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O homem que negou sua verdade

Denise Fraga protagoniza espetáculo Galileu Galilei. Fotos: João Caldas/ Divulgação

A Terra não é o centro do Universo, proclamou Galileu Galilei (1564-1642). Por isso quase foi queimado na fogueira pela Inquisição. Para sobreviver, abjurou. Em A Vida de Galileu, Bertolt Brecht (1898-1956) conta as façanhas desse cientista italiano. Ao negar seus próprios estudos, o físico decepcionou seus discípulos. Um deles reclama que uma terra sem heróis é desgraçada. Galileu responde: “Não. Desgraçada é a terra que precisa de heróis”.

Com Denise Fraga no papel central da encenação assinada por Cibele Forjaz, Galileu Galilei dispara metáforas sobre a realidade brasileira, parecendo encomendada para 2016. A montagem bem-humorada, posicionada politicamente, debochada e crítica abre espaço para a aparição dos “coxinhas batedores de panela”, de cabeleiras louras e pela execução do hino da Internacional Comunista. A trilha, assinada por Théo Werneck e Lincoln Antônio, aguça o espírito carnavalesco da encenação.

A montagem produzida por José Maria traz no elenco Ary França, Lúcia Romano, Théo Werneck, Maristela Chelala, Vanderlei Bernardino, Jackie Obrigon, Luís Mármora, Silvio Restiffe e Daniel Warren. A peça chega ao Recife para um curta temporada no Teatro de Santa Isabel, de 18 a 21 de agosto, quinta, sexta e sábado às 20h; e domingo, às 19h.

Brecht põe em xeque a figura do herói e a sociedade que embaraça a liberdade com seus estranhos jogos de poder

Bertolt Brecht levou mais de uma década para compor o texto dramático Vida de Galileu (Das Leben des Galilei), de 1933, lançado em plena Alemanha nazista, e reelaborado depois. Exilado, o dramaturgo assinou um segundo tratamento, em 1938, na Dinamarca. E conferiu a estreia da a peça em 1943, na Suíça. Ele concebeu uma nova encenação nos Estados Unidos, onde morava, depois do fim da Segunda Guerra e ainda sob o efeito das bombas atômicas de Hiroshima e de Nagasaki. Nas versões apresentadas Galileu ganha as marcas do herói, vítima da Inquisição, mas que continuou a desenvolver suas teorias às escondidas. Ou o protagonista aparece como um homem comum, coberto pela ambição e afetado pelos próprios vícios.

Em 1956, já de volta à Alemanha, Brecht ensejava uma nova montagem para a quarta versão do texto, que seria encenado em seu próprio teatro, o Berliner Ensemble, mas morreu antes da  estreia.

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O cientista vira uma ameaça e cai nas garras da Santa Inquisição

Há muitas camadas de interesses nesse mapa geopolítico habitado por Galileu. No século 17, em plena Contrarreforma, a contenda pela hegemonia política e econômica do mundo movia os reinos conhecidos hoje como Espanha, Inglaterra, França, Alemanha e Holanda (entre outros). O alvo era posse de colônias na América, África e na Ásia. A Europa estava dividida entre União Evangélica de um lado e Liga Católica do outro. Lutero (Alemanha), Calvino (França) e Henrique VIII (Inglaterra) já haviam desafiado a força do Vaticano. A Inquisição precisava mostrar sua força.

Galileu construiu um telescópio com o qual conseguiu comprovar a teoria heliocêntrica do polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), que sustentava que a Terra gravitava em torno do Sol, e não o oposto, como se aceitava desde o modelo geocêntrico de Ptolomeu, do século II. Mas sob a perspectiva da Igreja era inadmissível que Deus não tivesse colocado o homem no centro do universo.

Amigo do Papa Urbano VIII, apreciador de pequenos luxos e dos prazeres mundanos, o astrônomo, físico e matemático italiano tentava harmonizar suas pesquisas e as benesses do poder. Um controverso e rico personagem. Que desperta conflitos éticos. Herói e anti-herói.

A atuação de Denise Fraga no papel do cientista reforça o caráter brechitano da montagem. Alguns procedimentos evidenciam essa quebra da ilusão teatral, como a colocação e retirada da peruca e a exibição da barriga pela atriz, ao assumir as funções de narradora e comentarista.

Galileu, Galilei

Elenco é formado por 10 atores, sob direção de Cibele Forjaz

José Celso Martinez Corrêa dirigiu para o Teatro Oficina uma montagem histórica de Galileu Galilei, que estreou em São Paulo no dia 13 de dezembro de 1968, dia da promulgação do Ato Institucional número 5 – AI5. No elenco estavam os atores Cláudio Corrêa e Castro, Ítala Nandi, Esther Góes, Fernando Peixoto, Renato Borghi, Raul Cortez, Othon Bastos, Otávio Augusto, Pedro Paulo Rangel e muitos outros atores. O espetáculo, de quase 2h30 sem intervalo, estreou em maio de 2015, em São Paulo e ficou nove meses em cartaz.

5 DIII

Montagem traça paralelo com a realidade brasileira

Ficha técnica
Texto: Bertolt Brecht
Elenco: Denise Fraga, Ary França, Lúcia Romano, Théo Werneck, Maristel Chelala, Vanderlei Bernardino, Jackie Obrigon, Luís Mármora, Silvio Restiffe e Daniel Warren
Direção: Cibele Forjaz
Trilha Sonora: Lincoln Antônio e Théo Werneck
Cenografia: Márcio Medina
Figurinista: Marina Reis
Iluminação: Wagner Antônio
Produção Executiva: Lili Almeida
Direção de Produção: José Maria
Assessoria de Imprensa: Barata Comunicação
Transportadora Oficial: AVIANCA | Patrocínio Exclusivo: BRADESCO
Realização: NIA Teatro, Ministério da Cultura e Governo Federal

Serviço
GALILEU GALILEI
QUANDO: de 18 a 21 de Agosto; Quinta, Sexta e Sábado às 20h; Domingo às 19h
ONDE: Teatro de Santa Isabel – Praça da República, s/n
Quanto: R$70 (inteira) | R$35 (meia-entrada) *** R$52,50 (clientes Bradesco para compra de até 02 ingressos para o titular do Cartão Bradesco, AMEX. Desconto válido para compras na bilheteria, não acumulativo com outros descontos). *** R$ 35,00 (Para clientes e funcionários Avianca na compra de até́ 2 ingressos, mediante apresentação do bilhete aéreo ou do crachá Avianca e documento de identificação. Desconto válido para compras na bilheteria, não acumulativo com outros descontos).
Duração: 130 minutos
Classificação indicativa: 12 anos
Informações: (81) 3355-3322

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Is love all we need?

Love, love, love está em cartaz no Royal Court. Fotos: Johan Persson/divulgação

No mês passado, Denise Fraga esteve no Recife com a peça Sem pensar. E o que me chamou mais atenção é que o texto era de uma garota inglesa bastante jovem, acho que 19 anos, que fez um curso no Royal Court Theatre. Em Londres, a peça fez bastante sucesso. Achei o texto de Anya Reiss – Spur of the moment, no original – mais interessante por ela não ter experiência na escrita dramatúrgica do que pela obra em si. É simplesmente porque aquela carpintaria teatral, toda aquela discussão familiar, embora bem feita, me soava antiquada. Talvez seja a ideia, também antiga, de que os jovens deveriam estar desconstruindo, quebrando regras, e não se enquadrando tão bem a elas.

Estive ontem no Royal Court Theatre (na realidade, no Jerwood Theatre Downstairs) para ver Love, Love, Love, texto do também jovem autor Mike Bartlett. A peça estreou em 2010 e voltou em cartaz. As críticas são, em sua maioria, bem boas. Mike Spencer, do The Telegraph, escreveu: “it strikes me as Bartlett’s best work to date, with deeper characterisation, more personal themes, and scenes of extraordinary intensity and emotional truth shot through with dark humour”. O teatro estava lotado – alguns jovens na plateia, mas principalmente, muitas pessoas de meia-idade.

Para um autor que diz “We’ve got to get away from the idea that it’s good to go to the theatre. It isn’t church. There’s nothing innately good about it. Most theatre is still really bad” acho que, na prática, ele ainda encara o teatro de forma muito tradicional. Em alguns momentos, pensei que estava vendo uma novela e não uma peça de teatro. A direção é de James Grieve.

São três atos. A montagem começa nos anos 1960. Henry (Sam Troughton), um cara certinho que gosta de música clássica, marcou um encontro com Sandra (Victoria Hamilton). Mas Kenneth (Ben Miles), o irmão “vadio” dele está no sofá e deixou a casa toda uma bagunça. Resultado, quando Sandra chega, é por Ken que ela se interessa. Ela está totalmente integrada àquela geração onde tudo era permitido, fumar maconha, dormir na grama e dançar ao som de qualquer coisa, até dos Beatles.

Ben Miles interpreta Kenneth

No segundo ato, os anos passam. Estamos na década de 1990 e agora Sandra e Ken estão casados (embora o primeiro ato termine com: “are your ready for adventure?”; bom, não deixa de ser uma) – Sandra usa roupas de secretária executiva e têm dois filhos: Jamie (George Rainsford) e Rosie (Claire Foy). É um dos atos mais pesados. Porque é aqui que eles percebem que não estão vivendo a vida que queriam, há uma traição e eles se separam. E os adolescentes estão perdidos no meio disso tudo. Ácho que o jornalista do The Telegraphy fala principalmente desse ato.

Segundo ato: George Rainsford (Jamie), Victoria Hamilton (Sandra) e Claire Foy (Rosie)

Depois de outro intervalo, se a mudança cenográfica já tinha sido gigante do primeiro para o segundo ato, aqui é mais ainda. Antes os dois cenários eram salas (bem diferentes uma da outra), e agora é um terraço. Rosie tem 37 anos e volta de Londres para conversar com os pais – ela percebeu que seguiu os conselhos que eles deram a ela e que isso não a levou a lugar nenhum. Não tem uma carreira, uma casa, uma relação, filhos. Enfim. E o casal que estava separado tem um reencontro.

A atuação de Victoria Hamilton é muito boa, principalmente pela forma como ela passa da comédia ao drama. Assim como Claire Foy, uma linda atriz, também de muito talento. A iluminação é assinada por James Farncomble e o cenário – que no primeiro ato quase não tem profundidade -, é de Lucy Osborne. A mudança dos anos também é interessante – mudam as músicas, as roupas; embora no terceiro ato a caracterização seja bem mais difícil – porque os atores não parecem ter a idade que deveriam.

Terceiro ato

O humor de Love, Love, love assim como em Spur of the moment, é muito bom – tem ironia. Mas o texto em si – são pais que não deram atenção aos filhos, que acharam que podiam fazer tudo o que quisessem, mas que ao final só fizeram se aliar ao sistema – o que há de novo? Até a opção por fazer a montagem de forma cronológica não nos surpreende. Sim, All we need is love. Mas um pouquinho de transgressão não seria nada mal também.

O trailler de Love, love, love

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