Arquivo mensais:abril 2013

Provocações de uma alma transgressora

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“Não há nada mais assustador à dignidade humana do que se perceber nu. Isso porque não se trata da nudez dos deuses, mas a de um mortal.”

“Aquele que não enxerga não sabe o que não vê, porque quando se sabe o que não vê, de alguma forma, já está vendo.”

“Tradição e traição são duas palavras de escrita e fonética tão semelhantes em nossa língua quanto o são interligadas em seu significado mais profundo. Não há traição sem tradição. Assim como não há tradição sem traição.”

“Enquanto as tradições trazem o poder das instruções do passado, colaborando com a reprodução da espécie, a Alma é a força traidora e transgressora, que traz o poder de instruções do futuro, colaborando com a evolução da espécie.”

Espetáculo Alma Imoral está em cartaz na Caixa. Foto: Danton Valério

Espetáculo Alma Imoral, com Clarice Niskier, está em cartaz na Caixa. Foto: Danton Valério

O espetáculo Alma Imoral é um fenômeno de longevidade. Em temporadas pelo Brasil desde 2006, o monólogo já foi visto por mais de 230 mil pessoas. A adaptação do livro homônimo do rabino Nilton Bonder, feito pela atriz Clarice Niskier, resultou no provocante monólogo, que está em cartaz até sábado no Teatro da Caixa, no Bairro do Recife.

Sozinha em cena, Clarice Niskier hipnotiza a plateia com histórias e parábolas da tradição judaica. De elementos de palco, ela dispõe de uma cadeira e um pano preto que, concebido pela figurinista Kika Lopes, transforma-se em oito diferentes vestes (mantos, vestidos, burcas e véus). O cenário de fundo infinito é de Luís Martins, a luz de Aurélio de Simoni, a música de José Maria Braga, a direção de movimento de Márcia Feijó, a preparação corporal de Mary Lima e a preparação vocal Célio Rentroya. A supervisão de Amir Haddad.

A atriz discorre ou instiga à reflexão sobre noções de certo e errado, moral e imoral ou da necessidade de trair para romper limites. Essa história de trair é mais ampla do que o medo que assalta a quase todos de ser trocado por outro (a) (abrir mão de um pensamento ou raciocínio, mudar de posição diante de um determinado estudo). Clarice explode, seguindo os passos de Bonder, conceitos caros à civilização, como corpo e alma, obediência e desobediência.

A encenação já esteve no Recife em duas ocasiões: como parte da programação do Janeiro de Grandes Espetáculos, em 2008, e no ano passado, como a primeira peça a se apresentar no Teatro Eva Herz, no Shopping RioMar.

Clarice levou o Prêmio Shell de Melhor Atriz, em 2007 pela atuação espetáculo. A encenação parte da premissa que corpo e alma são duas naturezas conflitantes e interdependentes. A tensão gerada pelo confronto dessas duas forças, a conservadora e a transgressora, move os universos humanos.

Tudo depende da forma como olhamos para coisas, da maneira de interpretar o mundo. Clarice compõe sequências mentais, amplia raciocínios para trabalhar com reflexos. A peça busca discutir limites da ética do corpo moral (guardião) e a alma imoral (rebelde)

É potente a atuação da atriz

É potente a atuação da atriz


SERVIÇO

Espetáculo Alma Imoral
Texto: Nilton Bonder
Adaptação, direção e atuação: Clarice Niskier
Quando: de 11 a 13 de abril, Quinta e sexta-feiras, às 20h e sábado às 17h e 19h30.
Onde: Caixa Cultural Recife (Avenida Alfredo Lisboa, 505 – Praça do Marco Zero, Bairro do Recife).
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia entrada para estudantes e professores, funcionários e clientes da CAIXA e pessoas acima de 60 anos). Cada pessoa pode comprar 2 ingressos.
A capacidade Do Teatro é de 96 lugares.
Classificação: Não recomendado para menores de 18 anos
Tempo de duração: 80 minutos
Informações: (81) 3425-1906

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Teatro dificulta apreciação de dança britânica

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2faced Dance Company aposta na força e técnica dos bailarinos. Fotos: Daniel Isolani

O Festival de Teatro de Curitiba programou três espetáculos internacionais para esta edição. O primeiro deles, o espetáculo belga Kiss & Cry, da companhia Charleroi Danses, foi cancelado. O segundo Pansori Brecht UKCHUK-GA, com a coreana JaRam LEE, foi a melhor peça da programação. E a dança In the Dust, da britânica 2faced Dance Company, formada apenas por homens, teve duas apresentações.

Composta por três coreografias, o grupo da diretora Tamsin Fitzgerald, exibe em In the Dust aquela força masculina, para mostrar estados de decadência e destruição, vitalidade e resistência, incerteza e agitação política.

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Espetáculo In the dust fez duas apresentações no Festival de Teatro de Curitiba

As coreografias investem no atlético da dança contemporânea e juntam-se aos movimentos do break e da street dance. Testosterona para explorar os limites do corpo em desenhos desafiadores.

Mas as apresentações tiveram o problema da escolha do Teatro Marista. Mais para auditório do que para teatro, o local não se mostrou o mais apropriado para a exibição da companhia britânica. Quem não estava nas primeiras fileiras (as três primeiras) não conseguiu ver o todo, o quadro do conjunto, nem os detalhes do movimento dos bailarinos. Resultado: o desinteresse chega galopante.

Cerca de 20 pessoas foram embora no primeiro intervalo. Cerca de 50 no segundo. E a recepção do trabalho do grupo foi prejudicada.

Esse grupo não foi o único a sofrer com a escolha do teatro. Gonzagão, a lenda, que se apresentou no Grande auditório do Teatro Positivo, encantou e contagiou a plateia. Mas a peça foi desenvolvida mais ao fundo do palco, porque o local, segundo fui informada, não dispõe de varas de iluminação frontal. Com isso o público perdeu detalhes do belo figurino de Gonzagão e as expressões dos atores.

*A jornalista Ivana Moura viajou a convite do Festival de Curitiba

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Arte de Cida Moreira

Cida Moreira

Atuação de Cida Moreira encantou público. Fotos: Ernesto Vasconcelos

Quem gosta de Cida Moreira, adora. Não há meio termo. E foi para esses fãs calorosos que a diva fez duas apresentações do espetáculo A Música e a Cena, no Gairão, dentro do Festival de Curitiba. Com direção de Gilberto Gawronski, a montagem passeia por canções que fazem parte da história do teatro musical no Brasil.

O diretor compôs um ambiente que liga palco e camarim. Ela começa no fundo do palco, nos bastidores, com uma música à capela: Bastidores, de Chico Buarque, que por sinal é muito bem citado no espetáculo. Nessa encenação, Cida está um tom a menos, com arranjos de Alexandre Brasolim e sem os descomedimentos de outras montagens. O espetáculo oscila entre a delicadeza e a lembrança das canções de combate da época da ditadura.

Cida Moreira foi atriz de espetáculos emblemáticos do teatro nacional, e atuou nas montagens originais de Ópera do malandro, de Chico Buarque, Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill, com Cacá Rosset, e Saltimbancos, substituindo Miúcha. Com o espetáculo Summertime (1980), dirigido por José Possi Neto, ela investe na carreira de cantora e lança seu primeiro disco.

Em A Música e a Cena, a artista, acompanhada por uma mini orquestra, desliza com desenvoltura por canções desse tipo de teatro. Vai de O Ébrio, de Vicente Celestino, que teve peça homônima na década de 1930 até Deus lhe pague, música de Chico, gravada na década de 1970 e que pegou emprestado o título de Joracy Camargo, texto que foi montado em 1933.

Foto: FotoErnesto Vasconcelos

A Música e a Cena tem direção de Gilberto Gawronski. Foto: Ernesto Vasconcelos

As projeções no fundo do palco, mesmo que não sejam novidades, funcionam como homenagens às figuras de Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Autran, Paulo Gracindo, Walmor Chagas. Ouvimos um trecho de Paulo Gracindo recitando Cântico negro, do poeta português José Régio, muito conhecido na voz de Maria Bethânia.

Também são executadas canções de um viés mais político, como das montagens Morte e vida Severina, Calabar e Arena conta Zumbi. E há também umas surpresas: interpreta Je ne t’aime pas, de 1934 , de Kurt Weill, parceiro de Brecht; e Back to Black, de Amy Winehouse, ao piano.

As músicas de Chico Buarque (sozinho ou com seus parceiros) marcaram presença. Como Beatriz, Suburbano Coração e Minha Canção.

Cida Moreira

Cantora lê trecho de Liberdade, Liberdade, de Flávio Rangel e Millôr Fernandes

Cida também lê alguns textos. Repleto de humor ácido, um trecho de Liberdade, Liberdade de Flávio Rangel e Millôr Fernandes parecia ainda hoje uma vingança. Como se sabe a estátua da Liberdade foi um presente dos franceses aos norte-americanos. “Quando Bernard Shaw esteve nos Estados Unidos foi convidado a visitar a Liberdade, mas recusou-se afirmando que seu gosto pela ironia não ia tão longe”.

E prossegue: “A confecção da monumental efígie custou à França trezentos mil dólares. Quando a Liberdade chegou aos Estados Unidos, foi-lhe feito um pedestal que, sendo americano, custou muito mais do que o principal: quatrocentos e cinquenta mil dólares. Assim, a liberdade põe em cheque a afirmativa de alguns amigos nossos, que dizem de boca cheia a frase importada, que o “Preço da Liberdade é a Eterna Vigilância”. Não é. Como acabamos de demonstrar, o preço da liberdade é de setecentos e cinquenta mil dólares”.

E deixa a marca de sua interpretação em Geni e o Zepelim . A execução dessa música já valia a noite. Imagine com todo esse repertório. Muito mais de emoção.

*A jornalista Ivana Moura viajou a convite do Festival de Curitiba

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Polícia para peça do Fringe

Espetáculo de rua Hassard. Foto: Ivana Moura

Espetáculo de rua Hassard tem final definido com o público a partir da escolha de cartas. Foto: Ivana Moura

Um espetáculo do Fringe, mostra paralela do Festival de Curitiba, ganhou destaque não exatamente por sua qualidade artística, mas porque sua apresentação na terça-feira, no calçadão da Rua 15 de Novembro, no centro da capital paranaense, foi interrompida por policias. A peça chama-se Hasard, tem direção de Pedro Bennaton,com o Erro Grupo, de Florianópolis. O motivo da confusão foi uma cena de nudez, que segundo os integrantes, tinha 30 minutos de duração. A trupe tem 12 anos de existência e só faz teatro de rua. O diretor disse que foram cinco viaturas e quase dez policiais com armas em punho.

A notícia, que saiu primeior no R7, ganhou as redes sociais, os jornais de Curitiba, rádios e TVs.

Mercado, poder e jogos de azar é o tripé que sustenta a peça Hasard. É um protesto contra as leis de mercado que controle a vida de todos. O espetáculo tem quatro finais, escolhido pelo público através da contagem de cartas. Saiu o final de Ouros na terça-feira da confusão policial, em que os atores ficaram nus por 30 segundos.

Ontem, quarta-feira (3), a peça foi apresentada no mesmo local. Desta vez não houve nudez e a Polícia Militar do Paraná desistiu da repressão aos atores. Desta vez não precisava. Saiu a carta de Paus e no final os atores desaparecem em meio à multidão ao som de Carmina Burana.

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Hamlet desperta opiniões divergentes

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Trupe Clowns de Shakespeare fez duas sessões em Curitiba. No fim de semana vai a João Pessoa. Fotos: Emi Hoshi

Não fui assistir a versão de Hamlet, da trupe Clowns de Shakespeare aqui no Festival de Curitiba. Quero rever em alguma outra situação por considerar o grupo um exemplo de organização e pesquisa, por sua trajetória e seriedade. E principalmente porque vi na estreia, no Janeiro de Grandes Espetáculos, no Recife, e fiz muitas restrições. Como são muitos espetáculos, melhor aproveitar a oportunidade para acompanhar coisas que ainda não vi.

Na Mostra 2013 são 32 espetáculos, sendo oito estreias – mas não dá para ver nem 15, isso se você ficar o festival inteiro, porque os horários batem. Além dos 374 espetáculos no Fringe (mas houve desistências).

Depois de Curitiba, Hamlet vai a João Pessoa (PB) neste fim de semana (Teatro do SESI, sábado (05), às 20h, e domingo (06), às 19h). E a montagem já passou por Fortaleza, numa circulação patrocinada pelo Ministério da Cultura, Petrobras, Chesf e Banco do Nordeste/BNDES, e foi apresentada também em Natal.

Mas é muito interessante ouvir a opinião dos colegas jornalistas sobre esse Hamlet. Um me falou que apreciava mais Hamlet do que Sua Incelença, Ricardo III pelo rigor na pesquisa e pela participação do encenador Marcio Aurélio – esse crítico prevê outras boas consequências para o grupo.

Hamlet não conseguiu uma unidade de opinião. Mas nenhum outro espetáculo conseguiu. O jornal Gazeta do Povo, de Curitiba deu como título “Um Hamlet arrebatador”.

E prossegue: “Este Hamlet …é um espetáculo imperdível. Isto dito por mim, que escrevi uma frase como esta acima, apenas umas duas vezes na vida. Confesso que quando vi o programa do Festival pensei, mais um Hamlet? O que entre o céu e a terra ainda não foi feito com este texto? A montagem intensa e elegante deste Hamlet, afinal um dos grandes textos dramáticos da era cristã, me surpreendeu, entretanto.

Primeiro pela cenografia que obedeceu a lógica do “menos é mais”… As soluções dadas por Marcio Aurélio, Lígia Pereira e Fernando Yamamoto (o trio de diretores, com o primeiro a frente) desprezou o menos, para valorizar o mais: o texto e a atuação arrebatadora do grupo de atores…

A atuação do elenco é uniformemente competente, mas Dudu Galvão (o texto diz Dudu Falcão, mas quem faz Hamlet é Joel Monteiro!) faz um Hamlet ao mesmo tempo demasiadamente humano e animalesco que vai direto para a antologia. Arlindo Bezerra e Marco França (em vários papéis) quase roubam a cena. Titina Medeiros emociona a plateia com a enlouquecida Ofélia”.

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Há quem ame e quem odeie a montagem de Hamlet

Na outra ponta da opinião sobre o espetáculo está a crítica do blog Atores e bastidores, do R7. O título já diz o tudo do conteúdo: “Shakespeare derrapa em Hamlet”

E desenvolve: “Quem ficou impressionado com a força da penúltima obra do grupo potiguar Clowns de Shakespere, Sua Incelença Ricardo III, sob direção do mineiro Gabriel Villela, mal pôde acreditar que seja o mesmo grupo que encenou Hamlet, neste Festival de Curitiba em 2013 no Teatro Bom Jesus.

É um trabalho que não está à altura do nome que o grupo de Natal (RN) conseguiu construir junto ao público e à crítica.

Os potiguares derraparam feio em sua tentativa de contar a história do príncipe que tenta vingar a morte de seu pai, o rei da Dinamarca, envenenado pelo tio…”

Hamlet, do grupo Clowns, nem de longe unanimidade.

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