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Ledores no breu
Crítica
Dossiê Aldeia do Velho Chico 2022
#5

Ledores no Breu foi apresentado no Teatro Dona Amélia. Foto André Amorim / Divulgação

Participação do público em Ledores no Breu. Foto André Amorim / Divulgação

Dinho Lima Flor é um ator intenso, visceral. Sua atuação é marcada pela entrega, pela emoção e pela sintonia fina com a plateia. Rebento do teatro Ventoforte, do saudoso Ilo Krugli, ele se doa apaixonante enquanto intérprete. Sua Cia. do Tijolo foi tramada na convivência com Krugli. Essa trupe faz teatro contemporâneo alimentado pela seiva da cultura popular. Da melhor mistura de ethos e pathos, que conjuga o epos e a lírica, a depender do contexto.

Já no início a trupe paulistana seguiu os passos de Patativa do Assaré nos repentes, na poesia, na vida do artista cearense para erguer o belo trabalho Concerto de Ispinho e Fulô.

Além do lirismo, Cantata para um Bastidor de Utopias está carregada da porção política de libertação. Para falar dos anônimos em busca por justiça, a peça junta três eixos históricos: o enforcamento – em 1831 – de Mariana Pineda, jovem heroína que desafiou o autoritarismo do Rei Fernando VII bordando uma bandeira para os liberais; o assassinato de Federico García Lorca em 1936, durante a Guerra Civil Espanhola; e a ditadura militar brasileira (1964-1985) e suas repercussões.

Com O Avesso do Claustro o grupo leva ao palco a trajetória de Dom Helder Camara (1909-1999), o Bispo Vermelho, “emblemática personagem nas históricas lutas de resistência política durante o regime militar e na aproximação da igreja católica com as demandas dos movimentos sociais”, como dizem os artistas do Tijolo, numa montagem que junta simbioticamente poesia, música e teatro.

Dinho Lima Flor em Ledores no Breu. Foto: André Amorim

Ledores no Breu participou da Aldeia do Velho Chico 2022. Foto: André Amorim / Divulgação

Ledores no Breu. Foto André Amorim /  Divulgação

Em Ledores no Breu – solo do pernambucano de Tacaimbó Dinho Lima Flor, sob direção de Rodrigo Mercadante – é o corpo do ator que conduz a plateia pela escuridão dos que não leem, uma espécie de cegueira para interpretar o mundo letrado e os feixes de luz que podem chegar com a alfabetização.

Paulo Freire, Patativa do Assaré, Frei Betto, Lêdo Ivo (com Os pobres na estação), Guimarães Rosa, Luis Fernando Veríssimo, Zé da Luz e mais recentemente Maria Valéria Rezende são convocades para a rede. E mais, sons e músicas de Cartola, Jackson do Pandeiro, Chico César, Manu Chao, Palavras, de Gonzaguinha e Samba da utopia, de Jonathan Silva (criado especialmente para a peça).

Canções, relatos, causos, episódios compõem essa teia dramatúrgica de descobertas emocionadas das letras – caso de Joaquim que compõe a primeira palavra, o nome da sua amada Nina, contada por Paulo Freire de sua experiência em sala de aula. E o lance da menina proibida pelo pai de estudar por ser mulher, que enfrenta a implacável ordem paterna e decide aprender a ler com a ajuda de uma amiga, com graveto na areia em vez de lápis e papel.

Ou a narrativa de Patativa do Assaré que diz que largou de ser “matador de passarinho”, que fazia por diversão como outros meninos da sua idade, e seguiu a imitar os cantos desses animais voadores.  

Como uma atuação ardente, Dinho Lima Flor passeia por vários estilos interpretativos, transita pela comicidade popular, vai ao exagero, testa a sutileza, comenta temas atuais, se avizinha do trágico. Muito habilmente cria seu jogo na relação com a plateia, assume a performance, convoca personagens, finge que encarna e sai. Cobra pelos índices de analfabetismo no Brasil em pleno século 21.

É uma exuberância de muitos teatros. Cumplicidade íntima com o público magnetizado na troca de afetos, danças e abraços carinhosos, materiais e simbólicos. Com a prosa/verso e o corpo desse ator, a palavra encanta.

O figurino branco vai sendo enodoado de carvão no decorrer da cena, o mesmo carvão que serve para escrever e provocar reações sensoriais. Carteiras escolares fazem parte da composição.  Rolos grandes de papel pardo são desenrolados para formar estradas e suportes para a escrita. A direção de Rodrigo Mercadante estimula ritmos, andamentos, revolucionando emoções do ator e agitando as sensibilidades do público.

Mulheres portam faixam com expressões como “Mais escolas e menos cadeias”, em um vídeo de manifestações.  Sabemos que o analfabetismo, o não letramento, é uma estratégia de subjugação dos governos não democráticos. Isso é um problema, diria até um crime, um confisco de direitos dos mais pobres – causa e consequência da falta de oportunidades; uma política de opressão, manutenção de privilégios muitas vezes associada a desvios de recursos.

Na Aldeia do Velho Chico, realizado em Petrolina no mês de agosto, no palco do Teatro Dona Amélia, do Sesc, com os espectadores também no tablado, magnetizados, a sessão não utilizou os recursos dos vídeos, mas eles fazem parte da obra.  

A palavra escrita com carvão em Ledores do Breu. Foto: André Amorim

Ledores no Breu – Foto André Amorim

Marcas de tirania – O iletrado

Deixei para analisar por derradeiro o eixo da peça que tem por texto Confissão de Caboclo, do poeta Zé da Luz.

Já escrevi outra crítica Ledores no Breu e segui o caminho da grandeza de Paulo Freire e da interpretação de Dinho Lima Flor, como faço até aqui. Mas tinha algo que me incomodava no espetáculo, que dessa vez ficou evidente.

Por não saber ler, um homem comete um crime contra sua companheira. Desde que foi publicado, o poema Confissão de Caboclo, de Zé da Luz, é reiteradamente lido / interpretado dessa forma. A ignorância aparece como a causadora da morte.

Mais além do analfabetismo que é apontado com o grande mal a ser combatido, o poema de Zé da Luz – um dos pilares do espetáculo – precisa de uma atualização crítica dentro da encenação.

A ignorância de uma determinada regra não é suficiente para inocentar quem a viola. As mulheres historicamente sofreram / sofrem opressões e violências de várias naturezas, em várias gradações.

É absolutamente insustentável que a cruel, odiosa e desumana tese de legítima defesa da honra tenha sido usada durante tanto tempo para proteger os homens acusados/autores de feminicídio. Foi sim usada como argumento por advogados que desdenharam os princípios da dignidade humana, da proteção à vida, da igualdade de gênero (que infelizmente ainda não existe em sua plenitude).

Muitos homens foram absorvidos com esse escudo após matar uma mulher, sob alegação do término ou traição em uma vinculação afetiva.

O poeta Severino de Andrade Silva, mais conhecido como Zé da Luz (1904 – 1965) foi um poeta popular paraibano, que publicava em forma de cordel. Escreveu entre outros Brasi Cabôco, A Cacimba, As Flô de Puxinanã, A Terra Caiu no Chão, Ai! Se Sêsse!…, Sertão em carne e osso.

Confissão de Caboclo encerra com a expressão “que crime não saber ler”, depois que o narrador descobre que Rosa Maria não o traiu, motivo que ele explica ao delegado de ter tirado a vida da mulher que ele diz que amava.

Alguns estudiosos apontam que o poema trata do analfabetismo como um crime social. É preciso mudar essa lente de leitura. Existe um crime de feminicídio. E o não letramento da personagem que mata não pode ser atenuante para o assassinato. Mulher não é objeto que pode ser descartada / assassinada quando não corresponde às expectativas.

No espetáculo Ledores no Breu o narrador confessa que matou Rosa Maria por suspeita que ela o traía com Chico Faria, seu antigo noivo. Não existe prova da traição. Apenas uma carta que o personagem-narrador não sabe decifrar. Por trás dessa carta é urdida a defesa dessa figura.

A personagem de Zé da Luz é apresentada como um homem bom, trabalhador e apaixonado por sua esposa.  

A questão que se apresenta é que o ator defende sua personagem como um homem que, que guiado por fortes emoções (“Cego de raiva e paixão”), assassina a mulher do poema com um facão. E isso é feito em camadas de envolvimento emocional com a plateia. Sua personagem é defendida com garra, recebendo os componentes mais humanizados, o que faz com que o feminicídio da ficção se torne um ato naturalizado dentro do contexto exposto.

Um feminicídio é um feminicídio. Falta essa dobra dentro do espetáculo. Pois todo o abraçamento em favor do autor da ação é narrado pelo ponto de vista do assassino. O espetáculo é composto de fragmentos e esse episódio da Confissão de caboclo está está dividido em dois momentos, entrecortados por outras situações e músicas.

Ledores no Breu é uma peça que estreou em 2014. Muitos avanços na esteira dos direitos da mulher ocorreram. E fica difícil receber o caboclo narrador apenas com o sofrimento que ele passa, sem fazer um giro de perspectiva desse pathos para a Rosa Maria assassinada. Algo de epos para problematizar a cena ou algum outro procedimento.

A cumplicidade amorosa, o envolvimento na peça não pode suplantar o fato de que uma mulher foi assassinada. Não existem motivos para uma mulher ser morta. E isso não está lá. A personagem marido não pode receber a indulgência da plateia enquanto o olhar para a mulher é de que essas coisas acontecem.

Então, creio que Ledores no Breu precisa de uma pequena revisão para honrar o que o grupo representa no cenário teatral e saudar os valores que são defendidos em seus espetáculos. O patriarcado continua ainda hoje, século 21, a naturalizar assassinatos de mulheres (cis e trans) feitos por homens rejeitados e desequilibrados, que encontram pretextos reais ou imaginários para suas terríveis atitudes. Mas não dá para deixar que arte comprometida com o humanismo faça romantização de um assassinato.

Não sei como isso poderá ser executado em cena. É contigo Mercadante. É contigo Lima Flor. É contigo Cia. do Tijolo. Romper com o que Paulo Freire chamou de “cultura do silêncio” e transformar os analfabetos em protagonistas de suas histórias é também expor a responsabilidade do relacionamento com o mundo ao redor.

 

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Crítica: Ledores do Breu

Dinho Lima Flor anda com personagens que sofrem com o analfabetismo. Foto: Divulgação

Dinho Lima Flor anda com personagens que sofrem com o analfabetismo. Foto: Divulgação

Quando assisti ao espetáculo Ledores do Breu em sessão na SP Escola de Teatro – Sede Roosevelt, o deputado que jurou de pés juntos que era inocente ainda não dormia no xilindró. Era útil ao sistema e havia autorizado há poucos dias a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O golpista começava a mostrar suas unhonas de traíra, ao enviar cartas à presidenta com um chororó de que era um “vice decorativo”. A situação política no Brasil era tensa. Tudo piorou. Direitos confiscados. Ensino sucateado. Do Planalto ao Cais do Recife a educação sofre duros golpes, incluindo o indisfarçável cárcere privado de professores sob o desapreço de Geju.

O solo Ledores do Breu já é em si e por si de grande potência, mas ganha amplitude na contraluz da realidade, como um foco de resistência e de lucidez.

O educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997) – que criou o método de alfabetização de adultos que leva seu nome – alertava que “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”.

Entram como fatores que dificultam o processo de alfabetização o desemprego e os seus males, jornadas longas e estressantes e a falta de incentivo e até mesmo questões sexistas. Como é exibido na peça, uma menina que é proibida de estudar pelo próprio pai por ter nascido mulher. Ignorância terrível, mas que a personagem não acata e dá o seu jeito de aprender.

Então, não sejamos tolos. Mas Freire também martelava que “Num país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário”. E é nisso que pulsa Ledores do Breu.

Paulo Freire se junta a Patativa do Assaré, Zé da Luz, Jackson do Pandeiro, Lêdo Ivo, Guimarães Rosa, Luis Fernando Veríssimo, Cartola. Entre canções como Palavras, de Gonzaguinha, episódios, causos, relatos, a dramaturgia é costurada com afeto e cumplicidade da plateia. Seja na imitação dos passarinhos, nos abraços carinhosos e danças.

Dinho Lima Flor chega com sua atuação emotiva, por vezes barroca e experimenta vários estilos interpretativos, navegando inclusive pela comicidade popular. Sozinho em cena trafega por vários personagens, a expor situações extremas e cobrar responsabilidade de todos nós. Como pode, em pleno século 21 o Brasil ostentar um índice tão alto de analfabetismo nas suas mais variadas gradações? Uma pergunta que vejo como resposta uma tentativa de prosseguir com a opressão, com os privilégios de quem historicamente massacrou e desviou recursos e direitos dos mais pobres.

São muitos teatros que essa montagem Ledores do Breu leva para a cena. E esse ator generoso conduz o espectador a sentir a escuridão que cerca os que não sabem ler. É uma cegueira. Como a história do homem que matou a mulher que amava por não conseguir decifrar uma carta, narrado em Confissão de Caboclo, do poeta Zé da Luz.

A Cia. do Tijolo transborda política na sua poética. Desde Concerto de ispinho e fulô, a mostrar a grandeza de Patativa do Assaré. Passando por Cantata para um bastidor de utopias, com seus anônimos na peleja para subverter as injustiças. Até a montagem O Avesso do Claustro, em que resgata a trajetória de Dom Helder Camara (1909-1999), o Bispo Vermelho, com discursos igualitários, projetos de educação e iniciativas de combate à miséria, que esteve no Janeiro de Grandes Espetáculos deste ano.

O figurino branco vai sendo machado de carvão ao longo da peça. O carvão é usado para escrever em rolos imensos de papel e também como estrada e outros suportes. E nessa caminhada orquestrada que a direção de Rodrigo Mercadante vai indicando pulsações e andamentos, num jogo de sombra e luz, silêncio e som.

A imagem de mulheres expondo faixas com dizeres como “Mais escolas e menos cadeias” (de um vídeo de manifestações exposto na cena) indica que a ignorância, infelizmente, pode ser parte de uma engrenagem que a elite que odeia os diferentes faz questão de alimentar. Mas fiquemos com outra cena do espetáculo que enseja alguma esperança. A de um homem que ao escrever sua primeira palavra, um nome de mulher, se emociona e percebe como o mundo e o seu mundo podem ser ampliados.

Serviço:
Ledores do Breu – Cia do Tijolo (São Paulo-SP), no Circuito Nacional Palco Giratório.
Quando: Quarta (26/07), às 20h
Onde:Teatro Marco Camarotti (Sesc de Santo Amaro), Recife
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia entrada)

Ledores do Breu no 13º Festival Aldeia do Velho Chico
Quando: Segunda-feira (07/08), 20h30
Onde:Teatro Dona Amélia, Petrolina
Quanto: R$ 20 (Usuário), R$ 10

Ficha técnica
Atuação, cenário, figurino: Dinho Lima Flor
Direção: Rodrigo Mercadante
Assistente de direção: Thiago França
Dramaturgia: Dinho Lima Flor e Rodrigo Mercadante
Criação de luz: Milton Morales e Cia do Tijolo
Orientação corporal: Joana Levi
Produção: Cris Rasec e Cia do Tijolo
Produção e difusão: Thaís Teixeira – EmCartaz Empreendimentos Culturais
Registro: Bruta Flor Filmes
Câmeras registro: Bruna Lessa Cacá Bernardes e Mirrah Iañez

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Protagonismo da reflexão no Palco Giratório

Dinho Lima Flor em Ledores do Breu. Foto: Alécio Cézar/ Divulgação

Dinho Lima Flor em Ledores do Breu. Foto: Alécio Cézar/ Divulgação

O educador Paulo Freire (1921-1997) conecta as dramaturgias de PA(IDEIA) – pedagogia da libertação, do coletivo Grão Comum/ Gota Serena do Recife, e Ledores no Breu, da Cia do Tijolo, de São Paulo. Ambos os espetáculos integram a programação do projeto nacional Palco Giratório, que ocorre desta segunda-feira (24) até sexta (28) no Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro, no Recife. Além das peças, também estão agendados o Pensamento Giratório (troca de ideias sobre as duas montagens com os grupos), e um Seminário com pautas que versam sobre questões de gênero, sexualidade, dramaturgias, construção de narrativas, arte e ancestralidade.

O Palco Giratório Pernambuco, festival que acontecia geralmente no mês de maio, acabou em 2015 e não se fala mais nisso. Boca de siri. Um grande prejuízo para a recepção e produção artística do estado. Desde então, no Recife, esta é a maior ação do Palco nacional. A iniciativa do Sesc nacional é apontada como o maior projeto de circulação das artes cênicas no país e celebra 20 anos de atividades. E é realmente um fôlego chegar à cidade uma programação nesse formato, que amplifica a articulação do pensamento e a reflexão.

Daniel Barros e Júnior Aguiar atuam em Paideia

Daniel Barros e Júnior Aguiar atuam em Pa(ideia). Foto: Divulgação

Paulo Freire foi aquele filósofo e pedagogo que colocava em prática ideias como “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre” ou “Não há saber mais ou saber menos: Há saberes diferentes”. Que falta faz esse homem neste mundo de tanto obscurantismo.

PA(IDEIA) – pedagogia da libertação, a segunda da Trilogia Vermelha, investe cenicamente na prisão de Paulo Freire em 1964, além de falar do Brasil de hoje. A peça ganha ainda mais força com o desmonte de um sistema de educação que ocorre no país. Os atores Daniel Barros e Júnior Aguiar ressaltam essas contradições para provocar um diálogo reflexivo com a plateia.

Com atuação de Dinho Lima Flor e direção de Rodrigo Mercadante, Ledores no Breu costura histórias de leitores que se debatem na lama da compreensão e analfabetos ainda no século XXI. O pensamento e a prática do educador Paulo Freire e as obras do poeta Zé da Luz e do ficcionista Guimarães Rosa são matéria-prima do espetáculo. Ledores no Breu narra episódios como a do homem que matou o seu amor porque não sabia ler uma carta ou de outro que reelabora seu afeto a partir das letras do seu nome.

Em 20 anos do Palco Giratório é a primeira vez que um seminário desse porte entra no projeto. Arte e Ancestralidade – Povos Indígenas é a mesa de abertura. Outras discussões estão focadas em Negros e Quilombolas; Questões de Gênero e Sexualidade -Trans-Posições Artísticas: Diversidade Sexual e Representatividade Política com a mediação de Robéyonce, primeira advogada Trans de Pernambuco; Dramaturgias e a Construção de Narrativas; Gestão Cultural e Curadoria na Experiência do Sesc: Desafios e Oportunidades; Mapeando experiências e articulando sentidos: o trabalho de críticos e curadores dos festivais cênicos; e Acessibilidade, Mediação Cultural e Formação de Público.

Serviço:
Seminário 20 anos do Palco Giratório
Quando:De 24 a 28 de julho
Onde: Teatro Marco Camarotti

Ledores do Breu reflete sobre as repercussões do analfabetismo

Ledores do Breu reflete sobre as repercussões do analfabetismo. Foto: Divulgação

PROGRAMAÇÃO

Espetáculos:
Dia 25 – Espetáculo Pa(IDEIA) – pedagogia da libertação | 20h | R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia entrada)
Dia 26 – Ledores do Breu | 20h | R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia entrada)
Dia 27 – Pensamento Giratório | 20h – Acesso gratuito

Seminário:
Inscrição gratuita:www.sescpe.org.br
24/07
14h | mesa –Arte e Ancestralidade – Povos Indígenas
Zeca Ligiéro, Vânia Fialho, Guila Xucuru e Fred Nascimento (mediação)
19h | mesa –Arte e Ancestralidade – Negros e quilombolas
Fernanda Júlia, Samuel Santos, Lara Rodrigues, Maria Bianca (mediação)

25/07
14h |Questões de Gênero e Sexualidade –Trans-Posições Artísticas: Diversidade Sexual e Representatividade Política
Dodi Leal, Marcondes Lima, Robeyoncé (mediação)

26/07
14h |Dramaturgias e a construção de Narrativas:(Des)territorializando espaços e (Re)inventando dramaturgias
Rodrigo Dourado, Mônica Lira, Eliana Monteiro, Anamaria Sobral (mediação)

27/07
14h| mesa 01 – Gestão Cultural e Curadoria na Experiência do Sesc: Desafios e Oportunidades
Maria Carolina Fescina, André Santana, Rita Marize e Raphael Vianna
16h| mesa– Mapeando experiências e articulando sentidos: o trabalho de críticos e curadores dos festivais cênicos
Michelle Rolim, Fábio Pascoal, Nara Menezes e mediação de Pedro Vilela

28/07
14h |Acessibilidade / Mediação Cultural / Formação de Público
Felipe Arruda, Bernardo Klimsa, Emanuella de Jesus e Andreza Nóbrega (mediação).

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No palco com Dom Helder

O Avesso do Claustro no Santa Isabel, no Recife. Foto: Wellington Dantas

O Avesso do Claustro no Santa Isabel, no Recife. Foto: Wellington Dantas

Nessa segunda-feira, 30, o compositor, cantor e escritor Chico Buarque foi celebrado com o prêmio de literatura Roger Caillois, em Paris, na França, pelo conjunto de sua obra. Ele foi escolhido na categoria literatura latino-americana. O que poderia ser motivo de orgulho virou mote para comentários hostis, carregados de ódio nas redes sociais nos últimos dias. Um absurdo, por tudo que o artista representa. Como já defendeu o escritor e jornalista Xico Sá: “O Brasil precisa voltar a amar Chico Buarque de Holanda. De todas as maneiras. Com tesão e com afeto”.

A esposa do ex-presidente Lula, que sofreu na última semana um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico, apontado como o tipo mais grave, também foi vítima da cólera e de demonstrações de desumanidade, selvageria e maldade.

O Brasil mostra sua face monstruosa e as respostas chegam na mesma moeda contra os que atacam. O Brasil está se tornando desumano. De uma perversidade que não tem pudor de alardear o desejo de fazer ou ver sofrer quem pensa diferente.

Nesse contexto adverso, e com os ingredientes da economia e da política da atual conjuntura, O Avesso do Claustro funciona como um antídoto a toda essa baba ácida. O drama musical revigora o nome de Dom Helder Camara (1909-1999), conhecido como bispo vermelho por sua atuação no tempo da ditadura militar brasileira. Baixinho, hábil comunicador e firme defensor dos direitos humanos, ele é inspiração para se tentar recuperar o humanismo, necessário e urgente. Incentivo para a devolução de sonhos e esperanças.

A montagem, da Cia. do Tijolo, junta traços da biografia do clérigo com episódios de três personagens fictícios ancorados no Recife, Rio de Janeiro e São Paula. A peça tem direção partilhada entre Rodrigo Mercadante e Dinho Lima Flor, Dinho também no papel do protagonista.

Karen e Dinho

Lilian de Lima e Dinho Lima Flor

O Avesso do Claustro fez duas sessões no Recife no Teatro de Santa Isabel, sábado e domingo, (28/01) e domingo (29/01) dentro da programação do 23º Janeiro de Grandes Espetáculos. Apresentações pulsantes, com a plateia participativa em intervenções, diálogos, vaias para os congressistas (não para o ator), fora Temer, risos, choros, muita emoção. Palmas para a memória de Frei Tito, que tem trechos de cartas e poemas expostos, inclusive um relato de torturas padecidas na Operação Bandeirante (Oban), em 1970, e do requinte de perversidade do delegado Fleury que aplicava choque em sua língua na intenção cruel de plagiar o rito da hóstia sagrada.

Foi muito além do que está já previsto no script da cena do lava-pés, sopas e vinho no palco, com o elenco se desdobrando para acolher os que sobem e irradiar bem-querer por todos que estão no teatro.

Essa peça reflete sobre a função da arte a partir dos sentidos; das imagens, dos sons (do batuque de raiz africana e trilha sonora original), do toque, do cheiro da sopa e seu compartilhamento junto com o vinho.

Com lágrimas nos olhos, do palco pude sentir de bem perto a doação proposta da pela Cia. do Tijolo para falar desse mundo perverso e de que até que ponto cada um é responsável pela inflamação desses sentimentos, ao som de Se Deus existe, eu não sei. Ai Rodrigo Mercadante, Dinho Lima Flor, Lilian de Lima, Karen Menatti e Flávio Barollo, que alegria indescritível estar no palco do Santa Isabel para comungar desse amor e também a luta que prossegue.

Cena do lava-pés

Cena do lava-pés, na primeira sessão do Santa Isabel, no Recife

Dom Helder era um homem subversivo, sim. E a peça enfatiza facetas antidogmáticas e anti-institucionais de forma bem-humorada; passagens em que o religioso dribla as regras do claustro com poesia e danças para a Lua; e em oposição clara à opulência do Vaticano.

O protagonismo de Dom Helder é dividido com outras três figuras localizadas em pontos geográficos distintos: um pesquisador que chega ao Recife para investigar o percurso do bispo, uma cozinheira que trabalha no projeto da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de levantamento de uma edificação popular no bairro carioca do Leblon; e uma paulistana que mora numa quitinete de 15 m2, percorre estações da cidade e se depara com desvalidos num quadro de degradação do ser humano na maior metrópole do país.

Ao chegar à estação Santa Cecília e esbarrar com a frase “Deus não existe”, ela dá o gancho para o narrador interromper a cena e comentar: “Como Deus não existe? Deus nunca esteve tão presente nos adesivos de carros, em declarações públicas e, até mesmo, nas reuniões na Câmara dos Deputados!”.

Frei Tito que foi torturado pela ditadura militar brasileira

Frei Tito que foi torturado pela ditadura militar brasileira

Há depoimentos impressionantes, como aquele em que o bispo confessa ter desejado o incêndio do Vaticano e, com ele, a morte do Papa para diminuir a distância entre o poder religioso e os cristãos. A cozinheira carioca também revela que faz boas ações por interesse e rejeita o mal por medo da punição divina.

A peça faz um paralelo da trajetória engajada do bispo em prol dos despossuídos e defesa de perseguidos políticos nos anos de 60/70 e a Teologia da Libertação, os movimentos estudantis cristãos (JUC/JEC) e as Comunidades Eclesiais de Base.

Dom Helder gostava defrases de efeito. E a ele são atribuídas muitas: “o problema do Nordeste não é a seca, são as cercas”; “Se falo dos famintos, todos me chamam de cristão; se falo das causas da fome, me chamam de comunista”. E fica a pergunta: “Quem, mesmo dentre uma legião de anjos, poderá me ouvir?” 

Ficha técnica
O avesso do claustro
Dramaturgia: Cia. do Tijolo
Direção: Dinho Lima Flor e Rodrigo Mercadante
Direção Musical: William Guedes
Com: Lilian de Lima, Karen Menatti, Dinho Lima Flor, Rodrigo Mercadante e Flávio Barollo
Orientação teórica: Frei Betto
Músicos: Maurício Damasceno,William Guedes, Clara Kok Martins, Eva Figueiredo e Leandro Goulart
Figurinista: Silvana Marcondes
Concepção e construção de cenário: Cia. do Tijolo e Silvana Marcondes
Assistentes e aderecistas: Alexandra Deitos e Isa Santos
Rede e bonecos de pano: Silvana Gorab
Bonecões: André Mello e Cleydson Catarina
Cenotécnica: Julio Dojcsar e Majó Sesan
Costureira: Atelier Judite de Lima e Cecília Santos
Desenho de luz: Aline Santini
Operadora de luz: Laiza Menegassi
Assistente de luz: Pati Morim
Operação de som: Emiliano Brescacin
Orientação cênica: Joana Levi e Fabiana Vasconcelos Barbosa
Orientação vocal: Fernanda Maia
Composição de trilha sonora original: Caique Botkay e Jonathan Silva
Produção executiva: Cris Raséc
Assistente de produção: Lucas Vedovoto
Designer gráfico: Fábio Viana
Fotos: Alécio Cezar

 
 
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Peça sobre Dom Helder Camara vem ao Janeiro

Foto: Alecio Cezar

O Avesso do Claustro fecha o Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Alecio Cezar

A memória de Dom Helder Camara (1909-1999) está talhada no coração da dramaturgia de O Avesso do Claustro, espetáculo da Cia. do Tijolo. A peça encerra a programação do Janeiro de Grandes Espetáculos versão 2017, no Recife, com sessões nos dias 28 e 29 do mês que vem, no Teatro de Santa Isabel. A encenação é construída enquanto missa profana e poema, celebração da utopia e da canção, na definição dos criadores.

Assisti ao Avesso do Claustro na quarta edição do MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, que ocorreu em setembro deste ano.  Escrevi uma crítica sobre a montagem para o site do Sesc, promotor do festival que pode ser acessado pelo link  DOM DA LIBERDADE .

É uma encenação urgente e necessária, calorosa e inteligente, que acolhe nossas fragilidades diante do mundo, que “traça paralelos da luta do Dom Helder durante o regime militar brasileiro e essa outra Idade Média que encaramos sem tantos eixos de sustentação”, como escrevi para o MIRADA. E incentiva a obstinar na justiça.

Dinho Lima Flor, que interpreta Dom Helder Camara, é pernambucano de Tacaimbó. Ele divide a direção do espetáculo com o mineiro de Belo Horizonte Rodrigo Mercadante. A vontade da Cia. do Tijolo de vir ao Recife com a peça era tanta que o grupo entrou para a programação do Janeiro de Grandes Espetáculos em condições bem especiais, dividindo os custos. Os ingressos para as sessões de O Avesso do Claustro terão preços diferenciados para complementar as despesas. Serão R$ 60 e R$ 30.

O festival ocorre de 12 a 29 de janeiro e conta com um orçamento super reduzido: R$ 400 mil, contra cerca de R$ 900 do ano passado que já era apertado.

Dinho Lima Flor interpreta o bispo no espetáculo O avesso do Claustro. Foto: Alecio Cezar

Dinho Lima Flor interpreta Dom Helder Camara. Foto: Alecio Cezar

Rememorar a história do bispo vermelho nesses tempos incertos reforça o ânimo para a boa luta. A trupe paulistana de oito anos de existência leva para a cena a trajetória do cearense que se tornou arcebispo de Olinda e Recife.

Os episódios da vida e da militância do religioso católico progressista são narrados a partir de três personagens que tentam se conectar com ele: Rodrigo Mercadante faz um pesquisador que busca investigar as trilhas do bispo no Recife; uma paulistana interpretada por Lilian de Lima, que vive numa quitinete de 15 me perambula pelo centro de São Paulo de estação em estação dando socorro aos mais desvalidos e Karen Menatti assume o papel de uma cozinheira que está aos pés do Cristo Redentor e assiste o projeto da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na construção do conjunto habitacional Cruzada São Sebastião no bairro carioca do Leblon.

Essas três figuras cheias de questionamentos e perplexidades diante da realidade brasileira dialogam com Camara em encontros inusitados quase 20 anos após sua morte. Elas ouvem de novo a voz do religioso, seus lampejos e sua lira de poeta. Nessas conversas, eles chegam a questionar o bispo.

A ação da moradora da maior metrópole da América Latina ao aportar na estação Santa Cecilia e se deparar com o aviso “Deus não existe”, abre para um debate sobre o uso indevido do nome de Deus na atualidade. O narrador questiona: “Como Deus não existe? Deus nunca esteve tão presente nos adesivos de carros, em declarações públicas e, até mesmo, nas reuniões na Câmara dos Deputados!”.

O mundo cada vez mais conservador, a mentalidade retrógrada pulverizada no cenário brasileiro foram motivações para o grupo erguer o espetáculo. A Cia. Do Tijolo quis fazer um contraponto ao papel político exercido atualmente pelas igrejas evangélicas. Dom Helder Camara é o personagem ideal: de ideologia alinhada à esquerda, que se projetou internacionalmente por suas ações de combate à miséria e discursos igualitários. A montagem dá uma resposta estética e política à atuação da chamada BBB do Congresso Nacional, a bancada da Bíblia, do Boi e da Bala.

Elenco de O Avesso do Claustro

Elenco de O Avesso do Claustro.  Foto: Alecio Cezar / Divulgação

Dom Herder Camara é um personagem de luta, das históricas lutas de resistência política durante a ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985). Defensor da não-violência e de uma Igreja Católica voltada aos pobres, por sua militância pela defesa dos direitos humanos, o clérigo foi indicado quatro vezes ao prêmio Nobel da Paz. E por denunciar internacionalmente os crimes de tortura pelo regime militar no Brasil ele foi impedido pelo AI-5, a partir de 1986, de ter seu nome citado pela imprensa brasileira.

Já no início do espetáculo temos o batuque a evocar nossas raízes africanas. Na última cena, grandes bonecos carnavalescos representam Patativa do Assaré, Paulo Freire, Dom Hélder e García Lorca. Essas figuras já foram celebradas em outros espetáculos da Cia do Tijolo. O mestre da cultura popular Patativa do Assaré (1909-2002) foi protagonista da montagem Concerto de Ispinho e Fulô. A peça Ledores do Breu foi inspirada no texto Confissão de Caboclo, de Guimarães Rosa, e no pensamento e prática do educador Paulo Freire. Cantata para um bastidor de utopias tem por base num texto de Federico García Lorca: Mariana Pineda.

Os personagens de O Avesso do Claustro (interpretados por Lilian de Lima, Karen Menatti, Dinho Lima Flor, Rodrigo Mercadante e Flávio Barollo, além dos músicos Aloísio Oliver, Maurício Damasceno, William Guedes e Leandro Goulart) ousam imaginar novos horizontes para esses tempos tenebrosos. No território profano, utópico e poético do teatro se cozinha o alimento da esperança e tonifica o espírito para a batalha.

SERVIÇO
O Avesso do Caustro, com a Cia. do Tijolo, dentro do Janeiro de Grandes Espetáculos
Quando: 28 e 29 de janeiro de 2017
Onde: Teatro de Santa Isabel
Quanto: R$ 60 e R$ 30

Ficha técnica
O avesso do claustro
Dramaturgia: Cia. do Tijolo
Direção: Dinho Lima Flor e Rodrigo Mercadante
Direção Musical: William Guedes
Com: Lilian de Lima, Karen Menatti, Dinho Lima Flor, Rodrigo Mercadante e Flávio Barollo
Orientação teórica: Frei Betto
Músicos: Maurício Damasceno,William Guedes, Clara Kok Martins, Eva Figueiredo e Leandro Goulart
Figurinista: Silvana Marcondes
Concepção e construção de cenário: Cia. do Tijolo e Silvana Marcondes
Assistentes e aderecistas: Alexandra Deitos e Isa Santos
Rede e bonecos de pano: Silvana Gorab
Bonecões: André Mello e Cleydson Catarina
Cenotécnica: Julio Dojcsar e Majó Sesan
Costureira: Atelier Judite de Lima e Cecília Santos
Desenho de luz: Aline Santini
Operadora de luz: Laiza Menegassi
Assistente de luz: Pati Morim
Operação de som: Emiliano Brescacin
Orientação cênica: Joana Levi e Fabiana Vasconcelos Barbosa
Orientação vocal: Fernanda Maia
Composição de trilha sonora original: Caique Botkay e Jonathan Silva
Produção executiva: Cris Raséc
Assistente de produção: Lucas Vedovoto
Designer gráfico: Fábio Viana
Fotos: Alécio Cezar

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