Arquivo mensais:maio 2013

A bunda é questão séria

Tempostepegoquedelícia transborda de ironia pelos falos postiços. Foto: Ivana Moura

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Certa vez uma amiga tentava me convencer que há padrões de comportamentos estanques para delimitar o masculino e o feminino. Um gestual mais duro, reto, tinha que ser “macho man” e um gestual mais ondulado, redondo, “fêmea fulô”. Bem, isso era o básico para descambar num debate cada vez mais sem sentido de quem quer estigmatizar pessoas em fronteiras quase intransponíveis.

Lembrei-me disso depois de assistir ao espetáculo da Eduardo Severino Cia. de Dança, formado por Tempostepegoquedelícia Bundaflor Bundamor, duas coreografias que o grupo apresentou ontem no Teatro Capiba, no Sesc de Casa Amarela, e faz outra sessão neste domingo.

Provocativo, irônico, sagaz, crítico e repleto de humor, o espetáculo questiona certezas e satiriza a sociedade de consumo no que ela tem de mais podre, que mais engana com a embalagem. Nesses tempos em que pastores “manipulam” a mídia e tiram cada vez mais proveito da opinião pública é muito mais instigante e significativo o trabalho dessa trupe.

Luciano Tavares e Mônica Dantas

Feminino e masculino são misturados em outras marcas de gênero, acenam para sexualidades provisórias e mutantes na coreografia Tempostepegoquedelícia. Gênero e sexualidade são temas grandes para debates.

Com um trilha sonora que vai de Carmem Miranda a Wando, os bailarinos Luciano Tavares e Mônica Dantas desfilam no palco em vestes hieráticas, para depois “largar” a tradição litúrgica para expor o rapaz da dupla em tubinho e decote sexy.

Aqueles dois objetos colocados na beira do palco, ao lado do microfone, intrigava, parecia um colar, mas depois se revelou dois falos poderosos. Os dois bailarinos, ele vestido de mulher e ela mulher, brigam com seu falos falsos e tiram sons de espadas e de gozo.

Essa luta me fez lembrar um comentário que soube que uma diretora de firma fez depois de promover um cafuçú, de que ele fazia muito sucesso com as meninas do departamento. Que indisfarçável inveja do falo e que critérios para valorizar alguém. (Fiquei com nojo da racha!)

Voltando ao espetáculo, a luta de espadas tem por trilha “Ai se te pego…”, em vários idiomas. É hilário de tão ridículo a que ponto chegou a representação da cultura brasileira…De cueca e calcinha vermelhas eles rolam no chão até que seus corpos estejam expostos.

Bundaflor Bundamor é inspirado em A breve história das nádegas, do historiador francês Jean Luc Henning

Em Bundaflor Bundamor, a companhia foi buscar inspiração nos textos do livro A breve história das nádegas, do historiador francês Jean Luc Henning. Falar de bunda é papo sério.

Voltam os dois intérpretes do primeiro quadro, e mais o diretor da companhia, Eduardo Severino. Em traje de banho eles fazem poses de desfile de moda e depois se posicionam ao fundo do palco, e passam três minutos parados mostrando as bundas.

A coreografia critica a exploração da bunda no que busca diminuir o humano a partir dessa parte do corpo, transformada em mera mercadoria.

A trupe gaúcha utiliza como trilha sonora de Não me diga adeus, com Aracy de Almeida, a Melô de piripiri com Gretchen. Um espetáculo rico para múltiplas interpretações.

Essa “preferência nacional” é exposta na dança, bate feito coração, fica despida de glamour, e tira os véus do preconceito e da banalização. A anatomia, desejo e habilidades motoras do bumbum são encarados por outro viés, sem moralismo, mas potencializando as ambiguidades da carne.

Ficha Técnica: 

Tempostepegoquedelícia
Concepção e coreografia:Eduardo Severino                   
Direção Cênica: Elcio Rossini e Eduardo Severino            
Criadores Intérpretes: Luciano Tavares e Mônica Dantas      
Elementos Cênicos: Élcio Rossini                            
Pesquisa musical: Luciano Tavares                          

Bundaflor Bundamor
Concepção coreográfica: Eduardo Severino e Luciano Tavares
Intérpretes/criadores: Luciano Tavares, Eduardo Severino e Mônica Dantas    
Pesquisa musical: Luciano Tavares                      
Realização: Eduardo Severino Cia. de Dança

Serviço

Tempostepegoquedelícia + Bundaflor Bundamor
Duração: 65 minutos
Classificação: 14 anos                                        
Quando: 18 e 19 de maio (sábado e domingo), às 20h          
Onde: Teatro Capiba (Sesc Casa Amarela) – Rua Professor José dos Anjos, 1190, Recife

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Hoje tem performances no C.A.S.A

Conrado Falbo em Solo para várias vozes

Conrado Falbo em Solo para várias vozes

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Performances e experimentos, obras abertas e cenas em processo fazem parte da Cena Bacante e ganham espaço no Centro de Articulação de Saberes Artísticos (C.A.S.A.), nas sextas-feiras de maio, às 23h. Mas com o aguaceiro de ontem, a programação foi transferida para este sábado. O espaço C.A.S.A. fica na Av. Visconde de Abaeté, 166, Tamarineira (indo pela Avenida Norte no sentido cidade-subúrbio, entrar à direita antes da Cônego Barata/ Estrada Velha de Águar Fria).

O pesquisador Conrado Falbo persegue outras possibilidades para a voz, além da fala e canto no trabalho Solo para várias vozes. O som ganha desdobramentos no estudo desenvolvido pelo artista. A mostra do trabalho tem duração de 20 minutos.

Ficha técnica:

Realização e colaboração artística: Coletivo Lugar Comum
Luz (criação e operação): Luciana Raposo
Som (operação): Caio Lima
Figurino (criação): Maria Agrelli
Apoio técnico: Cyro Morais, Maria Clara Camarotti e Renata Muniz

A mulher ainda precisa de libertação

A performance Tiro, de Isabela Faria, mostra que segredos guardados a sete chaves podem ser liberados e que isso pode significar quebras de tabus e mudanças de posturas na questão do feminino. A apresentação tem duração prevista de oito minutos.

Ficha técnica:

Autoria, direção artística e concepção plástica: Isabela Faria
Preparação corporal: Murilo Freire

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Paixão avassaladora e mal-entendido cômico

Sessão deste sábado de A Saga Amorosa dos Amantes Píramo e Tisbe está marcada para às 17h30

Sessão deste sábado de A Saga Amorosa dos Amantes Píramo e Tisbe está marcada para às 17h30

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Choveu tanto no Recife (e RMR) ontem que a cidade virou um caos. Ruas inundadas, engarrafamentos, suspensão de alguns serviços. O Festival Palco Giratório cancelou a sessão de sexta do espetáculo A Saga Amorosa dos Amantes Píramo e Tisbe. A apresentação será neste sábado, no mesmo local, na Praça do Campo Santo (ao lado do SESC e em frente ao Cemitério de Santo Amaro), mas o horário mudou para as 17h30. A Cena Bacante, programação agendada para as sextas-feiras de maio, também foi adiada para hoje, a partir das 23h, no Centro de Articulação dos Sabores Artísticos (C.A.S.A), que fica na Av. Visconde de Abaetê, 166, na Tamarineira.

A comédia farsesca A Saga Amorosa dos Amantes Píramo e Tisbe, do Grupo Teatral Gota, Pó e Poeira (ES) participa do Palco dentro do projeto Diálogos Capixabas. Píramo e Tisbe é uma lenda sobre uma paixão avassaladora entre dois jovens vizinhos (estão separados por uma parede, mas eles trocam juras de amor por uma fresta, que só eles viram), mas que os pais proíbem o relacionamento. Um dia eles resolvem fugir para vivenciar esse amor, mas ocorre uma tragédia movida por pistas falsas.

Grupo Teatral Gota, Pó e Poeira participa do Palco dentro do projeto Diálogos Capixabas

Conta a lenda que eles combinaram de se encontrar no no túmulo de Nino, ao pé de uma amoreira branca. Tisbe chegou primeiro e teve que se esconder de uma leoa, que acabara de trucidar algum animal. Mas deixou cair a capa. Quando Píramo aparece encontra o véu da amada rasgado e ensanguentado e decide tirar a vida com sua própria espada. Ao voltar ao local, Tisbe encontra seu amado morto e resolve ter o mesmo fim. O sangue dos dois, derramado aos pés da amoreira, comoveu os deuses, que pintou as amoras de vermelho.

Essa história influenciou Shakespeare na elaboração de Romeu e Julieta. Na montagem do Grupo Teatral Gota, Pó e Poeira, uma trupe de teatro deve apresentar ao rei e à rainha uma peça que junte amor e comédia. O bando apresenta esse fragmento do Sonho de uma Noite de Verão, uma paródia do bardo ao Romeu e Julieta.

Fotos: Keily Dias/Divulgação

Fotos: Keily Dias/ Divulgação

Serviço:

A Saga Amorosa dos Amantes Píramo e Tisbe, do Grupo Teatral Gota, Pó e Poeira (ES)
Quando: hoje(18), às 17h30
Onde: Praça do Campo Santo (ao lado do Sesc e em frente ao Cemitério de Santo Amaro)
Quanto: Grátis

Ficha técnica:

Atriz/contrarregra: Aline Saraiva
Ator/diretor: Carlos Ola
Ator/músico: Dyonathas Silveira
Atrizes: Danielle Lino, Eliane Correia e Neuza de Souza
Atores: Edmar da Silva e João Batista Ferreira de Moraes
Músico: Jovani Anacleto

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Conto de fadas. Será mesmo?

De Íris ao arco-íris. Foto: Angélica Gouveia

De Íris ao arco-íris. Foto: Angélica Gouveia

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Ah, se o mundo fosse um conto de fadas… Será que nem assim o final seria sempre feliz? Depende muito da lente que usamos para acompanhar o cotidiano, de como enxergamos o que nos acontece. De Íris ao arco-íris deve fazer com que, ao menos, possamos discutir com as crianças um tema que geralmente fazemos questão de banir das nossas vidas – em qualquer idade: a morte. A peça, encenação de Jorge de Paula, estreia hoje no Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro, às 16h, e tem nova sessão amanhã (19), no mesmo horário, dentro da programação do Palco Giratório.

O professor, ator e encenador Marco Camarotti (1947-2004) é, novamente, referência para o trabalho de Jorge de Paula. “Ele dizia que não há problema nenhum em tratar da morte ou de qualquer outro tema com as crianças. A morte faz parte da vida. Temos só que encontrar a melhor maneira de fazer isso”. Foi a partir de uma pergunta de Camarotti, aliás, que surgiu o texto, escrito por Jorge em 2000. “Fazíamos parte de um projeto de Camarotti, o Pátio da Fantasia, na UFPE. Esse grupo tinha como objetivo aprofundar os estudos sobre teatro para infância e juventude principalmente para crianças cegas, surdas ou com deficiência cognitiva. E fazia algumas perguntas, algumas provocações, para que, a partir daí, a gente pudesse criar. Lembro que ele perguntou sobre a razão de o arco-íris aparecer quando chove”, relembra.

Peça terá duas sessões no Marco Camarotti, dentro do Palco Giratório

Peça terá duas sessões no Marco Camarotti, dentro do Palco Giratório

Em 2006, o autor e a atriz Andrea Veruska tentaram levar o texto aos palcos, mas o projeto não foi aprovado. Agora, com o apoio do Funcultura e do Myriam Muniz, o texto saiu da gaveta e está servindo a vários desafios: além de tratar de um tema difícil, houve a opção pelo teatro de sombras, técnica de formas animadas. “Foi uma loucura aprender a manipular. Muitas vezes perdíamos a noção, já que manipulamos no retroprojetor e a imagem está em tamanho completamente diferente na tela”, explica a atriz Iara Campos, que faz questão de dizer que os atores não são manipuladores – estão realmente experimentando uma linguagem.

A peça lembra o cinema de animação; não tem falas e os atores usam um retroprojetor para contar uma história não necessariamente linear. “Tem soluções no texto que são non-sense mesmo. Queremos os olhares particulares de cada criança”, conta o diretor, que também está em cena.

No elenco, além de Jorge de Paula e Iara Campos, Andréa Veruska e Lucélia Albuquerque. Embora só essa última não seja da Trupe Ensaia Aqui e Acolá, que daqui a pouco volta em cartaz com O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas, no Teatro Arraial, a montagem é uma produção independente. “Simplesmente porque a ideia dessa peça nasceu muito antes da Trupe e não se encaixava na pesquisa do grupo, nas questões estéticas que discutimos, no que queremos tratar em conjunto”, esclarece Jorge de Paula.

Em De Íris ao arco-íris, os desenhos e silhuetas dos personagens, que guardam uma proximidade com as histórias em quadrinhos, foram idealizados pelo artista gráfico pernambucano Luciano Félix e colocados em prática pelo ator, diretor e cenógrafo Henrique Celibi. Cenário e figurinos são de Marcondes Lima; luz de Erom Villar; trilha sonora de Júlio Morais; e produção de Karla Martins.

Serviço:
De Íris ao arco-íris
Quando: hoje (18) e amanhã (19), às 16h
Onde: Teatro Marco Camarotti
Quanto: R$ 12 e R$ 6 (meia-entrada)

Montagem tem direção de Jorge de Paula

Montagem tem direção de Jorge de Paula

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A “culpa” é da modernidade

Dormir pode virar um desejo... Fotos: Ivana Moura

Dormir pode virar um desejo… Fotos: Ivana Moura

Montagem do Grupo Z de Teatro, do Espírito Santo

Insone, montagem do Grupo Z de Teatro, do Espírito Santo

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Acelera. Ordenou a modernidade aos passos lentos, tranquilos e orgânicos da humanidade. Ela obedeceu e quis vencer limites. Mas aumentar a velocidade tem consequências. A tecnologia criou um novo mundo que desafia as mentes mais criativas. Garantiu o conforto que todos conhecem. Mas ao mesmo tempo, as criaturas passaram a carregar uma carga cada vez mais pesada. Milhões de informações disputam os sentidos dessa gente que corre atrás de dinheiro, amor (que pode nem ser verdadeiro) e poder. São exigências desse mundo – de ser veloz, eficiente, feliz; e de preferência o MAIS competente, o MAIS sensual, o MAIS desejado, enfim, o fodão. Mas essas cobranças de ter mais e ser o que pode mais criou um nível de disputa sem precedentes.

O espetáculo Insone, do Grupo Z de Teatro do Espírito Santo, toca em muitos desses pontos que incomodam e literalmente tiram o sono do homem contemporâneo. Na peça, quatro intérpretes mostram o desespero de quem não consegue dormir ou dorme mal e, no dia seguinte, sem o devido descanso, precisa enfrentar mais uma jornada, ou poderíams dizer, quase uma guerra.

Com figurinos brancos (camiseta e short) os atores desenvolvem suas ações em um colchão branco que serve como único cenário. Em determinados momentos, alguns travesseiros entram em cena. Essa paisagem insuportavelmente clara, monocromática, incomoda os sentidos, principalmente a visão. Pela proposta do grupo é bom que a montagem provoque essas sensações desagradáveis.

Um bom jogo de claro escuro

Um bom jogo de claro escuro

Essa trupe de insones movimenta-se em atos de repetição, buscando conforto para o corpo numa enervante e frenética troca de posições. Nesse processo, os personagens irrompem em preocupações com o emprego, com a viagem, com o filhinho que chora ou outras pequenas coisas da vida prosaica. Repetem palavras, frases soltas. O quarteto se atormenta com o sono reduzido a pouco, insuficiente para o merecido descanso.

A sonoplastia e a iluminação se encarregam de reforçar a atmosfera tensa com sons de engarrafamento e a luz que se altera entre o profundo branco e a penumbra do quase escuro, que inclusive produz desenhos que parecem significativas grades.

A montagem de dança-teatro exibe um turma de autômatos. Às vezes sonâmbulos, às vezes perseguindo a multidão que faz do consumir, divertir, ficar ligado uma obrigação. Nesse ritmo frenético, o repouso é negligenciado ou forçado a ficar em um plano secundário, para o jogador permanecer no jogo.

Parece uma trupe de autômatos

Parece uma trupe de autômatos

Sem uma narrativa linear, Insone expõe o sono perturbado e a vigília comprometida pela falta de repouso adequado. Impedidos de ter sonhos, a vida se torna um pesadelo num mundo dominado pela velocidade.

Criado em 1996 no intuito de realizar um trabalho contínuo de pesquisa de linguagem, o Grupo Z investe em três linhas de propostas: o trabalho em espaços diversos; o corpo como ponto de partida para a criação e o desenvolvimento de dramaturgia própria.

A dramaturgia me pareceu o aspecto mais fragilizado da encenação. Entre “dormidas”, rolamentos, saltos, pequenas correrias, brigas e acolhimento entre eles a proposta  fica reduzida. A temática que possibilita interfaces com outras questões contemporâneas não borra fronteiras, não invade outros pontos.

A sensação que fica é a de que a duração do espetáculo poderia ser até menor, porque o repertório se mostra limitado e limitante e as repetições acrescentam pouco, não ampliam em significados. Ficam ali imersos no colchão coletivo e na impotência do sono. No desejo não realizado de dormir.

Grupo criado em 1996 realiza trabalho contínuo de pesquisa de linguagem

Grupo criado em 1996 realiza trabalho contínuo de pesquisa de linguagem

Ficha Técnica

Insone, do Grupo Z de Teatro (Espírito Santo)

Dramaturgia: Fernando Marques
Direção: Fernando Marques e Carla van den Bergen
Coreografia: Carla van den Bergen
Elenco: Alexsandra Bertoli, Daniel Boone, Ivna Messina, Luciano Rios (substituído aqui no Recife por Carla van den Bergen)
Direção de produção: Carla van den Bergen
Figurino e cenário: Francina Flores
Iluminação: Carla van den Bergen

*Texto extensivo ao projeto editorial do jornal Ponte Giratória, que circula impresso durante o 7º Festival Palco Giratório Recife, organizado pelo SESC PE. Outras informações no hotsite do festival.

 

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