dias atuais em que vivemos. Comemorar essa trajetória, é também um momento de agradecer a todas e todos que contribuíram para essa realização, a equipe, amigos(as), colaboradores(as), parceiros(as), as plateias por onde passamos, aos festivais que nos convidaram! É um sentimento de gratidão!E a comemoração dos 37 anos de anistia no Brasil é referente a data da anistia que se comemora em agosto. Mas tendo em vista o que passamos atualmente e ao sentimento de gratidão que nos aflora nesse momento, decidimos agradecer aos ex-prisioneiros políticos e militantes que combateram o regime militar e que estiveram próximos ao processo da peça. Então agradeceremos não só pelo apoio nos dado, mas através deles, agradecer a todos e todas que entregaram suas vidas na luta por democracia, por um único sonho: liberdade! Essa geração atual precisa agradecer a uma geração que jamais poderá ser esquecida.

A vida ficou extremamente mais difícil no Brasil desde que vocês começaram a se envolver com a história de Soledad. Como você analisa esse arco do tempo do que acontece no país?
Desde o processo de pesquisa histórica para a montagem da peça, ainda em 2015, percebemos a relação íntima entre o passado e o presente. Nesse mesmo período aconteciam passeatas em São Paulo, principalmente, pedindo a “volta do golpe militar e chega de Paulo Freire”. Tudo começou a doer muito em nós, tanto que essas duas expressões entram na peça num momento de explosão de uma das cenas, justamente no Brasil. É isso! E depois do mergulho nessa época talvez seja mais difícil entender o que passamos hoje, ou mais fácil, e assim decidirmos por continuar a luta!

Soledad

Espetáculo homenageia presos políticos que lutaram por Democracia

O título da peça se refere a uma frase da protagonista, que exprime a bravura da militante. Ela já realizava um trabalho de empoderamento feminino na década de 1970. Como você detecta isso?
Resumo numa outra fala dela em resposta aos companheiros homens com quem ela treinava: “Não precisa, eu posso treinar com o mesmo fardamento que vocês”! Soledad hoje é nome e referência de luta feminina para vários movimentos feministas da América Latina!

Coragem e dignidade são palavras que queimam e no momento em que vivemos remete imediatamente para a presidenta Dilma Rousseff julgada (e condenada) por figuras de moral duvidosa, e com a morte política anunciada. Que paralelos são possíveis fazer dessas duas mulheres?
Ambas são destemidas, mulheres que não fizeram questão de serem vistas como a delicadeza da flor, mas que não abriram mão de serem firmes na luta por um mundo melhor.

O Brasil tem revelado que existe um teatro de resistência em atuação em cada canto desse país. Como sua produção vem conseguido essa proeza?
Já tivemos muitas portas abertas, alguns nãos. Normal. Mas já sentimos também que algumas portas foram fechadas justamente pela temática da peça, sobretudo, nos dias atuais.

“Percebemos a arte como gatilho para a transformação social. É preciso tirar a arte do papel da celebridade”, você já disse. Como seria possível isso nesse sistema capitalista capaz de inventar celebridades instantâneas o tempo inteiro?
Tudo vai depender das escolhas que cada fazedor(a) da arte fizer. Sim, trata-se de escolhas mesmo nos momentos de necessidade da demanda capitalista. Quanto ao público, a mídia, vive um perfil de fato com essa necessidade do “imediatismo” em tudo, inclusive nos mitos que muitas vezes representam o modismo e muito pouco os ideais, a forma de ver e sentir a vida.

Comunista come criancinhas???
Não, porque acreditamos nelas como uma esperança incansável para o futuro do País, da Nação, principalmente a nossa que precisa de um rumo onde ela própria seja “re”acreditada.

Ficha técnica
Atriz e idealizadora: Hilda Torres
Direção: Malú Bazán
Dramaturgia: Hilda Torres e Malú Bazán
Pesquisa histórica: Hilda Torres, Márcio Santos e Malú Bazán
Pesquisa cênica:
Hilda Torres e Malú Bazán
Concepção de cenário e figurino:
Malú Bázan
Execução de cenário e figurino:
Felipe Lopes e Maria José Lopes
Luz:
Eron Villar
Operação de Luz:
Eron Villar e Gabriel Félix
Direção musical:
Lucas Notaro
Arte visual:
Ñasaindy Lua
Produção:
Hilda Torres, Márcio Santos e Malú Bazán
Produção executiva:
Renato Barros
Produção geral: Márcio Santos
Realização: Cria do Palco
Fotografias: Rick de Eça

SERVIÇO
Soledad – A Terra É Fogo Sob Nossos Pés – Apresentações comemorativas
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho  – Cais Apolo, s/n , Bairro do Recife
Quando: Dias 1º e 2 de setembro às 20h
Ingressos: R$ 30 e R$ 15, à venda na bilheteria do teatro 1h antes do espetáculo
Informações: (81) 3355.3321
Duração: 1h10
Classificação: 14 anos

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Memorialista do teatro pernambucano

Leidson estuda teatro infantil em Pernambuco desde 1998. Foto: Ivana Moura

O marco zero na história do teatro para crianças no Recife foi a estreia da peça Branca de Neve e os 7 anões, a primeira que levou crianças para a cena, em 1939, no Teatro de Santa Isabel. Era um projeto do teatrólogo Valdemar de Oliveira, que superou todas as expectativas. Essa é uma das conclusões do pesquisador e jornalista Leidson Ferraz, depois de anos de investigação que rendeu o livro Teatro para crianças no Recife – 60 anos de história no século XX (vol. 1). A pesquisa já havia sido lançada em formato DVD, em 2013.

Nesse volume, ele passeia pela historiografia do teatro pernambucano de 1939 até a década de 1970 e junta raros registros fotográficos de peças, programas, anúncios publicitários, críticas publicadas em jornais e relatos sobre a produção infanto-juvenil do período.

O livro estará à venda no Sindicato dos Artistas de Pernambuco e na Federação de Teatro de Pernambuco, ambos sediados na Casa da Cultura.

Nessa segunda-feira, durante o lançamento do livro o autor fez uma breve explanação sobre o objeto do seu estudo e exibiu imagens históricas guardadas na publicação.

Nesta entrevista ele fala sobre o processo de trabalho, da paixão pela pesquisa em teatro,  do  projeto Teatro Tem Programa!, que vai compartilhar pelo site da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco), de polêmicas e da vida que segue.

Entrevista: Leidson Ferraz

Leidson Ferraz, pesquisador e jornalista. Foto: Ivana Moura

Leidson Ferraz, pesquisador e jornalista. Foto: Ivana Moura

Você é uma das poucas pessoas nesta cidade do Recife que talvez vá mais ao teatro do que eu. Talvez. Tenho a vantagem de viajar com frequência para festivais e isso aumenta minha performance. Então, quantos espetáculos você assiste por semana, mês, por ano? E de onde vem esse amor pelo teatro?
(Risadas). Ivana, eu não contabilizo quantos espetáculos vejo. Mas procuro assistir tudo o que está em cartaz. Acho que é a forma de me manter atualizado sobre nossa produção teatral brasileira. Gostaria de poder viajar mais para assistir espetáculos em outros lugares (faço isso minimamente, infelizmente, muito mais ao interior de Pernambuco), mas não tenho nem tempo nem dinheiro para tanto. Quanto ao amor ao teatro, é parte do que me faz viver. Já pensei em me afastar deste universo por algumas decepções, mas não consigo. Está dentro de mim. É como o ar que respiro. O teatro está nos meus poros.

Sua carreira como ator começou na infância, em Petrolina, Sertão de Pernambuco. Como foi essa trajetória?
No Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em Petrolina, eu já interpretava esquetes a cada final de ano, numa Feira de Ciências que programavam. Mas o primeiro espetáculo teatral que vi de verdade foi a Paixão de Cristo da Nova Jerusalém, aos oito anos de idade. Aos nove, já me arvorei a escrever e dirigir A Paixão de Cristo com 50 amigos da rua que eu morava. E eu ainda interpretava Judas, Pilatos e o Demônio. Ou seja, fui sempre ousado! Depois, fui dançar Menudo – num grupo cover – e passei a ser um “artista profissional” (kkkk), pois ganhávamos bem fazendo festinhas de aniversário e outros eventos. Só me aproximei do teatro, de verdade, quando vim morar no Recife em 1988. Comecei indo ver tudo o que eu podia e a fazer cursos com Ida Korossy, no Colégio Decisão; Valdi Coutinho, no Arteviva, e Elmar Castelo Branco, no TUCAP. Daí, fui me profissionalizando aos poucos, em cursos, oficinas, palestras, seminários, vendo muitos espetáculos e atuando e dirigindo num grupo que criamos na Unicap (o Grupo Pedaços, com o qual fiz uma versão do musical Hair, entre outros trabalhos)… Tirei meu DRT como ator profissional em 1993.

Quais as montagens que você participou como ator, diretor ou outra função?
Estreei profissionalmente com Memórias da Emília, em 1995, com adaptação e direção de Luiz Felipe Botelho e produção de Pedro Portugal. Fiz teste para entrar no elenco. Em seguida, fui convidado para Auto da Compadecida, da Dramart Produções, com direção de Marco Camarotti, onde atuei durante 17 anos. Na sequência, trabalhei com José Manoel Sobrinho, Érico José, Vital Santos, Max Almeida, Claudio Lira, José Pimentel, Samuel Santos, participando também de várias leituras dramatizadas com outros diretores e ainda dirigindo alguns espetáculos, especialmente no SESC. No ano 2000, escrevi e dirigi, junto a Claudio Lira, o musical Alheio, um sonho que acalentei durante sete anos (após a experiência de estudar canto no Conservatório Pernambucano de Música durante um tempo) e que me deu enorme trabalho, pois era uma produção grandiosa. Inaugurei um teatro próprio no Cais José Mariano e fomos até para São Paulo, mas só pude manter a peça por três meses de vida. Era caríssima com elenco enorme de atores e cantores, além de toda a infraestrutura de som, luz, arquibancadas, microfonação, etc… Meu último trabalho como ator (e não pretendo voltar a atuar, pelo menos neste momento) foi Olivier e Lili: Uma História de Amor em 900 Frases, com direção de Rodrigo Dourado, pelo Teatro de Fronteira, que sobreviveu nos anos 2012 e 2013. Ou seja, há mais de três anos não volto aos palcos. Já enquanto assessor de comunicação de muitos espetáculos, perdi as contas de quantos fiz. Atualmente ando afastado por conta do Mestrado em História na UFPE.

Você vem sendo considerado um memorialista do teatro Pernambucano com registro, análise e disseminação do passado do teatro feito no estado. Você é realmente um empreendedor, um homem de muita força e fôlego. Como e quando surgiu essa preocupação com o registro, com a documentação sobre o teatro pernambucano?
Quando fui convidado a assumir a assessoria de comunicação do Projeto Memórias da Cena Pernambucana – O Teatro de Grupo, em 1998, por José Manoel Sobrinho, meu maior incentivador em tudo. Era uma ação da Feteape e me envolvi totalmente com ela. Foi ali, entrevistando artistas que estavam afastados da cena, mas com longa trajetória no teatro, que me atentei para a história do teatro pernambucano e a necessidade de mais registros sobre este tema.

Mas vamos destrinchar isso.
Você é um assessor de imprensa muito peculiar, que exerce muito bem essa função em diversos festivais, peças e ações voltadas às artes cênicas. Você veste a camisa mesmo, como integrante da produção. Essa é a melhor postura na sua opinião?
Não sei fazer de outra forma. Talvez por amar tanto o teatro e a dança, acabo me envolvendo mais do que devia. Às vezes tenho raiva desta minha postura, pois muitas vezes me deixo confundir nas funções. No entanto, acho que todo assessor de comunicação precisa abraçar sua causa. Ficar em casa só mandando e-mails, não dá! Acho terrível quem faz assim. É preciso conhecer a sua fonte de informação por completo.

Montagem de 1976 de Maria Minhoca. Foto: Divulgação

Montagem de 1976 de Maria Minhoca. Foto: Divulgação

Gostaria que você falasse sobre trabalho desenvolvido com as pesquisas sobre a produção teatral pernambucana.
A série de livros Memórias da cena pernambucana resgatou em quatro volumes a trajetória de quase 40 grupos de teatro de Pernambuco, desde a década de 1940. Gostaria de levantar três questões sobre isso.
A primeira: Com encontros/palestras/debates gravados a partir da memória de integrantes de grupos (e a memória é falha) você multiplicou em vários livros. Você se considera um estrategista ou um ótimo marqueteiro? Ou ambos?
É preciso lembrar que, quando eu, Rodrigo Dourado e Wellington Júnior lançamos o Volume 01 do Memórias da Cena Pernambucana, pouco se falava sobre a história do teatro pernambucano naquele momento. O projeto, inclusive, nasceu por conta disso. Ainda tínhamos reduzidas publicações nesta área e acho que, modéstia à parte, o Memórias abriu o caminho para isso. Tanto que ninguém lembrava do Grupo de Teatro Vivencial! A nossa capa, com Ivonete Melo maravilhosa em Repúblicas Independentes, Darling!, foi estratégica para isso. E o livro circulou pelo Brasil inteiro, pois fiz vários lançamentos e o distribui, gratuitamente, a universidades, centros de pesquisas, sedes de grupos teatros e centros de memória, além das unidades do SESC, pelo Brasil inteiro. Esse era o nosso objetivo. Quanto ao lance da memória, ela é falha, mas, especialmente a partir do Volume 02 (quando fiquei sozinho na empreitada), me arvorei a pesquisar minuciosamente cada depoimento e, confrontando com os dados que consegui na imprensa e em acervos particulares, procurar cada depoente para retrabalhar o depoimento dado (algo que já foi feito no Volume 01, mas timidamente). Para qualquer historiador isso é um crime, mas não tinha formação em história e tentei, ao máximo, chegar próximo do que havia de fato acontecido. Hoje sei que nada se dá bem assim. Mas foi uma tentativa, e acho que o material se aproxima bastante dos fatos e acontecimentos, para além dos aspectos metodológicos empregados para isso.

A segunda: A narrativa construída sobre esses grupos não recebeu confrontamentos de dados, mas reproduz relatos dos atores daquelas companhias. Atualmente, com o mestrando em História, que caminhos diferentes você adotaria para publicar esses trabalhos.
O confrontamento existiu com o material impresso que eu encontrava – e muitas pesquisas em acervos foram feitas, infelizmente sem espaço no livro para registrá-las como fontes pesquisadas – e também no diálogo com outras pessoas que não estavam nos debates. Muito depoimento foi mudado, Ivana. E felizmente as pessoas concordavam com seus esquecimentos ou equívocos a partir do que eu lhes apresentava. Isso foi legal, pois todos autorizaram as mudanças. No entanto, hoje, percebendo quais os interesses e procedimentos da historiografia, será que eu registraria os depoimentos na íntegra e colocaria milhares de notas de rodapé para corrigir ou esclarecer cada trecho? Alguém aguentaria ler isso? Não! Portanto, excesso de academicismo não é a minha praia. Sou um questionador de tudo isso e precisaria pensar melhor como eu faria. O importante é perceber que o depoimento oral é sempre melindroso para se lidar, ainda mais no calor de um encontro público. No entanto, é uma alternativa como registro da(s) história(s).

Terceira: Você acha que falta interesse, coragem, disposição, de outras pessoas para mergulhar nesse universo da pesquisa sobre o tetro pernambucano, já que temos poucas referencias ainda?
Sim. Há pouca gente interessada nisso. No entanto, acredito que a UFPE e o SESC têm cumprido um papel de disseminar este desejo de lidar com nossa história teatral. Atualmente tenho dois alunos do Curso de Interpretação para Teatro do SESC Piedade (onde dou aulas de história do teatro pernambucano), Amanda Spacca e Anderson Cleber, que estão trabalhando como estagiários comigo. Penso que podem se tornar ótimos pesquisadores. E de vez em quando recebo pedidos de material de alunos da UFPE. Acredito que devem surgir mais pesquisadores vindo destes lugares, em breve.

Qual a contribuição do jornalismo para as artes cênicas hoje?
Fundamental. Não só em termos de divulgação para o que está em cartaz (e ainda contamos com isso para que saibam que nós existimos!), mas como fonte primordial para a historiografia teatral. Ainda que encontremos equívocos tremendos na escrita de vários jornalistas, continua a ser um guia imprescindível para este trabalho.

Você ainda se considera um ator, diretor atuante e como funciona isso com a sua função de crítico?
Não sou crítico, Ivana. Gosto de escrever quando um espetáculo me instiga a isso. Sou jornalista e pesquisador do teatro, apaixonado pela arte que acompanho fervorosamente. Quanto a atuar e dirigir, quero mais não! Tô bem no meu lugar.

E atualmente como encara a faceta de pesquisador?
É o que me dá mais prazer. Se pagasse todas as minhas contas, só faria isso na vida. Adoro mergulhar no passado e confrontá-lo com o momento que vivo. Acho que me sinto pleno nesta função.

Branca de Neve e os Sete Anoes. Foto: acervo projeto Memórias da Cena Pernambucana

Branca de Neve e os Sete Anões. Foto: acervo projeto Memórias da Cena Pernambucana


Uma aulinha para os leitores: Quando você identifica o nascimento do teatro em Pernambuco?
Desde quando os jesuítas chegaram no Brasil. É uma longa trajetória que remonta àqueles tempos, tanto que a primeira peça de autor verdadeiramente brasileiro foi encenada no Recife, Amor Mal Correspondido, de Luiz Álvares Pinto, em 1780, no primeiro teatro do Recife, a Casa da Ópera (segundo informação dos pesquisadores Padre Jaime C. Diniz e Valdemar de Oliveira). E o teatro, com o passar dos séculos, sempre resistiu entre momentos de maior ou menor qualidade.

É possível fazer um rápido trajeto, até hoje? Apogeu e declínio. O Recife por exemplo já foi considerado o terceiro polo produtor das artes cênicas do país.
Essa questão de terceiro pólo foi também uma grande estratégia de marketing dos divulgadores dos espetáculos (já nos anos 1930 encontro tal referência e o produtor Bóris Trindade, por exemplo, usou isso com muita maestria nos anos 1980, disseminando esta frase entre colunistas que reproduziram tal ideia sem nem saber do que se tratava na realidade). Entretanto, é notório que até os anos 1930, Recife ainda era um pólo importante para o “Norte” do país (aqui compreendendo o Norte-Nordeste, segundo terminologia da época). Mas não podemos esquecer Manaus e Belém, que também eram palcos significativos, estratégicos pelos portos e a chegada de companhias internacionais ou vindas do Rio de Janeiro, a então capital da República. Bom, como qualquer lugar do mundo, Pernambuco continua a produzir bom e mau teatro e isso tem a ver com muitos aspectos, diálogos de maior ou menor criatividade por parte dos fazedores de arte e a relação conflituosa ou não com a política, a economia da época, a sociedade que consome cultura, os intercâmbios travados com produções de outros lugares, a cultura como um todo. Ninguém hoje vai dizer que Recife é a terceira cidade mais importante do nosso fazer teatral no Brasil, mas, sem dúvida, continua a ser uma das mais significativas, tanto que todos querem vir para cá.

O teatro pernambucano vai bem, obrigado?
Vai como sempre, com altos e baixos. Quando a gente lida com o passado, passa a compreender melhor que a vida é cíclica.
Sua pesquisa voltada para seis décadas de teatro para criança em Pernambuco cataloga essa produção. Como é isso enquanto método? E como você conceituaria essa pesquisa?
A minha pesquisa é um mapeamento historiográfico. Para além da dramaturgia, como normalmente é feito, tento abarcar as realizações como um todo. Me interessa o universo teatral em sua maior amplitude, por isso tantos assuntos permeiam toda esta trajetória, inclusive na relação da criança com o cinema, o rádio e a TV, as outras diversões, a produção de espetáculos, festivais, polêmicas da classe artística junto ao poder público, personalidades mais influentes, as realizações à margem dos palcos oficiais, etc. É um passeio pelo tempo, encarando-o como fragmentário, incompleto, plural. Cito David Lowenthal no começo, mas não parti de nenhum outro historiador conceitualmente. Este trabalho antecede minha ida ao Mestrado na UFPE e traz ainda um caráter bem cronológico e factual, o que não o desmerece. Apenas não traz a problematização conceitual tão perseguida pelo meio acadêmico.

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Leidson, você é uma das figuras no teatro que mais teve projetos aprovados e realizados no Funcultura. Seria possível desenvolver esses projetos sem o Funcultura? O que você pensa da concentração de projetos aprovados para algumas pessoas/empresas em todas as áreas? Que mudanças você proporia ao Funcultura?
Impossível fazer o que faço sem o FUNCULTURA. E agradeço demais a todas as comissões deliberativas que entenderem isso. Se sou um dos mais contemplados no edital, acredito que não. A questão é que meus projetos sempre ganharam visibilidade, talvez pelo cuidado com que eu os faço, talvez pela relação próxima que mantenho com a impressa. Mas já tive muitos nãos no FUNCULTURA também. Nem sempre ganho, e é preciso ressaltar isso. Quanto à concentração de pessoas/empresas, claro que sou contra. Ganhei, certa vez, três projetos de uma vez e quase enlouqueci. Não recomendo isso a ninguém. E acho que os que fazem o FUNCULTURA precisam conhecer muito bem o mercado cultural para saber se vai haver concentração ou não. É injusto quando temos tão pouca verba para tamanha produção no estado. Sobre as mudanças, tenho muitas propostas, mas a principal é alterar a lei original para que possamos ter não só apenas um aprovado por linha. Isso tem emperrado bastante.

Quais os próximos passos?
Estou finalizando o projeto Teatro Tem Programa!, com mais de 700 programas de espetáculos teatrais do Recife e Olinda no século XX catalogados. A ideia é compartilhar tudo pelo site da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco), minha parceria nesta iniciativa. No mais, continuo no Mestrado em História na UFPE estudando O Teatro no Recife da Década de 1930 – Outros Significados à Sua História, outro tema que adoro.

Você é um homem muito bem relacionado, querido entre a classe. Gosta inclusive de dizer que consegue transitar pelos mais diversos núcleos do teatro em Pernambuco. Você já disse, com esse humor que lhe é peculiar que você é bem alto, seu abraço é grande. “Cabem todos junto a mim”. Mas também tem seus desafetos. Como você lida com isso?
Não que eu tenha muitos desafetos, mas não gosto de cultivar inimizades. Sofro com isso. Procuro, então, deixá-los distantes de mim. São poucos, felizmente. Prefiro pensar nos tantos amigos e colegas que fiz em toda a minha trajetória.

Em pelo menos dois episódios nós dois nos desconhecemos. O primeiro foi a publicação de uma carta à redação no Diario de Pernambuco em que dois gestores eram criticados.
A segunda foi uma crítica que escrevi para o Yolanda sobre o espetáculo Olivier e Lili: Uma história de amor em 900 frases [com o grupo Teatro de Fronteira, direção de Rodrigo Dourado], que causou polêmica e rupturas, mas nunca se botou os pratos na mesa para se falar disso.
Gostaria de falar sobre isso. O que ficou no seu coração desses dois episódios?

Sou leonino, Ivana, portanto, nunca esqueço por completo, confesso. Mas procuro seguir a vida. O alto-astral, para mim, é fundamental. E tento disseminar isso nas minhas convivências. Raramente vais me ver de cara feia. Não sou desse tipo.

Você já disse que encerrou minha vivência como intérprete em 2013, com a peça Olivier e Lili. Por quê?
Não tenho mais tempo para ensaiar, nem paciência nem tesão. E acredito que quando alguém quer ser ator, é preciso muita dedicação, entrega, sofrimento… Não estou mais disposto a tanto.

Bem, para encerrar, você soltou uma informação que está no seu livro: “Eu falo de um escândalo da gestão petista, quando João Paulo liberou R$ 150 mil para um espetáculo infantil, enquanto as artes cênicas locais minguavam patrocínio”. Você acha que é realmente um escândalo? Onde está o escândalo? Criticar e polemizar sobre essa questão agora, em plena campanha, não borra a imagem de um candidato? Que me parece que teve um tratamento mais cuidadoso com a cultura? Por exemplo, o que é essa gestão atual da prefeitura para a cultura? O consenso na área de teatro é que é desastrosa.
Escândalo foi na época, tanto que saíram matérias enormes nos jornais e era o que mais se falava nos teatros e, minimamente, na política. Afetou a todos que fazem teatro, dança e circo, porque, naquele momento, reclamávamos uma verba minguada pelo Prêmio de Fomento às Artes Cênicas da Prefeitura do Recife. No entanto, nada mudou. Só ganhei mais desafetos e alguns créditos, por parte de alguns, por ter tido a coragem de denunciar algo que todos queriam falar, mas não o faziam. No entanto, essa minha fase de “Dom Quixote” passou. Já reclamei tanto do poder público, que cansei. Mas essa questão não veio agora, Ivana, está como um dos fatos do ano 2008 no meu livro Panorama do Teatro Para Crianças em Pernambuco (2000-2010)”. Não estou fazendo denúncia alguma neste momento de campanha, porque ela nem me interessa. Não sou partidário de nenhum candidato, e acho que todos são desastrosos ao segmento cultural, uns mais outros menos. Como desacredito cada vez mais dessa política que aí está, nenhum tem o meu voto. E minha vida segue sem eles.

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“A liberdade era vivida na imediatez daqueles tempos”

Puro lixo. Foto: Rodrigo Monteiro

Puro lixo – o espetáculo mais vibrante da cidade celebra o Vivencial. Foto: Rodrigo Monteiro

Puro Lixo – O Espetáculo Mais Vibrante da Cidade, a derradeira parte do projeto Transgressão em Três Atos,  estreou no fim de semana no Teatro Hermilo Borba Filho, onde fica em cartaz aos sábados e domingos até 4 de setembro. O projeto Transgressão foi iniciado em 2008 e rendeu as encenações Os fuzis da Senhora Carrar, de Bertolt Brecht (2010), com direção de João Denys, em homenagem ao Teatro Hermilo Borba Filho (THBF); e Auto do salão do automóvel, de Osman Lins (2012), com direção de Kleber Lourenço, que celebrou o Teatro Popular do Nordeste (TPN). O programa leva a assinatura dos jornalistas e professores Alexandre Figueirôa, Claudio Bezerra e Stella Maris (também produtora e atriz).

Desta vez a ode é ao Grupo Vivencial – que entre precariedades e purpurinas dava seu grito de liberdade em plena ditadura militar. De cara o dramaturgo Luís Reis e o diretor Antonio Cadengue chegaram ao consenso de que a encenação não iria tentar reproduzir a experiência do Vivencial.  “Os tempos são outros, então o que queremos é pensar o Vivencial hoje, refletindo também sobre o papel do teatro”, destaca o encenador.

A base para a dramaturgia foi o artigo Vivencial Diversiones apresenta: Frangos falando para o mundo, de João Silvério Trevisan, publicado no jornal Lampião da Esquina, em novembro de 1979, quando a trupe inaugurou sua sede nos limites entre Recife e Olinda, o Vivencial Diversiones.

No elenco de Puro lixo estão os atores Eduardo Filho, Gilson Paz, Marinho Falcão, Paulo Castelo Branco, Samuel Lira e Stella Maris Saldanha.

Puro lixo. Foto: Rodrigo Monteiro

Gilson Paz, em primeiro plano, e Stella Maris Saldanha em Puro lixo. Foto: Rodrigo Monteiro

A estrutura da peça mostra uma noite num cabaré, onde são apresentados experimentos cênicos, flashes das memórias dos artistas nos bastidores, e a defesa de posicionamentos, como o de dar pinta como recurso do fazer político. Cadengue diz que a montagem expõe feridas da nossa sociedade e que toca em questões fortes da teoria queer, de gênero, de raça.

“A conjunção de todas as cenas resulta em algo muito sofisticado (você pode perceber que uma fala dita por um personagem em off no início da peça, vai reverberar em carnadura noutra cena mais adiante)”, pontua Cadengue.

Com a palavra, o encenador.

Entrevista // ANTONIO EDSON CADENGUE

Foto: Yeda Bezerra de Melo

Foto: Yeda Bezerra de Melo

O grupo Vivencial é apontado como um oásis de liberdade naquele tempo de ditadura. Que diabo de liberdade era essa?

Tenho a vaga lembrança que a liberdade não era “uma calça suja e desbotada”, mas algo por vir, algo que se conquistava no exato momento em que se realizava, algo vivido na imediatez daqueles tempos. Talvez a isto se chame oásis. Mas isso não era simples: viviam-se amores e perdições, vivia-se com felicidade a incerteza, porque não interessava, a mim parece hoje, o futuro, mas o presente.

Como é a peça Puro lixo? São quadros justapostos? Revelando os bastidores? As luzes da ribalta?

A dramaturgia de Luís Reis, a partir da reportagem de João Silvério Trevisan, agrupou outras cenas que trouxeram aos dias de hoje algo inusitado, mesmo quando parecem serem meras paródias: a conjunção de todas as cenas resulta em algo muito sofisticado (você pode perceber que uma fala dita por um personagem em off no início da peça, vai reverberar em carnadura noutra cena mais adiante). A peça não revela os bastidores: ela é a revelação da associação íntima entre a cena e a plateia.

Tive ontem (sábado), na estreia, a sensação de que já havia, antes de fazer a peça, um diálogo muito animado com Karl Valentin e Frank Wedekind. Uma sensação esquisita, mas pulsante: cheguei a pensar que Brecht estava assistindo ao Puro Lixo, completamente entusiasmado ou entediado. É que Valentin e Wedekind foram admirados por Brecht e ele poderia estar considerando uma heresia eu ter-me utilizado de procedimentos epicizantes como aqueles que estão presentes em O Despertar da Primavera.

Ou no caso do cômico Karl Valentin, de quem recebeu influências determinantes para a elaboração de muitas de suas obras, onde a ironia e o grotesco estão em sintonia e se abrem a uma educação dos sentidos, uma leitura crítica, sem didatismos. Melhor: tendo-se uma atitude racional e crítica perante o mundo, para não dizer que não falei de flores. Não tive como esquecer os cabarés alemães do pré-guerra, que produziu, dentre outras obras no cinema, Anjo Azul, fantasmal na montagem (escute a bela trilha de Eli-Eri Moura…) e… Quanto à ribalta, neste caso, perdeu seu chão, há tempo: preferi que ela se espalhasse pelos ares, por isso Luciana Raposo nos deu a luz que foi possível em tão precárias condições.

Equipe de Puro lixo: Samuel,Paulo,Stella Eduardo, Marinho e Gil: Manoel, Antonio e Igor. Foto Yeda Bezerra de Melo

Equipe de Puro lixo: Samuel,Paulo,Stella, Eduardo, Marinho, Gil; Manoel, Antonio e Igor. Foto: Yeda Bezerra de Melo

Como funcionam esses personagens anjos?

Como digo no programa da peça, são anjos que têm luz própria por serem anjos erráticos, cambiantes: “Por vezes, os atores Eduardo Filho, Gil Paz, Marinho Falcão, Paulo Castelo Branco, Samuel Lira e Stella Maris Saldanha são eles mesmos; outras vezes, desfazem a si próprios: esse é o movimento desta peça em fragmentos. Os intérpretes têm consigo a incompletude de seus personagens. Há um fluxo de vozes que se cruzam no palco, como se um coro fizesse uma narração em que reverbera um esgarçado diálogo, um comentário fingido, uma citação identificável e, ao mesmo tempo, tudo atravessado. Neste ato de criação, neste jogo, há um prazer infindo. Poder-se-ia dizer que, nesse aspecto, nesse ponto, paira sobre o trabalho dos que compõem o elenco, uma espécie de gozo, pelo desdobramento de tantos seres alheios a cada um deles. Gozo pela vivência dos atos de criação, gozo coletivo, não solitário. Gozo por tomar figuras que devem ser tomadas como suas, mesmo que por pequenos átimos.” Nada a acrescentar ao que foi dito e trabalhando em cena. Arduamente.

A precariedade do Vivencial serviu de trampolim para criar uma estética de desbunde, da irreverência e da transgressão? Como isso chega ao espetáculo Puro lixo?

Chegamos a uma configuração estética por meio da transcendência (se isso é possível) ao desbunde, já tendo ele se firmado na cultura brasileira e especialmente no Recife. O desbunde e a irreverência estão enraizados em nós, como o Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade, mas agora sob novas dimensões. Sob nova dentição.

Foi noticiado que o ator Gilson Paz protagoniza um manifesto contra o racismo no espetáculo? Como é isso? Há outros manifestos?

É tudo verdade e mentira. Como no teatro. É o momento mais evidentemente político do espetáculo, uma fratura na representação.

Você afirmou que “Os personagens e situações evocados são narrados, comentados, representados, sobretudo tratados com jocosidade e, ao mesmo tempo, pertinência, no que concerne à sexualidade e à realidade brasileira”. Gostaria de saber como entra essa jocosidade. Esse procedimento, que desperta ambiguidade, pode ser considerado tipo veneno, mensagem subliminar com endereço certo?

Não há perversidade alguma no que fazemos, mas celebração ao teatro de ontem, de hoje e de sempre. E, em se tratando de teatro, lá se espraiam a jocosidade, a seriedade, a sexualidade… E tudo isso no contexto em que vivemos: o Brasil.

“Não adianta fazer ou assistir teatro sem considerarmos as características do tempo em que vivemos. O teatro é o reflexo das realidades de uma época e não um fenômeno isolado cujas dificuldades sejam exclusivamente suas, mas de todo um processo criativo em crise.” O que dizer sobre isso?

Este era um texto-chave que o Grupo de Teatro Vivencial usou e abusou em várias de suas montagens. É o texto de uma época que ainda ressoa hoje, com certeza. Mas penso que todo processo criativo está em permanente crise, senão torna-se impossível viver sem estar em crítica permanente. Crise-Crítica. De raiz.

Sabemos que o Vivencial não nasceu unanimidade. Foram muitos embates e tensões enfrentadas pelo grupo, inclusive com a rivalidade de outros coletivos “mais sérios” da época. O tempo, como sempre, trata de canonizar pessoas, grupos etc. Como apontou João Silvério Trevisan, o Vivencial foi uma das experiências mais fascinantes e originais na transfiguração do lixo em beleza. Mas “Um dia o Vivencial acabou. Sua ambiguidade se esgotara, sua originalidade também. Não sei até que ponto o sucesso foi responsável por seu fim. Arrisco a dizer que o Vivencial não conseguiu sobreviver porque se aproximou demais dos centros de poder e, com isso, abandonou a difícil arte da corda bamba que a marginalidade lhe permitia. Secou. Ao absorver sua proposta, a sociedade cooptou o grupo e transformou-o num modismo rapidamente exaurido. Assim confiscou-lhe o passaporte para a poesia”.

Poderia comentar… os apontamentos de Trevisan?! O poder acaba com a irreverência e a poesia?

O próprio João Silvério Trevisan, responde de maneira enviesada (porque não trata agora do Vivencial), a questão maior que você levanta: se é possível hoje haver transgressão, em meio à sociedade do espetáculo. Copio o texto de Trevisan publicado no e-book do SESC Pernambuco (2016): “Nas circunstâncias atuais da sociedade espetacular e de cultura narcísica ser transgressivo (ou maldito) pode se reduzir a uma grife para conquistar mídia e mercado. Criou-se uma fórmula narcisista para aparecer graças à condição transgressiva. Hoje existem muitos artistas autointitulados marginais que cultivam a “maldição” como instrumento de marketing e, em consequência, de poder. Lembro de um personagem como o cantor Mano Brown, do grupo musical Racionais MCs. Ostenta há anos um discurso político cheio de chavões de rebeldia, bota pose de machão marrento em fotos de coluna social e chega a frequentar eventos burgueses para celebrar… a periferia. Chegou-se ao nível do mais autêntico radical chic (na expressão americana) ou revolucionário de algibeira. Em outras palavras, um maldito para alto consumo.”

Mas o que mais chama atenção no texto de Trevisan são algumas de suas considerações finais (infelizmente não pudemos publicá-lo no programa, por razões de ordem econômica): “Cabe aqui a pergunta: o conceito de transgressão perdeu o sentido e se esvaiu? Se transformado em fórmula para consumo, sim, sua força se esvaiu. Mas se levada até a última instância, a transgressão continua incomodando. Afinal, transgredir é próprio da criação, da poesia, da invenção que está na base de toda arte. Trata-se, tão somente, de subverter a subversão. A desmistificação do conceito de transgressão leva necessariamente à subversão do próprio conceito mistificado – e tem potencial para renovar a transgressão. O componente “maldito” permanece apesar e contra as aparências e obviedades, desde que mantenha sua transgressividade viva. Ao invés de consumir o rótulo de “maldito” como uma grife, é preciso lembrar que a transgressão não se confunde com um musical cheio de glamour, tal como faz crer a cooptação dentro da sociedade do espetáculo. Simplesmente não há glamour na vida que se põe à margem. O quotidiano na realidade de quem a sociedade coloca o rótulo de maldito acarreta, quase necessariamente, incompreensão, injustiça e dor, na medida mesma das punições impostas a quem diverge das regras impostas.” Tenho dito.

No que concerne à cena, muitos procedimentos adotados pelo Vivencial e que eram considerados sujeira ou falta de rigor formal, são adotados na produção da cena contemporânea. Poderia comentar?!

Muito do que hoje se considera “arte” pode ser qualquer coisa. Ali, havia uma necessidade estética e ideológica que permitia um rigor formal da sujeira. Hoje, não sei.

Qual a sua ligação com o Vivencial, além da montagem de Viúva, porém Honesta, de 1977, e do relacionamento com Beto Diniz?

Uma ligação próxima e, ao mesmo tempo distante com Guilherme Coelho e com todos os que eu pude conviver à época de Sobrados e Mocambos. Especialmente quando o grupo morava em Santa Teresa, em Olinda, e eu praticamente me mudei para lá. Mas havia, sobretudo, um encantamento por tudo que estava longe de meu horizonte de expectativas: aquela cena era tudo que eu admirava, mas jamais a faria como reprodução, por ter outra formação estética (no entanto, homenageei o Vivencial em um espetáculo que fiz na Universidade Federal da Paraíba, em junho de 1980: Soy loco por ti latrina e no programa escrevi algo assim: sem a estética do Vivencial, este espetáculo não teria sido viável). Amava a “sujeira” dos espetáculos do grupo, sua “precariedade”, mas era um encantamento para mim mesmo, deleite pessoal sem que reverberasse na minha cena.

Stella Maris Saldanha. Foto:

Stella Maris Saldanha. Foto: Rodrigo Monteiro

SERVIÇO
Puro Lixo – O Espetáculo Mais Vibrante da Cidade
Quando: de 13 de agosto até 4 de setembro, sempre aos sábados às 18h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)
Classificação: 16 anos
Informações: (81) 3355-3320

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Os gênios fabricados pelo mercado de arte

inutil-a-chuva-Mauro-Kury

Inútil a chuva investiga o poder da ausência e os mecanismos da arte contemporânea. Foto: Divulgação

A ausência pesa feito chumbo na nova montagem do Armazém Cia. de Teatro. Inútil a Chuva traça questionamentos existenciais, artísticos e políticos a partir do desaparecimento do pai. Ele deixou uma carta de suicídio e sumiu, sem que seu corpo fosse encontrado. Suas pinturas, até então ignoradas pela indústria cultural, são alçadas ao patamar de obras de arte geniais. O espetáculo faz três apresentações no Recife, no Teatro de Santa Isabel, hoje e amanhã, às 20h, e domingo, às 18h.

O desaparecimento provoca uma reviravolta na família em todos os aspectos. Entre sentimentos enraizados eclode um debate sobre a arte contemporânea e sua legitimação, que margeia toda a peça.  O sucesso póstumo reforça essa reflexão sobre os mecanismos no mercado das artes, muito pertinente para os dias que correm.

O texto escrito a quatro mãos, por Paulo de Moraes e seu filho Jopa Moraes, expõe essa família que rema em busca da presença e da resolução da dúvida. O pintor diletante teria se matado ou simplesmente largado a mulher, Lotta (Patrícia Selonk), e a prole, formada por Slavoj (Leonardo Hinckel), Claude (Tomás Braune) e Sarah (Andressa Lameu)? Além desses personagens aparecem a jornalista Vivian (Amanda Mirasci), que quer descobrir o que está por trás da repentina valorização da obra e um amigo do desaparecido, Matthias (Marcos Martins).

Com iluminação assinada por Maneco Quinderé, figurinos de Rita Murtinho e direção musical de Ricco Viana, o espetáculo mergulha em sombras dessas almas atormentadas diante da ausência.

 

Inútil a Chuva

Ficha Técnica
Direção:
Paulo de Moraes
Dramaturgia:
Paulo de Moraes e Jopa Moraes
Elenco:
Patrícia Selonk, Andressa Lameu, Leonardo Hinckel, Tomás Braune, Marcos Martins e Amanda Mirasci
Iluminação:
Maneco Quinderé
Cenografia:
Paulo de Moraes e Carla Berri
Figurinos:
Rita Murtinho
Direção Musical:
Ricco Viana
Design Gráfico:
João Gabriel Monteiro e Jopa Moraes
Produção de Vídeos:
João Gabriel Monteiro
Fotos:
Mauro Kury e João Gabriel Monteiro.
Assistente de Direção:
Lisa Eiras
Técnico de Montagem:
Regivaldo Moraes
Preparação Corporal:
Maíra Maneschy e Patrícia Selonk
Produção Executiva:
Flávia Menezes
Produção:
Armazém Companhia de Teatro

SERVIÇO
Inútil a chuva, do Armazém Companhia de Teatro
Onde: Teatro de Santa Isabel – Praça da República, s/n, Santo Antônio
Quando: Hoje e amanhã, às 20h e domingo, às 18h
Quanto: R$ 40 e R$ 20 (meia) – quem tem Cartão Petrobras tem 50% de desconto na compra de até dois ingressos
Informações: 3355-3323

ENTREVISTA // PAULO DE MORAES

Paulo Moraes é diretor do Armazém de Teatro, que nasceu no Paraná e se estabeleceu no Rio

Paulo Moraes é diretor da Armazém Companhia de Teatro, que nasceu no Paraná e se estabeleceu no Rio

Paulo de Moraes, você já comentou que o Armazém, prestes a completar 30 anos, é mais do que um trabalho, é uma escolha de vida. Quais as principais surpresas e atropelos do caminho?
Trabalhar em grupo é um exercício constante de “valorização do coletivo”, de percepção do outro. É preciso estar atento. Talvez essa seja a maior dificuldade, estar sempre atento ao outro, ao movimento do outro, aos desejos do outro. Não é fácil, muitas vezes a gente perde o pé, a gente se desequilibra. Mas é preciso essa disposição, esse querer.

 

                   “A gente quer construir um mundo particular        que leve o espectador ao jogo”

 

Existe uma filosofia que norteie essa trajetória?
Existem coisas que são princípio e síntese no trabalho do Armazém. A tentativa de criar um universo teatral particular a partir de referências cruzadas está na origem do grupo. Quando a gente começa um trabalho, a gente não quer montar uma peça, a gente quer construir um mundo particular que leve o espectador ao jogo, à arena. E a gente vai se cercando de parceiros que ativam esse pensamento. No caso de Inútil a Chuva, a pintura de Ushio Shinohara, a narrativa fincada na quebra do tempo feita pelo cineasta Richard Linklater, a prosa cômica e amarga de David Foster Wallace. Há um mundo que queremos refletir e, mesmo que a gente já tenha quase 30 anos de trajetória, continuamos inseridos neste mundo. A tentativa de que forma e conteúdo sejam algo quase indissociável continua sendo o centro da nossa busca. O que norteia o trabalho é sempre a sala de ensaio, as discussões sobre o mundo, sobre a arte, sobre os amores que atravessaram nossas vidas no último verão, sobre o depoimento que queremos deixar sobre o nosso tempo. A arte está ligada à ideia do homem de conseguir estender o tempo.

Vocês já vieram ao Recife com vários espetáculos, eu diria que a maior parte do repertório. Como o Armazém percebe o público da cidade?
Que delícia voltar pra Recife sempre, uma cidade com tantos artistas importantes, originais. Com grupos pelos quais temos muito carinho, com amigos que a gente sempre reencontra. A gente esteve aí, pela primeira vez, no ano 2000, apresentando Alice Através do Espelho, no Festival de Recife. E foi um acontecimento. Os ingressos se esgotaram muito rapidamente e o público fez um abaixo-assinado para novas apresentações. Era uma fila imensa de gente sem ingresso aguardando antes da cada apresentação. Desde lá, sempre que temos um novo trabalho, Recife é – junto com Belo Horizonte – a primeira cidade que queremos visitar.

Atualmente vocês são patrocinados pela Petrobras. Qual o papel de um patrocinador como a Petrobras para a manutenção e processo criativo do grupo?
Essa parceria que temos com a Petrobras já ha tantos anos, tem sido fundamental na consolidação do trabalho da companhia. Por quê? Primeiro, porque nunca houve uma interferência artística em nossos projetos. Sempre estivemos à vontade para contar as histórias que nos representassem, sem nenhum empecilho. E, depois, porque é um patrocínio que visa circulação, que quer levar o teatro para lugares muito diferentes, por um preço bastante acessível ou, muitas vezes, de graça, contribuindo para formação de plateia. Aqui mesmo no Recife, muitos ingressos foram oferecidos a escolas e ONGs. Não é um patrocínio que te amarra. Tem sido, isso sim, libertador. E isso se deve muito às pessoas que trabalham com patrocínio cultural lá dentro da Petrobras e que tem uma visão aguda sobre a importância deste tipo de manutenção. Agora, é claro que eu gostaria que muito mais coletivos tivessem também essa oportunidade. Faltam mais projetos, faltam políticas públicas e sobram pessoas talentosas e que têm muito a dizer.

O título de uma obra diz muito e vocês tem títulos incríveis. Inútil a chuva, me parece, traz uma desesperança no título. Isso procede?
Para nós o título, ao contrário, é esperançoso. O título refere-se a um momento, já no fim da peça, em que alguns personagens seguem remando apesar da chuva que os alcança no caminho. É inútil que a chuva caia. Eles vão seguir remando, vão seguir em frente. Mas todo título está aberto a um monte de leituras. E é bom que seja assim.

 

                          “A suposta ‘reconstrução’ dessa obra e dessa                           vida a partir de fragmentos incompletos          norteia o espetáculo”

 

A peça é formada por oito quadros vivos. O aspecto visual ganha mais relevância na montagem?
Esses oito quadros, que estruturam a dramaturgia e a encenação, não aparecem no espetáculo exatamente como quadros vivos – à moda do Bob Wilson, por exemplo. Não é um tableau. Em Inútil A Chuva, esses quadros são parte da obra-imaginada de um pintor desaparecido, todos pintados anos antes do momento que a ação dramática se desenrola de fato. É como se esses quadros do passado agora voltassem materializados no palco e na vida desses personagens (que estão, querendo eles ou não, extremamente ligados a esse sujeito pintor). A cada momento, os quadros surgem de uma forma distinta, às vezes aparecem como imagem, outras como reflexão filosófica, música, dança. A suposta “reconstrução” dessa obra e dessa vida a partir de fragmentos incompletos norteia o espetáculo, de certa maneira. Então, sim, há uma preocupação com a visualidade da montagem muito ligada a esses quadros. A partir da luz do Maneco, dos poucos elementos cênicos, das cores do figurino. Mas acredito que há uma organicidade um equilíbrio muito grande entre essa visualidade e o ator como figura determinante da cena. 

A dramaturgia é assinada por você e seu filho Jopa Moraes? Sua mulher também é atriz do Armazém. Quais as dores e delicias de trabalhar em família?
O teatro é formador de famílias, não é assim? Tão natural isso pra mim. Quando o Armazém veio de Londrina pro Rio, em 1998, tentando conseguir melhores condições de trabalho pro grupo, durante um bom tempo moramos quase todos no mesmo apartamento. Mesmo depois, cada um em seu canto, a essência de uma relação muito próxima e viva continua. O Jopa cresceu em contato com essa gente de teatro, sempre participando das conversas, sempre nas viagens que o grupo fez por esse Brasil imenso e fora do país também, assistindo tanta gente bacana por esses palcos, é natural que ele vá encontrando seu lugar como criador também. E a parceria entre nós dois na dramaturgia só me alimentou de coisas positivas. Já a Patrícia, é muito mais que minha mulher, além de ser fundadora da companhia, é uma das atrizes mais importantes do Brasil. E isso não sou eu que digo.

 

              “Acho que o bacana de uma análise de teatro é                              quando tenta compreender e interpretar o                                  evento teatral a partir daquilo que ele tem                      e não pela lógica do que está faltando”

 

Li algumas críticas sobre o espetáculo e que falam de ineficiência da dramaturgia, principalmente no que se refere ao acabamento de personagens. O que você diria sobre isso?
Também li críticas muito positivas e que enxergavam na dramaturgia e em sua estrutura qualidades muito interessantes. Em uma das primeiras versões do texto, a personagem Lotta, em uma conversa com uma curadora de um grande museu, dizia: “Em arte, sempre vai ter alguém para gostar (ou não) do que um outro alguém faz. É por isso que não se pode levar muito a sério um elogio.” Acho que o mesmo vale para algumas críticas negativas. O último espetáculo da companhia, O Dia em que Sam Morreu, recebeu prêmios na França, na Escócia, em São Paulo e no Rio. E isso não impediu que alguns críticos achassem a dramaturgia esgarçada demais. Quem está certo? Acho que o bacana de uma análise de teatro é quando tenta compreender e interpretar o evento teatral a partir daquilo que ele tem e não pela lógica do que está faltando. A obra que o autor quis fazer, não a que está na cabeça do crítico. A partir daí, pode haver diálogo. Para nós, eu e Jopa, a dramaturgia da peça é completamente calcada na construção de personagens. Ou, melhor dizendo, nas situações em que os personagens encontram uns ao outros e na maneira como vão revelando suas diferenças e particularidades a partir da presença desse outro. E, sim, acreditamos muito na potência deles.

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Sopro na dramaturgia para criança

O esetáculo Vento Forte para Água e Sabão, com montagem do Grupo de Teatro Fiandeiros. Foto: Rogério Alves /Divulgação

O espetáculo Vento Forte para Água e Sabão, da Companhia Fiandeiros de Teatro. Foto: Rogério Alves

A vida é breve e imprevisível. É preciso aproveitar cada segundo, entende a Bolonhesa depois que fez amizade com Arlindo. Metáfora poderosa, essa curiosa relação entre a bolha de sabão e a rajada de vento. Juntos eles vão experimentar as belezas e os sabores do mundo, mesmo sabendo que é tudo muito arriscado. O oitavo espetáculo da Companhia Fiandeiros de Teatro e o segundo voltado ao público da infância e juventude, Vento Forte para Água e Sabão está em cartaz aos sábados e domingos, às 16h, no Teatro Hermilo Borba Filho até o final do mês.

Para falar da fugacidade dessa passagem pela Terra e a ameaça constante da morte, o diretor levou para cena alusões a planetas, astros, estrelas, galáxias em contraponto lúdico com a bolha de sabão. No elenco da peça, incentivada pelo Funcultura, estãoTiago Gondim, Daniela Travassos, Geysa Barlavento, Kéllia Phayza, Victor Chitunda e Ricardo Angeiras.

O musical tem texto assinado por Giordano Castro e Amanda Torres. O ator do Grupo Magiluth fala um pouco sobre a dramaturgia, na entrevista a seguir.

Giordano Castro, ator e dramaturgo. Reprodução do FAcebook

Giordano Castro, ator e dramaturgo. Reprodução do Facebook

Como foi o processo para criação da peça Vento Forte para Água e Sabão?
Esse processo surgiu na oficina Fronteiras da Linguagem, na Fundaj, ministrada por Luiz Felipe Botelho. Um dos exercícios da oficina era experimentar a escrita a partir de um universo. Eu e Amanda, que éramos um grupo, ficamos com o universo do fantástico. E aí a gente enveredou por essa escrita. Eu e Amanda tínhamos vontade de escrever para criança. Queria escrever de como falar sobre morte para criança. Essa foi a proposta inicial e foi daí que surgiu a história da bolha de sabão e do vento.

Que valores você destaca na peça?
Acho bastante subjetivo. Na verdade, a gente enquanto fazedor artístico se propõe a criar uma obra. As leituras dessa obra, como ela é recebida, quais as mensagens e os valores que cada um tira dela é um processo de fruição pessoal. Acho que seria até uma arrogância minha. Sei o mote, a abordagem da morte para criança. O importante é apreciar e ver o que ela suscita em cada pessoa.

Como a peça dialoga com o Brasil de hoje?
Essa peça foi escrita há um bom tempo. Faz uns 4, 5 anos, não lembro bem. Se esse viés é o momento que a gente está vivendo agora, crise politica e tudo mais, acho que ela não dialoga diretamente com isso. Ela dialoga com uma questão que vai ser sempre falada, que é a vida e dentro dessa vida, a morte, que também faz parte dela. E é sempre um assunto delicado para qualquer pessoa, mas falar para uma criança… A primeira experiência com a morte pode se dar em várias linhas, mas quando se fala que é uma pessoa mais próxima, tudo é mais difícil. Mas tenho absoluta certeza que as crianças conseguem lidar e resolver conflitos muito melhor do que os adultos. Então é isso, a peça dialoga com a vida, com o que fazer e o que viver, porque a gente não sabe quando vai morrer.

É mais difícil escrever teatro para crianças do que para adultos?
Tenho achado cada dia mais que o difícil é escrever. Com as tecnologias, principalmente as redes sociais, blogs etc, todo mundo tem a possibilidade de escrever, de se expressar mais do que antigamente, que era preciso um veículo para expor as suas ideias. E hoje a internet democratizou isso. Então cada vez mais tem aparecido pessoas com escritas e estéticas bem interessantes. Escrever para adulto ou para criança acho que é indiferente com relação à dificuldade. O que acho que é importante perceber e olhar é saber o que você quer falar para esse determinado público. Eu tenho uma crença muito forte que a gente não tem que colocar a criança no lugar de uma tábula rasa, que precisa encher de informações. Como eu disse, elas conseguem lidar com muitas coisas do dia a dia, da vida muito melhor do que qualquer adulto. Assim em vez de olhá-las de cima para baixo, vamos olhá-las de frente, olho a olho e saber lidar com essa informação. Então, acho que existe uma preocupação, principalmente pra mim, de um texto para crianças e tal e não colocá-las no lugar de infantiloide ou do bobinho e sim levar em consideração que ela sabe lidar muito bem com o mundo ao redor dela.

O que percebe do teatro pernambucano atual?
O teatro Pernambuco atual hoje acho que tá da mesma forma que todos esses anos… assim. Tá do jeito que tá… não sei responder muito isso não. A gente tá passando por um momento bastante delicado principalmente por causa desse viés político, que a gente não tem muito como separar uma coisa da outra. Essa administração municipal e estadual é extremamente omissa quanto às questões culturais. Vemos cada vez mais os espaços cênicos da cidade não receberem o cuidado que eles merecem. Enfim, acho que a gente passa por momento delicado.

E o que é feito para o público infantil no Recife?
Sobre o teatro feito para infância aqui no Recife, pelo menos os que eu acompanho e eu admiro, eu acho incrível e de ótima qualidade. Eu me refiro a alguns autores. Eu gosto muito de Carla Denise e do pessoal do Mão Molenga. Admiro pra caramba o trabalho de Luciano Pontes. Alexsandro Souto Maior escreve muito para criança e eu adoro. Sempre fui muito fã das coisas de Marco Camarotti também. Então acho que a gente tem uma leva muito boa, de pessoas que escrevem com muita responsabilidade para criança, com muito cuidado. Esse teatro é bem bom. O teatro para criança mais comercial acho que ele tem o seu lugar, apesar de eu não acompanhar, de não curtir, acho que há espaço para todo mundo, que tem lugar pra eles na cidade.

Qual é a peça de teatro que você mais gostou de fazer? Como dramaturgo e intérprete?
A peça que eu mais gostei de fazer… Ah! não sei. Cada peça tem o seu sabor especial. Os trabalhos que faço junto ao Magiluth… Enfim, toda minha experiência teatral está no Magiluth. Cada espetáculo é uma experiência importante e o mais interessante é estar com os meus companheiros, com os meus amigos. A gente se sente bem em cena. É uma continuação da nossa vida, na sala de ensaio, no dia-a-dia. Então estar em cena é mais um momento com eles, que é tão bom quanto. Cada espetáculo a gente se diverte de forma diferente. Eu gosto muito muito muito muito de fazer Aquilo que meu Olhar Guardou para Você; O Viúva porém Honesta é bem cansativo, mas me divirto bastante. Luiz Gonzaga ele tem um lugar também muito legal, adoro estar na rua. O ano em que sonhamos perigosamente é o trabalho que eu me sinto mais concentrado, mais focado, mais cuidadoso enquanto estou fazendo, mas me divirto; mas é em outro lugar, com um cuidado maior.

O que é preciso para ser um “bom” dramaturgo?

O que é preciso para ser um bom dramaturgo?! Eu também estou querendo saber. Quem souber responder por favor me diga, que eu também quero aprender a ser um bom dramaturgo. O que eu busco é sempre ler coisas novas, presto atenção no dia a dia, nos assuntos que as pessoas estão discutindo. Tentando ver, ouvir e prestar atenção em tudo.

Ficha Técnica
Texto: Giordano Castro e Amanda Torres
Direção geral: André Filho
Elenco: Tiago Gondim, Daniela Travassos, Geysa Barlavento, Kéllia Phayza, Victor Chitunda e Ricardo Angeiras
Direção musical e arranjos vocais: Samuel Lira
Direção de arte: João Denys e Manuel Carlos
Direção de produção: Daniela Travassos
Iluminação: João Guilherme de Paula
Operação de luz: João Victor e João Guilherme de Paula
Preparação corporal: Jefferson Figueirêdo
Produção executiva: Renata Teles
Apoio: Charly Jadson e Jefferson Figueiredo
Aderecistas: João Denys e Manuel Carlos
Equipe de apoio confecção de adereços: Maria José Araújo, Marco Antônio, Emerson Soares e Jerônimo Barbosa
Costureira: Ira Galdino e Georgete Bezerra
Cenotécnico: Israel Marinho
Fotografias: Rogério Alves
Design gráfico: Hana Luzia
Assessoria de Imprensa: Míddia Assessoria
Realização: Companhia Fiandeiros de Teatro
Incentivo: Funcultura

SERVIÇO
Vento Forte para Água e Sabão
Quando: Até 29 de maio, Sábados e Domingos, às 16
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Quanto: R$10 (Inteira) | R$5 (Meia) – Neste final de semana vale meia-entrada para todos

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