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Como eu te amo?
Crítica do espetáculo do Grupo Tapa
“De Todas as Maneiras que Há de Amar”

Brian Penido e Clara Carvalho na peça De todas as maneiras que há de amar. Foto: Ronaldo Gutierrez

Counting the Ways no original, a peça de 1976 escrita pelo dramaturgo norte-americano Edward Albee (1928-2016), tem seu título inspirado no poema da inglesa Elizabeth Barrett Browning (“How do I love thee? Let me count the ways”. Como eu te amo? Deixe-me contar os caminhos.”). A montagem do Grupo Tapa leva o nome De Todas as maneiras que há de amar, uma alusão à música de Chico Buarque. O texto curto e elíptico de Albee desdobra-se sobre o desvanecimento do amor depois de anos de convívio. Ou o desgaste da relação. Ou quem sabe, o fim do amor.

Bem, a decomposição sentimental na coexistência de um casal longevo pode não fazer sentido para muitos. Relação duradoura pode se traduzir em poucos meses atualmente. Casal pode não dizer muita coisa para os encontros líquidos dessa época sem muita liga. Uma fotografia, talvez. Mas o mundo é assim, cheio de possibilidades.

A peça de Albee conjectura sobre o que sobra de uma vida de casal após décadas juntos. As reminiscências deslizam entre instantes alegres, tristes, ácidos, indiferentes, profundos, triviais, corrosivos. Com uma potência de humor avassaladora.

A encenação de Eduardo Tolentino de Araujo é protagonizada por Clara Carvalho e Brian Penido. O espetáculo esteve em cartaz em 2020, mas foi interrompido por causa da pandemia. Voltou à temporada presencial no Teatro Aliança Francesa, onde fica até 5 de dezembro, com sessões sextas e sábados, às 20h e domingos, às 17h.

A peça é quase um soneto teatral, com o tempo a modular as mutações do relacionamento e as memórias das personagens Ela e Ele. As escolhas feitas, as corrosões do potencial de humanidade e os pontos de incertezas quanto às preferências do coração. Não se pode estar totalmente convicto do que virá.

Ela reiteradamente pergunta se Ele ainda a ama. Ele lê jornal, divaga na poesia de WH Auden e faz perguntas reveladoras. Entre as quais, porque sua cama de casal de repente se tornou duas camas de solteiro, ou quantos filhos eles têm.

Edward Albee venceu três vezes o prêmio Pulitzer e cinco Tony Awards. Sua obra mais popular Quem Tem Medo de Virginia Woolf? teve adaptação para o cinema em 1966 com Elizabeth Taylor e Richard Burton. No Brasil ele foi encenado algumas vezes: Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, (1965, com Cacilda Becker, Walmor Chagas, Lilian Lemmertz e Fulvio Stefanini; e 2000, Marieta Severo, Marco Nanini, Fábio Assunção e Silvia Buarque), Tudo no Jardim (1969, com Sérgio Viotti, Sebastião Campos, Dina Lisboa e Maria Della Costa, com direção de Flávio Rangel,); A História do Zoológico (2001, com João Lima e Rafael Chamié, direção de Yara de Novaes); A Cabra Ou Quem É Sylvia? (2008, com José Wilker); A Senhora de Dubuque (2011, com Karin Rodrigues). Entre outros.

O que aconteceu com aquela coisa chamada amor romântico? 

As personagens de Albee têm como padrão o desafio de se tornarem mais plenamente humanas, isso inclui cometerem atos cruéis. Ela tenta. Ele tenta.

Paira um clima outonal. A dupla se aproxima dos absurdos, nos jogos de ação, com ludicidade. É como Albee costumava dizer, a habilidade de fazer metáforas é o fiel da humanidade.

Duas cadeiras, uma mesinha, um lustre no teto, às vezes rosas. E palavras, muitas palavras num jogo agridoce. Dolorosamente engraçada, a peça expõe esse casal maduro lutando contra a rotina monótona, a demanda de individualidade na confusão de convívio tão estreito.

As personagens dançam, conversam, monologam, falam direto com o público e em algum momento de si mesmas, artistas do Grupo Tapa, que foram casados na vida real. É uma indicação do texto de Albee, esse momento de confissão. Nesta produção, os dois atores têm sessenta e poucos anos. Se aproximam da faixa etária das personagens.

De Todas as maneiras que há de amar tem uma hora de duração e está dividida em cerca de vinte cenas curtas, algumas com apenas segundos de duração. Cada uma vibra numa emoção da trajetória em comum, ou das memórias individuais das grandes mudanças no mundo. Eu adoraria que essa produção tivesse soluções diferentes para a ligação dos quadros, no lugar dos inúmeros blackouts. Mas não tenho a menor ideia do que seria.

Enquanto a personagem Ela falava de sua adolescência, dos encontros com os garotos – todos iguais – e das fantasias sexuais que ficaram, um raio atravessou as possibilidades de caminhos da minha própria vida. Os meninos com os quais eu não casei e toda a vida afetiva depois, as profissões que não segui e os fracassos depois. Sofri uma epifania, estou viva.

Clara faz uma Ela luminosa Brian, um Ele desengonçado, ambos cativantes em seus pequenos choques e pactos sociais. Os atores exploram bem as nuances da comovente relação nas sobras da ilusão romântica, entre expectativas de camisas limpas, rosas murchas e infindáveis xícaras de chá .

De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.

poetizou Carlos Drummond de Andrade em Resíduo.

Então?! Você ainda se ama?

De todas as maneiras que há de amar
Ficha Técnica
Texto: Edward Albee.
Tradução: Augusto César.
Direção: Eduardo Tolentino de Araujo.
Elenco: Clara Carvalho e Brian Penido.
Fotos: Ronaldo Gutierrez.
Arte Gráfica: Mau Machado.
Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes.
Direção de Produção: Ariel Cannal.

Quando: Sexta e Sábado às 20h, Domingo às 17h, até 5 de dezembro
Onde: Teatro Aliança Francesa – Rua General Jardim, 182, São Paulo – São Paulo.
Duração: 60 min.
Classificação: 14 anos.
Ingresso: entre R$ 30,00 e R$ 60,00 pelo Sympla

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