Arquivo mensais:maio 2015

Teresinhas: as escolhas de uma mulher

Espetáculo de dança contemporânea faz duas apresentações no   Recife. foto: Ana Meinhardt

Espetáculo de dança contemporânea faz duas apresentações no Recife. Foto: Ana Meinhardt

Em A hora da Estrela Clarice Lispector sentenciou: “O destino de uma mulher é ser mulher”. Ampla e profunda essa reflexão. Já em Perto do Coração Selvagem, a escritora deixou gravado: “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”. As escolhas determinam o percurso na vida. O espetáculo de dança contemporânea Teresinhas fala um pouco dessas coisas. Expõe em coreografias a trajetória de uma criatura do sexo feminino. Para mostrar as várias etapas da vida, sete bailarinas entre 30 e 70 anos interpretam a personagem principal.

Teresinhas faz duas apresentações no Recife dias 15 e 16 de maio, às 20h, no Teatro Luiz Mendonça. A montagem é assinada pelo coreógrafo Paulo Guimarães, que se inspirou em um texto de Vinícius de Moraes e no depoimento de sua mãe, Teresinha Jardim Machado.

As atrizes-bailarinas Ângela Coelho, Fernanda Stein, Gabriela Rutkoski, Julia Trevisan, Sônia Guasque, Thais Freitas e Nury Salazar assumem os papéis de mãe, mulher, filha, amiga, companheira e outros mais subjetivos.

No dia 16, o diretor Paulo Guimarães ministrará um workshop gratuito de dança contemporânea, das 9h às 12h, no mesmo teatro.

Sete atrizes-bailarinas participam da encenação

Sete atrizes-bailarinas participam da encenação. Foto: Divulgação

A encenação conta com trilha sonora executada ao vivo pelo músico Tiago Rinaldi, premiado no 11º Festival de Música de Porto Alegre.

O projeto do Grupo Meme, de Porto Alegre/RS, tem financiamento da Lei de Incentivo à Cultura do Estado do RS, patrocínio dos Correios e do O Boticário na Dança e realização do Ministério da Cultura.

SERVIÇO
Espetáculo de dança Teresinhas
Quando: 15 (sexta-feira) e 16 (sábado), às 20h
Onde: Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu), Av. Boa Viagem, S/N – Boa Viagem, Recife
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada)

teresinhas2
FICHA TÉCNICA
Concepção, direção e coreografia: Paulo Guimarães
Elenco: Ângela Coelho, Fernanda Stein, Gabriela Rutkoski, Julia Trevisan, Sônia Guasque, Thais Freitas, Nury Salazar
Trilha sonora e execução: Tiago Rinaldi
Depoimentos e locução: Teresinha Jardim Machado e Rodrigo Shalako
Cenário: Rudinei Morales
Figurino: Francisco Pimentel
Criação de luz: Fabrício Simões
Operador de luz: Vagner Duarte
Fotografia: Cláudio Etges e Fábio Zambom
Divulgação e design gráfico: Tiago Rinaldi
Produção: Grupo MEME

Postado com as tags: , , , , , , , , ,

Vem aprender a dançar frevo, meu bem!

A dança do frevo tem passos bem difíceis, de forma acrobática Foto: Ju Brainer

A dança do frevo tem passos bem difíceis, de forma acrobática. Na foto de Ju Brainer, o espetáculo Frevo de casa

É contagiante. Quando uma pequena orquestra executa o frevo Vassourinhas no Carnaval pernambucano ninguém fica parado, a multidão se movimenta freneticamente. Esse ritmo musical que mistura marcha, maxixe e elementos da capoeira é Patrimônio Imaterial do Brasil desde 2007 e da Humanidade pela UNESCO desde 2012. O estudo da dança do frevo é motivo do projeto Frevo para aprender e ensinar, dos pesquisadores e coreógrafos Valéria Vicente e Giorrdani de Souza (Kiran). Trata-se da primeira obra com conteúdo específico para a prática do frevo. Na publicação os autores refletem sobre o ensino de dança através de estudos práticos, de forma profunda e atualizada, mas que possa alcançar os mais variados públicos.

Frevo para aprender e ensinar em formato livro e também no site www.frevopesquisa.com.br tem lançamento nesta quinta-feira (14), no Paço do Frevo (Bairro do Recife). A noite de autógrafos conta com apresentação da Orquestra de Frevo Zezé Correia, mantida pela Sociedade Musical 15 de Novembro de Upatininga (distrito de Aliança, Zona da Mata Norte pernambucana). A edição custa R$ 15 durante o evento e por R$ 20 pelo email:editora@associacaoreviva.org.br

Frevo para aprender e ensinar reúne aprendizados que tive nos últimos seis anos, atuando como professora universitária e lidando com diferentes corpos, interesses e sensibilidades”, situa Valéria Vicente. “Com certeza os conhecimentos que compartilhamos no livro e no site transformaram minha forma de entender o frevo, de dançar e de criar. Fico feliz em poder compartilhar isso com mais pessoas”.

“Para nós é muito importante levar ao público as informações resultantes de nossa pesquisa”, diz Kiran. “O livro traz propostas pedagógicas baseadas em cinesiologia, fisiologia do exercício e biomecânica numa perspectiva de contribuir para expansão do entendimento do corpo em movimento entre aqueles que se dedicam ao ensino e a prática do frevo”.

A obra tem ilustrações e programação visual de Iara Sales, a partir de desenhos feitos pela artista Isa Trigo. E inclui fotografias de Tonlin Cheng feitas com integrantes do grupo Guerreiros do Passo, formado por discípulos do mestre Nascimento do Passo.

Frevo para aprender e ensinar é uma publicação das editoras Universitária da UFPE e Associação Reviva, com o incentivo do Funcultura / Fundarpe, Secretaria de Cultura do Governo do Estado de Pernambuco.

Orquestra de Frevo Zezé Corrêa toca no lançamento. Foto: Ederlan Fábio

Orquestra de Frevo Zezé Corrêa toca no lançamento. Foto: Ederlan Fábio

O livro está dividido em sete capítulos:
Capítulo 1: O frevo patrimônio imaterial e sua dança original – apresenta uma breve descrição da história do frevo, especialmente da dança e sua escolarização.
Capítulo2: Princípios pedagógicos e ensino do frevo – apresenta discussão sobre educação na contemporaneidade e um diálogo com os princípios positivos do Método Nascimento do Passo e de elementos que poderiam ser revistos ou ampliados.
Capitulo 3: Princípios do treinamento físico e aulas de dança – aborda práticas que, apesar de comuns na área de dança, precisam de ajustes diante das evidências científicas por colocarem em risco a saúde dos alunos.
Capítulo 4: Fortalecimento muscular complementar – uma prática necessária – apresenta revisão bibliográfica para definir e qualificar práticas complementares ao frevo para organização eficiente das musculaturas dos membros inferiores.
Capítulo 5: Sugestão de progressão para a aula de frevo – apresenta e explica uma proposição de progressão para a aula de frevo com base no conjunto das informações adquiridas na pesquisa e pela prática dos seus autores após a aplicação dessas informações.
Capítulo 6: Resultados das análises cinesiológicas e indicações para a realização dos movimentos – apresenta a pesquisa cinesiológicas, seus procedimentos e resultados e apontamos algumas indicações para execução dos movimentos analisados.
Capítulo 7: Depoimentos de Luciano Amorim e Flaira Ferro.

Kiran e Valéria Vicente. Foto Afonso Oliveira

Kiran e Valéria Vicente. Foto Afonso Oliveira

OS AUTORES
Giorrdani de Souza (Kiran) é fisioterapeuta graduado pela Hogeschool van Amsterdam (European School of Physiotherapy) na Holanda e pela Faculdade Integrada do Recife. Mestrando em dança pela UFBA, pós-graduado em Fisiologia do Exercício aplicada a grupos especiais pela Universidade Gama Filho e em Dança como Prática Terapêutica pela Faculdade Angel Vianna. Bailarino e ator com carreira internacional, atua como coreógrafo, professor de Técnicas Contemporâneas de Dança, Dança-teatro, trabalho de corpo para atores, pesquisador do movimento humano e professor de anatomia, fisiologia do exercício e cinesiologia para bailarinos. Professor da Pós-Graduação em Dança Educacional e Artes Cênicas pela CENSUPEG (Centro Sul-Brasileiro de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação).

Valéria Vicente é dançarina, co¬reógrafa e passista. Professora da Licenciatura em Dança da UFPB, doutoranda do Programa de pós-graduação em Artes Cênicas da UFBA e uma das coordenadoras do Acervo Recordança (PE). Publicou o DVD Trançados Musculares: saúde corporal e ensino do frevo (2011) e os livros Entre a Ponta de pé e o Calcanhar: Reflexões sobre como o frevo encena o povo, a nação e a dança no Recife (2009); Brincando Maracatu (2008) e Maracatu Rural: O espetáculo como Espaço Social (2005). Na prática de dança, suas pesquisas resultaram nos espetáculos: Frevo de Casa (2014), Fervo (2006) e Pequena Subversão (2007). Relativo a prática pedagógica, também participou da elaboração dos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Licenciatura em Dança da UFPE (2008) e UFPB (2012).

Serviço
Lançamento do livro Frevo para aprender e ensinar, de Giorrdani de Souza e Valéria Vicente (Editora UFPE)
Quando: Quinta-feira, 14 de maio, às 18h30
Onde: Paço do Frevo (Rua da Guia, s/n – Bairro do Recife)
Informações: 3355-9527
Entrada franca

Postado com as tags: , , ,

Musical Cazuza no Recife

Críticos dizem que Emílio Dantas interpreta um Cazuza de forma quase mediúnica. Fotos : Leo Aversa

Críticos dizem que Emílio Dantas interpreta um Cazuza de forma quase mediúnica. Fotos: Leo Aversa

O músico Cazuza era um facho de luz no universo rock’n’roll brasileiro dos anos 1980. Suas músicas irreverentes, sua rebeldia, sua poesia tocava nos nervos dos jovens da época e falavam de coisas importantes para o momento político brasileiro. Morreu jovem, no auge da carreira, exibindo sua dor e revolta, sua urgência de viver nos palcos. Esteve no Recife com o último show em que já definhava. Comovente.

Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz, O Musical já foi aplaudido por mais de 200 mil pessoas, segundo a produção, e já circulou por 12 cidades brasileiras. O espetáculo tem direção de João Fonseca – que vem desenvolvendo uma cena musical brasileira mais despojada e teatral, que vai de Gota d’Água a Tim Maia – e texto de Aloisio de Abreu. A peça vai fazer três apresentações no Recife, de 5 a 7 de junho, no Teatro RioMar. Os ingressos estão à venda na bilheteria do teatro, loja Maria Filó (Shopping Recife), loja Reserva (Plaza Shopping) e www.ingressorapido.com.br. Custam de R$ 25 a R$ 150.

Mesmo sem querer, o artista virou mito. Sua linguagem libertária, o temperamento explosivo, o talento e a morte prematura aos 32 anos em 1990 contribuíram para esse lugar de ícone.

A encenação é protagonizada pelo músico e ator Emílio Dantas. Os outros intérpretes assumem figuras como Lucinha e João Araújo, Ney Matogrosso, Bebel Gilberto, Frejat, Caetano Veloso, entre outros.

O autor Aloisio de Abreu fez uma pesquisa com pessoas próximas ao músico para compor a dramaturgia. Aloisio levou para a cena “um quê de crônica daqueles anos 1980 e comportamentos típicos dos jovens da época”. O dramaturgo imprime agilidade nessa história para traduzir a vida curta e intensa do artista.

A formação da banda Barão Vermelho tem destaque na peça

A formação da banda Barão Vermelho tem destaque na peça

As canções embalam os momentos na vida de Cazuza, a revelação do teatro, o Barão Vermelho, o estouro, as brigas, o estrelato solo, a descoberta da doença, a pressa poética dos últimos dias. E nesse percurso entram os maiores sucessos do artista, em bando ou sozinho, como Pro Dia Nascer Feliz, Codinome Beija-Flor. Bete Balanço, Ideologia, O Tempo Não Para, Exagerado, Brasil, Preciso Dizer Que Te Amo e Faz Parte do Meu Show. Além de canções que Cazuza nunca gravou, como Malandragem, Poema e Mais Feliz.

A cenografia de Nello Marrese é formada por seis praticáveis que representam palafitas. A areia do chão simboliza o Arpoador, um dos recantos preferidos de Cazuza. O elemento fixo é uma mesa multiuso, que se transforma em bar, quarto, hospital.

A nossa saudosa Barbara Heliodora escreveu sobre o espetáculo para O Globo: “O espetáculo é envolvente em todos os seus aspectos. A direção de João Fonseca é um total acerto, pois cria exatamente o clima sugerido pelo texto. Emilio Dantas é um excelente Cazuza, com grande segurança nas enormes variações de humor e emoção.”

SERVIÇO
Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz, O Musical
Onde: Teatro RioMar: 4º piso do RioMar Shopping – Av. República do Líbano, 251, Pina, Recife
Quando:
Dia 5 de junho, às 21h
Dia 6 de junho, às 21h30
Dia 7 de junho, às 20h
Sessão extra dia 6 de junho, sábado, às 18h
Sessão extra dia 7 de junho, domingo, às 16h30
Ingressos:
Plateia: R$ 150 (inteira) e R$ 75 (meia)
Balcão promocional: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia)
À venda na bilheteria do teatro, loja Maria Filó (Shopping Recife), loja Reserva (Plaza Shopping) ewww.ingressorapido.com.br
* Meia-entrada válida para maiores de 60 anos, professores, estudantes até 12 anos e assinantes do Jornal do Commercio. Sócios do Náutico têm 20% de desconto sobre o valor da inteira na bilheteria do teatro.
Informações: (81) 3207-1144
Classificação: 14 anos
Duração:150 minutos

Cazuza3_credito_LeoAversa

FICHA TÉCNICA
Texto: Aloísio de Abreu
Direção Geral: João Fonseca
Produção Geral: Sandro Chaim
Direção Musical: Daniel Rocha
Supervisão Musical: Carlos Bauzys
Preparador Vocal: Felipe Habib
Coreografias: Alex Neoral
Cenário: Nello Marrese
Figurino: Carol Lobato
Visagismo: Juliana Mendes
Design de Luz: Daniela Sanches e Paulo Nenem
Design de Som: Gabriel D´Angelo
Apresentado pelo Ministério da Cultura
Realização: Miniatura 9, Chaim XYZ Produções
Produção Local: Art Rec Produções
Elenco:
Emílio Dantas ou Osmar Silveira (Cazuza), Stella Rodrigues (Lucinha Araújo), Marcelo Várzea (João Araújo), André Dias (Ezequiel Neves), Fabiano Medeiros (Ney Matogrosso), Brenda Nadler (Bebel Gilberto), Arthur Ienzura (Frejat), Igor Miranda (Maurício Barros e sub Cazuza), Oscar Fabião (Serginho e sub Frejat), André Vieri (Guto Goffi), Marcelo Ferrari (Dé Palmeira), Dezo Mota (Caetano Veloso), Carol Dezani (Yara Neiva / vizinha / médica/ feia / Swing feminino), Sheila Matos (Tereza / mãe / enfermeira / sub Lucinha), Philipe Carneiro (Zeca Camargo / traficante / repórter / swing masculino), João Fonseca (sub Ezequiel Neves) e Carlo Leça (swing masculino)

Postado com as tags: , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

Os sentidos da maternidade

Cara da mãe explora o mundo dos afetos. Foto: Camila Sérgio /Divulgação

Cara da mãe explora o mundo dos afetos. Foto: Camila Sérgio /Divulgação

A maternidade é o tema central do espetáculo Cara da mãe, que faz duas sessões justamente neste fim de semana do Dia das Mães, às 17h, no Teatro Marco Camarotti, do Sesc Santo Amaro. É um apelo carinhoso. O Coletivo Cênico Tenda Vermelha convida o espectador a participar de uma experiência sensorial em um ambiente que lembra o útero, lugar de proteção, onde todos nós fomos alimentados e amados durante meses.

A encenação, que traça diálogo entre dança e teatro, estreou no Janeiro de Grandes Espetáculos deste ano. No palco estão as bailarinas Ana Luiza Bione, Íris Campos e Janaína Gomes, sob direção de Luciana Lyra. A montagem propõe reflexões pautadas pelos sentidos. A maternidade na contemporaneidade não descarta ancestralidade feminina.

O trio incorpora movimentos do início da vida: a posição fetal, o parto, as dores, os afetos. Mas amplia de este estado de graça – que é ser mãe – pela vida afora em gestuais da memória, sensibilidades, conflitos, inquietudes, mas sempre carregados de muita generosidade. A relação mães e filhos, a infância são convocados para o palco com delicadeza, num ritmo cênico de tempo ampliado.

SERVIÇO
Espetáculo de dança teatro Cara da mãe
Quando: amanhã e domingo, às 17h
Onde: Teatro Marco Camarotti, Sesc Santo Amaro.
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia).
Informações: 3216-1728

Postado com as tags: , , , , ,

Poesia contra preconceitos

Solo da atriz Soraya Silva é inspirado na obra de Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda

Solo da atriz Soraya Silva é inspirado nas obras de Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda

Olhos de Café Quente embala histórias de meninas, mães, madrinhas e mulheres. Episódios belos, tristes, de denúncia. É um espetáculo que acende a memória de feridas provocadas por preconceitos (in)disfarçáveis. No solo, a atriz Soraya Silva debate cenicamente a questão de raça e realiza um mergulho profundo no universo feminino. A peça ergue uma heroína do povo a partir das obras de Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda. Olhos de Café Quente, com direção de Quiercles Santana, estreia nesta sexta-feira, 1º de maio, Dia do Trabalhador, no Teatro Hermilo Borba Filho, no Recife.

O encenador diz que a montagem é uma aposta no teatro, na delicadeza dos pequenos movimentos, nas ações silenciosas, nas palavras, na poesia. Olhos de Café Quente faz vibrar quando aponta para as dores e as alegrias de existir. A atriz elabora no corpo, nos gestos, movimentos e sentimentos, as recordações e desejos de uma mulher, que são muitas numa só: a menininha abelhuda, a mocinha encantadora, a mulher enérgica, a anciã.

Quiercles Santana nos dá mais algumas pistas. A encenação “é sobre as diversas fomes e sedes que nos consomem… É sobre a solidão da escrita e a paixão por palavras instauradoras de mundos, imagens, sombras, reflexões”.

O processo de criação do espetáculo começou em 2013, a partir da obra de Carolina Maria de Jesus, mulher negra, pobre, catadora de lixo, mãe solteira, semianalfabeta, que morou na favela do Canindé, em São Paulo, e surpreendeu o mundo com uma escrita autobiográfica; memorialista; poética, em formato de contos, provérbios e romances. O contraponto para essa dramaturgia “de grande relevância política, estética e social” é a obra de Elisa Lucinda “negra de olhos verdes”, respeitada atriz, cantora, poetisa e jornalista com sua poesia do cotidiano.

No livro Quarto de despejo: diário de uma favelada, publicado em 1960, Carolina Maria de Jesus (1914-1977) faz um desabafo por todos os excluídos desse Brasil, os abandonados à própria sorte, enfrentando a miséria absoluta, fome e violência. A escritora ainda publicou, no Brasil, os livros Casa de alvenaria (1961), Provérbios (1963), Pedaços da fome (1963) e Diário de Bitita (publicação póstuma, 1982).

Atriz interpreta várias mulheres numa só

Atriz interpreta várias mulheres numa só

“Num balanço se balança, sem pressa, uma jovem mulher, de branco vestida.
É negra ela… Como negra é a tinta com que escreve, na brancura do papel, seus poemas e lembranças.
Suas histórias deslizam com pés de anjo, passos leves, no espaço, como se o tempo fosse outro, como se a vida não urgisse.
Ouvimos quando canta, voz grave, canções antigas.
Vemos quando acende velas multicores.
Sentimos o rescindir de perfumes.
Rodeada de livros e escritos, ela conta, tranquila-tranquila, sonhos de infância, de como entende a vida, de seus desejos de mulher, de suas perdas e danos, das dores e alegrias de ser mulher negra.
Às vezes a sentimos endurecer, guerreira, solicitando mais respeito, mais amor, alguma dignidade. Aí sua voz ganha força, peso, ressoa alto, penetrante, na plateia. Ela nos toca, provoca, afeta, faz pensar.
Ouvimos outras vozes nas suas palavras. E calamos ante sua força e fé. Pois que a dor que lhe grita por dentro não é sua somente. É nossa também. É de todo mundo que já se viu, em algum momento, apequeninado pelo preconceito racial.
A mulher de branco vestida é, ela mesma, um poema feito de carne, músculos e respirações. É puro movimento interno e externo. É um convite para se ver, de outro ângulo, o mundo tal qual o conhecemos.”

A peça é sobre ser negro e pobre, ter de se virar e  manter a altivez

A peça é sobre ser negro e pobre, ter de se virar e manter a altivez

Serviço
Olhos de café quente
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife)
Quando: Sextas, sábados e domingos, de 1º a 10 de maio, às 20 horas
Quanto: R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada)

ENTREVISTA // QUIERCLES SANTANA

Quiercles Santana, diretor do espetáculo. Foto: Andréa Neres

Quiercles Santana, diretor do espetáculo. Foto: Andréa Neres

Como vocês compuseram a dramaturgia?
A dramaturgia foi sendo erguida por tentativa e erro na lida diária dos ensaios. A gente testava, como um bricoleur, os fragmentos, casando as vozes, fazendo a alquimia de duas escritoras (Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda), que têm escritas completamente distintas. Como dar coesão de modo que fossem salvaguardadas as diferenças, fazendo ressaltar as semelhanças a ponto de que a performance da atriz tivesse coerência dramática.

Como foi dirigir poesia?
A poesia está na prosa das escritoras. É uma poesia em potencial, não se trata de poemas, fique claro. É antes uma contundente exposição de argumentos, de relatos sobre o que se vê, o que se vive no dia a dia, nas esperanças e solidões dessas mulheres. É uma poesia garimpada no prosaico da realidade.
Isso se falamos de poesia enquanto dizer, enquanto palavra. Mas o espetáculo guarda outra poesia, super importante para nós, que é a poesia feita com o espaço e o tempo. Porque não são apenas as palavras que falam em Olhos de café quente. É também o silêncio, é o tempo, que diz quando a palavra não pode mais dizer. É a dor entalada no peito, o nó na garganta, a espera, os sonhos não realizados, os nossos mortos que carregamos, as pequenas percepções da vida e do mundo que de repente nos faz silenciar e ouvir este fundo sem fundo que é o tempo passando (ou nós passando por ele).

Por que essa escolha?
Essa escolha, a princípio, foi feita pelas atrizes Márcia Cruz e Soraya Silva. Elas que me convidaram. Com o tempo fui me apaixonando também pela proposta inicial delas.

Quais suas influências para criar a cena?
Sabe, não pensei nisso, em influências. Mas em fluências, sim. Em deixar a “música” soar. Como criar dinamismos, mudanças de atmosferas, instaurar sensações com o corpo, como afetar e deixar ser afetado. Uma leitura que me tem feito pensar muito e que devorei no processo de realização desse sonho foi Ideograma: Lógica, Poesia, Linguagem, do Haroldo de Campos.

Qual o tratamento interpretativo para falar sobre “ser mulher, ser negra e ser pobre no Brasil”?
Talvez alguns estudiosos das obras das autoras reclamem por não vê-las ali representadas. Não queremos representar ninguém, mas apresentar, ou seja, tornar presente uma força que se move, que dança, que se imobiliza, que toca o invisível da linguagem. Não esteve nunca em nosso foco de atenção representar as autoras, mas recriar as suas obras. Não é uma biografia histórica delas. É uma reinvenção das suas vivências. Isso sem panfletos, por que também não é muito a nossa levantar bandeiras, mas provocar, sacudir, pensar sobre as situações. Há momentos do espetáculo que são completamente criticáveis, até politicamente incorretos, que interessam pelo poder crítico que carregam. Não quer dizer que concordamos, mas quer dizer que são importantes como alavancas de reflexão.

Como é a direção de arte e técnica?
Uma opção estética foi pelo mínimo. Até mesmo porque não temos dinheiro e não fomos agraciados por nenhum edital público de fomento. Então apostamos no mínimo. Nenhum grande cenário. Luz e palco quase nu. E olha como é difícil porque não é simples mesmo chegar no simples. É bem complexo. Mas acredito que conseguimos coisas muito importantes aqui, inclusive porque não desistimos de criar este mundo, mesmo sem grana. É uma aposta alta no poder evocativo da palavra e no corpo movente.

O que você espera do público ao abordar episódios complexos e diria até, violentos?
O que espero é que possamos afetar as pessoas de alguma maneira, emocioná-las ao mostrar uma mulher sozinha em cena a conjecturar sobre o valor da arte e da vida, com os seus fantasmas. Que o espetáculo possa ser um espelho e olhando para a Soraya possamos nos enxergar um tantinho melhor. É bem pretensioso, mas sem pretensões como fazer teatro hoje?

Por que vocês vão ficar tão pouco tempo em temporada?
Uma questão é que muitos grupos disputam os espaços hoje no Recife. Outra questão é que a atriz deve voltar à Itália no fim do mês e não temos como segurá-la aqui, a não ser que o espetáculo seja convocado para muitas outras apresentações, mesmo que em espaços alternativos (o que é possível porque tudo cabe dentro de uma mala). Não precisamos de muito para ir adiante. E ainda temos de pagar muita gente que topou esta poesia junto conosco.

FICHA TÉCNICA
Direção e preparação corporal: Quiercles Santana
Assistência de direção: Asaias Lira
Atriz pesquisadora: Soraya Silva
Texto: Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda
Organização e Seleção de Textos: Quiercles Santana e Soraya Silva
Cenografia e Figurino: Quiercles Santana
Iluminação: Natalie Revorêdo
Vídeo e montagem: D’Angelo Roberto
Fotografia: D’Angelo Fabiano
Programador Visual: José Barbosa e Luca Principi
Consultoria: Raffaella Fernandez – Dra. pesquisadora das obras de Carolina Maria de Jesus
Produção Executiva: Aracelly Silva
Produção Geral: Renata Phaelante
Realização: Eu&tu Nútero de Criação Teatral

Postado com as tags: , , , , , , , , , , , ,