Arquivo mensais:outubro 2012

Hermilo na comemoração da Duas Companhias

Mulheres palhaças em Divinas. Foto: Ivana Moura

A Duas Companhias, de Lívia Falcão e Fabiana Pirro (e de mais um bocado de gente!), está comemorando oito anos de atividades. Para marcar a data, desde o início de outubro, o coletivo está apresentando alguns dos espetáculos do repertório no Teatro Barreto Júnior, no Pina.

Dentro dessa programação, haverá a leitura dramatizada de Um paroquiano inevitável, texto de Hermilo Borba Filho. (Um adendo…Vale lembrar que há, talvez dois anos, a Duas Companhias mantenha um programa muito bom de leituras dramatizadas nos Correios). A leitura será hoje, às 20h, no Barreto Júnior, e estão no elenco Agrinez Melo, Bernardo Valença, Mário Sérgio Cabral, Cláudio Ferrario, Sônia Bierbard, Luciano Pontes, José Mário Austregésilo, Flávio Louzas e Fabiana Pirro. A direção é de Livia Falcão e a entrada é gratuita.

Já amanhã (19), às 20h, Lívia, Fabiana e Odília Nunes apresentam a montagem Divinas – um espetáculo de palhaças que fala do feminino, dos sonhos, do lúdico. No sábado (20), é a vez de Caxuxa, às 16h30, montagem para infância e juventude com direção de Lívia Falcão; e de Caetana, às 20h. Em Caetana estão em cena Lívia e Fabiana.

No domingo, para encerrar o projeto, mais uma sessão de Caxuxa, às 16h30, e outra de Divinas, às 20h. Os ingressos para os espetáculos custam R$ 8 e a entrada para a leitura é gratuita.

Quem for ao teatro também deve conferir a exposição Risos da memória, montada no primeiro andar do teatro, com fotos assinadas por Daniela Nader, Renata Pires, Fred Jorão, Rodolfo Araújo, Renato Filho, Roberta Guimarães e Dudu Schneider.

Caetana. Foto: Daniela Nader

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Finalmente, o Funcultura!

Depois de muito atraso e expectativa, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) anunciou que será divulgado nesta sexta-feira (19) o resultado do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura). A lista vai ser publicada no Diário Oficial e no site da Fundarpe.

De acordo com os números da Fundarpe, 898 projetos foram habilitados para a fase de seleção, nas áreas de Artes Cênicas (Teatro, Dança, Circo e Ópera); Fotografia; Literatura; Música; Artes Plásticas, Gráficas e Congêneres; Cultura Popular, Artesanato e Folclore; Patrimônio; Gastronomia; Artes Integradas e Formação e Pesquisa Cultural.

O Funcultura anterior foi divulgado há exatamente um ano – no dia 21 de outubro de 2011 – e aprovou 18 projetos de teatro (além daqueles que estavam enquadrados em outras categorias, como artes integradas) num montante de R$1.460.587,65.

Na época, Fernando Duarte, secretário de Cultura de Pernambuco tentou se justificar – e deu um prazo que, mais uma vez, não foi cumprido: “Diferentemente do ano passado (2010), enfrentamos uma fase de transição, de montagem da equipe da secretaria, mas nossa intenção é fazer o Funcultura anualmente e tentar concluí-lo até maio”.

Na solidão dos campos de algodão foi um dos projetos que recebeu incentivo do Funcultura

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Urgências de uma trupe mineira

Assis Benevenuto, Marcos Coletta, Rejane Faria e Ítalo Laureano. Foto: Arquivo pessoal

O grupo Quatroloscinco – Teatro do Comum nasceu em Belo Horizonte. Uma terra propícia ao teatro do grupo. É só lembrar do Galpão e dos seus 30 anos na estrada. Mas a entrevista de Marcos Coletta – que é ator, dramaturgo e assina também a direção coletiva do espetáculo Outro lado, apresentado aqui no Recife semana passada dentro da programação do Trema! – nos mostra um retrato que não é distante: “As políticas públicas para a cultura em BH são extremamente precárias”. A entrevista também fala de teatro de grupo, teatro contemporâneo, anseios e urgências.

ENTREVISTA // MARCOS COLETTA – GRUPO QUATROLOSCINCO – TEATRO DO COMUM

Como o grupo se reuniu? Quais preocupações estéticas e artísticas que vocês tinham há cinco anos? Quais delas se mantem e quais já se dissiparam?
Em 2007, o grupo se reuniu como um núcleo de estudos sobre o Teatro Latinoamericano, quando éramos alunos do Curso de Teatro da UFMG. Este núcleo era composto por Marcos Coletta, Ítalo Laureano e Rejane Faria, além de Sérgio Andrade e Polyana Horta, que hoje não são mais do grupo. Em 2009, o Assis (que já era um colaborador externo do grupo) entrou efetivamente pra equipe. Quando começamos a nos encontrar queríamos colocar em prática toda a teoria e estudo que discutíamos no curso de Teatro, já interessados por uma estética contemporânea, porém “comum”, ou seja, que pudesse ser fruída e lida por diversos tipos de espectador (iniciados ou não). Também tínhamos forte ligação com o teatro latinoamericano, nosso principal objeto de estudo. Após esses cinco anos, percebo que seguimos os mesmos interesses do início, mas com um entendimento mais aprofundado e uma forma de abordá-lo artisticamente muito mais amadurecida. Hoje, uma das principais preocupações do grupo como núcleo de pesquisa é construir nossa própria identidade, nossa própria assinatura como criadores.

Porque a decisão por escrever textos próprios? Do que vocês têm urgência de falar?
O desejo pela dramaturgia autoral vem da necessidade de nos apropriar do que nos atravessa, passando pelo nosso filtro e por nossas experiências. Se, por exemplo, nos interessamos muito por um texto de um tal autor, ao invés de montar o texto, fazemos um trabalho de deglutição e reapropriação das ideias e pontos que nele nos interessam. Nossa urgência é por falar do nosso lugar de enunciação, trabalhar e defender nosso próprio discurso, afinado ao nosso contexto e à nossa realidade, sempre ligado às pessoalidades dos atores-criadores. Nossas criações, apesar de autorais, são sempre alimentadas de dezenas de referências, sejam textos teatrais, filmes, literatura, imagens, e outras fontes diversas.

Há relatos biográficos nas montagens? De que forma realidade e ficção se “contaminam”?
Sim. Nos dois espetáculos que mantemos em repertório tem muito da vida dos atores. Dos nossos dramas, sonhos e angústias pessoais. Ambos os espetáculos brincam com os limites entre realidade e ficção, não somente no que é contado, mas no como é contado. As histórias pessoais se juntam a uma interpretação “limpa”, buscando mais uma presença sincera do ator do que uma construção de personagem. Isso coloca o acontecimento teatral e o espectador no limiar entre o que é inventado, fictício e o que é real. Se é que podemos dizer que há algo absolutamente “real” no mundo…

Outro lado foi apresentada semana passada no Marco Camarotti, no Trema! Foto: Pollyanna Diniz

Há papeis definidos dentro da companhia? A direção coletiva, por exemplo, como isso acontece? Não dá confusão?!
Há vários papéis. Alguns mais definidos que outros. Principalmente no quesito produção, já que não contamos com uma equipe de produção, apenas um produtora. Por isso, somos obrigados a sermos, além de atores, produtores, gestores, assessores de imprensa, planejadores, etc… Na criação, porém, preferimos não delimitar papéis a priori. Deixamos que esses papéis surjam naturalmente. Nossa direção é totalmente coletiva, e também a criação dramatúrgica, mesmo que a escrita do texto acabe ficando com um ou outro. Em Outro lado, por exemplo, eu e o Assis assinamos o texto, mas sua criação foi muito compartilhada e discutida coletivamente. Obviamente acontecem muitas discussões, confusões, momentos de total desorientação, mas nós já adquirimos certas habilidades pra trabalhar dessa forma, e, antes de tudo, há grande respeito pela opinião e pela proposta do outro. É claro que o fato de possuirmos tendências e gostos estéticos parecidos ajuda. Existem as diferenças de cada ator, mas existe um olhar coletivo, que mira um mesmo fim, ou pelo menos uma equalização de nossos matizes criativos. A verdade é que gostamos da divergência, da alteridade, do conflito, isso nos motiva a criar e nos coloca em permanente estado de alerta e desconforto – duas coisas que considero essenciais para o avanço de nosso trabalho.

Como vocês encaram o teatro de grupo no país? Em BH, o teatro de grupo é muito forte. Isso foi fundamental pra vocês? E no resto do país – como vocês enxergam, por exemplo, essa iniciativa do Magiluth de fazer essa mostra?
Encaramos o teatro de grupo como uma alternativa digna e legítima de sobreviver no mercado cultural, respeitando nossas ideologias artísticas e políticas. Sempre difícil e em crise, claro, mas digna. Em BH não é possível falar de teatro sem falar de teatro de grupo. São muitos grupos sólidos, com pesquisas relevantes, com sedes que se transformaram em centros culturais, e dezenas de grupos novos, com menos de 10 anos, que são fruto dessa tradição do teatro de grupo e também dos cursos profissionalizantes de teatro de ótima qualidade que temos na cidade. Grupos de todo tipo de estética e pesquisa. Isso é legal em BH, a diversidade. Apesar disso, as políticas públicas para a cultura em BH são extremamente precárias, a prefeitura e o governo não tem noção da cultura que pulsa na cidade e parecem seguir caminho contrário a todo esse movimento. Talvez isso tenha feito com que os grupos de BH tenham ganhado tanta força, pois sempre tiveram que lutar contra uma política que valoriza muito pouco a arte a cultura. Além disso, Minas Gerais parece sofrer com um curioso ofuscamento por estar entre Rio e São Paulo. Muitas vezes ignoram o teatro feito em Minas. Costumamos brincar que é culpa das montanhas mineiras, que não deixam as coisas saírem muito daqui. Apesar da força interna, enfrentamos dificuldade pra circular e ter contato com o resto do país. Por isso achamos vitais ações como esta do Magiluth, ao propor o Trema. É algo necessário e urgente – criar essas pontes de contato, diálogo e trânsito entre os grupos de teatro do país. É importante tirar do eixo Rio-São Paulo a quase exclusividade sobre o mercado cultural do País.

As relações humanas são tão instáveis nesses dias. Porque no teatro isso seria diferente? Porque vocês ainda apostam no relacionamento de grupo?
Não sei… Talvez por achar que ainda resta alguma utopia em nossas mentes pós-modernas… Talvez por buscarmos alguma ética, alguma filosofia de vida, que vá além do simples trabalhar pra comer e pagar o aluguel. Eu, e acredito que os outros membros do Quatroloscinco, sou um pouco avesso ao “teatro de elenco” que acaba depois da prestação de contas pro patrocinador. Essa instabilidade, essa liquidez das coisas, das relações, talvez nos faça agarrar em algo que nos pareça mais sólido, menos superficial, no nosso caso, o teatro de grupo. Talvez ainda tenhamos um “ranço setentista” parafraseando uma amiga nossa aqui de BH, a atriz Marina Viana.

Qual a importância do espectador para o trabalho de vocês? Que tipo de público vocês atingem?
A relação com o espectador é uma de nossos principais interesses. Nossas peças são criadas para lugares pequenos, pra pouca gente, com o público bem perto da cena. Queremos que o espectador se sinta, de alguma forma, dentro daquele acontecimento. Aquela velha busca do olhar ativo, da co-criação. Nosso público é naturalmente de iniciados no meio cultural, estudantes de teatro, classe artística, apesar disso não ser um alvo exclusivo, pois nunca quisemos fazer teatro só para uma fatia. Ultimamente, por causa de dois projetos de circulação que estamos realizando, temos recebido outro tipo de público – aquele que não vai muito ao teatro, e isso está sendo maravilhoso, pois confirmamos que o teatro que fazemos é de fácil comunicação, é “comum”. Há um fato curioso e contraditório: BH sofre com escassez de público mesmo com uma agenda cultural tão abundante. Nossos maiores públicos são fora de BH. Isso é reflexo da falta de políticas culturais pra formação de público na cidade. Há muito oferta e pouco consumo. Falta uma tradição, um pensamento cultural na cidade que seja coletivo e democrático. Existe algo de provinciano em BH que precisa ser ultrapassado, essa coisa terrível de que cultura é privilégio da elite, de que você precisar vestir roupa cara e elegante pra ir ao teatro.

Vocês já vieram ao Nordeste?
Estivemos pela primeira vez em 2009 para um projeto de intercâmbio com o Grupo Piollin em João Pessoa, convidados pela Cia Clara, realizadora do projeto. Ficamos uma semana na cidade e apresentamos É só uma formalidade na sede do Piollin. Em 2010, participamos do FIAC-Bahia com É só uma formalidade, em Salvador. Essas foram nossas únicas incursões pelo Nordeste. E agora, o Trema!

Que teatro contemporâneo é esse que vocês fazem?
Para além de qualquer enquadramento estético ou formal, “contemporâneo” para nós é uma questão de tempo e espaço. Fazer um teatro que seja reflexo do nosso momento, da nossa forma de viver e se comportar, agora, neste instante, neste lugar. Isso é o nosso “contemporâneo”.

É só uma formalidade. Foto: Nubia Abe

Nós vimos aqui O outro lado. E É só uma formalidade? Do que trata?
É só uma formalidade foi nosso primeiro espetáculo de longa duração. É uma criação coletiva sobre as frustrações, os sonhos, as perdas, a sensação de fracasso do ser humano, muitas vezes causadas pela obrigação que temos em cumprir certos rituais do mundo civilizado como uma receita para viver bem, como casar, ter um bom emprego, um carro na garagem, e morrer dentro de um bom caixão, em um belo velório… Uma peça ao mesmo tempo política e existencial conduzida pelo discurso pessoal dos atores e por uma estrutura que intercala duas fábulas: um homem que saiu de casa para defender uma ideologia e que agora precisa retornar para o enterro do pai e outro que se casou, possui um trabalho comum, uma vida ordinária, e que pretende se separar da esposa. Ambos experimentam o sentimento de fracasso, e agora refletem o rumo de suas vidas.

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To the light

Outro lado, montagem do grupo mineiro Quatroloscinco – Teatro do Comum. Foto: Pollyanna Diniz

“É muito triste quando não se morre depois da morte”. Quando tudo antes já tem tons de cinza e a liberdade é uma ilusão. Quando perdemos a noção de há quanto tempo estamos presos. Em nós mesmos? Tentando resolver os nosso cubos mágicos? Algum dia terão solução? Precisam de solução? Porque é esta a realidade a que estamos ligados? Afinal, as combinações matemáticas são infinitas. A montagem Outro lado, do grupo mineiro Quatroloscinco – Teatro do Comum, é assim. Repleta de questionamentos contemporâneos, de agonias e desesperos de um ser aprisionado, que aguarda o tempo passar, algo mudar.

Lembrei do trecho de um texto de Ítalo Calvino. Foi exatamente assim que a peça reverberou em mim: “Palavras que me fazem refletir. Porque não sou um cultor da divagação; poderia dizer que prefiro ater-me à linha reta, na esperança de que ela prossiga até o infinito e me torne inalcansável. Prefiro calcular demoradamente minha trajetória de fuga, esperando poder lançar-me como uma flecha e desaparecer no horizonte. Ou ainda, se esbarrar com demasiados obstáculos no caminho, calcular a série de segmentos retilíneos que me conduzam para fora do labirinto no mais breve espaço de tempo. Desde a juventude, já havia escolhido por divisa a velha máxima latina Festina lente, ‘apressa-te lentamente’.”

Peça foi encenada semana passada, durante o Trema! Festival de Teatro de Grupo do Recife, organizado pelo Magiluth

Na montagem, quatro pessoas (Assis Benevenuto, Ítalo Laureano, Marcos Coletta e Rejane Faria) estão enclausuradas num lugar. Já foi um bar. E todas as noites eles aguardam (ou não? será que acreditam?) que o público venha, se acomode nas cadeiras e a cantora possa, finalmente, depois de dois anos de espera, estrear o seu novo show com músicas de Nina Simone.

Grupo esteve no Recife pela primeira vez

Parece um labirinto. Como a instalação To the light, que Yoko Ono montou na Serpetine Gallery, em Londres, em junho deste ano. Com a diferença de que lá havia luz; mesmo que a saída fosse incerta. E em Outro lado as esperanças vão minguando aos poucos e o medo do que está por vir pode aterrorizar. Porque quem saiu ainda não voltou? O medo engessa. Até provoca lembranças, memórias, questionamentos. Mas engessa de uma tal forma…

Outro lado é fruto de um trabalho de criação coletiva. O texto é de Assis Benevenuto e Marcos Coletta – com interferência dos outros atores que compõem o grupo. E a direção é assinada pelos quatro integrantes. Todos estão bem em cena – embora o trabalho de Ítalo Laureano seja o destaque. A iluminação da peça, criada por Marina Arthuzzi, nos traz o clima de penumbra; e é capaz de compor lindas imagens com o cenário de Daniel Herthel. Os ventiladores no palco são tão simples – e tão poeticamente belos.

Direção do espetáculo foi coletiva

Ficha técnica
Outro lado, do grupo Quatroloscinco – Teatro do comum
Direção e atuação: Assis Benevenuto, Ítalo Laureano, Marcos Coletta e Rejane Faria
Texto: Assis Benevenuto e Marcos Coletta
Figurino: Paolo Mandatti
Criação de luz: Mariana Arthuzzi
Operação de luz: Mariana Arthuzzi e Maria Mourão
Criação de cenário: Daniel Herthel
Assistente de cenotécnica: Wallace Colibri
Trilha sonora original: Marcos Coletta
Arranjo e assistência musical: Sérgio Andrade
Oficina em Feldenkrais e direção de movimento: Jimena Castiglioni
Design Gráfico: Marcos Coletta
Produção: Maria Mourão

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Santos Fofos*

* POR TAY LOPEZ

Terra de Santo, novo espetáculo dos Fofos Encenam, estreia hoje no Sesc Belenzinho. Foto: João Caldas

A querida Yolanda Pollyanna Diniz me deu uma tarefa: escrever algo sobre a estreia do espetáculo Terra de Santo aqui em São Paulo. A primeira resposta foi negativa, pois não sou jornalista, não sou crítico e tenho um afeto muito grande pelos integrantes do grupo Os Fofos Encenam. Portanto, não gostaria de ser leviano com artistas que tanto admiro. Resultado: assisti ao espetáculo, e cá estou eu escrevendo algumas singelas palavras a respeito das emoções que a peça me provocou.

“Nos teus olhos eu vi o mundo inteiro Jesuíno.” É através desta frase que noto estar completamente mergulhado nas palavras de Newton Moreno e percebo-me num local onde só a arte é capaz de nos colocar. Aquele espaço de encantamento e poesia onde nos encontramos com nós mesmos. Logo no começo do espetáculo, somos convidados a entrar no alojamento de um grupo de cortadores de cana e, aos poucos, vamos percebendo o entorno: um radinho sintonizado numa transmissora local, mesas, uma pequena cozinha, um telefone público, um beliche, um grande telhado sobre nossas cabeças e objetos pessoais dispostos como num set de cinema, onde os personagens vão surgindo e fazendo valer toda aquela cenografia detalhista.

O público continua apenas como observador e assim vamos acompanhando a história contada como se estivéssemos mortos num espaço cheio de vida pulsante. Sinto-me assim, pois não existe uma relação direta de interação. Apesar de estarmos muito próximos dos atores, somos invisíveis.

A personagem responsável por nos colocar em contato com um fio de história, que começa a fisgar o espectador através de um anzol bastante carismático é Mariene (Kátia Daher). Com um humor sutil de figuras populares que habitam o universo dos canaviais nos envolvemos no enredo.

Dramaturgia é de Newton Moreno

De acordo com a sinopse, um grupo de mulheres ocupa terras de uma usina canavieira, alegando que é uma propriedade dada em cartório a um santo, espaço sagrado, onde rituais são realizados. A essas terras destinadas à cana elas nomeiam como ‘terra de santo’. As máquinas aproximam-se, mas elas, guardiães do lugar, não deixam as terras. Esse é o eixo principal da peça, e a partir dele se dá uma viagem poética e uma conversa com ‘mortos da sociedade da cana’, outras famílias e etnias e suas histórias de resistência ou rompimentos com espaços sagrados, tradições e fé.

Atravessamos uma porta e vamos para um “quintal”, onde a partir de agora, não me sinto mais como um morto que passa desapercebido. Somos olhados diretamente nos olhos e nos sentimos cheios de bençãos pelas figuras que nos recebem na cena. São quatro Santeiras (Carol Brada, Cris Rocha, Erica Montanheiro e Simone Evaristo). Pegam em nossas mãos e nos conduzem para a acomodação em torno do tablado que se apresenta em nossa frente. A Terra de Santo. Fica para trás a ambiência de um espaço coloquial e agora nos encontramos num cenário com cheiros, cânticos místicos, penumbras e luz de velas, típicas de um templo sagrado. Nesse templo, as Santeiras vão, ora representando, ora incorporando, ora apenas nos apresentando a história de seus antepassados a partir dos mortos que fazem, solenemente, ressurgir no espaço. Um passeio, através dos séculos, pela brasilidade que hoje conhecemos, apresentadas como um panorama sacro/social das histórias contadas por índios, judeus, cristãos e negros. História que nos chega aos olhos pela bela proposição de encenação dos diretores Newton Moreno e Fernando Neves.

São essas mães, as Santeiras, responsáveis por nos nos colocar diretamente em contato com nossa própria ancestralidade, formação social, econômica e religiosa. Um espetacular retrato histórico e filosófico do Brasil muito bem alinhavado por um dramaturgo que dispensa elogios. Surgem então metáforas que nos obrigam a ver o mundo através de nossos próprios olhos e que também nos fazem percorrer os labirintos de nosso pensamento em forma de sinapses constantes que trazem à tona as nossas memórias pessoais e despertam um confronto direto com o que hoje chamamos de homem contemporâneo.

Se me percebo um morto invisível no primeiro movimento do espetáculo, me percebo um morto com voz no segundo e ao blackout final resta a pergunta: onde está a minha terra sagrada e o que fazer para que ela não seja destruída? Sim. As reflexões políticas propostas pelo poético espetáculo do grupo de teatro Os Fofos Encenam me põem em contato com algo mais amplo do que a contemplação de uma trajetória épica/trágica de um personagem em busca de sua completude. Terra de Santo nos provoca um dilatar da pupila.

Um elenco, sem dúvidas talentoso, nos presenteia com uma obra que transcende o ato teatral. A pesquisa e processo colaborativo deste grupo inquieto de artistas é bastante perceptível, dando extrema propriedade à toda equipe a respeito daquilo que está sendo dito no sagrado espaço do fazer teatral. Se em Assombrações do Recife Velho, me sinto como uma criança perante o medo das almas que nos assombram e em Memória da Cana, num diálogo bastante intenso com o Pai; em Terra de Santo, me vejo tendo uma sincera e silenciosa conversa com a grande Mãe que nos gerou. Colocando-me num embate direto com a maturidade e com o reconhecimento de uma fertilidade espiritual que nos habita e nos faz caminhar. Colocando-me frente aquilo que nos constrói ou nos destrói.

* texto do ator Tay Lopez. Ele viu ontem uma apresentação só para convidados da peça Terra de santo, do grupo Os fofos encenam. A montagem entra em cartaz hoje, no Sesc Belenzinho.

Serviço:
Terra de santo, da Cia Os Fofos Encenam
Quando: hoje, às 19h. Amanhã (14), às 16h30.
Temporada: terças e quartas-feiras, às 20h30. Sábados, às 21h. Domingos, às 17h. (Exceto dia 28/10 – Unidade fechada ) até 11/11.
Onde: Sesc Belenzinho, São Paulo
Quanto: R$ 24 e R$ 12

Montagem fica em cartaz no Sesc Belenzinho até novembro

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