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Quando teatro era resistência

Paulo José. Foto: Pollyanna Diniz

Paulo José. Foto: Pollyanna Diniz

Foram duas horas de conversa. Não lembro exatamente qual era o teatro em Curitiba, mas ficava afastado do Centro. Fui ver Murro em ponta de faca e pedi uma entrevista. Gentil, ele disse que me atenderia na tarde do dia seguinte, antes da nova sessão do espetáculo.

Paulo José faz parte da história do teatro brasileiro – e, definitivamente, essa não é só uma frase de efeito. Ele, Augusto Boal, Vianinha, José Renato Pécora, Gianfrancesco Guarnieri. Um tempo em que o teatro era, muito mais do que hoje, atividade de resistência. O que o Arena, o Centro Popular de Cultura (CPC) queriam era, além de levar ao palco a realidade dos trabalhadores, da exploração, do capitalismo, discutir sobre os processos históricos que determinavam essa realidade, sem que isso significasse um teatro chato – muito pelo contrário.

Como Murro em ponta de faca, peça que tem direção de Paulo José, faz curta temporada no Centro Cultural da Caixa desta quarta-feira (6) até o próximo sábado, resolvi resgatar essa entrevista com o ator, diretor e dramaturgo, realizada em 2011, no Festival de Curitiba.

Entrevista // Paulo José

Qual a diferença de dirigir Murro em ponta de faca em 1978 e em 2011?
Esta versão agora nos dá a possibilidade de mergulhar no personagem. Naquele momento, tudo tinha acontecido. Era muito mais ebulição do que razão. Hoje a peça intriga, provoca, dá vontade de conhecer mais da época. É saber o princípio, a origem desse mal. Na época, o sucesso dela, o encontro dela com o público, era natural por causa das circunstâncias, da luta pela anistia, da campanha Tortura nunca mais. Não precisava nenhuma teatralidade especial. Poderia ser quase uma leitura. Agora é mais profundo, estamos menos presos à superfície, ao aparente. E são muitas as referências a coisas que aconteceram naquela época, que não necessariamente as pessoas sabem hoje. Há uma referência clara, por exemplo, ao chileno Víctor Jara (professor, diretor de teatro, poeta, cantor, compositor, músico e ativista), que teve as mãos cortadas. É cheio de referências também ao Marighella (Carlos). Apesar de que, no Brasil, a ditadura foi menos dura do que na Argentina e no Chile. Os militares aqui tinham origem de classe média, classe média baixa. Em muitas situações, eles se encontravam tendo que reprimir a própria família. Diferente do exército argentino, que tinham inimigos de raízes. Aqui, os militares se viam às voltas com parentes presos, tendo que resolver “pepinos” familiares.

É a segunda vez que Paulo José dirige texto de Boal

É a segunda vez que Paulo José dirige texto de Boal

Como você enfrentou a ditadura. Mesmo não tendo sido exilado, teve essa sensação aqui mesmo?
Claro! Eu era do Teatro de Arena. E a peça que estava em cartaz na época do golpe era O filho cão. Era do Guarineiri (Gianfrancesco) e eu dirigia e atuava. A polícia foi lá para fechar o teatro. Mas nós escapamos todos. Guarnieiri e o Juca de Oliveira foram para Bolívia. Augusto Boal foi para uma fazenda. Fiquei na casa de Cacilda Becker, que morava numa cobertura, esquina com a Avenida Paulista. Fiquei lá um mês. Depois de 15 dias na Bolívia, o Guarnieri e o Juca decidiram voltar. Disseram que preferiam morrer. Depois disso, o Boal foi preso, torturado. Éramos privados da liberdade de ir e vir, de todos os bens, de qualquer conforto que o dinheiro pudesse dar, dos teus discos, filmes, instrumentos musicais. Esse sentimento não tem idade. E hoje as pessoas, noutra situação, também são desprovidas de tudo. Mas naquela época, essas pessoas iam para a Sérvia, para a Croácia. Ficavam sem dinheiro, precisavam da família no Brasil. Mas mandar dinheiro também não era fácil. Então, às vezes, era fome, necessidade mesmo. Era uma indignação, uma vergonha, a gente ser tutelado por imbecis. Apresentar uma peça para a censura, para que eles dessem o parecer. Pessoas desqualificadas, ignorantes. Às vezes a gente colocava, por exemplo, um palavrão na peça, só para poder negociar. Porque eles iam implicar com aquilo e deixavam outras coisas passar. Os policiais entravam na tua casa. Os livros perigosos ficam no fundo falso do guarda-roupa. Lembro de perguntarem que eram Aristófanes.

O Boal chegou a ver a peça sendo encenada? Qual a importância dele para o nosso teatro?
O Boal escreveu no exílio. E quando voltou em 1983, acho (na realidade, 1986), a peça já tinha sido encenada. O Boal era devotado ao teatro. Enquanto nós éramos “adúlteros”, namorávamos o cinema, a tv, ele era fiel. Quem sustentou o Arena foi o Boal, por mais de dez anos. Nós íamos para o TBC, para o Oficina. Mas o Boal estava no Arena.

Falando nisso, atuar na televisão, cinema ou teatro é a mesma coisa?
São formas diferentes de trabalhar, mas não há dificuldade. Tenho preferência por cinema e teatro. A televisão é redundante, não é muito inovador. A comunicação é horizontal. Se todo mundo tem que entender, o foco é menor. No teatro, se uma pessoa entender, tudo bem. A programação da televisão também tende a ter um discurso homogêneo, desde a manhã ate a hora que acaba. E o meio se transforma na própria mensagem.

A música é importante? Neste trabalho, o senhor está “brincando” no teclado…
Sempre trabalho com música. Gosto muito, por exemplo, do trabalho do Galpão, porque é muito musical, porque todos tocam. Gosto muito do teclado, mas eu não toco mesmo, por causa do Parkinson. Até para escrever no computador é difícil. Quero digitar uma tecla e vou para outra.

Como foi a descoberta de que tinha a doença e lidar com isso?
Foi em 1992. Uma doença degenerativa, progressiva e irreversível. Foi o que me disse o médico. Ele estava lá, receitando o remédio e eu perguntei “por quanto tempo vou tomar?”. “Durante toda a vida”, ele me disse. E aí, olhando para ele, um homem quase careca, perdendo o cabelo, descobri que ele também tinha o Parkinson dele: o envelhecimento. Que é progressivo, irreversível, degenerativo. A diferença é que eu tinha a certeza que ia morrer e ele não. Como se fosse eterno. Você passa a ter limitações, mas você descobre outras coisas, a introspecção, a concentração. Passei a escrever bem. A minha acuidade musical aumentou. Os meus sentidos foram aguçados. Cada um tem o seu Parkinson. E eu tenho 74 anos, já estou fora da garantia. É só manutenção, não troca mais peça nenhuma.

Mas quais são os cuidados?
Remédios. E hoje faço aula de voz, ginástica, hidroginástica.

Você já fazia ginástica?
Não! Ginástica faz mal! (Risos) Queima! Nunca fiz. Fazia exercício, mas tinha que ser prático, com bola, ou andar a cavalo.

Tem medo da morte?
Não tenho medo. Mas você tem que se preparar bem. As pessoas morrem mal porque não se preparam. São surpreendidas. Estou procurando deixar um testemunho pessoal das coisas que fiz. Estou passando a limpos coisas que escrevi para publicar. Cadernos de direção, de cinema. Dei aula de cinema em Cuba, por exemplo. Na Globo, dei aula para diretores e atores.

Nas duas últimas peças em que você esteve envolvido, você trabalhou com as suas filhas (Um navio no espaço ou Ana Cristina César e Histórias de amor líquido). É diferente? E o seu trabalho de direção também tem sido diferente com o tempo?
Acho que não…Cada peça tem suas exigências, necessidades. Mas a diferença que é estou ficando calmo, sossegado, não fico sofrendo. Até porque percebi que é só uma peça de teatro, tem limites previamente estabelecidos. Então fico mais calmo, tranqüilo. O que me interessa no teatro são as relações humanas, é ajudar a desenvolver potencialidades nos outros. E as pessoas me ouvem, me respeitam. Então me aproveito disso. Eu “chupo” o sangue destes atores jovens, a energia deles para mim.

Vamos falar de televisão. Como é o próximo papel?
É nessa novela nova..Morde e assopra. Entro e fico até o fim da novela. Representa o amor na terceira idade. É o Plínio. Ele volta para a cidadezinha onde tinha deixado a namorada. Gosto de trabalhar como ator. Tenho contrato com a Globo desde 1969. Então tenho que fazer algo de vez em quando. Faço a novela..aí passo mais algum tempo fazendo teatro e cinema.

Falando em cinema…o que o senhor acha da produção pernambucana?
Ah…o Cláudio Assis, o Lírio Ferreira, já estão consagrados, sabem fazer. Cláudio Assis é um louco! Aspirinas e urubus é um filme muito bom. Tem baianos também muito bons no cinema. Meu próximo papel é no filme Palhaço, de Selton Mello, que deve ser lançado em maio. É um filme autoral, que o Selton escreveu, produziu. Temos uma safra muito boa.

E deixa eu perguntar…o que o senhor acha da ministra Ana de Hollanda?
A linhagem é boa…é filha de Sérgio Buarque, de uma família que tem respeito pela cultura. Mas está apenas começando…Mesmo o governo da Dilma ainda é muito cedo. Já percebemos que ela tem diferenças de Lula, mas ainda é cedo…

Uma pergunta clássica: algum papel que gostaria de fazer e ainda não teve oportunidade?
Tem personagens da literatura, personagens reais, que a gente gosta. Mas eu não estou sofrendo com isso. Tenho tanta coisa para fazer sempre!

E vai fazer teatro até quando?
Até morrer!

Não existe aposentadoria para o teatro?
Não existe! Até porque, no teatro, tem papel para todo mundo, independentemente da idade. Aos 90, ainda terão papeis que são ideais pra mim.

Montagem faz curta temporada no Recife

Montagem faz curta temporada no Recife

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Uma peça na contramão do esquecimento

Murro em ponta de faca. Foto: Pollyanna Diniz

Murro em ponta de faca. Foto: Pollyanna Diniz

O teatrólogo Augusto Boal escreveu Murro em ponta de faca em 1971, no exílio politico durante a ditadura militar. A peça é sobre um grupo de brasileiros que, como ele, foi expulso do país. Seu amigo Paulo José montou a peça em 1978, no Teatro de Arte Israelita Brasileira, o TAIB, em São Paulo. A encenação da companhia de Othon Bastos reunia no elenco Renato Borghi, Francisco Milani e Marta Overback. A direção musical era assinada por Chico Buarque e
os cenários e figurinos por Gianni Ratto.

Mais de três décadas depois, Paulo José volta dirigir a peça, dessa vez a convite de Nena Inoue, atriz e produtora curitibana do Espaço Cênico. A estreia aconteceu em 2011, no Festival de Curitiba, com elenco formado, além de Nena, pelos atores Abilio Ramos, Erica Migon, Gabriel Gorosito, Laura Haddad e Sidy Correa. Boal não assistiu a nenhuma das duas montagens. Na primeira, ele estava exilado; e morreu antes da estreia desta versão, em 2009.

Murro em Ponta de Faca chega ao Recife, nesta quarta-feira (05), às 20h, na Caixa Cultural no Recife Antigo, onde fica em cartaz até sábado.

O diretor transforma o isolamento de um exilado numa solidão existencial. “A condição do exilado é muito cruel. Ele não tem direito algum, ninguém quer saber, ele não tem moeda de troca, é um pedinte, um fedorento”, já disse Paulo José.

Três casais de classes sociais distintas dividem o mesmo espaço e compartilham dores e esperanças, que carregam em malas e caixas. Estão lá um casal de operários, outro de burgueses e o terceiro de intelectuais, de três gerações. No início elas estão no Chile, passam pela Argentina e terminam na França. Nessa trajetória, lembram que o terror esteve presente em outros países da América Latina.

Boal foi Indicado ao Prêmio Nobel da Paz, em 2008, e em março de 2009, foi nomeado pela UNESCO como Embaixador Mundial do Teatro.

Serviço:
Murro em Ponta de Faca
Quando: De quarta-feira (05) a sábado, às 20h
Onde: Caixa Cultural Recife (Avenida Alfredo Lisboa, 505 , Praça do Marco Zero, Recife Antigo) 

Quanto: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia) 

Informações: (81) 3425 1900

Oficina de Iniciação Teatral: 08/6 (14h às 18h)
Aula de Iluminação – A Luz na Cena: 8/6 (15h às 19h)

Augusto Boal não chegou a ver a peça

Augusto Boal não chegou a ver a peça

Ficha técnica Murro em ponta de faca:

Texto: Augusto Boal
Direção: Paulo José
Elenco: Abilio Ramos, Erica Migon, Gabriel Gorosito, Laura Haddad, Nena Inoue, Sidy Correa.
Iluminação: Beto Bruel
Cenário: Ruy Almeida
Figurino: Rô Nascimento
Direção sonora: Daniel Belquer
Preparação vocal: Célio Rentroya e Babaya
Iluminador assistente: Danielle Regis
Assistente de figurino: Sabrina Magalhães
Ilustração original: Elifas Andreato
Designer Gráfico: Martin de castro
Fotografia: Roberto Reitenbach
Idealização e Diretora de Produção: Nena Inoue
Realização: Espaço Cênico

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O senhor do teatro

Paulo José. Fotos: Pollyanna Diniz

Quando penso no Paulo José, a minha primeira lembrança é o personagem Orestes, da novela de Manoel Carlos Por amor, de 1997. Era um alcoólatra que fazia a esposa e a filhinha de olhos azuis sofrerem muito. Ele me gerava momentos alternados de raiva e pena. Mas essa referência é bem recente para um ator de 74 anos que dedicou praticamente toda a vida ao teatro, cinema e televisão.

Ao encarar a pergunta sobre o personagem mais marcante, ele me diz que foi a “Xuxa da infância de muita gente”. Está se referindo ao seriado da década de 1970 Shazan, Xerife & Cia. Interpretava Shazan e fazia dupla com o ator Flávio Migliaccio.

Hoje, Paulo José continua esbanjando disposição para trabalhar e lucidez, mesmo lutando contra o Mal de Parkinson desde 1992. Está em cena na novela Morde e assopra, no filme Palhaço (que tem direção de Selton Mello e previsão para estrear em maio) e dirigindo, pela segunda vez, a peça Murro em ponta de faca. A primeira vez foi em 1978, quando o amigo e autor do texto, Augusto Boal, falecido em 2009, ainda estava no exílio, vítima da ditadura.

No Festival de Curitiba, ele abriu a sala de ensaios de Murro em ponta de faca ao público. Fui assistir e pedi para marcarmos uma conversa. No dia seguinte, mesmo com chuva, ele chegou ao teatro com duas horas de antecedência, como combinado. Falou sobre a peça, que tem no elenco só atores curitibanos (Gabriel Gorosito, Laura Haddad, Erica Migon, Sidy Correa, Abílio Ramos, Espedito Di Montebranco e Nena Inoue), sobre a carreira, sobre a doença. E me disse que está cada vez mais certo de que “Teatro é teimosia. As pessoas querem fazer. E fazem”.

Entrevista // Paulo José

Qual a diferença de dirigir Murro em ponta de faca em 1978 e em 2011?
Esta versão agora nos dá a possibilidade de mergulhar no personagem. Naquele momento, tudo tinha acontecido. Era muito mais ebulição do que razão. Hoje a peça intriga, provoca, dá vontade de conhecer mais da época. É saber o princípio, a origem desse mal. Na época, o sucesso dela, o encontro dela com o público, era natural por causa das circunstâncias, da luta pela anistia, da campanha Tortura nunca mais. Não precisava nenhuma teatralidade especial. Poderia ser quase uma leitura. Agora é mais profundo, estamos menos presos à superfície, ao aparente. E são muitas as referências a coisas que aconteceram naquela época, que não necessariamente as pessoas sabem hoje. Há uma referência clara, por exemplo, ao chileno Víctor Jara (professor, diretor de teatro, poeta, cantor, compositor, músico e ativista), que teve as mãos cortadas. É cheio de referências também ao Marighella (Carlos). Apesar de que, no Brasil, a ditadura foi menos dura do que na Argentina e no Chile. Os militares aqui tinham origem de classe média, classe média baixa. Em muitas situações, eles se encontravam tendo que reprimir a própria família. Diferente do exército argentino, que tinham inimigos de raízes. Aqui, os militares se viam às voltas com parentes presos, tendo que resolver “pepinos” familiares.

Paulo José dirige Murro em ponta de faca pela segunda vez

Como você enfrentou a ditadura. Mesmo não tendo sido exilado, teve essa sensação aqui mesmo?
Claro! Eu era do Teatro de Arena. E a peça que estava em cartaz na época do golpe era O filho cão. Era do Guarineiri (Gianfrancesco) e eu dirigia e atuava. A polícia foi lá para fechar o teatro. Mas nós escapamos todos. Guarnieiri e o Juca de Oliveira foram para Bolívia. Augusto Boal foi para uma fazenda. Fiquei na casa de Cacilda Becker, que morava numa cobertura, esquina com a Avenida Paulista. Fiquei lá um mês. Depois de 15 dias na Bolívia, o Guarnieri e o Juca decidiram voltar. Disseram que preferiam morrer. Depois disso, o Boal foi preso, torturado. Éramos privados da liberdade de ir e vir, de todos os bens, de qualquer conforto que o dinheiro pudesse dar, dos teus discos, filmes, instrumentos musicais. Esse sentimento não tem idade. E hoje as pessoas, noutra situação, também são desprovidas de tudo. Mas naquela época, essas pessoas iam para a Sérvia, para a Croácia. Ficavam sem dinheiro, precisavam da família no Brasil. Mas mandar dinheiro também não era fácil. Então, às vezes, era fome, necessidade mesmo. É uma indignação, uma vergonha, a gente ser tutelado por imbecis. Apresentar uma peça para a censura, para que eles dessem o parecer. Pessoas desqualificadas, ignorantes. Às vezes a gente colocava, por exemplo, um palavrão na peça, só para poder negociar. Porque eles iam implicar com aquilo e deixavam outras coisas passar. Os policiais entravam na tua casa. Os livros perigosos ficam no fundo falso do guarda-roupa. Lembro de perguntarem que eram Aristófanes.

O Boal chegou a ver a peça sendo encenada? Qual a importância dele para o nosso teatro?
O Boal escreveu no exílio. E quando voltou em 1983, acho (na realidade, 1986), a peça já tinha sido encenada. O Boal era devotado ao teatro. Enquanto nós éramos “adúlteros”, namorávamos o cinema, a tv, ele era fiel. Quem sustentou o Arena foi o Boal, por mais de dez anos. Nós íamos para o TBC, para o Oficina. Mas o Boal estava no Arena.

Falando nisso, atuar na televisão, cinema ou teatro é a mesma coisa?
São formas diferentes de trabalhar, mas não há dificuldade. Tenho preferência por cinema e teatro. A televisão é redundante, não é muito inovador. A comunicação é horizontal. Se todo mundo tem que entender, o foco é menor. No teatro, se uma pessoa entender, tudo bem. A programação da televisão também tende a ter um discurso homogêneo, desde a manhã ate a hora que acaba. E o meio se transforma na própria mensagem.

A música é importante? Neste trabalho, o senhor está “brincando” no teclado…
Sempre trabalho com música. Gosto muito, por exemplo, do trabalho do Galpão, porque é muito musical, porque todos tocam. Gosto muito do teclado, mas eu não toco mesmo, por causa do Parkinson. Até para escrever no computador é difícil. Quero digital uma tecla e vou para outra.

No teclado, no ensaio aberto da peça em Curitiba

Como foi a descoberta de que tinha a doença e lidar com isso?
Foi em 1992. Uma doença degenerativa, progressiva e irreversível. Foi o que me disse o médico. Ele estava lá, receitando o remédio e eu perguntei “por quanto tempo vou tomar?”. “Durante toda a vida”, ele me disse. E aí, olhando para ele, um homem quase careca, perdendo o cabelo, descobri que ele também tinha o Parkinson dele: o envelhecimento. Que é progressivo, irreversível, degenerativo. A diferença é que eu tinha a certeza que ele ia morrer e ele não. Como se fosse eterno. Você passa a ter limitações, mas você descobre outras coisas, a introspecção, a concentração. Passei a escrever bem. A minha acuidade musical aumentou. Os meus sentidos foram aguçados. Cada um tem o seu Parkinson. E eu tenho 74 anos, já estou fora da garantia. É só manutenção, não troca mais peça nenhuma.

Mas quais são os cuidados?
Remédios. E hoje faço aula de voz, ginástica, hidroginástica.

Você já fazia ginástica?
Não! Ginástica faz mal! (Risos) Queima! Nunca fiz. Fazia exercício, mas tinha que ser prático, com bola, ou andar a cavalo.

Tem medo da morte?
Não tenho medo. Mas você tem que se preparar bem. As pessoas morrem mal porque não se preparam. São surpreendidas. Estou procurando deixar um testemunho pessoal das coisas que fiz. Estou passando a limpos coisas que escrevi para publicar. Cadernos de direção, de cinema. Dei aula de cinema em Cuba, por exemplo. Na Globo, dei aula para diretores e atores.

Nas duas últimas peças em que você esteve envolvido, você trabalhou com as suas filhas (Um navio no espaço ou Ana Cristina César e Histórias de amor líquido). É diferente? E o seu trabalho de direção também tem sido diferente com o tempo?
Acho que não…Cada peça tem suas exigências, necessidades. Mas a diferença que é estou ficando calmo, sossegado, não fico sofrendo. Até porque percebi que é só uma peça de teatro, tem limites previamente estabelecidos. Então fico mais calmo, tranqüilo. O que me interessa no teatro são as relações humanas, é ajudar a desenvolver potencialidades nos outros. E as pessoas me ouvem, me respeitam. Então me aproveito disso. Eu “chupo” o sangue destes atores jovens, a energia deles para mim.

Vamos falar de televisão. Como é o próximo papel?
É nessa novela nova..Morde e assopra. Entro e fico até o fim da novela. Representa o amor na terceira idade. É o Plínio. Ele volta para a cidadezinha onde tinha deixado a namorada. Gosto de trabalhar como ator. Tenho contrato com a Globo desde 1969. Então tenho que fazer algo de vez em quando. Faço a novela..aí passo mais algum tempo fazendo teatro e cinema.

Falando em cinema…o que o senhor acha da produção pernambucana?
Ah…o Cláudio Assis, o Lírio Ferreira, já estão consagrados, sabem fazer. Cláudio Assis é um louco! Aspirinas e urubus é um filme muito bom. Tem baianos também muito bons no cinema. Meu próximo papel é no filme Palhaço, de Selton Mello, que deve ser lançado em maio. É um filme autoral, que o Selton escreveu, produziu. Temos uma safra muito boa.

E deixa eu perguntar…o que o senhor acha da ministra Ana de Hollanda?
A linhagem é boa…é filha de Sérgio Buarque, de uma família que tem respeito pela cultura. Mas está apenas começando…Mesmo o governo da Dilma ainda é muito cedo. Já percebemos que ela tem diferenças de Lula, mas ainda é cedo…

Uma pergunta clássica: algum papel que gostaria de fazer e ainda não teve oportunidade?
Tem personagens da literatura, personagens reais, que a gente gosta. Mas eu não estou sofrendo com isso. Tenho tanta coisa para fazer sempre!

E vai fazer teatro até quando?
Até morrer!

Não existe aposentadoria para o teatro?
Não existe! Até porque, no teatro, tem papel para todo mundo, independentemente da idade. Aos 90, ainda terão papeis que são ideais pra mim.

No papel de diretor

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Teatro pela net

Vida, da Companhia Brasileira de Teatro

Sim, como diz a campanha veiculada pela Globo Nordeste, “Teatro é ao vivo. Vá ver”. Mas se você nem sempre está no lugar que queria e aquele espetáculo que você ficou doido para assistir desde a estreia ainda não tem previsão de passar pela sua cidade, dê uma olhadinha no site Cennarium – It´s showtime (www.cennarium.com).

O projeto está completando um ano. Resgatei um trecho de uma matéria de Thiago Corrêa para o DP ano passado, falando do lançamento do site:

“Fruto do investimento inicial de R$ 10 milhões e do trabalho desenvolvido nos últimos sete meses pela holding Nortik, o projeto passa a oferecer exibições de espetáculos para o país inteiro, por meio de transmissão via internet. Nesse primeiro momento, serão oferecidas mais de 25 peças. No programa, para ser visto de qualquer lugar e horário, estão peças como Cacilda do Teatro Oficina e La música com a atriz Xuxa Lopes. Outras 40 já estão captadas e o plano é colocar pelo menos duas novas por semana. “Nosso critério é a popularização da cultura, queremos atender um leque grande de produções, atingir todos os níveis de espetáculo”, explicou o diretor da Cennarium, Roberto Lima, durante coletiva de imprensa realizada na última quarta-feira.

Por enquanto só estão disponíveis espetáculos do eixo Rio-São Paulo, mas existe a possibilidade de, num segundo momento, o projeto abrir espaço para produções de outros centros do país. “Ainda não compensa sairmos do eixo, mas se juntarmos umas cinco peças numa cidade aí vale a pena”, justificou o CEO, Harry Fernandes, ressaltando que as gravações envolvem o trabalho de 30 a 40 pessoas. Os vídeos são gravados por cinco a 12 câmeras em uma sessão da peça, com o som captado através de microfones usados em jogos de futebol. “Fazemos a gravação sem mexer na luz e no som da peça, queremos transportar com qualidade a sensação do teatro, de como está sendo produzido no palco”, apontou o diretor da Cennarium.

As peças serão assistidas pela internet em sistema semelhante ao pay-per-view da TV a cabo, podendo ser assistidas várias vezes, no intervalo de 24 horas. Os espetáculos são divididos em blocos de 12 a 16 minutos para facilitar o acesso dos internautas, possibilitar inserções comerciais e se adaptar às comodidades do ambiente familiar. “Se fosse uma câmera só seria muito chato, estamos entre o teatro e uma linguagem de televisão, com closes e planos médios”, avaliou o ator Fúlvio Stefanini, que esteve na coletiva.

As peças custam pelo menos R$ 10 e no máximo metade do ingresso físico. Segundo o diretor do Cennarium, o valor é estipulado pelas próprias companhias teatrais e vão se transformar numa nova fonte de renda para o grupo. “As companhias terão até 50% do lucro líquido das nossas vendas e vão poder vender três inserções comerciais”, disse Lima, lembrando ainda que uma mesma companhia poderá receber por mais de um espetáculo, inclusive pelos que já saíram de cartaz mas podem ser vistos no site. O tempo mínimo de permanência no site é de cinco anos.

Tirando a exibição das peças, o restante do conteúdo é aberto, trazendo fotos, ficha técnica, sinopses e entrevistas com o elenco. Para assistir às peças, os interessados devem se cadastrar no site, efetuar o pagamento e selecionar o espetáculo. “Usamos o sistema de download progressivo, em que o vídeo é carregado enquanto você assiste a ele. Optamos por ele por não saber qual a conexão do público. Mas em média cada cinco minutos de vídeo são carregados em 15 segundos”, explicou o diretor de tecnologia Guto Costa.”

Recebemos um e-mail da assessoria do Cennarium avisando que neste domingo, Dia Mundial do Teatro, todo o portfólio do site, que já conta com mais de 70 opções, estará aberto ao público gratuitamente, das 14h às 20h.

Macbeth estará disponível gratuitamente

Tem, por exemplo, Macbeth, com Renata Sorrah; Um navio no espaço ou Ana Cristina César, com Bel Kutner e Paulo José; Vida, da Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba. E ainda comédia, infantis, musicais, dança. Faça a sua programação e celebre o teatro neste domingo, nem que seja na frente do computador!

Um navio navio espaço ou Ana Cristina César/Foto: Emi Hoshi/ clix.fot.br

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