Atriz Fabiana Pirro e sua boneca de mulungu mandam recado aos poderosos

A atriz Fabiana Pirro com sua mamulenga Vina, em Cara de Pau. Foto: Renato Filho

Os mamulengos, os bonecos do Nordeste gostam de desafiar os poderosos. Melhor dizendo, é da natureza desses seres criados e manipulados por mestres populares mostrar coragem contra injustiças. Se faltar um pouquinho de coragem, eles sacam da astúcia, do humor, do gingado, da sorte, dos santos protetores dos oprimidos. Essa brincadeira descortina um universo paralelo e encantado, às vezes mais rústico, ora mais sofisticado, mas sempre encantador. A atriz, modelo e palhaça Fabiana Pirro ganhou há uns dez anos uma boneca do Moura (dono do Bar do Mamulengo, [que fica na Praça do Arsenal, no bairro do Recife], um reduto artístico de resistência). Uma mamulenga de estirpe, criada pelo Mestre Saúba. Ano passado, Pirro entendeu que era a hora de brincar com a boneca de mulungu Vina, nome dado em homenagem ao Mestre Zé De Vina, de Glória do Goitá, que é seu grande professor.

Inquieta como ela só, Fabiana acionou seus contatos para levar adiante o projeto. Pediu ao encenador e dramaturgo Moncho Rodriguez para escrever um texto que “pudesse falar da vida da gente que é artista, do desgoverno no Brasil, desse descaso com a classe artística e com a cultura”. Nascia Cara de Pau, denominada pelo autor de uma comédia triste. “Moncho escreveu realmente todas as coisas que eu queria falar”, contou a atriz ao Yolanda hoje (6) de manhã.

Texto pronto, Fabiana resolveu experimentar, se autodirigir, com previsão de estreia em 27 de março – Dia Internacional do Teatro, na Praça do Arsenal. Mas a pandemia da Covid-19 mandou todo mundo se recolher em casa.

Cara de Pau se tornou assim a sobrevivência no isolamento. A gente faz teatro porque é a nossa vida, é o ar que a gente respira. O que nos move. Cara de Pau foi quem me salvou porque eu fiquei no isolamento em casa. Trabalhando, trabalhando, trabalhando, abril, maio e junho”.

Quando Fabiana viu o ator e diretor Paulo de Pontes ralando na Casa Maravilhas, fazendo solo no teatro vazio, lives, ela percebeu que precisava operar nesse formato, “que é o que a gente pode”. “Foi incrível essa parceria com a Casa Maravilhas. Porque realmente trabalhar com Paulinho, principalmente no corpo a corpo foi muito produtivo, ele me deu tudo o que eu precisava. Paulinho é um homem de teatro. Tudo isso me ajudando, me orientando e eu me senti acolhida. E Márcia (Cruz) também. Essa parceria com a Casa Maravilhas foi muito importante, principalmente para eu me sentir segura para estrear Cara de Pau”.

O lançamento ocorreu em 30 de julho. “E foi uma estreia linda. Mais de 100 pessoas assistindo, depois um retorno incrível, muita gente emocionada com um texto, com a figura da boneca. Com a simplicidade. Acho que Cara de Pau para esse formato live está super honesta”.

Hoje, 06/08/20, tem sessão extra ao vivo de Cara de Pau no insta @casamaravilhas, às 21h, com colaboração espontânea. “Desde janeiro estou nessa função. Estou muito feliz de poder fazer hoje de novo”.

Apesar de estar isolada em casa, Fabiana contou com muitas parcerias: de Claudio da Rabeca, que cedeu uma música; do olhar virtual de Moncho Rodriguez, de Portugal; e de Zaza Mucurana (Asaías Lira), da Itália. “Foram vários olhos me olhando, pontuando coisas importantes, porque sozinha ninguém faz nada. Mas foi um exercício muito para dentro. Realmente eu peguei como um desafio para levantar brincadeira, para falar dos meus 20 anos de teatro, dessa resistência, desse amor por esse ofício”.

Durante o isolamento por conta da pandemia, a artista teve todos os projetos cancelados, como praticamente todos da área cultural. Então, diante disso, para sobreviver, ela fez uma vaquinha e avisava que estava em processo de montagem. A campanha foi um sucesso. “Eu tenho que cumprir com minha palavra. Preciso dar esse retorno para essas pessoas que colaboraram comigo, com a minha vaquinha, que foi maravilhosa e me sustentou nesses meses de isolamento. Meu retorno também é Cara de Pau. Teve muita gente aí nesse patrocínio”.

Moncho Rodriguez prefere chamar as apresentações online de Cara de Pau de vídeo-conferência-teatral, um trabalho pensado para a rua, para uma praça, “para a graça do estar presente e partilhando com as pessoas os dramas e as comédias das gentes, denunciando a hipocrisia dos governos que fingem saber o que não sabem, que confundem políticas culturais com linhas de apoios e subsídios pontuais, como se a vida dos artistas se resumisse à ocasionais subsídios, como se tivéssemos que viver de emprestado, aos soluços no sufoco de todos os dias”, situa o encenador.

Para Rodriguez “Cara de Pau é mais um grito de alerta para aqueles que acham que os artistas vivem do vento… ou para aqueles que exploram a cultura com toda a demagogia e ignorância… fingem acreditar na necessidade cultural enquanto sufocam os criadores…”

Cara de Pau tem texto de Moncho Rodriguez. Foto: Renato Filho

Cara de Pau, com Fabiana Pirro
Quando: Quarta-feira (6), às 21h
Onde: no insta @casamaravilhas
Quanto:colaboração espontânea
*FABIANA PIRRO*
CAIXA ECONÔMICA
Ag.0867 operação 013
Conta/poupança: 71.111-6
CPF: 172.975.018-40

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Amar e mudar as coisas interessam mais
Crítica do espetáculo Bixa Viado Frango

Silvero Pereira é um artista febril. Febril, uma palavrinha que despacha para o calor do corpo em expansão e quase sinto na pele o delírio quando a temperatura passava dos 39. Esse artista transborda essa sensação de estar vivo, de algo quente. De estar presente no tempo presente. De correr riscos ao expor intimidades de sua trajetória como o faz em atitude vibrante no experimento BIXA VIADO FRANGO. Mas lá nos documentos que expõe, ele também fala de morte, uma morte provocada por uma sociedade excludente que dita quais corpos merecem ser valorizados e quais não. Ou seja, os que servem aos ataques dos instintos animalescos da nossa desumanidade.

O ator exibiu essa criação virtual do Ceará, da sua casa, onde desenvolveu sozinho a peça para o meio digital. Escreveu o roteiro, dirigiu, editou os vídeos e músicas, atua e opera com todos os equipamentos disponíveis . Isso dá um trabalhão: sincronizar luz, música, atuação, cenários, vídeos editados. E essa solidão inventiva está impregnada de nervuras.

Militante LGBQI+, ele traz seus documentos biográficos para falar de si e de muitos que também foram atravessados pela ignorância humana mascarada de superioridade. Menino, era desaconselhado a não se aproximar de outros garotos apontados com a doença de mulherzinha. Entre atração e identificação, ele se escondia. Muito tempo depois descobriu que quem está doente é a sociedade.

Ficaram as marcas. No corpo. Na alma. Na memória. Aos 38 anos completados em junho, Silvero fala que perdeu 20.  Duas décadas de um corpo vivo-morto pela sociedade. O artista quer fazer uma peça sobre sua vida. Ele tensiona dados biográficos com músicas de Belchior e reflexões sobre quem está interessado nesses relatos. Já, que, como ele mesmo salienta, o que cresce é a audiência do humor, de lugares incríveis, de luzes mirabolantes. Não há nada disso na sua criação. E por mais que seja virtual há muito mais de visceral.

Cena de BIXA VIADO FRANGO. Reprodução do Instagram

BIXA VIADO FRANGO sublinha as limitações desses tempos com proibições de toques, de interdições de ajuntamentos físicos. Quer espantar o medo da solidão Pereira retorna no mapa do seu nascimento, em Mombança, uma cidade no Sertão central do Ceará, a 350km de Fortaleza. Convoca em fotografias seus avós, sua mãe Rita Invenção, seu pai José Alves, seus tios e tias, um universo familiar para refletir e projetar a crueldade dos valores de uma sociedade cada vez mais doentia.

O ator reza o rosário de uma família disfuncional, dos avós aos tios, o que inclui na lista homens abusadores, uma tia que enterrou oito cachorros vivos porque todos eram fêmeas, um parente que não fala com os filhos, a hipocrisia social imperante no Brasil desde a chegada dos portugueses.

E se posiciona, da defesa para o ataque, ao reconhecer que para todas essas pessoas a vergonha mesmo é ser viado, balde, bixa, baitola, boiola gay, suzy, frango. E não ser bandido, estuprador, assassino, pedófilo e não cuidar dos filhos.

É possível sentir o arme farpado que ele diz atravessar sua cabeça. Ele dá seu grito contra as distorções do caráter que é apreciado numa sociedade que pouco presta atenção em honestidade, solidariedade, integridade.

Não, ele não se submete. Não mais.  

No primeiro dia de espetáculo, houve problemas de conexão com falhas e descontinuidades, uma coisa tão irritante e, por isso mesmo, carregada de fluxos de sensações humanas, o erro que aproxima do mais humano. Os limites do não compartilhamento presencial, a telinha minúscula do Instagram enviando impulsos potentes, feito uma caixa mágica. Na segunda noite, a internet funcionou e Silvero apareceu de cabelos azuis. Nesta quarta (5) tem troca de impressões com os espectadores.

Os humanos artistas tentando dominar as máquinas em tempo real. A tecnologia transmite as emoções desse trabalhador da arte, porque ele se derrama. Seguimos o pacto real ficcional de suas paredes brancas.

Serviço:
BIXA VIADO FRANGO
Quando: 3, 4 e 5 de agosto, às 20h
Onde: Via Instagram, no perfil @sala_de_espetaculos
Ingressos: R$ 10 (à venda pelo Sympla / Bixa Viado Frango)

 
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Quem tem medo de bixa viado frango?

Silvero Pereira apresenta experimento cênico Bixa Viado Frango, no Instagram

BIXA VIADO FRANGO é um título forte, direto, carregado de camadas, defesas da liberdade de ser e dos ataques de uma sociedade preconceituosa, violenta, machista, misógina, patriarcal. O artista Silvero Pereira sentiu na própria carne o impacto dessa estrutura ainda menino no interior do Ceará. No monólogo online, que estreia pelo Instagram nesta segunda-feira (3), ele alimenta as cenas da memória em fluxo de sua caminhada. Desde a casa da sua infância, a escola, as lembranças das ruas repletas de desejos irresistíveis de um lado, e das agressões veladas ou escancaradas. Da adolescência com suas descobertas juvenis no âmago de uma coletividade opressora aos tempos de pandemia, isolamento e solidão há de tudo um pouco. Como ensinou Carlos Drummond de Andrade em Resíduo, De tudo ficou um pouco / Do meu medo. / Do teu asco. / Dos gritos gagos. Da rosa / ficou um pouco”.

No final do poema, o poeta mineiro pede “Oh abre os vidros de loção / e abafa o insuportável mau cheiro da memória”. Mas Carlos sabe que precisamos encarar de frente os nossos fantasmas. E, por mais terrível que seja a recordação, é preciso elaborar. Quem sabe, voltar muitas vezes.

Na obra BIXA VIADO FRANGO, Silvero resgata vivências relacionadas à sexualidade e gênero, brinca com os afagos e açoites da rede social. A peça estava nos planos do ator há três anos. Mas devido às atuações na TV e no cinema, o plano foi adiado. O último trabalho teatral foi BR-Trans, mas desde 2013 ele não entra numa sala de ensaio como ator de teatro. 

Com duração de 40 minutos, BIXA VIADO FRANGO entrelaça literatura, dramaturgia clássica, histórias autobiográficas, dramaturgia musical, filtros e ferramentas disponíveis nas redes sociais, provocando uma “atmosfera intimista, documental, cênica-virtual e um tanto cinematográfica”.

Depois da terceira apresentação, na quarta-feira (5), Silvero junta os espectadores para um bate-papo.

Essa é a segunda articulação cênico-virtual do ator. Ele atua junto com Gyl Giffony em Metrópole, do escritor Rafael Barbosa. “O teatro do encontro presencial está parado, mas a arte continua em movimento”, aposta Silvero.

No final da tarde desta segunda-feira de estreia, já preparando o ambiente da apresentação, Silvero Pereira conversou por telefone com o Satisfeita, Yolanda?. “Estou aqui em casa, mexendo nos móveis, de um lado pro outro, preparando o cenário”.

Você tinha falado que iria misturar Hamlet com sua história pessoal. É isso?
Esse já é outro projeto. Não é BIXA VIADO FRANGO. Na realidade, o Hamlet com o Belchior e minha história pessoal  é um projeto que vou fazer mais adiante. O BIXA VIADO FRANGO é uma proposta que eu tinha há três anos, um pouco depois do BR-Trans tinha pensado em produzir esse espetáculo, mas acabei entrando na televisão, da televisão fui pro cinema e os últimos três anos não tive oportunidade de voltar para a sala de teatro e ensaiar. Então agora no período da pandemia resolvi resgatar essa história e me dedicar a ela pra produzir.

Como foi buscar nas suas memórias, nas próprias feridas essa construção?
Tenho sempre acreditado na arte como esse lugar coletivo. Muito importante pra mim que a arte não seja somente pessoal. Então todos os meus processos criativos – embora eles passem pela forma como o Silvero indivíduo enxerga as coisas e como essas coisas passaram pelo corpo do Silvero – eu acho muito importante que isso seja percebido em outros corpos e identificado em outros corpos também. Então eu utilizo das minhas experiências, das minhas vivências, mas também faço uma mistura, com outras dramaturgias, de fatos que li nas redes sociais, da literatura, da dramaturgia clássica, contemporânea, da música, da poesia e vou fazendo uma mistura pra que fique diluído o que é do Silvero, o que não é do Silvero, mas pode fazer parte da mesma sociedade excludente, preconceituosa e que muitas pessoas podem se identificar.

Tendo feito um personagem numa novela das nove, que teve muita adesão, você imaginou que de alguma forma as pessoas fossem te respeitar mais?
Não acho que isso tenha acontecido por conta da novela. O que acontece é que as pessoas passaram a conhecer mais o Silvero. A bolha que eu fazia parte antes da novela, que eu fazia do teatro, se tornou maior. Uma coisa importante aí é que mesmo dentro da televisão nunca abri mão dos meus princípios e daquilo que sempre quis ser. Então não é uma surpresa para as pessoas o meu comportamento, a minha maneira de ser . O que mudou foi a quantidade de pessoas que hoje me conhecem.

Como você lida com preconceito e discurso de ódio nas suas próprias redes? Isso aumentou na pandemia?
Aumentou muito. Não apenas pelo fato de estarmos dentro de casa mais atentos às redes sociais, mas também por uma questão política mesmo. As pessoas estão mais violentas e defensoras de algo que acho meio difícil de ser defendido. Mas as pessoas têm se sentido autorizadas a violentar as outras. E eu acho que isso cresceu bastante e isso vai crescer ainda mais, por conta dessa autorização político institucional que tem sido dada. Isso é o que mais me preocupa.

Quais foram os procedimentos de criação deste espetáculo durante a pandemia?
Eu tinha feito uma experiência anterior, Metrópole, com o Gyl Giffony, outro parceiro meu. Fiquei dentro de casa me perguntando como continuar vivo, como manter a arte em movimento embora o teatro esteja parado, o teatro físico. Mas como manter a minha necessidade de ser artista viva, em movimento. Então fiz esse desafio para o meu colega e falei vamos fazer uma experiência o mais próxima possível do teatro. Ou seja, abrir uma sala privada, onde as pessoas pudessem adquirir os ingressos e tratar isso como uma experiência teatral. Você compra seu ingresso, entra na sala, tem dez minutos de espera em blackout, a peça começa e os comentários são desligados e só depois que termina a peça é que os comentários são ligados e você pode ter uma interação com o artista . Só que o Metrópole é uma adaptação de uma peça de 2012 para plataforma. O BIXA, VIADO FRANGO faz o movimento inverso. Eu não tinha estreado essa peça ainda e, na pandemia, comecei a escrever para a plataforma, então ela já foi pensada a partir dos elementos que a plataforma me oferece.

Você tem algum sopro de otimismo diante de tudo que estamos vivendo?
Tenho, tenho sim. Pelo menos eu espero que as pessoas estejam refletindo mais sobre suas individualidades e coletividade. E que isso possa fazer uma grande mudança. Eu tenho esse sentimento positivo , embora minha esperança não seja tão forte de que a gente saia mais solidário de tudo isso. Tenho uma grande preocupação que a gente saia ainda mais individual, porque percebo no nosso entorno que existe também agora a coisa de se distanciar das pessoas. Acho que as pessoas não podem confundir distanciar-se hoje por segurança e não internalizarem isso para futuramente o distanciamento ser mais um elemento estrutural que nossa sociedade tende a fazer e também se distanciar das pessoas não mais por necessidade de segurança e sim por individualismo.

O que você viu de teatro digital nesta quarentena?
Eu vi algumas experiências, do Recife, do pessoal do Magiluth, do Clowns de Shakespeare, de Natal; do Pavilhão da Magnólia do Ceará. Tenho assistido alguns.

Como está sendo este período para você? Como está se virando para cuidar da cabeça?
Estou sozinho na quarentena. Hoje é um dia bem delicado pra mim porque essa coisa de produzir uma peça virtual…. eu opero o som, a luz, eu mudo o cenário, estou atuando e estou dirigindo a peça , escrevo a peça, faço a edição dos vídeos que eu quero colocar. Tudo isso mexendo numa televisão, num tablet, no celular e nos outros equipamentos que estão dentro da minha casa. Não tem ninguém dentro de casa comigo, só eu fazendo sozinho. Mas isso é interessante. Eu aprendi muito no teatro que nós precisamos ser donos do nosso ofício, ter um conhecimento básico para lidar com os profissionais dessas áreas. Então isso já me deixa mais feliz. Tem dias bons e tem dias ruins, tem dias que não estou muito feliz, que tenho ficado depressivo e nesses dias eu procuro as minhas forças na natureza. Abro a minha casa… sou muito ligado à natureza, à religião de candomblé, de umbanda. Não tenho uma religião certa. Mas tenho uma ligação muito forte com a religião de matriz africana. E aí abro minha casa, borrifo ervas, faço meus cânticos, faço minhas meditações e com isso me sinto um pouco melhor.

Serviço:
BIXA VIADO FRANGO
Quando: 3, 4 e 5 de agosto, às 20h
Onde: Via Instagram, no perfil @sala_de_espetaculos
Ingressos: R$ 10 (à venda pelo Sympla / Bixa Viado Frango)

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Um grito feminista contra a violência patriarcal sistêmica

O Coletivo chileno Lastesis compartilha vivências, ações e metodologia de sua trajetória e apresenta a filmagem  El Violador eres Tú e conversa com a pesquisadora e artista Maria Fernanda Vomero. Foto: Divulgação

Un violador en tu camino (Um estuprador no seu caminho), canção criada pelo coletivo chileno Lastesis, se transformou em hino feminista de protesto para mulheres mundo afora. O refrão “e não foi minha culpa, nem onde eu estava nem como me vesti” ultrapassou as fronteiras chilenas e já foi ouvido na Cidade do México, Paris, Istambul, Londres, Madrid e outros lugares onde reuniu mulheres com olhos vendadas, que entoavam a letra com entusiasmo furioso.

Chega de culpabilizar e condenar a vítima! A música assinala os carrascos dessa violência: policiais, juízes, presidentes. O “homem estuprador” (ou “macho violador” em espanhol) é quem deve estar na mira da justiça “o estuprador é você”. Para chegar a essa acusação, as artistas fizeram uma investigação sobre estupro no Chile e nomeia os algozes.

O coletivo Lastesis busca discutir as teorias feministas através da performance, da linguagem audiovisual, da música e da coreografia. Composto pelas artistas Daffne Valdés Vargas, Lea Cáceres Díaz, Paula Cometa Stange e Sibila Sotomayor Van Rysseghem, o Lastesis está sediado em Valparaíso (cidade portuária na costa chilena) e desde 2018 concebe trabalhos que problematizam várias questões de gênero.

Prevista para estrear em 2019, a segunda performance do coletivo El Violador eres Tú, (mesclada de pequenos atos de aproximadamente 15 minutos), precisou ser adiada devido ao levante popular chileno. Mas o trecho Un Violador en tu Camino  foi exibido em 20 de novembro nas ruas de Valparaíso, no evento de artes cênicas Fuegos/Acciones en Cemento, com a colaboração de  45 voluntárias, convocadas pelo Instagram.

Em seguida, Un Violador en tu Camino foi encenado em Santiago em 25 de novembro de 2019, Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, na Plaza de Armas – marco da instituição militar chilena – e na Universidade Sotomayor. O coletivo solicitou que as mulheres fossem com uma venda de tecido preto para os olhos e roupas de festa, em alusão ao verso “a culpa não era do que vestia”. A performance viralizou e foi replicada nas mídias sociais e ruas do Chile. E depois, a intervenção urbana – que ressalta o descaso do Estado, da polícia e da justiça nos casos de estupro e violência contra a mulher – ganhou o mundo.

Segundo relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) de 2018, a cada seis horas, uma mulher é vítima de feminicídio no mundo. O que é mais chocante é que 58% delas foram mortas por conhecidos, companheiros e ex-parceiros ou outros familiares. A América Latina é tida como a região do mundo em que as mulheres vivem mais vulneráveis à violência.  

Intervenção urbana do coletivo chileno. Foto: Reprodução da Internet

Como parte da Mostra Fogo nas Entranhas, o Coletivo interdisciplinar e feminista chileno Lastesis apresenta neste sábado (1º/08), às 21h, um registro de sua mais recente performance indoor El Violador eres Tú (performance original de onde o coletivo extraiu a cápsula Un violador em Tú caminho, que viralizou no mundo durante as manifestações populares no Chile no final de 2019). seguido de uma conversa entre as integrantes do Lastesis, a artista e pesquisadora Maria Fernanda Vomero e o público. O grupo compartilha vivências, ações e metodologia de sua trajetória. O acesso é com contribuição voluntária (de 0,00 a 40,00)

O Fogo nas Entranhas integra o projeto Sala Aberta #REC. Com curadoria de Carla Estefan e realização da Metropolitana Gestão Cultural,  juntou trabalhos de artistas femininas que trilham sua pesquisa e experimentação na intersecção entre as linguagens formais e híbridas da cena contemporânea. Já exibiu virtualmente as gravações dos espetáculos Lobo, de Carolina Bianchi Y Cara de Cavalo, feita no Teatro Oficina, e Stabat Mater, de Janaina Leite, realizado no Centro Cultural São Paulo (que também integra o Festival Arte Como Respiro, do Itaú Cultural).

A performance original El Violador Eres Tú estreou em janeiro de 2020 como parte da programação de dois festivais internacionais de Santiago. Na época, a turma foi contactada pela curadoria da HAU – Berlim (Alemanha) para apresentações na capital alemã. O coletivo também foi convidado pela produtora Carla Estefan para vir ao Brasil e solicitado a integrar uma Mostra de Dança do MASP – Museu de Arte de São Paulo. Em virtude da pandemia, o MASP cancelou a exposição e o projeto Sala Aberta #REC realiza a atividade no formato online.

O coletivo Lastesis vai dialogar com a realidade brasileira em uma conversa que promete ser incendiária com a provocadora Maria Fernanda Vomero. As artistas Daffne Valdés, Lea Cáceres, Paula Cometa e Sibila Sotomayor vão falar da motivação de erguer o coletivo, sobre as escolhas das teses feministas e como avaliam a repercussão do ato performático que rodou o mundo. Também estão na pauta da conversa sobre ativismo e performance em tempos de pandemia e de confinamento. Vamos mergulhar na reflexão se é possível ser artivista via plataforma virtual?

COLECTIVO LASTESIS
El Violador Eres Tú
Quando: Dia 1º de agosto, sábado, às 21h
Onde: Online via Zoom
Ingressos: contribuição voluntária de R$ 0,00 a R$ 40,00
www.sympla.com.br/salaaberta

Ficha técnica
Coletivo Lastesis: Daffne Valdés Vargas, Paula Cometa Stange, Lea Cáceres Díaz e Sibila Sotomayor Van Rysseghem
Mediação e Provocação: Maria Fernanda Vomero
Apresentação: Carla Estefan
Apoio na tradução: Amanda Moretto
Distribuição exclusiva e produção da Lastesis no Brasil: Metropolitana Gestão Cultural
SalaAberta#REC Idealização e curadoria: Carla Estefan
Live streaming: Flávio Barollo
Realização: Metropolitana Gestão Cultural
Duração total do encontro: 2h
Recomendação etária: acima de 14 anos

“Un violador en tu camino” (Um estuprador no seu caminho)

El patriarcado es un juez, (O patriacado é um juiz)
que nos juzga por nacer (que nos julga ao nascer)
y nuestro castigo es (e nosso castigo é)
la violencia que no ves. (a violência que não se vê)
El patriarcado es un juez, (O patriarcado é um juiz)
que nos juzga por nacer (que nos julga ao nascer)
y nuestro castigo es (e nosso castigo é)
la violencia que ya ves. (a violência que já se vê)
Es feminicidio (É o feminicídio)
Impunidad para el asesino (Impunidade para o assassino)
Es la desaparición (É o desaparecimento)
Es la violación (É a violação)
Y la culpa no era mía, ni dónde estaba, ni cómo vestía (4x) (E a culpa não era minha, nem onde estava, nem como me vestia)
El violador eras tú (2x) (O estuprador é você)
Son los pacos (policías) (São os policiais)
Los jueces (Os juízes)
El estado (O estado)
El presidente (O presidente)
El estado opresor es un macho violador (2x) (O estado opressor é um homem estuprador)
El violador eras tú (2x) (O estuprador é você)
Duerme tranquila niña inocente, (Dorme tranquila, menina inocente)
sin preocuparte del bandolero, (sem se preocupar com o bandido)
que por tus sueños dulce y sonriente (que os seus sonhos, doce e sorridente)
vela tu amante carabinero. (cuida seu querido carabinero (policial) – os quatro últimos versos foram retiradas de um canto da polícia chilena, uma forma de ironizar a letra da canção, segundo declararam as compositoras)
El violador eres tú (4x) (O estuprador é você)

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Festival Arte como Respiro começa nesta sexta (17)

Palhaça Zanoia abre programação de festival. Foto: Olga Ferrario

Diante do número assustador de mais de 70 mil mortos no Brasil, em quatro meses de pandemia da Covid-19, deve demorar muito até que uma sala de teatro possa estar lotada novamente. Desse cenário desolador, questões se desprendem e multiplicam – desde as práticas, que dizem respeito à sustentação da cadeia produtiva até aquelas mais conceituais, que questionam, por exemplo, se o teatro que estamos vendo, de nossas casas, nas plataformas digitais, pode ser considerado de fato teatro. Para além desse debate teórico-prático, as ações de instituições culturais e dos próprios artistas nas redes se multiplicam. O Itaú Cultural, com o edital Arte como respiro, foi um dos primeiros a incentivar a produção cênica neste momento. Entre os dias 6 e 10 de abril, o instituto recebeu mais de 7.200 propostas artísticas.

A partir desta sexta-feira (17), os trabalhos selecionados no edital participam do Festival Arte como Respiro – Edição Cênicas. Nesta primeira formatação, 26 obras serão exibidas no site do Itaú Cultural, permanecendo disponíveis ao público por 24 horas cada uma delas. O festival será realizado em dois blocos – de hoje a domingo (19) e entre os dias 22 e 26 de julho (de quarta a domingo).    

Quem abre a programação l é Lívia Falcão, com sua palhaça xamânica Zanoia. Os vídeos Rezos da Xamãe Zanoia também estão no instagram da atriz. São respiros de sensibilidade e possibilidade de mergulho, mesmo que você esteja por trás de um celular. Com uma produção simples, a índia-palhaça Zanoia faz vídeos-chamada nos deixando saberes ancestrais do seu povo, lições importantes de como sobreviver neste tempo-espaço.

Na quinta-feira (23) da semana que vem, às 20h, Hermínia Mendes apresenta o vídeo Pedaços – poesia performática, uma proposta de refletir a partir de um corpo inquieto nesta situação de caos e pandemia. Há quanto tempo mesmo estamos doentes? No dia 24, outra atração pernambucana é o Teatro de Fronteira, com uma intervenção literária, performática e audiovisual – Cenas teatrais: #Queerantena – Puro Teatro. São duas leituras-performadas, baseadas “nas vidas daqueles que escapam ao padrão, dos considerados estranhos, esquisitos”, diz a sinopse.

Batata Quente, cena da Caravana Tapioca

Para matar a saudade da Caravana Tapioca (de Anderson Machado e Giullia Cooper, que moraram no Recife por sete anos, mas voltaram para São Paulo há um tempo), tem também a cena Batata Quente, que faz parte do espetáculo Chá Comigo, mas foi adaptada para esta versão em vídeo. O público vai acompanhar a palhaça Nina fazendo uma receita deliciosa – certamente vem risada e trapalhada por aí.

Outros destaques – Um dos trabalhos pensados neste momento é Mil e uma noites século trans 21, de Ave Terrena, Aretha Sadick, Leo Moreira Sá e Verónica Valenttino, artistas transvestigêneres. Outra sugestão dentro da programação diversa do festival é o espetáculo Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, uma ótima oportunidade para ampliar o alcance do espetáculo, que estreou com temporada no Sesc Bom Retiro no ano passado.

CONFIRA A PROGRAMAÇÃO DO FESTIVAL NO SITE DO ITAÚ CULTURAL

Mil e Uma Noites Século Trans 21

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