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Berliner Ensemble no Porto Alegre em Cena

“Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento.
Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.”

Bertolt Brecht (1898-1956)

Mãe Coragem e seus Filhos é destaque no POA em cena. Foto: Berliner Ensemble/Divulgação

Desumanização em tempos de guerra. O dramaturgo, encenador e teórico Bertolt Brecht tratou disso com maestria na obra-prima Mãe Coragem e Seus Filhos, escrita em 1939. Durante três noites, a mitológica companhia Berliner Ensemble (fundada em 1949 por Brecht), apresenta a peça no Theatro São Pedro (de quinta a sábado), dentro do Porto Alegre Em Cena. A encenação é de Claus Peymann, diretor artístico do grupo com ambiente musical de Paul Dessau. A montagem tem três horas de duração.

A peça acompanha a determinada Anna Fierling – interpretada pela atriz Carmen-Maja Antoni, que carrega nos ombros um mundo feroz.

Essa mascate segue o exército sueco puxando uma carroça (morada familiar e comércio ambulante) com os filhos e recolhendo os despojos do campo de batalha. entre a penúria e as atrocidades de um tempo sem paz, ela tenta salvar seus filhos.

Atriz Carmen-Maja Antoni no papel de Anna Fierlingn

A matriarca vê sua prole tombar violentamente, um a um. Mas não desiste de uma lógica cruel de que na guerra é preciso faturar algo sem se convencer sobre a irracionalidade dos dois lados do front. A guerra é a grande vilã do texto brechtniano. A protagonista segue sozinha, entre escombros e ruínas.

Mãe Coragem e Seus Filhos pode ser ambientada em qualquer tempo. Mas o subtítulo original, Crônica da Guerra dos Trinta Anos, aponta para o século 17, época de conflitos religiosos e de reinados. A peça também ilumina as desrazões do mundo mercantilizado do século 21 e da desnatureza das relações sociais, da indústria bélica e até do massacre sofrido pelo indivíduo em suas lutas cotidianas.

A guerra é a grande vilã do texto brechtniano

O escritor e professor gaúcho Luiz Paulo Vasconcellos (um dos homenageados do festival) é enfático ao dizer que Brecht representa a maior revolução do teatro do século 20. “Brecht foi revolucionário porque levou atores e público a pensar. A pensar sobre política. A pensar sobre a condição e o valor do poder numa sociedade injusta e preconceituosa. A pensar sobre a legitimidade do poder. Antes dele, que eu me lembre, só Shakespeare havia explorado o tema com profundidade. No século 20, só Brecht”, pontua.

O Porto Alegre em Cena, mais uma vez, cuida de atualizar as plateias brasileiras da cena internacional. De uma cena fundamental.

Ficha técnica

Direção: Claus Peymann
Texto: Bertolt Brecht
Dramaturgia: Jutta Ferbers
Música: Paul Dessau
Maestro: Rainer Böhm
Elenco: Carmen-Maja Antoni, Winfried Goos, Gudrun Ritter, Roman Kanonik, Christina Drechsler, Martin Seifert, Veit Schubert, Michael Rothmann, Axel Werner, Detlef Lutz, Michael Kinkel, Manfred Karge, Roman Kaminski, Ursula Höpfner-Tabori, Anke Engelsmann e Anna Graenzer
Músicos: Matthias Erbe e Michael Yokas (Violino), Cathrin Pfeifer (Acordeon), Silke Eberhard (Saxofone Alto, Clarinete, Clarinete baixo) e Katharina Thomas (Teclado e Voz) / Palco: Frank Hänig
Figurino: Maria-Elena Amos
Duração: 180min (com intervalo)
Recomendação Etária: 14 anos

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Imperdível Senhora Carrar

Um pequeno tablado com uma janelinha suspensa, luz branca, gestual que atiça antigos sonhos, dez bons atores e uma direção primorosa para dar conta de problemas éticos e das utopias renovadas em Os fuzis da Senhora Carrar, com texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. A montagem é uma revisitação estética e histórica de outra encenação de Os fuzis… realizada em 1978, pelo Grupo Teatro Hermilo Borba Filho, com direção de Marcus Siqueira. E faz parte do projeto de pesquisa cultural Transgressão em três atos, desenvolvido pelos jornalistas Cláudio Bezerra, Alexandre Figueirôa e Stella Maris Saldanha, que protagoniza a peça.

Os Fuzis da Senhora Carrar leva à cena a história de Tereza Carrar, moradora de uma pequena vila de pescadores e mãe de Pedro e Juan. O tempo é de conflito entre pacifistas e soldados, entre homens comuns e revolucionários anti-franquistas. Mas nossa protagonista já perdeu o marido e faz qualquer coisa para não ver os filhos metidos na guerra. A peça foi escrita por Brecht em 1937, no período da Guerra Civil Espanhola, que durou de 1936 a 1939. Dizem que não existe dor maior do que perder um filho (a). Tereza tenta evitar essa dor. Não é tarefa fácil, os generais avançam e a perda da liberdade se faz sentir cada vez mais perto. Como manter a neutralidade diante de uma situação dessas? Mas como entregar seus jovens filhos a uma guerra sangrenta, da qual dificilmente se sobrevive?

Sabemos que Brecht imaginava que o teatro deveria servir como instrumento de transformação social e de reflexão crítica da plateia. Mas Senhora Carrar é a mais dramática das peças do dramaturgo alemão. É estruturada de forma linear e nos faz acompanhar a decisão trágica dessa mulher que, diante dos acontecimentos não encontra outra alternativa para se manter viva.

“Por quem lutar ou enlutar, Carrar?”, pergunta o encenador João Denys no programa da peça, em meio a uma avalanche de questionamentos que a própria montagem já desperta. Lá atrás, na ditadura do general Franco, as atrocidades e os terrores da guerra, o sacrifício humano e a barbárie. A guerra hoje é mais difícil. Existe uma letargia diante do capitalismo que dita destinos e as facilidades de comunicação sufocam o verdadeiro diálogo. Mas diante da intolerância, da miséria e da grotesca realidade cotidiana, da subserviência ou do torpor, a Senhora Carrar de Stella Maris Saldanha e de João Denys se insurge para lembrar da humanidade, sem romantismo ou heroísmo. Mas carregada de emoção.

Com seus rostos pintados de branco, os atores agem com a grandeza que o texto merece. A atuação de Stella Maris Saldanha como a protagonista Tereza é de tirar o chapéu. Voz clara, gestos firmes e nuances comoventes de uma mãe que luta enquanto pode para proteger seus filhotes. Ela sangra no palco e essa dor atinge o público. O ator Roger Bravo faz José, o filho de Tereza que quer ir para o front. Uma performance convincente. José Ramos faz o operário com garra e competência. Os três ficam a maior parte do tempo em cena. Alfredo Borba faz o papel do padre reacionário com destreza.

Também participam do elenco, em papeis menores mas não menos importantes: Ailton Brito, Evandro Lira, Karina Falcão, Socorro Albino, e Antonio Marinho. Enquanto não estão no palco, o elenco fica sentado na primeira fila. A direção de arte (cenário, figurino e maquilagem) é assinada pelo próprio João Denys. A sonoplastia, também de Denys, amplifica a carga das cenas. Um espetáculo ainda mais necessário neste começo de século 21.

SERVIÇO
Os Fuzis da Senhora CarrarNeste sábado, às 21h
Teatro Hermilo Borba Filho.
Ingresso R$ 10.

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