Arquivo mensais:janeiro 2011

A graça de Mucurana

Foto: Ivana Moura

Mucurana – de mundo afora e história adentro é um experimento desenvolvido pelo ator Asaías Lira – o Zaza, que encontrou esse personagem de Hermilo Borba Filho há cinco anos e nunca mais o largou. Lá atrás, ele protagonizou a peça Mucurana, o peixe, adaptada e dirigida por Carlos Carvalho do conto O Peixe, que estreou em 2006. Nessa montagem, que trazia no elenco Gilberto Brito (Coronel Teodósio Guedes Farias de Azeredo), Flávio Renovatto (Fogo Pagô e narrador), Azaias Zazá (Mucurana), Soraya Silva (narradora e vigia do Coronel), Olga Torres e Patrícia Moreira (narradoras), Mucurana é punido pelo Major 44 Espada d’Água Teodósio Guedes Farias de Azeredo, por ter subtraído do seu viveiro um camorim dos roliços. O castigo foi andar com o peixe pendurado no pescoço. O espetáculo acabou e Zazá encontrou outra vida para o personagem.

Agora ele está sozinho, com seu pandeiro, seus apetrechos. As histórias de suas andanças pelo mundo afora aproximam Mucurana de outros artistas populares. Uma ingenuidade que está mais perto da pureza do coração e uma esperteza de quem precisa sobreviver em condições adversas são traços desse personagem. Ele lembra Mateus do bumba-meu-boi e do cavalo-marinho. Mas o ator também dialoga com outros personagens da dramaturgia e até com os doidos de rua, com sua teatralidade genuína.

Zaza está em constante busca do gesto perfeito, da graça certeira, do domínio do espaço, da alegria que contamine. Em Mucurana, ele entra e sai na história do Brasil oficial, criticando-a e apresentando outras versões. E as evoluções parecem sambada de cavalo-marinho, com o ator olhando nos olhos da plateia. Termina dizendo que os sapatos que usa foram do escritor Ariano Suassuna.

Mucurana foi apresentado na terça-feira, dentro do projeto do Coletivo Grão Comum, no Espaço Muda (este lugar onde todo dia tem uma atração, na Rua do Lima) e depois houve uma longa e sincera conversa com o público por mais de uma hora. O ator contou de suas experiências com esse personagem, de sua luta nos sinais da cidade para garantir alguns trocados, e muitas vezes da incompreensão de sua arte por parte de quem o assiste. O encenador João Denys estava lá e falou das teatralidades e da arte do ator. Outras pessoas, como o cineasta Pablo Polo, comentaram sobre suas impressões. Sobre o encantamento que o ator desperta na plateia.

Foto: Ivana Moura

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Supremacia do desejo sexual em xeque

Foto: Ivana Moura

Inspirado na novela O Animal agonizante, de Philiph Roth, o espetáculo homônimo dirigido pelo gaúcho Luciano Alabarse (o diretor do festival Porto Alegre em Cena), com Luiz Paulo Vasconcelos no papel principal, fala sobre sexo de forma despudorada e mira a hipocrisia da sociedade. Os relatos do intelectual de 62 anos (e depois aos 70), que usa toda sua erudição para conquistar jovenzinhas, na maioria suas ex-alunas são engraçados e beiram a vulgaridade. Mistura sedutora e excitante. A peça foi apresentada ontem e está em cartaz hoje no Teatro Apolo, às 19h. O livro de Roth já foi transformado em filme – Fatal (Elegy), com direção de Isabel Coixet e elenco encabeçado por Ben Kingsley e Penélope Cruz. No programa da peça, Alabarse conta que Roth “detestou a adaptação cinematográfica”.

Voltemos à peça. O cenário é a casa desse professor que circula entre a sala, a biblioteca e o quarto para narrar suas aventuras, sem medo de nominar os lugares do corpo. O discurso de David Kepesh é machista, mas com argumentação brilhante e cheia de humor. O público é atraído pelas experiências sexuais desse homem honesto ao fazer um balanço de sua trajetória, que remete aos anos 1960 da revolução sexual e dos hormônios em explosão.

David Kepesh não tem o menor pudor de usar o seu conhecimento para levar suas ex-alunas para a cama. E conta em minúcias sua atuação e o desempenho de suas “presas”. E tudo segue nesse clima erótico, com piadas inteligentes até metade do espetáculo, quando o clima muda. Depois de fazer digressões sobre casamento e criticar os gays que buscam reproduzir esse tipo de relação de papel passado, o protagonista ganha outro peso e outra dimensão.

Foto: Ivana Moura

Está diante da finitude da vida. Melhor, chega-lhe uma consciência de mortalidade depois do enfarto do seu melhor amigo. Antes disso, “o ciúme lançou sua flecha preta/ e acertou no meio exato da garganta” por Consuelo Castillo, uma de suas amantes, filha de imigrantes cubanos (ricos). Depois de meses de relacionamento, o professor se apaixona pela aluna, contrariando uma regra básica desse macho devorador, de nunca se comprometer emocionalmente. Mas Consuelo, a garota de seios perfeitos e pelos pubianos lisos, nocauteia o professor.

Sua tese da supremacia do desejo sexual é abalada com a notícia da doença de Consuelo, que contrai um câncer de mama e precisa retirar um dos seios e a decadência física anunciada no próprio corpo de Kepesh.

O Animal agonizante é um teatro da palavra em que o discurso erótico contracena com o teor cáustico da preleção. A montagem privilegia isso e a intepretação do ator, pelo menos do protagonista. Os outros dois personagens, Consuelo Castillo (interpretada por Luciana Éboli) e o filho Kenny (Thales de Oliveira), em alguns momentos são dispensáveis no palco. Enquanto Luiz Paulo Vasconcelos apresenta todas as nuances do personagem, os outros dois atores parecem não acrescentar grandes valores com suas presenças.

O diretor Alabarse, que também assina a cenografia, utiliza uma trilha sonora (de Moysés Lopes) que conduz o espectador por um território de reflexão sobre o percurso patético do ser humano e do seu melancólico fado. Com Roth, Alabarse sabe que não há espaço para final feliz ou mensagens edificantes.

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Na casa dos 70

Foto: Ivana Moura

Um homem vaidoso que se vê perdendo o controle. Que tinha quase uma receita de bolo de como satisfazer os seus desejos, mas não previa armadilhas. Nem aquelas a que ele mesmo estava susceptível, como os seus sentimentos; nem aquelas relativas ao tempo, o relógio que não para um segundo sequer, independente de quem seja você; nem às que dizem respeito apenas ao acaso.

David Kepesh (Luiz Paulo Vasconcellos) era professor universitário, solicitado para dar opiniões sobre artes e cultura. E a intelectualidade era a isca para manter a sua virilidade. Ao término do seu curso de Crítica Prática, os alunos (na verdade, a maioria mulheres) eram convidados para uma festa no apartamento do professor. E lá ele seduzia a garota liberada sexualmente, desejosa de experimentar o sexo com um homem mais velho; e que, obviamente, ele tinha analisado durante todo o período letivo.

É esse o personagem do espetáculo O animal agonizante, baseado na novela homônima de Philiph Roth, apresentado nesta segunda-feira (24), no Janeiro de Grandes Espetáculos. A direção é assinada por Luciano Alabarse. A montagem se passa com o personagem principal contando um caso amoroso que manteve com uma de suas alunas. Só que ele se apaixonou por ela, foi fisgado pelo ciúme, pela insegurança e pelo medo.

Quando conheceu Consuela Castillo (Luciana Éboli), o professor tinha 62 anos. A aluna, 24 anos. Mantiveram uma relação por um ano e meio, mas a história chega aos 70 anos do protagonista. O texto traz à tona questões centrais, mas suscita ainda várias fagulhas. Desde a violência que pode circundar uma relação amorosa, a relação entre pais e filhos, o egoísmo e, principalmente, a velhice. Não dá para saber o que é fazer 70 anos até que esse momento chegue e que peso isso pode representar tanto física quanto emocionalmente… Mas o controle das situações… esse não o temos. Seja aos 24, seja aos 70.

Na sala do seu apartamento, o professor desfia suas memórias. A aluna e o filho de David (Thales de Oliveira) compõem algumas cenas, mas são figuração. Estão ali muito mais por uma escolha pragmática da direção do que por necessidade do enredo ou da montagem em si. Estão restritos a desfilarem pelo cenário, a trechos de diálogos ou, no máximo, a dar vida a uma carta repleta de mágoa (e, nesse momento, talvez só a leitura da carta pudesse transpor o público àquele universo, sem os arroubos de emoção que chegam a soar falsos).

Já o protagonista da história faz uma atuação marcante, segura e com nuances que comovem o público. Fui de um extremo ao outro: senti asco por aquele velho nojento, mas terminei por me render à piedade. É nesse caminho de esfacelamento do personagem (e depois rendição à humanidade) que a montagem se faz tão bem sucedida. Cenário, figurino, música e iluminação ajudam a compor a cena, mas não teriam surtido efeito se não tivessem sido construído a partir da escolha por um excelente texto, um ótimo ator e o olhar de um diretor sensível.

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Fraca montagem de O santo e a porca

Foto: Ivana Moura

O Santo e a Porca é uma das mais deliciosas comédias brasileiras, que ataca um dos pecados capitais, a avareza. Todo mundo é um pouquinho avarento, mas Euricão – “Engole Cobra” ou Eurico Árabe, o protagonista, passou de todos os limites e suas atitudes provocam o riso da plateia. A peça escrita por Ariano Suassuna em 1957 tem todas as qualidades de uma boa comédia, com uma trama com reviravoltas, tipos engraçados e questão de fundo filosófico da rivalidade do mundo material e espiritual. E apesar da quantidade de personagens e dos seus três atos, encontramos de vez em quando uma montagem num festival pelo país afora. No Janeiro de Grandes Espetáculos o Teatro Popular de Arte – TPA, de Petrolina, apresentou sua versão no Teatro Barreto Júnior, no último sábado (22).

A comédia de Ariano Suassuna é um clássico da dramaturgia brasileira e põe em confronto elementos do sagrado e do profano. O texto é inspirado na obra do escritor latino Plauto, composta antes do nascimento de Cristo, chamada Aululária. O nosso Suassuna traz o conflito para solo nordestino, e usa referências da literatura de cordel. Na peça, o velho sovina e ranzinza guarda, mas não desfruta de sua riqueza. E todos ao seu redor têm que amargar do mau-humor, das esquisitices e da economia que Euricão faz em casa, chegando ao cúmulo de só bancar uma refeição por dia para a família e agregados. Enquanto ele reza para Santo Antônio, sem acender uma vela para não gastar um tostão, pede proteção para sua porca, onde guarda o dinheiro.

Coroba, a empregada com cara de tonta, tem certo parentesco com Chicó, o amarelinho do Auto da Compadecida. Ela também usa da esperteza para tentar resgatar o dinheiro não pago durante anos pela exploração do patrão. O avarento tem uma filha Margarida. Ela será disputada por pai e filho (sem que um saiba da intenção do outro). Benona é a irmã solteirona de Euricão, que foi noiva de Eudoro, que por sua vez quer casar com Margarida. Dodó é filho de Eudoro e o “dono” do coração de Margarida. Pinhão é noivo de Coroba e tão esperto quanto ela, mas o povo só vai saber disso no final da peça.

 A montagem de Petrolina, apesar de não atropelar o texto, carrega nas tintas. A iluminação é chapada, com predominância do amarelão no primeiro ato, o que dá um efeito muito estranho às figuras. As perucas dos atores que interpretam Euricão e Benona são simplesmente ridículas. O figurino é pobre. O cenário interage pouco com as cenas. Mas o maior problema é o elenco e inadequação de alguns atores aos personagens. Eudoro e Dodó, interpretados respectivamente por Godoberto Reis e Severo Filho não têm peso para as personagens. O menino Dodó, com a boca troncha e sua corcunda não convence nem um pouco. Já o pai desse também faz uma performance ruim. No conjunto, o elenco é fraco. A atriz que interpreta Coroba, Francine Monteiro, soube tirar proveito de seu personagem, tem vivacidade. Domingos Soares, que faz o avarento Euricão, se prende ao clichê fácil. A direção também é de Domingos Soares e infelizmente não traz algo de intepretação particular desse grande texto.

Foto: Ivana Moura

Era a primeira vez que o grupo fazia uma apresentação no Recife. E eles estavam emocionados com isso. O público aplaudiu entusiasmado, e riu durante boa parte da apresentação, (inclusive eu) com sinceridade, mas é porque o texto é muito bom. Sabemos das dificuldades de fazer teatro em qualquer lugar do mundo. No interior talvez isso seja mais complicado. Mas às vezes para crescer é preciso ter os pés no chão e ter consciência das limitações. O grupo já tem mais de 20 anos de atividade e isso merece todo o nosso respeito. Mas o teatro exige, além da paixão demonstrada pelo grupo, disciplina, estudo, condicionamento.

E, além disso, mesmo que muitos grupos que montam O Santo e a porca não percebam, esse texto tem uma sofisticação interna na construção de seus tipos, nas significâncias que não podem ser resolvidas com macaqueamento das figuras. Isso pode provocar o riso, mas diz pouco.

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Atores lançam livro do espetáculo O fogo da vida

Em 2008, foi encenado no Recife O fogo da vida, que enfocava o romance entre a célebre escritora russa Lou Andreas Salomé e o poeta Rainer Maria Rilke, 16 anos mais jovem que ela. Nos braços dessa mulher à frente de seu tempo, que provocava paixões e escândalos na Europa do século XIX, o poeta explodiu. E essa história ainda hoje alimenta o imaginário. A peça foi dirigida pelo português João Motta. Os protagonistas da montagem, os atores Sônia Bierbard e Gustavo Falcão, vão lançar um livro sobre o espetáculo. Será no dia 12 de fevereiro, às 19h, na Livraria Cultura. No lançamento, os dois vão apresentar os trechos mais poéticos do espetáculo.

A data – 12 de fevereiro – não é por acaso. Marca os 150 anos da escritora Lou Salomé, escritora e psicóloga que influenciou pensadores notáveis como Freud e Nietzsche. O livro, patrocinado pelo Funcultura, tem fotos do espetáculo de Thomas Baccaro e Luiz Felipe Botelho e a direção de arte é da designer Fernanda Lisboa, do Estúdio Vivo.

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