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Peça infantil confronta preconceitos
contra pessoas neurodivergentes

 

Espetáculo da Cia Boto-Vermelho chega ao Recife questionando nossos paradigmas sobre diferença. Foto: Luisa Peres / Divulgação

Uma criança neurodivergente sofre bullying na escola, vive noites de insônia cercada por fios imaginários e encontra refúgio apenas em seus sonhos. Enquanto isso, uma sociedade que se proclama inclusiva continua empurrando para as margens todos aqueles que não se encaixam em seus padrões de “normalidade”. Quantas crianças como João você conhece? Quantas outras fingimos não ver?

Neste domingo, 13 de julho, às 16h30, o Teatro de Santa Isabel recebe – dentro da – programação do 21º Festival para Crianças de Pernambuco –  João por um Fio, espetáculo da Cia Boto-Vermelho que conta a história de um menino autista e se posiciona como um espelho implacável de nossas contradições sociais. Esta adaptação do premiado livro de Roger Mello — vencedor do Hans Christian Andersen — força o público a confrontar uma hipocrisia social: em uma sociedade que se proclama inclusiva, João não encontra aceitação plena no mundo real.

O ator Ricardo Schöpke interpreta vários personagens através de acrobacias, projeções e teatro de sombras e transforma o palco em um cubo de fios entrecruzados — metáfora da mente do protagonista. Cada fio representa uma conexão neural diferente, cada movimento uma forma de resistência contra uma sociedade que insiste em padronizar o que deveria celebrar como diversidade.

A arte como resistência ao capacitismo velado

O texto de Roger Mello não romantiza o isolamento – ele denuncia uma sociedade que só oferece espaço para a diferença quando ela é invisível. João não “foge” para a imaginação; ele habita plenamente sua experiência neurodivergente num mundo que insiste em tratá-la como desvio.

Schöpke utiliza teatro físico, acrobacia aérea, projeções em vídeo e teatro de sombras para criar universos sensoriais que reproduzem a experiência neurodivergente. O cenário — um cubo de fios entrecruzados inspirado na Escola Bauhaus e na cultura boliviana — funciona como metáfora visual da complexidade mental de João. 

A trilha sonora de Daniel Belquer, executada por software que acompanha os movimentos do ator, materializa a hipersensibilidade auditiva característica do espectro autista. Cada gesto de Schöpke é pontuado por intervenções sonoras, criando uma sinfonia que traduz cenicamente como o mundo é percebido por quem tem os sentidos aguçados.

O Bullying como sintoma de uma sociedade adoecida

Um dos aspectos mais contundentes do espetáculo é a manifestação do bullying sofrido por João. As vozes das crianças da escola, que “instigam e buscam respostas para o seu jeito único de ser”, ecoam durante toda a peça como fantasmas de uma violência cotidiana normalizada.

João é descrito como “menino solitário, órfão de mãe e de pai”, mas sua orfandade extrapola a ausência parental. Ele é órfão de uma sociedade que deveria acolhê-lo, órfão de instituições educacionais que deveriam incluí-lo, órfão de um mundo que prefere a uniformidade à riqueza da diversidade.

A herança familiar — ser rendeiro e pescador como os pais — conecta João a tradições ancestrais que valorizam o trabalho manual e a paciência, contrastando com a aceleração contemporânea que não respeita ritmos diferentes de aprendizagem e desenvolvimento.

Ao transformar a diferença neurológica em poesia cênica, a Cia Boto-Vermelho questiona, e convida o público a repensar seus preconceitos. 

Serviço:

Espetáculo João por um Fio
Data: Domingo, 13 de julho de 2025
Horário: 16h30
Local: Teatro de Santa Isabel – Recife/PE
Ingressos: R$ 80,00 (inteira) | R$ 40,00 (meia-entrada)
Evento: 21ª Edição do Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco

Ficha técnica
Texto e adaptação: Roger Mello
Idealização, encenação, dramaturgia corporal, atuação, direção de arte, cenografia e arquitetura de luz: Ricardo Schöpke
Produção executiva: Claudia Cruz Cerquinho
Direção sonora: Daniel Belquer e Carlos Eduardo Soares
Direção de vídeo: Daniel Belquer
Música original, som cênico e programação: Alexandre Bräutigam
Figurino: Leo Thurler
Direção de movimento: Esther Weitzman e Sueli Guerra
Preparação corporal: Sueli Guerra
Direção de animação do corpo cênico Marcio Nascimento
Criação do teatro de sombras Marcelo Karagozwk
Criação do corpo cênico Clayton Diirr
Preparação acrobática na cama elástica: Roberto Silva
Direção de produção: Ricardo Schöpke
Comunicação e mídia: Boto-Vermelho Assessoria
Fotografia Luisa Peres
Realização: Cia Boto-Vermelho

 

 

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As histórias dos Grimm encantam até hoje

Era Uma Vez… Grimm um musical brasileiro com qualidade Fotos Alex Ribeiro – Cria S/A

A primeira coisa que eu teria a dizer sobre Era uma vez… Grimm é que tudo é de um profissionalismo impecável. E isso é muito bom. Os atores são ótimos e cantam muito bem. A produção funciona, os efeitos são incríveis, a música reforça que é possível outras partituras mais elaboradas para nossos ouvidos cansados de tanta bobagem. E tem a mão de Tim Rescala, que coloca elementos de ópera nesse musical.

A cenografia, de Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo, é composta de um grande livro deitado no chão com inclinação para que o fundo do palco fique mais alto, com páginas que passam digitalmente, uma cortina que separa os músicos e serve de suporte para as ilustrações de Rui de Oliveira e as projeções e animações de Renato e Ricardo Vilarouca. O clima fantástico da montagem é reforçado pelos efeitos especiais, como uma árvore que cresce, as mudanças de estações e sobreposições de roupas. Há ainda os alçapões de onde “brotam” elementos como mesas e cadeiras ou se abrem buracos que engolem objetos ou pessoas.

Os efeitos especiais são incríveis. Foto Alex Ribeiro – Cria S/A

Os quatro atores/cantores Chiara Santoro, Janaína Azevedo, José Mauro Brant e Wladimir Pinheiro desenrolam a narrativa dos manos alemães, Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) eruditos e filólogos, que catalogaram belos contos para crianças. Dois narradores traçam uma breve biografia dos dois autores. E depois apresentam duas histórias: O junípero e Cinderela.

A narrativa é intercalada por falas e canções da trilha original de Tim Rescala, e foram executadas ao vivo aqui por cinco músicos da Orquestra Sinfônica do Recife, sob a batuta do ator, humorista e compositor Tim Rescala. São eles Cromácio Leão (trompa), Frederica Bougeois (flauta), João Carlos Araújo (violoncelo), Jonathan Zacarias (clarinete) e Marcos Antunes (viola).

O Junípero não é uma das narrativas mais conhecidas e traz uma trama semelhante a da Bela Adormecida, com a madrasta malvada que não suporta o enteado e termina por tirar sua vida. Há um requinte de crueldade no meio de uma série de violências e uma reviravolta surpreendente. A árvore que cresce, a neve, os bancos e mesas que surgem, e até pequenas casas enchem os olhos do espectador.

A Cinderela que conhecemos se apresenta sem fada madrinha, mas ganha a bênção dos pássaros e dos seres da floresta. Ela esnoba no seu figurino de candidata a princesa. E as disputas entre as filhas são engraçadíssimas. Essa segunda história tem mais humor e uma comunicação mais rápida com a plateia.

Os figurinos são bonitos, a iluminação revela. O clima de terror se instala. Só faço ressalva quanto ao ritmo em alguns pontos das duas histórias e gostaria de um pouco menos de biografia narrada dos escritores. Mas é um espetáculo limpo, belo, bem cantado e interpretado. Um musical brasileiro para se aplaudir.

Cena do episódio Cinderela

Ficha técnica
Texto e Letras: José Mauro Brant (baseado na obra dos irmãos Grimm)
Música Original e Direção Musical: Tim Rescala
Direção: José Mauro Brant e Sueli Guerra
Supervisão: Miguel Vellinho
Elenco / vozes / personagens
José Mauro Brant – Tenor / Wilhelm Grimm, menino, irmã 1, príncipe
Wladimir Pinheiro – Barítono / Jacob Grimm, pai, irmã 2, lobo
Janaina Azevedo – Mezzo Soprano / Jeanette Hassenpflug, Dorothea Wieman e madrastas
Chiara Santoro – Soprano / Dorchen, Marlichen, Cinderela
Cenografia e figurino: Espetacular! Produções & Artes – Ney Madeira, Dani Vidal & Pati Faedo
Iluminação: Paulo César Medeiros
Desenho de som: Fernando Fortes
Animação gráfica: Renato e Ricardo Vilarouca
Ilustrações: Rui de Oliveira
Projeto Gráfico: Maurício Grecco e Úrsula de Mello

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