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Potências e fragilidades do humano. Crítica de Ícaro

Foto: Pedro Portugal

Luciano Mallmann faz a segunda sessão neste sábado, no Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Pedro Portugal

Há muito de ficção, com pitadas de realidade no monólogo Ícaro, peça com o ator gaúcho Luciano Mallmann, com direção da atriz Liane Venturella, que está na programação do Janeiro de Grandes Espetáculos. A realidade impulsiona para o voo e a ficção funciona como fio terra. Pode até parecer uma inversão essa leitura, porque o corpo de cada um já impõe limites, mas não pode barrar desejos. Uma queda durante uma acrobacia aérea em tecido no Rio de Janeiro provocou uma lesão na medula de Mallmann, em 2004. Ele se tornou paraplégico. Essas experiência e as novas condições de deslocamento, as mudanças na relação com às pessoas e objetos, inspiraram a montagem, que tem dramaturgia de Mallmann. O título faz alusão à figura da mitologia grega, o filho de Dédalo, que ficou famoso por sua tentativa de deixar Creta voando.

Esse teatro documental junta seis histórias narradas / interpretadas que tem em comum os conflitos internos e externos de cadeirantes. Os desafios cotidianos, fatos que ganham um teor excepcional pelo suspense no desenrolar do monólogo. A estrutura dramática é simples com uma espécie de prólogo, em que o ator conta a vivência de uma queda da cadeira de rodas e a via crucis para chegar até a cama. Lembrei-me do personagem de Kafka: “Numa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa deu por si na cama metamorfoseado num gigantesco inseto.” Dos movimentos de Gregor, das tentativas de sair do lugar.

O ator se expõe e descortina o jogo de forças. Há algo de melodramático – no recorte das histórias, no tom narrativo, nas pausas bem marcadas, – reforçado pela trilha sonora de Monica Tomasi e iluminação de Fabrício Simões. E isso não é nenhum problema. É uma pontuação. Mallmann contou da sua preocupação em não ser piegas. Não é. É humano, que fala das vulnerabilidades, desafios adaptações pra criar novas fortalezas nas condições que a vida se apresenta. Dizer “hoje a palavra cadeirante me dá sorte” ou “está tudo certo” não são apenas frases de efeito.  É que estar vivo é desafio, dádiva e alegria. Resiliência na prática.

Ícaro é um espetáculo sobre potências e fragilidades do humano. Da gravidade dos relacionamentos, negociações amorosas, preconceito, gravidez e maternidade, medos, sobre o imponderável e forças misteriosas no universo. Sobre a existência, que é um jogo e a qualquer hora pode virar.

Foto: Pedro Portugal

Elegância nos papeis femininos. Foto: Pedro Portugal

O espetáculo é principalmente um trabalho de presença cênica. E o intérprete explora com maestria as facetas de suas personagens, salientando as diferenças entre elas. É uma montagem que provoca a emoção do espectador, sem dúvida, ao expor a complexidade de estar no mundo com seus movimentos limitados.

Cada episódio tem a sua própria tensão dramática. Desde o conflito da garota que a mãe queria transformar em princesa, sofreu uma lesão na coluna, levou um chute do namorado, que  e a vida encarregou de dar o troco; passando pelas histórias de maternidade e do suicídio programado na Suíça. Ao paciente machista, que não consegue tomar um copo d’água sozinho, mas ainda não introjetou sua atual situação, entre demonstrações de agressividade e os delírios do desamparo de outros tempos.

Ícaro é uma peça delicada e com força para deslocar visões de mundo. Isso é muito.

Serviço

Espetáculo Ícaro 
Quando: Sábado (13/01), às 18h
Onde: Teatro Arraial Ariano Suassuna (Rua da Aurora, 457, Boa Vista)
Quanto: R$ 20 (preço único)
Informações: (81) 3184-3057

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