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Para não perder o encanto – e o público

Avaliação pública do Festival Recife do Teatro Nacional 2011. Foto: Val Lima

Na sua festa de debutante, ano que vem, quando completa 15 edições, o Festival Recife do Teatro Nacional precisa se reinventar. Atualizar a sua função e importância não só para o público em geral, mas também para os artistas que ajudou a formar na cidade. Mesmo que os números não denunciem, já que os espectadores nos teatros até aumentaram do ano passado para cá – de 4.794 para 5.089 pessoas – o fato é que, quem acompanhou os 12 dias de festival, sentiu os teatros esvaziados em muitas apresentações.

Talvez seja um reflexo, como foi levantado pelo próprio secretário de Cultura do Recife Renato L, presente na avaliação, da proposta curatorial defendida pelo jornalista e pesquisador de teatro Valmir Santos: apostar no teatro de grupo, de pesquisa, e na apresentação de peças dos seus repertórios, deixando de lado grupos mais conhecidos na cidade, que estariam sempre se revezando na programação de anos anteriores. Proposta ousada e que se mostrou importante tanto para o público quanto para os artistas que acompanharam as sessões.

A Companhia Hiato, por exemplo, de São Paulo, nunca tinha vindo ao Nordeste e teve a oportunidade de apresentar os seus três espetáculos: Cachorro morto, Escuro (que abriu a programação do festival) e a comovente O jardim. “A proposta era povoar os palcos com criadores que nunca tinha passado pela cidade. Núcleos que necessariamente não têm muita estrada, mas experiências interessantes. Jovens criadores que dialogam com a tradição, com espetáculos que não são fruto do mero ímpeto juvenil”, disse Valmir Santos. A Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba, também trouxe três peças: Oxigênio, Vida e Descartes com lentes. O instigante e difícil dramaturgo e diretor Francisco Carlos, do Amazonas, trouxe duas peças da sua tetralogia Jaguar cibernético.

Paulo Vieira, professor, ator e diretor da Paraíba, foi convidado para acompanhar o festival e realizar uma avaliação crítica. Vieira lembrou do tempo em que “era um jovem ator de pouco mais de vinte anos, quando vim com um grupo de amigos com os quais eu trabalhava, exclusivamente para assistir aos espetáculos que varavam a noite do Vivencial. Era a linguagem de um teatro que gostaríamos de ter por perto, de ver mais vezes e se não exatamente fazer igual, ao menos com ele reabastecer as emoções que o teatro proporcionava”. O grupo Vivencial, que teve sua história contada através de uma série publicada no Diario de Pernambuco semana passada, foi o homenageado do festival.

Mas o avaliador fez críticas, como a escolha do espetáculo Escuro, que não era “alegre, esfuziante”, como a noite de homenagem ao Vivencial pediria e denunciou as más condições da escola municipal Antônio Farias, no bairro de San Martin, que recebeu uma apresentação da montagem O encontro de Shakespeare com a cultura popular: Romeu e Julieta, do Ceará. “A degradação do ambiente me provocou a sensação de estar em uma antessala de penitenciária”.

Para o coordenador do festival, Vavá Schön-Paulino, ainda há algumas questões que em 14 anos de mostra ainda não conseguiram ser solucionadas, como uma bilheteria informatizada, um espaço de convivência do festival e um local para a central de produção. A divulgação do festival, um calo da sua organização, também recebeu críticas. A programação foi divulgada apenas com uma semana de antecedência, o site só ficou pronto quando o festival já estava acontecendo e o programa completo da mostra estava disponível já no fim do festival. Apesar disso, o clima foi amistoso e, apesar de não haver ainda uma definição sobre se Valmir Santos será o curador do ano que vem, o festival deve de alguma forma homenagear o centenário de nascimento do pernambucano mais importante da história do teatro nacional: Nelson Rodrigues.

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Universo particular

O jardim é o espetáculo mais recente da companhia Hiato, de São Paulo. Fotos: Otávio Dantas

O que esta geração de vinte e poucos anos tem a dizer através da arte? Se não precisamos mais caminhar contra uma ditadura, enfrentar a censura como bêbados ou equilibristas? Quem se arrisca na resposta é Leonardo Moreira, 29 anos, dramaturgo e diretor da Companhia Hiato, de São Paulo. “Partimos do particular para assumir uma postura política. Temos uma atitude política que não é mais partidária, que não propõe uma transformação política radical. Até porque não acredito nessa história de que uma obra de arte possa transformar alguém. Acredito que essa obra possa ser um impulso, a partir de um caminho emocional, já que o que fazemos é teatro”.

Leonardo é um dos representantes de uma geração de artistas que coloca uma lupa no particular para enxergar o todo; mas que não necessariamente está interessada em re-inventar a roda. “Só é possível criar novas formas a partir das outras já existentes. Para mim, o nosso papel é sermos honestos com as nossas transformações”.

A companhia da qual o encenador faz parte, criada em 2007, está na cidade para participar do Festival Recife do Teatro Nacional, que começa hoje e segue até o dia 28 com espetáculos nos teatros Luiz Mendonça, Santa Isabel, Hermilo Borba Filho, Apolo, Barreto Júnior e Marco Camarotti. O foco desta edição, que tem como tema Desafio convivencial (uma alusão ao grupo Vivencial, homenageado pelo evento), é o teatro de grupo. São sete companhias nacionais e quatro locais, somando 16 espetáculos.

Se a Hiato nunca esteve nem no Nordeste, agora o público recifense terá a oportunidade de conferir os três espetáculos do seu repertório: Cachorro morto, Escuro e O jardim. A abertura do festival será com Escuro, às 21h, no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu, em Boa Viagem (a entrada hoje será gratuita). Antes disso, o coordenador do festival Vavá Schön-Paulino pretende realizar um encontro histórico: reunir no palco os fundadores e integrantes do grupo Vivencial, inclusive Guilherme Coelho, que mora em Brasília e virá especialmente para o festival.

Escuro é o segundo espetáculo da Cia Hiato. Foi quando o grupo decidiu “oficializar” a companhia. O primeiro, Cachorro morto, foi realizado “sem maiores pretensões. Nós já fazíamos alguns trabalhos juntos e depois de um processo de sete meses, tivemos não só sucesso nas temporadas, mas encontramos afinidade nos temas e nos modos de trabalho”, explica Moreira. Em Escuro, o grupo parte do tema deficiência para explorar coisas que vão muito além. “Queríamos falar de como cada perspectiva é única. O próprio nome Hiato vem dessa constatação. Qual a lacuna entre o que estou dizendo, o que você está entendendo, o que o público que vai ler essa matéria irá captar?”, questiona.

Escuro abre programação do Festival Recife do Teatro Nacional 2011

O mote é um menino míope que vai participar de um torneio de natação para deficientes e outros personagens, num total de 10 protagonistas, se agregam ao espetáculo, que teve uma influência dos roteiros cinematográficos. Escuro ganhou o Prêmio Shell de Teatro de melhor autor, cenário e figurino; e o Prêmio de Melhor Espetáculo de 2010 pela Cooperativa Paulista de Teatro. “Queremos investigar quais os formatos e que histórias nos servem hoje? Não estamos mais na década de 1990, no videoclipe. Que narrativa eu crio quando entro no facebook, vou para outra e outra página? Estamos pensando em como essas narrativas se estabelecem e nas formas de recepção do público”. Certamente quem for ao teatro ainda terá outras perspectivas – quem sabe ajude a diminuir os hiatos?

O repertório da Hiato

Escuro
Um menino míope com a capacidade de ouvir segredos passa a tarde mergulhando na piscina do clube. Uma senhora recebe a costureira para aulas de natação, mas sem a piscina, elas usam tigelas de água. Um homem perde a fala enquanto ensaia o discurso em aquários vazios. Uma professora prepara a aluna para um torneio de deficientes. O espetáculo de 2009 abre espaços de irrealidade em um dia, nos anos 1950, de quatro núcleos de personagens.

Cachorro morto
Thiago sabe de cor todos os países do mundo e suas capitais, assim como os números primos até 7.507. Luciana gosta do estado de Massachussets, mas não entende nada de relações humanas. Maria Amélia adora listas, padrões e verdades absolutas. Aline odeia amarelo e marrom e, acima de tudo, odeia ser tocada por alguém. Todos esses atores mergulham na ficção para emprestar seus corpos e emoções a outra vida e, ao confundir realidade e ficção, contam a história de um portador da Síndrome de Asperger. O espetáculo estreou em 2007.

Primeiro espetáculo do grupo partiu do autismo para refletir normalidades

O Jardim (dias 22 e 23, às 21h, no Teatro Luiz Mendonça)
A partir das biografias dos atores, o grupo criou uma ficção, tendo como mote o mal de Alzheimer. A plateia pode assistir ao espetáculo de diferentes maneiras cronológicas, de acordo com o local onde sentar: a cena pode se passar em 1938, 1979 ou 2011. O cenário de caixas é construído e reconstruído em cena, de modo a criar mundos imaginários e transformar momentos já vistos em lacunas. O espetáculo, que estreou este ano, fala da memória a partir de vários primas, desde aquela que queremos perder até a que fazemos de tudo para recuperar.

Programação da semana

Escuro / Companhia Hiato (SP)
Hoje e amanhã, às 21h, no Teatro Luiz Mendonça. Informações: (81) 3355-9821

Oxigênio / Companhia Brasileira de Teatro (PR)
Quinta e sexta, às 21h, no Teatro Hermilo Borba Filho. Informações: (81) 3355-3318

Áfricas / Bando de Teatro Olodum (BA)
Sexta, às 19h; e sábado, às 16h30, no Teatro de Santa Isabel. Informações: (81) 3355-3323

Madleia + ou – doida / Companhia do Chiste (PE)
Sábado e domingo, às 21h, no Teatro Hermilo Borba Filho. Informações: (81) 3355-3318

Cachorro morto / Companhia Hiato (SP)
Domingo e segunda-feira, às 19h, no Teatro Apolo. Informações: (81) 3355-3318

Ingressos: R$ 5 (com exceção da abertura do festival hoje, que é gratuita. Os ingressos podem retirados na bilheteria a partir das 18h)

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