Cássia Eller quase bem-comportada

Sessão com Jana Figarella. Foto: divulgação

Sessão com Jana Figarella no papel título, no Teatro RioMar, no Recife

O espetáculo Cássia Eller, o musical é caudaloso. Duas horas e meia de duração em que passeia pelas principais canções que a intérprete gravou/cantou em sua breve carreira. Com uma cozinha competente, instigada, as músicas ganham texturas dos arranjos de Lan Lan. A banda – Maurício Braga (bateria), Felipe Caneca (piano), Pedro Coelho (baixo), Diogo Viola (guitarra) e Fernando Caneca (violão) – se garante e dá a sustentação sonora ao espetáculo. A encenação faz parte de uma safra de musicais biográficos. E é muito bom que os motivos sejam os artistas brasileiros.

A sessão das 17h do sábado foi com Jana Figarella no papel da Cássia. Uma plateia totalmente pró, da família, amigos, antigos colegas do curso de Teatro da UFPE, admiradores de carreira de Jana. Ela morou dos 15 aos 32 anos no Recife, onde cantou em bares e cursou Teatro na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O público estava nessa sintonia de torcida por alguém da cidade que conseguiu um lugar de destaque.

Se a parte musical está garantida, a atuação e outros elementos também precisam estar em acordo. Mas a dramaturgia romantiza o percurso da homenageada. Ganha destaque sua timidez, sua dependência emocional. O roteiro, no entanto, passa por cima dos conflitos da artista, que até parece que teve as negociações para se tornar Cássia Eller muito facilitadas. É uma simplificação do trajeto que não condiz com a biografia da cantora.

Dirigido por João Fonseca (dos musicais Tim Maia – Vale Tudo e Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz) e Vinícius Arneiro e escrito por Patrícia Andrade (Elis, a Musical), a peça opta por uma abordagem doce e intimista. Parece um show, com uma lista de músicas, das boas, encadeadas uma às outras.

Por Enquanto (Renato Russo), Malandragem(Cazuza/Frejat) e Com Você Meu Mundo Ficaria Completo (Nando Reis), Eleanor Rigby, dos Beatles, são algumas das canções apresentadas com competência. A protagonista também faz dueto com outros atores, como em Noite do Meu Bem, de Dolores Duran, quando divide a música com Evelyn Castro (mãe da cantora); ou Relicário, com Emerson Espínola.

Com exceção da protagonista, os outros intérpretes se revezam em vários papéis, desde o pai da cantora (o militar Altair Eller) até o cantor e compositor Nando Reis, passando por Eugênia, companheira de Cássia e Lan Lan. Eline Porto, Mario Hermeto e Thainá Gallo são os outros atores do elenco.

A protagonista tem poucas falas. Falta acento para mostrar a explosão da trajetória artística da cantora, que morreu em 2001 aos 39 anos. Cássia Eller era bem mais heavy metal do que aparece na dramaturgia de Patrícia Andrade. Em 2001 ela estava exausta, física e emocionalmente. Além do estresse da turnê (na peça a protagonista fala em 80 shows, pode ter sido mais), sabe-se que ela estava em tratamento para se livrar da cocaína: a pressão da fama era imensa, as entrevistas apavoravam, o filho crescendo, o assédio dos fãs. Pouco disso entra no espetáculo como nervo que vibra.

Apesar dos palavrões, dos seios à mostra, o musical se apresenta muito bem comportado para o vulcão que era Cássia Eller no palco. Era algo sem esforço. Uma rebeldia que transpirava. No palco, cantando ou comentando algo. Seu gestual andrógino também tinha um preço. Há 14 anos, sua postura homossexual era uma posição política que recebeu seus ataques.

O cenário, de Nello Marrese e Natália Lana, parece uma caverna escura, que cansa devido à neutralidade, onde são utilizadas cadeiras e instrumentos musicais. O figurino é modificado com o acréscimo de alguns adereços.

É verdade que há momentos engraçados, como o telefonema para Caetano Veloso, para agradecer pela música Gatas Extraordinárias, que ele compôs para Eller. É verdade que há muitos momentos emocionantes. E que o gestual faz lembrar de Cássia.

Destaque para Evelyn Castro (Mãe/Ana), Thainá Gallo (Moema/Lan Lan) e Emerson Espíndola (Marcelo Saback/Executivo/Nando Reis). Além da própria Jana, que interpreta bem o repertório, além de ter composto com talento o papel criado pela dramaturgia/direção, seja na timidez, no olhar, no caminhar.

Mas, também é verdade, ainda falta muito de Cássia nesse musical.

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