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Festival Estudantil chega aos 22 anos
revelando talentos contra as adversidades

Auto da Barca do Inferno

Ave Guriatã encerra o festival

Recife é uma metrópole que se orgulha de sua efervescência cultural. Exporta talentos, sedia grandes festivais, movimenta a economia criativa e forma plateias. E, ainda assim, um festival que cumpre um papel público evidente — dar palco e horizonte a quem está começando — segue batendo na mesma porta: sem edital específico, sem previsibilidade orçamentária, sem a segurança mínima para planejar com dignidade. De novo, a corda estica do lado de quem faz: corre atrás de patrocínios pontuais, favores, cessões emergenciais de espaço e trabalho voluntário. É nesse cenário contraditório que o 22º Festival Estudantil de Teatro e Dança de Pernambuco (FETED) retorna ao Teatro Apolo, de 17 a 28 de setembro, carregando nas costas a responsabilidade que poderia (ou deveria?!) ser compartilhada com o poder público.

Dirigido por Pedro Portugal, o Feted completa 22 anos como uma ponte fundamental entre a formação artística e a profissionalização. O festival reúne grupos de escolas, projetos sociais, ONGs, coletivos independentes e universidades, oferecendo a estudantes e artistas iniciantes a oportunidade de apresentar seus trabalhos em um palco profissional, com toda a estrutura técnica, iluminação adequada e, principalmente, diante de um público real.

O Feted pode ser encarado como um verdadeiro rito de passagem, tirando obras dos limites das salas de aula e laboratórios de criação para colocá-las sob os holofotes de uma tradicional casa de espetáculos como o Teatro Apolo. Como destaca Pedro Portugal: “99% dos meninos e meninas que participam do Festival Estudantil nunca entraram num teatro”. Cada espetáculo apresentado representa meses de trabalho, descobertas, superação de limitações técnicas e, sobretudo, o amadurecimento artístico de jovens que podem estar definindo seus caminhos profissionais naqueles minutos de palco. E o que começou como um primeiro contato com os palcos profissionais já se transformou em trajetórias consolidadas: nomes como Eduardo Machado, hoje professor e diretor reconhecido, Rubens Santos e Alexandre Guimarães, que transitam entre teatro, cinema e televisão, e o músico Martins, todos passaram por esse mesmo ritual de iniciação no Teatro Apolo antes de construir carreiras sólidas no cenário artístico nacional.

 

Jovem Guarda. Foto: Divulgação

 

Sonho de uma noite de Verão. Foto: Divulgação

Público participa do júri em O sequestro da leitura

A programação 2025 reflete a pluralidade da cena estudantil pernambucana. Abre no dia 17 com Jovem Guarda, uma viagem nostálgica pelos movimentos musicais que marcaram gerações, e segue alternando entre clássicos adaptados e criações autorais contemporâneas. Sonho de uma Noite de Verão traz Shakespeare para o dia 20, enquanto Auto da Barca do Inferno (27/09) apresenta Gil Vicente com linguagem nordestina. A dança contemporânea marca presença com Anjo Negro (25/09), que mescla artes circenses em dez cenas sobre a trajetória de uma mulher negra em busca de identidade.

Questões sociais urgentes marcam algumas montagens. Canto de Negro (26/09) celebra ancestralidade e resistência afro-brasileira através de música, dança e teatro, enquanto As Crônicas dos Gatos Sem Lar (27/09) trabalha diversidade e inclusão ao apresentar Sophia, uma gatinha com autismo que ensina amizade e empatia. O Sequestro da Leitura (24/09) propõe um julgamento cênico onde a própria plateia participa como júri, questionando o papel da escola na formação de leitores. A programação ainda contempla Três Histórias (21/09), que ressignifica clássicos infantis em chave contemporânea, abordando desde a pandemia até questões de superficialidade nas relações.

O festival encerra sua programação com Ave Guritã, da Turma Citilante, espetáculo inspirado na obra Um Cordel para Menino, do poeta Marcus Accioly, e escrito pelo dramaturgo Robson Teles. A montagem, dirigida por José Manoel Sobrinho e Samuel Bennaton, é resultado do trabalho de criação com alunos do Curso de Interpretação para Teatro (CIT) do Sesc Santo Amaro — um curso profissionalizante de dois anos que há décadas forma novos talentos para o mercado cultural pernambucano. A peça destaca a amizade e a força da memória, a conexão entre as pessoas e sua terra.

Pedro Portugal admite, com franqueza, que não faz ideia de como consegue manter o festival funcionando apenas com recursos da bilheteria. Nos últimos 10 anos, os fomentos a eventos continuados não contemplaram o festival estudantil — uma iniciativa de apelo específico e talvez sem o glamour das peças comerciais com atores famosos. Mas eles são ainda uma semente de futuro, e este e outros festivais desta natureza precisam ser encarados como investimento cultural-afetivo A política cultural precisa garantir meios para que quem está começando não desista no primeiro blackout. O Festival estudantil não é “evento de ocasião”. A cidade fica devendo quando um festival como o Feted precisa, outra vez, “fazer na tora”.

O 22º Festival Estudantil de Teatro e Dança de Pernambuco acontece de 17 a 28 de setembro de 2025, no Teatro Apolo, Recife. Ingressos: R$ 20,00 (+ R$ 2,50 de taxa) disponíveis na Sympla.

Programação por dia (todas as sessões no Teatro Apolo)

17/09/2025 (quarta), 18h
Jovem Guarda
Sinopse: Uma viagem pelos movimentos musicais, ídolos, programas de auditório, amores e costumes que marcaram duas décadas da cultura brasileira. Trazer a Jovem Guarda aos palcos é celebrar a memória de pais, tios, avós e de uma geração inteira.

18/09/2025 (quinta), 19h
Balaio de Memórias
Sinopse: Linguagens variadas para entrelaçar histórias do grupo Balaio Teatral e de seus ancestrais, do humor físico à densidade dramática.

19/09/2025 (sexta), 19h
• O Sistema Morreu
Sinopse: Num departamento burocrático operado por cinco funcionárias — as “Mortes” — soa a trombeta do Apocalipse. É hora de fechar os registros. A internet cai. O sistema morre. Sinais de sabotagem.

20/09/2025 (sábado), 16h
• Sonho de uma Noite de Verão
Sinopse: Adaptação de Shakespeare. Hérmia ama Lisandro, mas Egeu quer o casamento com Demétrio. Na floresta mágica, Oberon e Titânia brigam e Puck multiplica equívocos.

21/09/2025 (domingo), 16h
• Três Histórias
Sinopse: Três clássicos infantis em leituras contemporâneas:
Os Porquinhos na Pandemia: do confronto com o lobo à decisão de ajudar o doente.
A Cigarra e as Formigas: equilíbrio entre diversão e responsabilidade.
Dona Baratinha: a busca por um amor que vá além do superficial.

21/09/2025 (domingo), 19h
De Noite, Sombras e Ausências
Sinopse: Drama psicológico e espiritual sobre duas irmãs unidas por laços invisíveis de dor e amor. Memórias fragmentadas, silêncios e presenças que moldam a família. Com Sophia Dantas e Gabriela Alencar; direção de Thamiris Mendes; texto de Cesar Leão.

24/09/2025 (quarta), 19h
• O Sequestro da Leitura
Sinopse: Em julgamento cênico, a “Escola” é acusada de sequestrar a Leitura. Um júri formado pela plateia decide após ouvir Escola, Leitura, População, GRE, Promotor e Defesa.

25/09/2025 (quinta), 19h
• Anjo Negro
Sinopse: Dança contemporânea e artes circenses em dez cenas sobre a trajetória de uma mulher negra em busca de identidade e transcendência. Aborda racismo, exclusão, amor, perda e redenção.

26/09/2025 (sexta), 19h
• Canto de Negro
Sinopse: Música, dança e teatro celebram ancestralidade e resistência afro-brasileira — dos porões dos navios aos terreiros, quilombos e ruas.

27/09/2025 (sábado), 16h
• As Crônicas dos Gatos Sem Lar
Sinopse: Espetáculo infantil sobre diversidade e inclusão. Sophia, uma gatinha com autismo, ensina amizade, empatia e respeito às diferenças.

27/09/2025 (sábado), 19h
• Auto da Barca do Inferno
Sinopse: Adaptação do clássico de Gil Vicente. Sátira do juízo final num porto com duas barcas — anjos e demônios conduzem as almas ao destino — com linguagem inspirada no Nordeste.

28/09/2025 (domingo), 16h
• Escolinha de Bruxas
Sinopse: Livre adaptação de Maria Clara Machado; direção de Antônio Rodrigues e assistência de Sonia Carvalho; conclusão do curso de iniciação Despertar Teatral da Cênicas Cia de Repertório.
Elenco: André Arruda, Macena FYR, Caio Bento, Jesuane Franzon, Larissa Ferreira, Lisandra Batista, Rayo Vasconcelos, Rebeca Becs.
Temas: bullying, aceitação e poder transformador da empatia.

28/09/2025 (domingo), 19h
• AveGuriatã

 

Serviço 
22º Festival Estudantil de Teatro e Dança de Pernambuco (Feted)
Quando: 17 a 28 de setembro de 2025
Onde: Teatro Apolo — Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife, Recife-PE
Ingressos: preço único de R$ 20,00 (+ R$ 2,50 de taxa) pela Sympla
Direção: Pedro Portugal

 

ENTREVISTA: PEDRO PORTUGAL

 

Pedro Portugal, diretor do Festival EStudantil de Teatro e Dança de Pernambuco. Foto: self

“Continuo fazendo o Festival Estudantil porque sou teimoso”

Manuel Francisco Pedro Rodrigues é um homem emotivo. Estava às lágrimas quando soube que a abertura do festival estava com ingressos lotados, e destacou o esforço dos alunos artistas para garantir casa cheia. Conhecido artisticamente como Pedro Portugal, este português dos Açores que chegou ao Recife para estudar teatro na UFPE (1986) se tornou uma das figuras mais resilientes da cena cultural pernambucana. Desde 1979 atua como ator e produtor, mas é à frente do Festival Estudantil de Teatro e Dança – Feted que encontrou sua maior missão: há mais de duas décadas fomenta o estímulo às artes nas escolas e revela novos talentos no estado. Aos 68 anos, não esconde a indignação com a situação enfrentada pelo festival em contraste com sua função social: “Quando encontro as pessoas nas ruas, elas dizem: ‘Seu festival é o mais importante de Pernambuco'”. Ele entende que uma iniciativa com tamanha relevância social já deveria ter reconhecimento e apoio permanente. Com a franqueza que lhe é característica, às vezes com um jeito rude de português, ele admite que não faz ideia como leva adiante o Feted apenas com recursos da bilheteria. Sobre a importância cultural e social da sua iniciativa, é categórico: “99% dos meninos e meninas que participam do Festival Estudantil nunca entraram num teatro”. Quando questionado sobre por que insiste em manter o festival funcionando contra todas as adversidades, responde sem hesitar: “Continuo fazendo, vou dizer por quê: porque sou teimoso. Se a gente não fizer um ano, não faz mais”. Pedro não poupa críticas ao sistema: “Poder público gosta de arte de massa, que lota, artistas nacionais. Quando é de estudante, teatro local, o poder público mais que fecha os olhos”. Aos 22 anos de existência, o Feted tem orgulho de ter revelado talentos como o professor e diretor Eduardo Machado, os atores de teatro, cinema e televisão Rubens Santos e Alexandre Guimarães, e o músico Martins, abrindo portas para jovens que jamais imaginariam pisar num palco profissional e transformando sonhos em carreiras artísticas.

Martins, Rubens Santos, Alexandre Guimarães e Eduardo Machado, talentos que passaram pelo Feted. Foto: Reprodução

Cléa Borges (in memoria) e Cida Pedrosa: homenageadas do festival. Foto: Reprodução

Quem são os homenageados desta edição do Festival Estudantil de Teatro e Dança de Pernabuco – Feted e por quê?

Cida Pedrosa é uma mulher que está batalhando muito pela cultura na Câmara Municipal do Recife. Mesmo a Câmara não tendo dinheiro para a cultura — não tem orçamento para a cultura, que realmente a cultura é complicada, a gente sabe — ela está fazendo muita coisa pela cultura, o que ela pode. E além disso, nós precisamos de representantes da cultura na Câmara, principalmente na Câmara do Recife, na Assembleia Legislativa, na Câmara Federal, no Senado. A gente precisa de pessoas ligadas à cultura. Cida Pedrosa é uma mulher de cultura; além de lutar, ela também é uma artista, uma poeta, uma poeta premiada. E a gente precisa homenagear enquanto as pessoas estão entre nós.

Cléa Borges foi uma incentivadora da cultura pernambucana, com uma trajetória ligada ao teatro. Ela criou a Casa dos Artistas, que promoveu dois festivais de teatro no Recife, no Teatro Derby, da Polícia Militar — anexo do Quartel do Derby, espaço que abrigou a cena teatral até o final dos anos 1980. Por que lá no Teatro Derby? Porque o Teatro Valdemar de Oliveira pegou fogo — incêndio ocorreu em 1982. E com 15 dias se reabriu o Teatro Derby, no quartel. Era um teatro muito simpático, muito interessante, e ficou muitos anos servindo como teatro para as nossas produções locais. Além disso, ela foi uma incentivadora de três grandes espetáculos ao ar livre: dois no Recife e um em Guararapes. Foram os espetáculos Frei Caneca — que para mim deveria ter todo ano, fantástico, muito bonito, eu vi algumas vezes —, Auto de Natal e a Batalha de Guararapes. Então ela foi a incentivadora. Além disso, ela foi muito atuante no âmbito das artes cênicas. Ela foi uma mulher muito ligada ao teatro pernambucano. Esta é a razão da homenagem a Cléa Borges, que foi uma mulher que poucos se lembram. E a gente tem que resgatar as pessoas que fizeram alguma coisa pela arte, entendeu?

Nota: Cléa Borges foi primeira-dama do Recife no final da década de 1970 e início dos anos 1980, e posteriormente primeira-dama de Pernambuco na década de 1980, durante as gestões de Gustavo Krause. Mãe da vice-governadora Priscila Krause, ela morreu aos 72 anos no Recife, no dia 26 de fevereiro de 2021, em decorrência da COVID-19.

Em mais de 20 anos de Feted, qual a sua leitura do percurso do festival?

Olha, o festival foi criado para revelar, para descobrir novos talentos da cena pernambucana. E isso nós conseguimos. Têm 90% dos artistas locais, 90% dos artistas atuais — atores, artistas, técnicos — que passaram pelo festival. Para você ter uma ideia, Eduardo Machado, que hoje é doutor, você deve conhecer, está dando aula na Bahia. Foi o primeiro negro professor de escola técnica no Mato Grosso. Foi o primeiro professor negro. E esse rapaz, nós temos um orgulho enorme, porque ele passou pelo festival. E eu não tenho nenhuma dúvida de dizer a você: se não fosse o Festival do Estudante, ele não seria artista.

Por quê, Pedro?

Vou dizer a você por quê. Porque ele era um rapaz pobre, humilde, morava em Igarassu, um lugar muito distante do Recife. E ele começou a ver teatro através do festival. Claro, o talento dele. Sem talento, meu filho, ninguém vai a canto nenhum, não. Aí, o talento dele, o trabalho dele, porque ele era um rapaz que ia todo dia assistir aos espetáculos. Ele vinha de Igarassu, assistia ao festival todos os dias. Então, só esse rapaz já vale a pena. Para você ter uma ideia, o primeiro espetáculo do Magiluth, que ainda era da Universidade, foi no Festival Estudantil.

E outros artistas: o ator Rubens Santos, ele trabalhou em quase todos os filmes grandes e nacionais — O Agente Secreto, A Melhor Mãe do Mundo, Partiu América, Bacurau, A Presepada, Aquarius. Encontrei com ele num filme… Ele me abraçou, me beijou, me apresentou a um diretor, que é de São Paulo, Rio, não sei de onde é, e disse: “Olha, se não fosse esse rapaz, eu não estaria aqui fazendo cinema, não seria ator”. Eu falei: “Rapaz, é a minha doideira fazer um festival”. Expliquei o festival para o cara. Aí o cara olhou para mim e disse: “Olha, foi por um doido como você que ousei ser cineasta”. Então, essas coisas marcam a vida da gente, entendeu? Outro dia fui ver um espetáculo, O Açougueiro, e Alexandre Guimarães, que ganhou vários prêmios com a peça, me abraçou e disse: “Pedro, você não sabe, mas eu comecei no festival estudantil”. Eu disse: “Que coisa boa”. E é um espetáculo que está correndo o Brasil inteiro. Ganhou vários prêmios, ganhou o Prêmio Cenym. Eu não lembro muito os nomes, porque a cabeça está… 68 anos, o HD já está um pouco estragado. Mas tem muitos artistas que passaram, que hoje são artistas importantes na cena brasileira, que passaram pelo Feted. Quem também subiu ao palco pela primeira vez foi Martins, o cantor. Num espetáculo de teatro, ele era músico. Uns, tenho certeza absoluta, se não fosse o Feted não seriam artistas. Isso eu tenho certeza.

Como você resumiria em números o impacto do festival?

Quanto ao público, o nosso público sempre foi muito bom. Muito bom. Nós tivemos sempre casas razoáveis, boas. A gente teve um espetáculo que foi da escola Santa Emília, de Olinda, que a gente teve que chamar a polícia, porque não tinha mais lugar no teatro. A gente teve que chamar a polícia, porque eles queriam quebrar o teatro para entrar, entendeu? Agora, o público atualmente está reduzindo. Agora, reduzindo não é fracasso, não. Nunca tivemos um espetáculo com menos de 70 pessoas. O menor que tem é 70 pessoas.

E nós já trabalhamos também com várias cidades. Já teve um ano que teve 12 cidades. E uma das cidades mais pobres do Brasil, não lembro o nome agora, participou com uma superprodução. Esse rapaz veio por dois anos, até tinha um elenco muito legal, mas que era de muito longe. Ele agora enveredou, como muitos artistas, para as quadrilhas. Agora ele é quadrilheiro. Não quer saber mais de teatro, não. Está nas quadrilhas agora. Muitas pessoas também viraram para as quadrilhas, né? Viraram quadrilheiros. Acho que dá mais visibilidade, não sei. Então, esses são os nossos números.

O Feted foi criado também, além dos novos talentos, para a gente levar gente que nunca foi ao teatro. A maioria das pessoas que vão ao teatro ver o Festival Estudantil são familiares que nunca pisaram no teatro, não sabem nem o que é o teatro. Pelo contrário, falam mal do teatro, não sabem, né? “Teatro, quero esse negócio. Não, que negócio de teatro? Quer nada. Teatro não presta, não”. Aí, as pessoas quando vão ver, ficam felizes. Muita gente sai chorando. “Eita, meu filho está ali, minha sobrinha, meu namorado”. Enfim, que eles vão prestigiar. Então, também, o festival foi para isso. E realmente, isso eu tenho certeza que a gente conseguiu. E os atores… É muita gente, muita gente. Porque são 22 anos, né? Imagina, 22 anos, geralmente são 14 espetáculos. Em 10 dias, nós fizemos 14 espetáculos. Então vê quantas pessoas passaram pelo festival.

O que mudou no ecossistema cultural que afetou o festival?

A gente já deve ter trabalhado com mais de 25 cidades. Já teve anos que vinha até de Petrolina. Este ano, nós temos Recife, Vitória, Olinda, Ipojuca e Goiânia. Então, só este ano temos cinco cidades no festival. E outra coisa, como nós não temos dinheiro, esse pessoal vem por conta própria. O que é que eles ganham? Cada ingresso que eles vendem, eles ganham R$ 12. O ingresso é R$ 20. R$ 12 é deles e R$ 8 é do festival para fazer toda a produção.

E você, se for algum dia, vai ver. Nós temos camisas. Tudo que você imaginar, o festival tem. “Pedro, como é que você faz isso?” Não sei não, parece que o meu dinheiro rende. Tem pessoas que têm milhões e não fazem o que a gente consegue fazer com tão pouco dinheiro, entendeu?

Porque faz uns sete ou oito anos que a gente não tem patrocínio bom nenhum. De vez em quando temos umas migalhas — cinco mil, dez mil. Este ano mesmo não temos nada. Até agora, nenhum real. Outra coisa: estou homenageando as pessoas, mas eu não pedi dinheiro a ninguém. Eu estou homenageando uma vereadora. Eu não pedi um centavo à vereadora. Zé Manoel sabe, pode perguntar a ele. Eu estou homenageando a mãe da vice-governadora, Priscila, e não pedi um real.

Agora, eu vou ter que dizer a ela, este ano, eu vou dizer: “Olhe, Priscila, está vendo o festival este ano, a gente faz sem dinheiro”. Ela ficou de ir na abertura; se ela for, vou dizer a ela, porque tenho também um certo contato com ela.

Mas eu acho que tem certos festivais, como o Festival Estudantil, o Janeiro de Grandes , o FETEAG, o Reside, que já deviam ter um certo dinheiro, entendeu? Porque o Festival Estudantil concorre com vários festivais. E para a gente é muito difícil ganhar. A gente perde sempre, porque só se classifica um festival, entendeu, naquela categoria. A gente já botou no valor de 40 mil, de 30 mil, de qualquer valor, a gente perde. Aí tem as cotas que são do interior, pessoas negras, que, presta atenção, eu sou a favor disso tudo. Agora eu também sou a favor do festival que tem mais de 20 anos ter pelo menos uma laminha. “Olha, você não ganhou, mas toma aqui X para você fazer”. Entendeu?

Outra coisa: o festival deixou de ser competitivo. Por que deixou de ser competitivo? As pessoas querem a competição. Se o festival fosse competitivo, ia ser briga das inscrições. Porque todo mundo diz: “Não, eu não quero, eu não quero prêmio, eu não quero prêmio”. Mentira. Mentira. Todos querem prêmios. E eles reivindicam: “Pedro, por que você não faz o festival competitivo, ia ser melhor, não sei o quê…”. Eu digo: “Minha gente, para ser competitivo, eu tenho que ter pelo menos 15 mil reais para fazer o festival competitivo”. Competitivo, 15 mil, o quê? Tem que ter jurado, tem que ter troféu, tem que ter o encerramento, entendeu? Então, isso é dinheiro. Isso é dinheiro. Então a gente começou a cair nesse ponto de não fazer competitivo por falta de grana mesmo, não foi outra coisa, não.

Como você descreveria o “DNA” do Feted hoje? É o mesmo de quando começou?

O festival agora é diferente. No começo, a gente fazia dois espetáculos por dia. O tempo era uma semana só, e a gente fazia dois por dia, de terça a domingo, dois espetáculos. Porque eu sempre dizia: “Olha, o festival é de escola, não precisa de muita coisa. A gente quer mostrar o talento de vocês, mas não precisa de uma luz muito aprumada. Isso é um festival estudantil, isso não é um festival profissional”. Aí, hoje em dia, ao contrário… o Teatro Apolo, como os outros teatros, não é o Apolo só… todos os anos, os técnicos trabalhavam em dois turnos, de manhã e de tarde. Então, nós não pagávamos os técnicos. Ontem, recebi uma ligação dizendo: “Olha, Pedro, agora os técnicos só trabalham um turno, de duas às dez”. E os espetáculos estão vindo com muito cenário, muita luz, estão vindo praticamente profissionais. Aí já teve problemas: “Mas Pedro, a gente tem luz para montar”, não sei o que é isso. Minha gente, esse é um festival estudantil. Tem gente que traz carreta. Carreta com cenário, com coisas grandes. Olha, tem espetáculo que diz assim: “Minha gente, como é que esses caras fazem um festival de estudantes?” Entendeu? Então o DNA mudou radicalmente. Antigamente os espetáculos eram mais simples e tinham grandes talentos. A gente via o ator. Hoje em dia também tem ator, mas ele está trazendo cenário, querendo luz sofisticada. Era muito mais simples. Então, cada vez está se profissionalizando mais os espetáculos de estudantes. Até os estudantes querem mais coisas. Antigamente, Teatro Apolo, vixe Maria, não tinha luz nenhuma. E se fazia dois espetáculos por dia. Hoje em dia tem uma luz bem melhor e para fazer um está difícil. Entendeu? Então, o DNA realmente melhorou a qualidade do cenário e da luz. Os espetáculos, não. Pelo contrário. No começo, os espetáculos, pelo menos os espetáculos que Igarassu trazia, eram espetáculos que não faziam feio em ficar em temporada. E é todos os anos assim. O ano passado, eu vou ser bem sincero, só um espetáculo que foi muito fraco. Com o diretor, eu não vou dizer o nome, porque é antiético. O diretor, que é meu amigo, quis fazer uma coisa muito intelectual, sem os meninos saber o que estavam dizendo. Aí eu peguei ele e disse a ele: “Não faça mais espetáculo desse tipo, não, velho, porque os meninos estão lendo o texto, estão dando o texto, sem entender o que está dizendo, então fica uma coisa falsa. Eu mesmo não entendi muito o teu texto, não”. E eram realmente meninos, de escola estadual. Então dizer o texto sem saber o que é, não adianta, não.

Qual a situação do FETED.PE com editais públicos?

O problema dos editais é que é muito concorrido. Muito concorrido. Eu não vou botar a culpa no Funcultura, nas pessoas que estão julgando, não. Eu perco, eu perco é o seguinte: perder, perder. E eu sempre dou parabéns a quem ganhou. Porque, na minha opinião, é o seguinte: todo cara que faz um projeto acha que o projeto dele é o melhor projeto do mundo. Então, o cara que ganhou, ele pensa igual a mim, que o projeto dele é ótimo. Entendeu? E outra coisa: o dinheiro é muito pequeno para arcar com uma cena pernambucana toda. É muito pouco. Pernambuco é um estado enorme para pouco dinheiro. A prefeitura também. É pouco dinheiro para a cultura, para a quantidade de artista que tem. Entendeu? E nós temos essa dificuldade. Então, é o que eu disse. Eu vou dizer de novo: eu acho que devia ter uma reserva, não sei no Funcultura, onde fosse, uma reserva, X para os projetos que não foram aprovados, que têm mais de 10 anos. O nosso já tem 22, entendeu? Esses projetos que já é calendário, já tem mais de 10 anos sem parar, como o nosso festival, nunca parou, nem na pandemia.

Na pandemia nós fizemos online, mas nós não paramos nem um ano. Todos os anos nós fizemos. O ano da pandemia, fizemos online. O resto todo presencial. Com dinheiro, sem dinheiro, nós fizemos. Então, a questão é essa: é muito difícil você passar nos editais, porque a concorrência é muito grande. “Ah, Pedro, mas você está fazendo bem feito?” Estou. Quem faz o meu projeto é uma pessoa que vive de projetos culturais. Entendeu? E ele já disse: “Pedro, eu acho que já vou desistir”, pois esse ano ele não colocou no Funcultura, acho que ele já disse, tem um trabalho para não ganhar, é danado, mas ele já me disse: “Pedro, é difícil a gente ganhar, porque a concorrência é muito grande e tem as cotas, né?”. Mais uma vez, eu não sou contra as cotas, mas deveria ter uma laminhinha para esses festivais, principalmente os festivais que não passaram, que já têm mais de 10 anos.

Por que o festival não tem dinheiro suficiente, mesmo com mais de 20 anos de existência?

Financeiramente eu falei: o dinheiro é muito curto para muito artista, muita produção no estado de Pernambuco. O dinheiro é muito pequeno para todo mundo. E no caso dos festivais só passa um festival — estou falando do Funcultura — um festival em cada categoria, então é muito difícil.

Outra coisa: quando têm pessoas na gestão que nos recebem fica mais fácil. Eu sempre digo o seguinte: nunca tem dinheiro para os mesmos e sempre tem dinheiro para os mesmos. Têm pessoas que chegam lá e recebem o dinheiro e acabou-se e têm pessoas como eu… Nesse ano nós fomos atrás de umas coisas e não conseguimos. Então você está indo atrás, está? A gente tem há uns quatro anos que a gente faz o Cena Expandida. Paulinha (Paula de Renor) está no Rio Grande do Sul, mas eu e Arnaldo (Siqueira) fomos atrás de patrocínio para a Cena Expandida e até agora não conseguimos. A história que eles dizem é a seguinte: “Olha, o Ministério Público não pode dar dinheiro agora que já tem os editais, então vocês têm que entrar nos editais”. Olha aí, um impasse danado… Quando eles querem ajudar — feito há três anos eles ajudaram — a Fundação de Cultura, e espero que ajude este ano, que a gente está esperando a resposta que não chegou, que era o seguinte: contrata os espetáculos, eles não dão dinheiro. Mas para o festival estudantil não funciona, porque os espetáculos são amadores. E eu faço questão de dizer nas inscrições: o festival é amador, é de estudante que não ganha dinheiro, mas paga para estudar no festival. Mas daqui a pouco eles querem também cachê para se apresentar nas escolas.

Por que ainda é tão difícil captar recursos para o Feted?

Sobre ir atrás de dinheiro: eu já tento fazer parceria faz uns cinco ou seis anos. Eu quero muito, mas parceria precisa de alguém que saiba captar, que saiba fazer um projeto bom. Entendeu? Para fazer o festival, eu faço. Este ano, inclusive, apareceu um grupo que quer conversar comigo depois do festival. Agora, é preciso ser bem claro: a gente precisa de gente para ir atrás de dinheiro.

Quando o festival teve dinheiro — no último ano em que ganhamos no Funcultura, que eu nem sei mais quando foi, faz mais de dez anos — a gente fez tanta coisa. Você não faz ideia. Eu acho que foi a edição mais importante que a gente fez. A gente organizou uma gincana. Levamos atores e diretores para o Teatro Luiz Mendonça (no Parque Dona Lindu), que hoje está privatizado — mas isso é outra história. Passamos uma manhã inteira lá, cinco ou seis horas, mostrando como funciona o teatro: direção, texto, direitos autorais, a engrenagem toda. Foi leve e muito formativo.

Nesse mesmo ano, chamamos dois diretores — Quiercles Santana e Eron Villar (eu posso até errar nomes, mas eu sempre trabalho com os melhores da cidade) — para irem às escolas ver os ensaios e dar dicas para os meninos. Eles iam pelo menos duas vezes a cada escola: no começo do processo e quando estava perto do espetáculo ir para o festival. Foi um ganho enorme para o festival. Mas, sem dinheiro, a gente não consegue fazer isso; não dá para contratar diretores. Então foi uma conquista que o festival teve e perdeu por falta de patrocínio.

E não é que eu não vá atrás. Eu vou. Para você ter ideia, o Janeiro de Grandes Espetáculos, que é um dos grandes festivais nacionais, não conseguiu captar na Lei Rouanet — nem com Paula de Renor e Carla Valença. Passava na Rouanet, mas não captava. Não sei como é que está agora. O FETEAG mesmo, que eu respeito demais — Fábio Pascoal vive nos festivais do mundo inteiro — também não consegue esse dinheiro todo, não. O festival dele é grande, traz coisas grandes, mas o dinheiro que ele tem também é curto para o que faz. Então não é só o FETED que não tem dinheiro, não.

E o Fábio é um cara que sabe fazer projeto, sabe orçamento, sabe tudo, viaja muito. Não é um Pedro de Portugal, entendeu? Ele é muito mais antenado do que eu.

Você pode dar um exemplo concreto de tentativa de parceria que não deu certo?

Eu conheci um rapaz muito inteligente, para mim fazia um texto ótimo. Acho que seria um grande parceiro para mim. A gente botou no Funcultura no primeiro ano e não passou. Aí ele disse que não podia trabalhar sem ganhar para fazer o projeto. Tem que ter dinheiro e não tem dinheiro para pagar, entendeu? Eu acho que seria um grande parceiro para fazer o festival.

Mas aí, depois de uns dias, ele fez uma coisa que eu não gostei. Eu sou uma pessoa muito fiel aos meus amigos, muito grato, graças a Deus. As pessoas… a pessoa faz por mim, eu sou grato o resto da vida, eu sou muito grato. Então ele fez uma coisa que eu não gostei. Foi: ele foi lá para casa, a gente trabalhou dois dias fazendo projeto e depois foi para casa para colocar no Funcultura. Eu não vou dizer qual foi o projeto. Mas ele parou o projeto do festival para trabalhar no outro projeto. Perdeu o prazo de enviar o projeto do Feted.

Aí liguei para ele, dei um baile do caralho, disse que ele foi antiético. Eu acho um rapaz muito inteligente, seria um grande parceiro, mas ele fez essa merda comigo. E o projeto que ele fez, que era um espetáculo de teatro, o produtor não colocou também, perdeu o prazo. Então ele ficou sem botar os dois projetos.

Eu sou fiel aos meus amigos, todos, mesmo fazendo algumas safadezinhas eu sou fiel, entendeu? Até um certo ponto, entendeu? Mas isso, infelizmente… não sei se é bom, se é ruim, mas é assim.

Vocês já tentaram captação em empresas privadas?

A gente nunca foi para as empresas privadas. A gente trabalha mais com os incentivos, porque é aquela história: empresa privada tem que ter um padrinho, e isso nós não temos. Não posso dizer que alguém disse não, porque não fui atrás. Eu sou aquela pessoa que gosta de dizer a verdade.

Como funcionam os critérios de avaliação nos editais que o Feted disputa?

Como eu falei para você, o problema não é pontuação. Olha, nós temos as pontuações legais, as contrapartidas não são boas. Às vezes tem uma ou outra. Uma vez botei um projeto que deram uma nota tão baixa que eu fiquei… No ano que eu também não passei, então botei uma ficha técnica top, uma equipe boa, e a nota… Vamos botar a nota 10. Não quero que eles me vejam como uma pessoa com uma coisa dessa, entendeu? Então é como eu digo a você: o problema da Lei Rouanet é captar. Você não consegue captar. A municipal, eu não posso participar porque sou funcionário. A estadual, que tem o Funcultura, já falei para você aquela história: o dinheiro é curto e não dá para todos.

Como foi a experiência do Feted com a Lei Aldir Blanc?

O nosso Aldir Blanc só foi contemplado na pandemia, o resto não fomos contemplados. É o que digo: é muito festival e muita cota. E eu sou… até que eles querem dar cota a quem tem mais dificuldade. E o Festival Estudantil não tem dificuldade? As cotas têm que ser dadas, acho importante as cotas, mas a gente fica amarrado nas cotas. Acho que deveria ter uma parte com cota e outra parte sem cota.

Qual foi o orçamento das últimas edições e qual seria o ideal para o Feted?

Eu vou dizer dos últimos cinco anos: praticamente só com o dinheiro da bilheteria. “Pedro, como é que você consegue fazer?” Eu não sei. Eu não faço ideia. E você, se for lá um dia ver o festival, vai ver tudo: camisa e camisa. É legal ver isso, que é camisa de algodão, não é aquela camisa de plástico. Camisa arrumadinha, tudo com os oito reais que sobra para nós. Entendeu? Então os últimos cinco anos, praticamente só com a bilheteria. Minha filha, como é que você faz? Não sei.

Teve um ano que fui ser jurado em Sorocaba. O cara estava doido para ver o festival, mas eu não tenho dinheiro para trazer o cara. Junior Mosco, ele tem um festival em Sorocaba de estudante também, era feito pelo Sesi. Quando eu fui, foi pelo Sesi. Quando ele viu nosso material — cartaz, programas — ele ficou de boca aberta. Ele perguntou com quanto eu fazia o festival. Aí fui dar um depoimento. O máximo do SIC Municipal é 50 mil. O Funcultura é 100 mil, o máximo. Não, nesse tempo não tinha Funcultura. O SIC Municipal, o máximo é 50 mil, mas a gente ainda tem que captar, encontrar empresa. Nessa época era assim. Aí me chamaram de mentiroso. Eu disse que tem ano que a gente faz com 10 mil e eles me chamaram de mentiroso. Eu levei material, programas que a gente fazia, etc. E ele me chamou de mentiroso e disse: “Aqui com 100 mil a gente não faz nada”.

O que a organização do Feted já tentou? Onde acertou e onde errou?

Claro que nós temos sempre os nossos erros e a gente tenta acertar. Eu vou falar mais do que eu acerto. O nosso festival realmente é um festival democrático, e tenho o maior prazer de dizer isso do nosso festival, porque pode ter festival democrático igual a gente, mas maior que o nosso, não. A gente sempre tenta mudar quando os grupos pedem. A gente só não pode mudar porque a maioria quer que seja competitivo. Infelizmente a gente não pode mudar, pois não tem dinheiro. Senão a gente já tinha feito competitivo há muitos anos. A gente deixou de fazer competitivo porque não ganhou nas leis de incentivo.

Para você ter uma ideia, eu só ganhei três vezes o Funcultura. E o SIC Municipal eu não posso entrar porque sou funcionário. Antigamente podia. Eu acho um absurdo isso, pelo seguinte: eu sou funcionário, mas não sou eu que vou julgar. Mas tudo bem. É a lei, a gente tem que respeitar. Eu sempre respeito as leis.

Por que continua fazendo o festival nessas condições?

Continuo fazendo, vou dizer por quê: porque sou teimoso. Se você fizer as contas do festival, não paga. Tem prejuízo? Não, até agora não. Mas a gente faz pouca coisa. Para fazer um festival grande, a gente teria que ter 100 mil para fazer o que a gente quer. E 50 mil para fazer meio bom. A gente tem só a bilheteria.

Porque continuo fazendo: porque hoje em dia não faço mais teatro, não quero fazer mais produção de peças, então a minha cachaça é o festival estudantil. Você sabe que um festival desse a gente passa pelo menos seis meses trabalhando. O cachê para mim deveria ser uns 30 mil reais e eu sobra mil reais, no máximo dois mil reais. E tenho impressão que esse ano vai ter prejuízo. Esse é o motivo de continuar fazendo.

Você disse que estava muito cansado de realizar o festival nessas condições. 

Eu gostaria de fazer mais três anos para fazer 25 anos e acabar. Como falei, tem um pessoal que quer falar comigo sobre o festival para a gente debater. Se for legal, vamos fazer juntos, entendeu? Mas eu, Pedro Portugal, eu gostaria de fazer mais três anos para fazer 25 anos. Como dona Cléa Borges falou com Enéas Alvarez — crítico de teatro e diretor do saudoso Festival de Teatro de Bolso — para fazer 15 anos e não acabar com 12. Eu quero ver se chega a 25. Não sei se eu vou ter força, porque estou muito cansado.

E agora os participantes estão mais exigentes. Acho legal. Eles querem melhor estrutura, melhor luz, e sem dinheiro fica difícil. E até para dar uma ajuda de custo. Sim, a gente também dava. Quando passava no Funcultura, a gente dava ajuda de custo para o transporte para o grupo do interior. Não sei quanto era, porque faz mais de 10 anos que a gente não passa no Funcultura.

Também a gente é de um tempo que a gente ia para os festivais e dormia nas escolas, no colchonete. Era uma farra danada. Eu me lembro disso. José Manoel participou muito. Eu participei de muitos festivais desses. Hoje em dia não, tem que ter hotel, então fica uma coisa inviável. Já pensou trazer 30 meninos para o festival para colocar no hotel? Vê só essa conta, esse valor, entendeu? Então até essas coisas, as coisas ficam melhorando, claro, mas o conforto… Eu sou a favor. Mas no nosso tempo a gente ia do jeito que dava: daqui para o Rio Grande do Sul, daqui para São Paulo. Quantas vezes José Manoel, com a Três Produções, foi para São Paulo e soube o resultado no ônibus. Hoje não acontece mais isso, não.

Por que o Feted cobra ingresso se isso pode prejudicar a aprovação em editais?

É o que digo: se a gente não fizer um ano, não faz mais. Se for esperar para fazer quando tiver dinheiro, é melhor acabar de uma vez. Esse negócio de “mínimas condições”, não. Ou faz ou não faz.

Eu me lembro de uma coisa muito interessante nos primeiros anos do festival, até o quarto ou quinto. Nossa amiga presidente do SATED — Ivonete Melo — me disse: “Pedro, sabe por que seu festival não passa no Funcultura? Porque você cobra ingresso”. Nessa época eu cobrava um real. E eu disse para ela: “Se a gente não cobrar, o festival não faz mais. Porque se for esperar o dinheiro dos editais, a gente não vai fazer, entendeu?”. E eu perguntei a ela: “E você, como presidente do SATED, acha que com esse valor dá para fazer o festival?”

Os grupos estão reclamando do Funcultura porque diz que não pode cobrar ingresso. Faz cinco apresentações e acabou. Você ganha 80 mil — acho que o máximo é 80 mil para montar. Então monta e acabou. O ingresso é para tentar continuar.

Eu sempre digo que o ator é o mais sacrificado. O diretor tem o cachê dele. O cenógrafo tem o cachê dele, o iluminador, já está tudo na lei. Mas o ator é sacrificado: ele passa não sei quanto tempo ensaiando de noite, o Recife do jeito que está violento, pegar um ônibus para ir para casa.

Agora, os espetáculos que vêm de fora, com as leis de incentivo, cobram 150 contos no Teatro do Parque. Não tem espetáculo no Teatro do Parque, com lei ou sem, que cobre menos de 100 reais o ingresso. O mínimo 120. Agora quando é a lei daqui, que é de 80 mil por produção, 80 mil dá para fazer o quê? Aí eles querem que não cobre ingresso.

Quais são as vitórias recentes que você celebra?

As vitórias recentes é passar nas ruas, ser reconhecido pelas pessoas: “Porra, bicho, eu faço teatro por sua causa”, ser abraçado pelas pessoas, ser respeitado como produtor cultural. Isso são as vitórias do dia a dia. Os artistas abraçando, pessoas do passado ou que participaram um ano atrás. As pessoas te acarinhar. Fica guardado no coração.

O que mudou no comportamento e engajamento dos participantes do festival ao longo dos anos?

Infelizmente não é só o festival, não. É tudo. Antigamente a gente saía do teatro, dos espetáculos, ia para um barzinho tomar uma cerveja. Às vezes o que ganhava no teatro deixava no bar da frente. Mas a gente ia ser feliz, ter prazer. Hoje em dia as pessoas estão muito individualistas. Acaba o espetáculo — não é só o Festival Estudantil, é geral — o povo vai direto para casa. Praticamente não se conhece. Antigamente a gente era amigos.

E o Festival Estudantil não fica atrás. A gente todo ano tenta fazer uma reunião de avaliação, vai dois, três grupos. A gente teve este ano 30 inscrições para 14 vagas. Eu sempre digo: o Festival Estudantil não é meu, de Pedro Portugal, mas é de quem faz os espetáculos, porque se não tiver inscrições não tem festival. Então eu disse este ano que o festival depende das inscrições. Este ano não tem a mostra coreográfica porque não teve inscrição.

Como você avalia a mudança do público de teatro em Pernambuco ao longo dos anos?

Esse negócio de as pessoas acharem que tem muito festival… Mas hoje o teatro é diferente de épocas passadas. Antigamente passava três meses numa temporada. Quando digo antigamente é 20 anos atrás, que já faz uma data. O Teatro do Parque passou 10 anos fechado e cinco para reformar, então praticamente 15 anos fechado.

Você tinha o Teatro do Parque, Apolo e Barreto Júnior de quarta a domingo, ou de quinta a domingo. Quinta e sexta fazia um espetáculo. Sábado, três espetáculos: um de 16h, um de 18h30 e um de 21h. Até que 21h não pode fazer mais, por causa da violência. O Teatro do Parque fazer de seis horas, aquele teatro está horrível de assalto. E no domingo a gente tinha 10h da manhã, 4 horas da tarde, seis e meia e 9 horas. Tinha períodos que tinha 4 espetáculos no dia. Hoje os teatros só fazem um espetáculo por dia. Isso aí você já vê que a produção não tem condições de arcar com os teatros. Os teatros são os mesmos três e diminuíram: de quatro espetáculos passou para um.

E outra coisa: eu não sei até quando, acho que a continuidade de três meses com um espetáculo não sustenta mais, não. As pessoas estão muito rápidas. TikTok. E só vão ao teatro quando é um global. A última pesquisa que foi feita de quem assistia teatro, quem ganhava eram os bancários. Hoje em dia, praticamente não existe mais bancário, e o bancário é que ia ao teatro. E hoje em dia as pessoas só vão para espetáculos de fora. Os mesmos é que vão aos espetáculos locais. A gente tem, infelizmente, pouca gente que vai ao teatro.

Eu soube que vai entrar de novo a campanha “Teatro ao Vivo, Vá Ver”, uma campanha forte. Vamos ver se isso melhora. Mas tem que ter campanha forte para ver se tem uma estratégia boa. Às vezes eu digo 70 pessoas na plateia do Festival Estudantil e aí os funcionários do teatro dizem: “Pedro, aqui é 20, 30 pessoas”. É verdade, é mentira? Não sei. É o que dizem: as plateias estão vazias.

Como você vê a relação entre festivais e a sustentabilidade dos espetáculos hoje?

E os espetáculos estão sendo feitos para ir pros festivais. Hoje em dia, para fazer um espetáculo, não tem condições de bancar do seu bolso, porque fazer quatro, cinco apresentações, como vai tirar despesa? Não consegue, com esse valor. Então os festivais se prestam para isso, os profissionais. O meu não está fora desse roteiro aí. Estou falando do Janeiro.

A minha opinião é: ter teatro nas cidades do interior fazia quinze dias, duas semanas, e o estado todo se tivesse teatro e se as pessoas fossem ver. Com incentivo. Vamos botar um profissional aí para dez cidades, faz um fim de semana em cada cidade. Aí sim, eu estou a favor. Aí fazia pelo menos 30 apresentações. Se tivesse teatros para a produção circular. A ideia é essa: espetáculos circularem.

Por que o poder público não investe adequadamente no teatro local e estudantil?

Poder público gosta de arte de massa, que lota, artistas nacionais. Quando é de estudante, teatro local, o poder público mais que fecha os olhos. Não é só municipal, não. É municipal, estadual e federal: eles querem patrocinar grandes eventos. Esses eventos que dão visibilidade. Eles querem ver grandes eventos. Simples assim.

Quem são os reais prejudicados pela falta de apoio aos festivais estudantis?

Quem ganha e quem perde é o público, que deixa de ver coisas interessantes — não estou falando somente sobre o Festival Estudantil, mas no geral. Quem perde com a falta de cultura é o público, e quem perde com a falta do Festival Estudantil são as escolas, que deixam de conhecer um teatro profissional como o Teatro Apolo.

99% dos meninos e meninas que participam do Festival Estudantil nunca entraram num teatro. Não é para fazer teatro, não é para assistir. Muitas nunca entraram num teatro, num espaço cultural como um teatro. Mas o poder público não tem interesse. Se acabar o festival é menos um que vai deixar de encher o saco. Então para o poder público, cada festival a menos, cada espetáculo a menos, cada palhaço a menos, cada artista a menos é menos um para encher o saco dele para pedir dinheiro. Essa é minha opinião, não sei se estou errado.

Então quem perde são as crianças que deixam de ir ao teatro, os pais que deixam de ver os filhos em cena num teatro profissional. O público em geral. Geralmente quem participa — nem todos viram atores — mas todos ficam cientes do que é um teatro, conhecem o teatro. Os meninos que fazem esporte, cultura, deixam de fazer coisa errada.

Se a cultura valoriza o festival nos discursos, por que isso não se traduz em apoio concreto?

Quando encontro as pessoas nas ruas, elas dizem: “Seu festival é o mais importante de Pernambuco, novos talentos da cena pernambucana”. Mas adianta ser o mais importante e não ter dinheiro? É o mais importante da boca para fora. E vou dizer uma coisa a você: se acabar o Festival Estudantil, como já acabaram outros, as pessoas não vão sentir falta. Você sabe que a Mostra Brasileira de Dança acabou? E ninguém sentiu falta, ninguém fala. Quantos festivais acabaram? Então se o nosso terminar… as pessoas não sentem falta, não. Isso é muito triste.

Qual seria seu “ponto de ruptura”?

A ruptura será bem próxima. Vou fazer mais três anos, gostaria. Mas sem dinheiro, do jeito que está, não sei se consigo fazer mais três anos, porque os grupos estão mais exigentes — com razão — eles querem coisas melhores e nós não temos condições financeiras, pois não temos patrocínio e não temos condições de dar o que eles merecem. Isso está me deixando nervoso.

E eu estou fazendo tudo. Tem uma menina que está me ajudando nas redes sociais que é de graça, mas eu não gosto de coisa de graça. A gente dá uma ajuda para o Uber e para o lanche, mas é muito chato todo ano ficar pedindo: “Faça uma arte para mim”. O Zé Manoel faz a apresentação de Cida Pedrosa e Cléa Borges, mas faz de graça; Albemar Araújo faz mestre de cerimônia de graça… Isso para mim é muito desgastante. Estou ficando com vergonha na cara de chamar as pessoas sem pagar.

Qual é a visão do festival para os próximos três anos?

Para os próximos três anos, o que a gente precisa é de dinheiro, senão vai ficar essa situação. Ainda fazemos debates após o festival, rápido. A gente tem um debate. Eu gostaria de dar curso como a gente fazia, de levar os diretores para as escolas, como a gente fazia. Fica muito difícil fazer essas coisas que a gente gosta de fazer sem dinheiro.

O que você espera da conversa com o grupo interessado em parceria?

O que eu queria mesmo era que esse pessoal que vai conversar comigo após o festival, se for uma pessoa que eu sinta segurança, a gente fazer uma parceria. Agora tem que ser uma pessoa que saiba fazer projeto bem feito para tentar ganhar alguns editais, ficar ligado em alguns editais, que eu sou desligado dessas coisas, e ir para frente. Só não dá para ficar mais um ano sem dinheiro, para dividir o que não tem.

Quais seriam os compromissos do Feted se conseguisse patrocínio adequado?

Se o festival tiver patrocínio, se tiver dinheiro, o nosso compromisso é, primeiro, voltar a ser competitivo, que é uma reivindicação de 99% dos grupos. Aí a gente tem que fazer se tiver dinheiro. É isso que tem que fazer com eles. Por que a gente não faz competitivo? Que não tem dinheiro. Porque eles pedem, como eu disse, o festival é democrático. Se o pessoal quer, infelizmente eu não sou muito a favor. Eu sou mais de mostra. Mas é um pedido deles, mas eles gostam. Então a gente tem que fazer isso.

Segunda coisa: voltar a gincana, como a gincana. Passar uma manhã, uma manhã grande. Manhã de umas quatro ou cinco horas no teatro, conhecendo o teatro, tudo, entendeu? Com uma aula de teatro. Pode ser agora? A gente sempre bota pessoas que trabalham mais com a turma nessa parte — um ator para fazer essa visita, para que conheça a técnica — mas coisa alegre, leve, não seja aquela coisa pesadão: “Isso aqui é isso, aqui não”. Então coisa leve.

Voltar a fazer isso: voltar os diretores às escolas, nas escolas. Mostrar: “Olha, a gente vem aqui duas vezes. No começo do ensaio, consegue ensaiar. Olha, o texto é assim, assim, assim. Tem que ter cuidado com direitos autorais, porque dá cadeia se a Polícia Federal… Então vocês têm que perguntar primeiro: ‘Pode montar esse espetáculo?’ Você tem que entrar em contato com o SBAT, entendeu?”. E depois, no fim: “Olha, o caminho é esse, foi legal o espetáculo, entendeu?”. Então a gente gostaria de voltar — os diretores voltarem às escolas que estão participando. Isso é outro compromisso nosso.

E outro compromisso também. Eu gosto de fazer umas fotos, e as fotos que mandam para mim são fotos muito ruins. Digo: “Minha gente, até de celular hoje tira fotos legais para redes sociais”. Mas as fotos que mandam são fotos escuras, horrorosas. Por isso, nosso compromisso seria fazer uma oficina de fotografia, inclusive ensinando a usar o celular para tirar fotos melhores para a divulgação dos espetáculos. Porque hoje em dia todo mundo tem celular e dá para fazer material de qualidade, mas precisa ensinar a técnica básica. Isso melhoraria muito o material que os grupos enviam para a gente divulgar o festival.

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