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Cinderela, um fenômeno imortal

Jeison Wallace na peça Cinderela, A História que a Sua Mãe Não Contou… Foto: Renan Andrade / Divulgação

Cinderela, a história que sua mãe não contou… transpõe o clássico conto de fadas para a realidade do subúrbio do Recife, compondo Cinderela e as outras personagens femininas interpretadas por atores. A peça usa e abusa da grosseria verbal e do deboche ao situar a protagonista como uma “bichinha” negra e periférica, com trejeitos exagerados, vocabulário cheio de gírias e bordões como o famoso “Oxe, mainha!”, que caiu na boca do povo.

A montagem se tornou um fenômeno teatral nos anos 1990 e revelou o desconcertante talento e a força midiática do ator Jeison Wallace. Mais de três décadas após a estreia, a peça da Trupe do Barulho ainda surpreende o público com seu humor ácido, personagens caricatos e um enredo recheado de referências à cultura pop e à periferia pernambucana.

Neste domingo, o espetáculo faz duas apresentações especiais no Teatro Guararapes para celebrar seus 32 anos. O Guararapes é um teatro com 2.495 poltronas entre plateia e balcão e as duas sessões estão praticamente lotadas. 

As sessões comemorativas trazem de volta ao palco parte do elenco original como Roberto Costa no papel da Fada Madrinha e Paulo de Pontes como a Madrasta, além dos atores convidados André Lins, Luan Alves, Petreson Eloy, Rick Thompson e Venâncio Torres, que se revezam em outros papeis. Wallace assina a direção e atualizou pontualmente o texto para dialogar com o momento atual.

Paulo de Pontes, como a Madrasta e Jeison. Foto: Foto: Renan Andrade / Divulgação

A protagonista desta releitura subverte todos os estereótipos associados à Cinderela tradicional. Longe da princesa alva e delicada, temos aqui uma mulher negra que desafia os padrões estéticos vigentes. Sua aparência é marcada por uma maquiagem carregada, cabelos desgrenhados e óculos chamativos, elementos que a distanciam do ideal de beleza feminino socialmente imposto.

Seu comportamento também rompe com as expectativas de recato e fragilidade comumente atribuídas às personagens femininas dos contos de fada. Ela se movimenta com firmeza e determinação, seus gestos são amplos e por vezes obscenos, nada da delicadeza e comedimento esperados de uma princesa. Sua fala é igualmente transgressora, reproduzindo a prosódia e o linguajar típicos das periferias recifenses, permeados de gírias e palavrões.

Essa construção da personagem se afasta radicalmente da imagem clássica da Cinderela, propondo uma representação que desafia noções preconcebidas de gênero, raça e classe. Ao trazer para o centro da narrativa uma protagonista que incorpora marcadores sociais frequentemente marginalizados, a montagem provoca reflexões sobre os estereótipos que permeiam tanto os contos de fada quanto a própria sociedade.

Uma curiosidade da montagem é a substituição do tradicional sapatinho de cristal por uma peruca. Na fuga do baile, Cinderela acaba perdendo o adereço, que se torna a chave para o príncipe reencontrá-la. Assim, ele passa a percorrer o reino fazendo as moças experimentarem a peruca, na esperança de achar sua amada.

Elenco original, com Edilson Rygaard como Príncipe. A foto é de Jô Ribeiro, ator, produtor cultural e maquiador, que atuou em váriias funções na Trupe do Brarulho, morto em 2020

O espetáculo estreou na sessão da meia-noite no Teatro Valdemar de Oliveira, espaço histórico recentemente atingido por um incêndio e que corre o risco de desaparecer, cedendo lugar a mais um empreendimento imobiliário. Diante de um público escasso e certo desdém da classe artística, a montagem foi inicialmente relegada pela crítica. No entanto, com uma habilidade impressionante, a Trupe do Barulho reverteu a situação. ]

O elenco dos primeiros anos era formado por Jeison Wallace, Aurino Xavier, Edilson Rygaard, Flávio Luiz, Inaldo Oliveira, Jô Ribeiro, Luciano Rodrigues, depois Paulo Pontes, Roberto Costa.

Cinderela permaneceu em cartaz por uma década e estabeleceu recordes de bilheteria e público no Recife. A peça, escrita por Henrique Celibi, ator e dramaturgo que veio a falecer em 2017, estreou originalmente em 20 de setembro de 1991 .

A célula primeira do espetáculo foi encenada pelo próprio Celibi em 1985 numa boate recifense. Quando Jeison Wallace assumiu a montagem, o texto foi enriquecido com novas camadas e improvisos, que acabaram sendo incorporados à obra. Esse processo resultou em uma dramaturgia que foi além da criação inicial de Celibi, agregando as vozes e contribuições de Wallace e dos diversos atores que fizeram parte da jornada da peça ao longo desses anos.

O deboche e a irreverência eram suas armas de ataque, incorporados em todos os aspectos da produção. Na entrada, um dos integrantes do grupo entregava a cada espectador um pedaço de papel higiênico, avisando: “A peça é uma merda”. Com isso, além de usar o tradicional jargão de boa sorte do teatro, “merda”, eles tentavam já de antemão anular, ou zombar, das possíveis críticas negativas.

Apesar do crescente sucesso de público, Cinderela, A História que a Sua Mãe Não Contou enfrentou resistência de parte da classe artística pernambucana. Muitos diziam que “aquilo não era teatro”.

Um momento decisivo para a popularização do espetáculo foi o Carnaval de 1992. A convite do jornalista José Mário Austregésilo, o grupo realizou a cobertura televisiva do desfile do bloco “As Virgens do Bairro Novo”, em Olinda, pela TV Jornal. Essa exposição na mídia despertou a curiosidade do público sobre a montagem, que parecia ser infantil, mas trazia um humor adulto e transgressivo.

No entanto, no ano seguinte, a diretoria do bloco proibiu a participação da Trupe do Barulho. Em seu livro reportagem Cinderela: História de um Sucesso Teatral dos Anos 90, Luís Augusto Reis, relata isso e especula que pode ter sido porque o travestismo do grupo, apesar das semelhanças, diferia significativamente do costume local de homens se vestirem de mulher no carnaval, parodiando o “travesti suburbano”. Ou talvez porque os atores ofuscaram os outros integrantes com seu talento e improviso.

Sem se abater, eles partiram então para a cobertura do tradicional bloco Galo da Madrugada, ampliando ainda mais a visibilidade de Cinderela.

Essa sequência de eventos foi fundamental para consolidar a popularidade do espetáculo. A cada aparição no Carnaval, mais pessoas ficavam intrigadas com aquela releitura irreverente do conto de fadas e queriam conferir a peça nos teatros. Assim, mesmo enfrentando preconceitos e resistências iniciais, “Cinderela, A História que a Sua Mãe Não Contou” foi conquistando seu espaço e se firmando como um fenômeno cultural que rompeu barreiras e atraiu um público diverso, como na apresentação no ginásio Geraldão para 15 mil pessoas, e entrou para o imaginário do Recife.

Este texto integra o projeto arquipélago de fomento à crítica, com apoio da Corpo Rastreado.

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Genet com escracho da Trupe do Barulho

As criadas malcriadas

As criadas malcriadas faz sessão especial no Teatro Experimental Roberto Costa, em Paulista. Foto: Divulgação

Você acha mesmo que essa perversa relação entre opressor e oprimido é coisa que foi derrubada com o muro de Berlim? Ou com a chegada no mercado do celular “pode tudo” de última geração??? Então vá assistir As Criadas Malcriadas, com a Trupe do Barulho, em apresentação especial neste sábado, no Teatro Experimental Roberto Costa, Paulista North Way Shopping, na Região Metropolitana do Recife. Essa história policialesca e carnavalizada, de sotaque popular, com o perfil histriônico dos atores do grupo, expõe os planos das diabólicas Clair e Solange, que querem acabar com a patroa. Madame X é uma figura sinistra, uma poderosa Drag Queen, que não mede esforços para aumentar sua coleção de títulos, mesmo que para isso precise comprar os jurados.

A peça de Luiz Navarro é baseada no clássico As Criadas, escrita pelo dramaturgo e poeta francês Jean Genet (1910-1986) em 1947, e tem direção de Manoel Constantino. Madame é linda, rica e agora concorre ao título de “Miss Traveca”. Mortas de cobiça com o sucesso de Madame, as maninhas tramam derrubar esse império. O passatempo preferido da dupla é se fantasia com as roupas e as joias da chefa e reproduzir o jogo de dominação e submissão, com uma delas no papel da Madame.

Num dos diálogos de Genet, Claire fala: “Ela, ela gosta de nós. Ela é boa. Madame nos adora”. E Solange responde: “Gosta de nós como das poltronas dela. E olha lá!” Imagine uma conversa dessas, de comadres, com pitadas cômicas, humor kitsch o escracho da exultante Trupe do Barulho, companhia pernambucana de teatro que já montou Cinderela, a estória que sua mãe não contou, Deu a louca na estória que sua mãe não contou, As filhas da P…, As Malditas. 

Em As criadas malcriadas o bando explora o complô com tratamento cotidiano, debochado, farsesco, cômico. E investe nas piadas escrachadas e até escatológicas, nas intervenções abusadas junto ao público para mostrar como se destrói o glamour de uma biscate.

O discurso social é pulverizado com situações do cotidiano das periferias das grandes cidades, e ganha uma carga de ironia no humor irreverente da equipe. Você verá manifestações de arrogância e prepotência de um lado e submissão e subserviência do outro, numa manobra  carregada na caricatura. O jogo de poder das envolvidas inclui rancor, admiração, submissão, amor e ódio.

 e fulana estão no elenco

Ricardo Silva, (Madame X) no centro e Thiago Ambriell (Solange) à direita, estão no elenco. Foto: Divulgação

Vários atores já atuaram nessa peça, que agora conta com elenco formado por Ricardo Silva (Madame X), Filipe Enndrio (Clair) e Thiago Ambriell (Solange), além dos veteranos Jô Ribeiro (Divina), e Aurino Xavier (Chupingole),

Solange e Clair abusam de astúcias, maldades e magias para evitar o apogeu de Madame. O conflito de classes pode ganhar proporções gigantescas se Madame ganhar o concurso de Miss. As empregadas planejam envenenar a glamorosa patroa com um chá. Elas armam para se transformar em herdeiras naturais, e consequentemente, nas próprias “Madames”.

Filipe faz

Filipe Enndrio interpreta a empregada Clair. Foto: Reprodução do Facebook

Serviço
As Criadas Malcriadas
Onde: Teatro Experimental Roberto Costa, Paulista North Way Shopping.
Quando: Sábado, 20/08, às 20h. Única Apresentação
Quanto: R$ 20 (preço único).
Informações: (81) 98463-8388

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