Semana Hermilo tensiona
tradição e contemporaneidade

Bolor, criação em dança de Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi,

Hermilo Borba Filho morreu em 1976 acreditando que o mamulengo poderia resistir à televisão. Quase cinquenta anos depois, numa época em que influenciadores ensinam “cultura nordestina” no TikTok, o Teatro Hermilo Borba Filho recebe uma pergunta incômoda: ainda faz sentido defender tradições populares quando quase ninguém mais sabe direito o que isso significa?

A Semana Hermilo celebra a figura de Hermilo Borba Filho (Palmares, 8 de julho de 1917 — Recife, 2 de junho de 1976), dramaturgo, advogado, escritor, crítico literário,  romancista, diretor, jornalista, teatrólogo e tradutor. O evento, realizada pela Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife, que começa nesta terça-feira (08) e vai até 20 de julho, não promete respostas fáceis. Pelo contrário: reúne seis espetáculos que colocam lado a lado criações experimentais sobre plantation açucareira e comédia tradicional de bonecos, oficinas com mestres da cultura oral e adaptações universitárias de Brecht. É programa para quem não tem medo de sair do teatro com mais perguntas do que entrou.

A abertura traz uma novidade editorial: o lançamento do livro Cultura, Diversidade de um Conceito, do professor Flavio Brayner, mestre em história, doutor em educação e pós-doutor em filosofia, que também ministrará palestra sobre o tema às 19h. A escolha não é casual – em tempos de disputas sobre o que constitui cultura “autêntica”, a reflexão conceitual se torna urgente.

Bolor: crítica decolonial à plantation Açucareira

O destaque da noite de abertura fica por conta de Bolor, criação em dança de Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi, vencedora do Prêmio O Solo do Outro, iniciativa da Prefeitura do Recife dedicada à pesquisa e criação de espetáculos de dança. O espetáculo estabelece um diálogo crítico com a obra Açúcar de Gilberto Freyre, questionando as narrativas romantizadas sobre a formação brasileira através da economia açucareira. O trabalho mergulha no “solo violentado da plantation açucareira” para dar protagonismo aos fungos como metáfora de resistência e regeneração, contrastando radicalmente com a perspectiva freyreana que enfatizava a doçura e o refinamento civilizatório do açúcar.

Enquanto Freyre celebrava o açúcar como elemento formador da identidade nacional e símbolo de miscigenação harmoniosa, Bolor revela a devastação ecológica, a violência estrutural e o empobrecimento da biodiversidade causados pela monocultura açucareira, propondo uma estética da decomposição que valoriza processos subterrâneos e invisíveis de transformação.

A obra incorpora reflexões dos pensadores Malcom Ferdinand e Anna Tsing para construir uma perspectiva decolonial sobre os legados da plantation. Ferdinand, com sua ecologia decolonial, demonstra como a plantation açucareira estabeleceu o primeiro modelo de devastação ambiental sistemática, criando padrões extractivistas que persistem no capitalismo contemporâneo e destruindo formas tradicionais de habitabilidade entre humanos e não-humanos. Anna Tsing, por sua vez, oferece o conceito de “paisagens arruinadas” e a compreensão dos fungos como agentes de regeneração em ecossistemas devastados pelo capitalismo, formando redes subterrâneas de colaboração multiespécie que facilitam o crescimento de novas formas de vida.

O espetáculo utiliza essas perspectivas para imaginar como os fungos podem regenerar terras devastadas pelo açúcar, explorando redes de resistência e solidariedade que operam no “subterrâneo quase invisível” e tramam “outras possibilidades de se construir aliança e erguer futuros” a partir das ruínas da plantation, estabelecendo assim uma crítica radical às narrativas hegemônicas sobre a formação brasileira e propondo caminhos decoloniais de regeneração ecológica e social. O trabalho tem sessões nos dias 8, 9, 19 e 20.

Vossa Mamulengecência criado a partir da obra de Ariano Suassuna em diálogo com Hermilo Borba Filho

Vossa Mamulengecência, comédia escrita e dirigida por Arthur Cardoso, celebra a rica tradição do teatro de mamulengos pernambucano. A peça – vencedora do Prêmio de Fomento e Pesquisa O Aprendiz em Cena 2024/2025, outro mecanismo de fomento da gestão municipal voltado para estimular a produção cênica na cidade, com foco na formação de novos diretores – acompanha as aventuras do mestre de mamulengos e vendedor de perfumes Cheiroso Dorabela, que utiliza o humor como ferramenta para apresentar suas peças no teatro de bonecos.

O espetáculo estabelece conexões diretas com a obra A Pena e a Lei  de Ariano Suassuna e dialoga com textos fundamentais de Hermilo Borba Filho, como A Fisionomia e O Espírito do Mamulengo e o conto O Perfumista.

O elenco composto por Thiago Augusto, Victória Cavalcanti, Camomila Boudoux e João Tavares dá vida tanto aos personagens humanos quanto aos mamulengos que os acompanham, contando com uma equipe técnica que inclui preparação de elenco, produção musical de Lígia Fernandes, figurinos de Mariana Barbosa, bonecos criados por Luan Lucas Leite e iluminação de Natalie Revorêdo. Com apresentações nos dias 10, 11, 12 e 13 de julho, sempre às 19h30, o espetáculo de 1h30 de duração promete um final “digno de um espetáculo de Ariano Suassuna”.

Luz nas Trevas, adaptação de Bertolt Brecht pelos alunos da UFPE, com direção de Marcondes Lima.

A atuação universitária se faz presente de forma significativa na programação. Luz nas Trevas (15 de julho, às 20h), adaptação de Bertolt Brecht pelos alunos da UFPE sob direção do professor Marcondes Lima, explora os princípios do teatro épico brechtiano, buscando provocar reflexão crítica do público sobre questões sociais e políticas. A montagem conta com classificação indicativa de 16 anos e reúne um elenco expressivo de 24 atores: Acácia Mendes, Cheshire Mills, Clara Barbalho, Edla Ferreira, Flavio Soares, Gilliard Medeiros, Giovanna Hortência, Gusta Machado, Haru Jun, Isabelle Lemos, João Xavier, Jotapê, Lisbela de Holanda, Malu Oliveira, Marina Lino, Matheus Travassos, Max Teles, Mel Leão, Murilo Lima, Nelba Santos, Pauly, Rafael de Souza, Samuel Kapus e Victor Filho. A assistência de direção fica por conta de Gui Vicente, e a iluminação é assinada por Tycia Ferraz.

Tudo de Novo no Front (16 de julho) apresenta uma proposta igualmente experimental, nascida do exercício acadêmico. Como conclusão da disciplina Laboratório de Encenação do curso de Licenciatura em Teatro da UFPE, a montagem surge de um processo de criação coletiva conduzido pelos próprios estudantes, sob a orientação das professoras Agrinez Melo e Vika Schabbach, com assessoria do professor Marcondes Lima. Inspirada na dramaturgia de Fernando Arrabal, especificamente em sua peça Piquenique no Front, a montagem constrói uma situação de absurdo perturbador: durante uma guerra, pais visitam o filho no front e organizam um piquenique dominical ao som de tiros e bombardeios, transformando o campo de batalha em cenário de reunião familiar.

A proposta expõe a naturalização grotesca da violência através de uma inversão irônica que transforma horror em cotidiano doméstico. Essa estratégia cênica, característica do teatro do pânico de Arrabal, ecoa também as experimentações do absurdo europeu, mas dialoga diretamente com as inquietações hermilianas sobre os mecanismos sociais que tornam a brutalidade aceitável. A encenação universitária, ao escolher essa dramaturgia provocadora, coloca em questão a banalização dos conflitos armados e nossa capacidade coletiva de normalizar situações extremas, transformando-as em eventos familiares banais.

Completam a programação cênica os espetáculos de dança Dança Caminhos, de Fabinho Soares (17 de julho), e Passo, da Compassos Cia. de Dança (18 de julho), oferecendo perspectivas contemporâneas sobre movimento e expressão corporal.

Saberes Ancestrais em Cena

Um momento significativo da programação acontece no dia 18, quando a ancestralidade cultural nordestina encontra espaço central no evento. A mestra Nice Teles, primeira mulher negra condecorada mestra do cavalo-marinho da Zona da Mata Norte pernambucana, oferece uma aula-espetáculo sobre Personagens Femininos no Cavalo-marinho“. Sua presença representa  o reconhecimento de saberes tradicionais e principalmente a urgência de incluir perspectivas de gênero e raça nas discussões sobre cultura popular.

A participação de Nice vai além da apresentação. Entre os dias 15, 16 e 17 (das 14h às 17h), ela ministra oficina sobre o mesmo tema, oferecendo formação prática em conhecimentos que resistiram séculos de invisibilização. É uma oportunidade rara de acessar saberes transmitidos oralmente ao longo de gerações, mantidos vivos principalmente por mulheres das comunidades rurais.

Reflexões Teóricas e Formação

A dimensão formativa da Semana Hermilo inclui palestras que articulam passado e presente das artes cênicas pernambucanas. No dia 15, o professor Roberto Lúcio aborda a Contribuição de Hermilo Borba Filho para a formação de atores e atrizes do Recife de 1950 a 1970, período crucial para a consolidação do teatro moderno pernambucano.

As rodas de conversa dos dias 16 e 19 promovem diálogos entre diferentes perspectivas teatrais. O professor Marcondes Lima conduz discussão sobre “cena épica segundo Brecht e Hermilo”, explorando conexões entre o teatro político alemão e as experimentações hermilianas. Já Felipe Koury aborda a “antropologia do gesto cênico”, campo de estudos que ganha relevância crescente nos debates contemporâneos sobre corporeidade e performance.

As oficinas gratuitas complementam a programação formativa. Antropologia do Gesto“, ministrada por Felipe Koury nos dias 11, 12 e 13 (das 9h às 12h), oferece perspectiva teórico-prática sobre estudos do movimento cênico. As inscrições para ambas as oficinas devem ser feitas pelo email centroapolohermilo.pauta@gmail.com.

Cenário Cultural em Transformação

A realização da Semana Hermilo acontece num contexto de profundas transformações no cenário cultural recifense. A cidade enfrenta desafios crescentes na manutenção de espaços dedicados às artes cênicas, enquanto a especulação imobiliária pressiona territórios históricos como o Recife Antigo. O Teatro Hermilo Borba Filho, inaugurado em 1988, resiste como um dos poucos equipamentos públicos dedicados exclusivamente ao teatro, mas enfrenta as limitações de uma infraestrutura que demanda investimentos urgentes em modernização técnica, acessibilidade e conforto. A defasagem tecnológica dos equipamentos de som e iluminação, somada à necessidade de adequações que garantam pleno acesso a pessoas com deficiência, evidencia como a precarização dos investimentos públicos em cultura compromete a qualidade das produções e a capacidade do equipamento de cumprir sua função social de democratização do acesso às artes cênicas.

Os editais que deram origem aos espetáculos principais – O Solo do Outro e O Aprendiz em Cena — representam iniciativas importantes da gestão municipal para estimular a criação teatral recifense, oferecendo oportunidades concretas para artistas emergentes e projetos experimentais. No entanto, esses mecanismos pontuais evidenciam a ausência de uma política cultural continuada que articule ações de curto, médio e longo prazo para o desenvolvimento sustentável das artes cênicas. Embora essenciais para a emergência de novos trabalhos, editais isolados não substituem investimentos estruturantes em formação de público, manutenção de equipamentos, criação de circuitos de apresentação e consolidação de uma cena teatral que transcenda a lógica de projetos individuais. O desafio permanece: como transformar iniciativas pontuais em política cultural que efetivamente consolide o Recife como território fértil para as artes cênicas, honrando o legado hermiliano?

Exposição permanente do pensamento de Hermilo Borba Filho, no corredor do teatro. Foto: Andréa Rêgo Barros

SERVIÇO
Semana Hermilo 2025

Período: 8 a 20 de julho
Local: Teatro Hermilo Borba Filho – Recife Antigo
Entrada: Gratuita
Inscrições para oficinas: centroapolohermilo.pauta@gmail.com

PROGRAMAÇÃO 

08/07 (Terça-feira)
18h30 – Abertura oficial
18h45 – Lançamento do livro Cultura, Diversidade de um Conceito
19h – Palestra com professor Flavio Brayner
19h45 – Espetáculo Bolor

09/07 (Quarta-feira)
19h – Espetáculo Bolor

10/07 (Quinta-feira)
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

11/07 (Sexta-feira)
9h às 12h – Oficina: Antropologia do Gesto
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

12/07 (Sábado)
9h às 12h – Oficina: Antropologia do Gesto
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

13/07 (Domingo)
9h às 12h – Oficina: Antropologia do Gesto
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

15/07 (Terça-feira)
14h às 17h – Oficina: Personagens Femininos no Cavalo-Marinho
19h – Palestra com professor Roberto Lúcio
20h – Espetáculo Luz nas Trevas

16/07 (Quarta-feira)
14h às 17h – Oficina: Personagens Femininos no Cavalo-Marinho
19h – Roda de conversa com professor Marcondes Lima
20h – Espetáculo Tudo de novo no front

17/07 (Quinta-feira)
14h às 17h – Oficina: Personagens Femininos no Cavalo-Marinho
19h – Espetáculo Dança Caminhos

18/07 (Sexta-feira)
17h – Aula-espetáculo com Mestra Nice
19h – Espetáculo Passo

19/07 (Sábado)
17h – Palestra com professor Felipe Koury
19h – Espetáculo Bolor

20/07 (Domingo)
19h – Espetáculo Bolor

Postado com as tags: , , , , , , , , , , , , ,

21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco
aposta na criatividade sem limite

Jornada teatral promete encantar público com histórias instigantes como O Segredo da Arca de Trancoso. Foto: Wilson Lima

Pinoquio. Foto: Cesar Almeida

Por que levar as crianças ao teatro?
O teatro é uma arte poderosa para o desenvolvimento infantil. Além de estimular a imaginação e a criatividade, as apresentações teatrais ajudam as crianças a desenvolverem empatia, pensamento crítico e habilidades sociais. Não tem contraindicação. 

“Quando uma criança assiste a um espetáculo teatral, ela não está apenas se divertindo, mas também aprendendo sobre emoções, valores e diferentes perspectivas de vida”, destaca Edivane Bactista, produtora do 21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco (FTCPE), que neste 2025 tem como tema Criatividade sem Limite.

O universo lúdico e encantador do teatro infantil ganha as principais casas de espetáculo do Recife a partir deste final de semana e traz 14 espetáculos que prometem transportar o público para mundos de fantasia, aventura e aprendizado.

De 5 a 27 de julho, sempre aos sábados e domingos, os teatros de Santa Isabel, Parque e Barreto Júnior serão palco de montagens que celebram a diversidade cultural brasileira e a imaginação sem fronteiras. A programação reúne companhias de Arcoverde, Moreno, Paulista, Recife, João Pessoa (PB), além de uma montagem luso-brasileira vinda do Rio de Janeiro e uma produção olindense com influências egípcias e espanholas.

“O Festival busca oferecer ao público infantil uma mostra das muitas possibilidades que o teatro proporciona através da dramaturgia, da música, das formas animadas e do circo, linguagens que dialogam naturalmente com o universo da criança”, explica Ruy Aguiar, diretor artístico do evento.

Uma novidade desta edição é que todas as sessões contarão com acessibilidade em Libras, tornando o festival ainda mais inclusivo.

A solenidade de abertura acontece neste sábado (05/07), às 16h30, no Teatro de Santa Isabel, dez minutos antes da apresentação do espetáculo Mundo em Busca do Coração da Terra, da Tropa do Balacobaco de Arcoverde. Na ocasião, serão homenageados três artistas pernambucanos que dedicaram mais de 50 anos às artes cênicas, com destaque para as dramaturgias negras e quilombolas: as atrizes Carmelita Pereira e Juraci Vicente, e o ator, diretor e dramaturgo Didha Pereira.

Os espetáculos selecionados para o 21º FTCPE abordam temas relevantes como amizade, coragem, diversidade cultural e respeito ao meio ambiente, sempre de forma lúdica e acessível ao público infantil.

Em 21 anos de atividade, o Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco consolidou-se como um dos mais longevos do Brasil. Até a edição de 2024, foram realizados 270 espetáculos presenciais em mais de 485 apresentações, alcançando 154 mil espectadores e gerando mais de 5.200 trabalhos diretos e indiretos. Além das apresentações, o Festival também promove o Colóquio do Teatro para Infância e Juventude, que em 2025 completará 11 anos.

MUNDO em busca do coração da Terra – Foto_ Kaian Alves 

Programação do Final de Semana de Abertura

Sábado (05/07)
Teatro de Santa Isabel – 16h30

Mundo em Busca do Coração da Terra (Tropa do Balacobaco/Arcoverde-PE) : Uma aventura emocionante sobre um menino sertanejo que sonha conhecer a noite, em um tempo onde o sol reina sozinho. A jornada o leva a encontrar lendas das cinco macrorregiões do Brasil.
Ingressos: R$ 60,00 (inteira)/ R$ 30,00 (meia-entrada)
Duração: 70 minutos
Classificação: Livre

Teatro do Parque – 16h30

O Segredo da Arca de Trancoso (Cênicas Cia de Repertório/ Recife-PE): A história de um menino que recebe a missão de entregar uma arca misteriosa, enfrentando personagens inusitados e descobrindo que o objeto tem poderes surpreendentes.
Ingressos: R$ 60,00(inteira)/ R$ 30,00 (meia-entrada)
Duração: 60 minutos
Classificação: Livre

Domingo (06/07)
Teatro de Santa Isabel – 16h30

Pinóquio (Roberto Costa Produções/ Paulista-PE): O clássico boneco de madeira que sonha em se tornar um menino de verdade ganha vida no palco, em uma adaptação que encanta gerações.
Ingressos: R$100,00 (inteira) /R$ 50,00 (meia-entrada)
Duração: 50 minutos
Classificação: Livre

O Segredo da Arca de Trancoso. Foto: Wilson Lima

Pinoquio. Foto: Cesar Almeida

PROGRAMAÇÃO POR POLO

Teatro de Santa Isabel (16h30)
13 de julhoJoão por um Fio – (Companhia Boto-Vermelho / Rio de Janeiro–RJ e Lisboa–Portugal) Ingressos: R$ 80,00 (inteira) e R$ 40,00 (meia-entrada)

Teatro do Parque (16h30)
12 de julhoPra não dormir – Cutia Coletivo (Recife–PE)
R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia-entrada)

Teatro Barreto Júnior (16h)
12 de julhoO Reizinho Negro – Companhia Fuá de Terreiro (João Pessoa–PB)
R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia-entrada)

13 de julhoO Dia em que a Morte Sambou – Grupo Habib e Valeria (Olinda/Egito/Espanha)
R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia-entrada)

19 de julhoTatu-do-Bem – Catalumari e os Giguiotes (Recife–PE)
R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia-entrada)

20 de julhoA Batalha de Botas – Trupe Arlequin (João Pessoa–PB)
R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia-entrada)

Serviço
21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco

Data: De 5 a 27 de julho (sábados e domingos)
Locais: Teatro de Santa Isabel e Teatro do Parque (16h30)
Teatro Barreto Júnior (16h)
Ingressos: Preços variados, com meia-entrada para crianças a partir de 2 anos, autistas e acompanhantes, estudantes, professores, doadores regulares de sangue ou de medula óssea e idosos com apresentação da carteira.
Vendas: Plataforma Sympla (link disponível no site
www.teatroparacrianca.com.br) e nas bilheterias dos teatros a partir das 15h nos dias das apresentações (sujeito à lotação).
O 21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco é uma realização da Métron Produções, com incentivo cultural do SIC – Sistema de Incentivo à Cultura / Fundação de Cultura Cidade do Recife / Secretaria de Cultura / Prefeitura da Cidade do Recife.

 

Postado com as tags: , , , , , , ,

Projeto Totem Relicário:
A memória viva da performance pernambucana

Acervo histórico do grupo compreende cerca de 600 itens de 38 criações realizadas entre 1988 e 2009

Pesquisa continuada em quase 40 anos de trajetória. Foto: Olga Wanderley/ Divulgação

O Grupo Totem, um dos mais longevos e influentes coletivos de artes cênicas de Pernambuco, com 37 anos de trajetória, celebra sua história com o lançamento do projeto Totem Relicário. Este evento marca a disponibilização de um vasto acervo virtual que documenta as primeiras duas décadas de produção do grupo, oferecendo uma imersão na rica cena performática pernambucana e brasileira.

Fundado em 1988 por Fred Nascimento e Lau Veríssimo, o Grupo Totem tem sido um laboratório contínuo de experimentação nas artes cênicas, explorando as fronteiras entre teatro, performance, dança e rituais. Desde sua origem no casarão da Rua de São Bento, em Olinda, onde funcionava o icônico bar Abraxas, o grupo se dedicou a uma poética singular, caracterizada pela intensidade corporal, pela exploração de arquétipos e mitos, e por uma perspectiva ritualística da cena.

Suas obras, como Signosimbolosícones, Ele, Artaud!, Ita e Mulheres marcaram época e influenciaram gerações de artistas. A longevidade do grupo, mantendo-se ativo e relevante por quase quatro décadas, é um testemunho da força de sua pesquisa artística.

A filosofia do Totem aposta na capacidade de transformar o corpo do performer em um discurso político e poético, explorando a subjetividade e a cultura caosmopolitana, como visto em Caosmopolita. A composição de referências, desde a psicologia arquetípica de Carl Gustav
Jung e James Hillman até a antropofagia cultural brasileira, demonstra a riqueza intelectual e criativa que permeia suas produções.

A Preservação da Memória Performática em Formato Digital

Lançamento do projeto com reperformances em Olinda

O lançamento do projeto Totem Relicário, neste 5 de julho de 2025, representa um marco na história do Grupo Totem e na cena artística brasileira. Trata-se de uma plataforma virtual que reúne e disponibiliza o vasto acervo histórico do grupo, compreendendo cerca de 600 itens de 38 criações realizadas entre 1988 e 2009. Este “relicário” digital é uma verdadeira viagem no tempo, oferecendo acesso a fotos, vídeos, material gráfico, manuscritos, clipagens, croquis, mapas técnicos de palco e luz, fichas técnicas e roteiros.

A iniciativa é de extrema importância para a preservação da memória da performance. A arte performática, por sua natureza efêmera e de acontecimento ao vivo, enfrenta o desafio intrínseco de sua documentação e arquivamento. Muitas obras se perdem no tempo, existindo apenas na memória dos espectadores e artistas. Ao digitalizar e organizar este acervo, o Grupo Totem garante a perenidade de sua própria história como também oferece uma valiosa fonte de pesquisa e inspiração.

Jailson de Oliveira, Angélica Costa, Nara Sales, Lau Veríssimo e Zoraya Brayner, elenco de ITA

Cartaz do trabalho Ele, Artaud. Foto: Divulgação

Festivo e imersivo, o lançamento do Totem Relicário retorna ao local de origem do grupo em Olinda, no casarão da Rua de São Bento. A programação é um convite à revisitação e ressignificação das obras do Totem:

Reperformances

Integrantes, ex-integrantes e colaboradores convidados apresentarão cenas de seis performances históricas:

Duplo Faca Destino (2005),
com Juliana Nardin: Performance criada a partir da obra do artista visual Rinaldo Silva, explorando a dualidade da faca, do corte e do ferir.

Signosimbolosícones (1991),
com Lau Veríssimo, Suzi Couto e Zoraya Brayner: Um teatro de imagem, uma paisagem humana, mixando personas de trabalhos anteriores do grupo e registros fotográficos.

Ele, Artaud! (1997),
com Angélica e Luan Amim: Espetáculo ritualístico que antropofagicamente absorve o teatro Artaudiano, misturando-o com referências culturais brasileiras.

Ita (1991) e Mulheres (1993),
com Jailson Oliveira: Solo que integra trechos dessas performances. Ita delineou a poética do Totem, enquanto Mulheres aborda o princípio feminino e arquétipos de deusas.

Caosmopolita (2005),
com Gabi Cabral: Situa-se na fronteira do teatro físico, performático e dança, com o corpo do ator/performer como discurso político.

Outras Atividades

Depoimentos e Documentário:
O evento inclui depoimentos em vídeo de artistas que passaram pelo grupo e a exibição do documentário Totem Retrospecto, de Taína Veríssimo.

Roda de Conversa:
Uma discussão sobre a história do grupo e o site do acervo, com a participação de Fred Nascimento, Taína Veríssimo, Zé Diniz (web designer), Alexandre Figueirôa (jornalista/cineasta), e participações em vídeo de Alexandre Nunes e Inaê Veríssimo.

Pocket Show:
Atual e ex-integrantes da banda do Totem, incluindo Fred Nascimento, Cauê Nascimento, Mário Sérgio, Mari Paiva, Patrício Rodrigues e Gustavo Vilar, apresentarão trilhas sonoras dos espetáculos.

O projeto Totem Relicário é realizado via Fundo de Incentivo à Cultura do Governo de Pernambuco – Funcultura, garantindo a gratuidade e acessibilidade do acervo. O site (grupototem.com.br) conta com ferramentas de acessibilidade comunicacional para pessoas com baixa visão, daltônicos, surdas e cegas, reforçando o compromisso do grupo com a inclusão e a democratização do acesso à cultura.

GeoPoesis, filme da videoperformance do Totem. Foto: Divulgação

A performance, por sua natureza transitória, sempre representou um desafio para a historiografia da arte. O Totem Relicário encara diretamente essa questão, transformando a efemeridade em um legado acessível. Ao digitalizar e contextualizar seu vasto material, o grupo contribui para a construção de uma memória viva da performance brasileira, permitindo que obras que aconteceram uma única vez ou em poucas ocasiões possam ser estudadas, revisitadas e compreendidas por novas gerações.

Isso se alinha a discussões contemporâneas sobre a “arquivabilidade” da performance e a importância dos acervos digitais como ferramentas de pesquisa e difusão cultural. Como aponta a teórica Diana Taylor em seu livro O Arquivo e o Repertório, existe uma tensão produtiva entre o arquivo (documentos, textos, vídeos) e o repertório (práticas corporais, conhecimentos incorporados). O Totem Relicário cria uma ponte entre essas duas dimensões.

A programação do evento, com as “reperformances”, é um exemplo prático da teoria da reencenação na arte contemporânea, que pensa numa ressignificação das obras originais no contexto atual, com novos corpos e perspectivas. Isso demonstra a vitalidade da performance como linguagem, capaz de se adaptar e gerar novos sentidos ao longo do tempo.

A reperformance celebra a continuidade e a evolução de uma linhagem artística. Este conceito dialoga com as práticas de artistas como Marina Abramović e seu projeto Seven Easy Pieces, onde ela reperformou obras icônicas suas e de outros artistas.

A longevidade do Grupo Totem e a participação de ex-integrantes e colaboradores no evento de lançamento sublinham seu papel como um polo de formação e irradiação artística. Muitos artistas que passaram pelo Totem seguiram suas próprias trajetórias, levando consigo a experiência e a filosofia do grupo.

O Totem Relicário, ao disponibilizar o histórico de criações e processos, torna-se uma “escola” aberta, um repositório de metodologias e inspirações para jovens artistas e pesquisadores que buscam compreender as raízes e as evoluções da performance no Brasil. Esta função pedagógica é fundamental em um país onde o ensino formal das artes performáticas ainda enfrenta desafios estruturais.

A atuação contínua do Grupo Totem em Pernambuco, e a visibilidade que o Totem Relicário trará, reforça a importância das cenas artísticas regionais para o panorama cultural brasileiro. Em um cenário muitas vezes centralizado no Rio-São Paulo, o Totem demonstra a riqueza e a capacidade de produção artística de outras regiões, contribuindo para a diversidade e a pluralidade das expressões performáticas nacionais.

O projeto, financiado pelo Funcultura, também evidencia a relevância do apoio público para a sustentabilidade e o desenvolvimento da cultura local. Em tempos de escassez de recursos para a cultura, iniciativas como esta reafirmam a importância das políticas públicas para a preservação da memória artística.

Lau Veríssimo, uma das fundadoras do Grupo Totem. Foto: Divulgação

Fred Nascimento, um dos fundadores do Totem. Foto: Divulgação

Em quase quatro décadas de existência, o Grupo Totem construiu uma das mais consistentes e inovadoras trajetórias artísticas do Brasil, reinventando constantemente as fronteiras da performance, do teatro ritual e da experimentação corporal em Pernambuco. Apesar de sua metodologia singular, que mescla referências antropológicas, mitológicas e políticas, e de ter formado gerações de artistas que hoje atuam em diversas frentes da cena cultural brasileira, o Totem permanece um tesouro parcialmente oculto no panorama artístico nacional. Como tantas iniciativas culturais surgidas fora do trânsito Rio-São Paulo, o grupo carrega o paradoxo de ser simultaneamente reverenciado por quem conhece sua obra e invisibilizado nos grandes circuitos e narrativas oficiais das artes cênicas brasileiras, raramente recebendo o reconhecimento proporcional à sua contribuição estética e cultural.

O projeto Totem Relicário surge, portanto, como um arquivo digital e como um ato de justiça histórica e resistência cultural. Ao disponibilizar virtualmente seus 600 itens documentais e registros de 38 criações realizadas entre 1988 e 2009, o grupo ultrapassa as barreiras geográficas que tradicionalmente limitaram seu alcance, permitindo que pesquisadores, artistas e entusiastas de qualquer parte do mundo possam descobrir e estudar esta produção única. Esta plataforma representa a democratização da memória performática pernambucana e a possibilidade de reescrita de uma história das artes cênicas brasileiras mais plural e descentralizada. O Totem Relicário honra não apenas o passado do grupo, mas aponta para um futuro onde iniciativas artísticas de todas as regiões do Brasil possam ser devidamente reconhecidas, estudadas e celebradas, inscrevendo definitivamente o Grupo Totem no lugar que sempre mereceu: o de referência fundamental da performance contemporânea brasileira.

SERVIÇO
Lançamento do Acervo Virtual do Grupo Totem
Local: Rua de São Bento, 344 – Olinda-PE
Dia: SÁBADO, 05 de julho de 2025
Horário: 17h às 20h
Entrada: gratuita
Mais informações: @grupototemrecife
Site do acervo: grupototem.com.br

FICHA TÉCNICA
Acervo Virtual do Grupo Totem
Direção/coordenação: Fred Nascimento
Pesquisadoras: Lau Veríssimo, Juliana Nardin, Taína Veríssimo e Íris Campos
Web designer e programação: Zé Diniz
Editor gráfico: Luan Amim
Produtora: Taína Veríssimo

Postado com as tags: , , , , , , , , ,

Melhorando as gentes, melhoramos os seus deuses
Crítica de A Última Ceia

A Última Ceia, espetáculo do grupo MEXA, se aproxima do quadro de Leonardo Da Vinci. Foto: Maringas Maciel

 

Em Véspera, livro de Carla Madeira, um pai dá aos filhos gêmeos os nomes de Caim e Abel para se vingar da esposa religiosa que o rejeitava. Anos mais tarde, um dos gêmeos ia mal no colégio, seria reprovado. A mãe, Dona Custódia, temia que houvesse uma quebra na relação entre os irmãos. Resolve então interceder por Abel junto a um dos diretores da escola, padre Tadeu. O religioso pede que a mulher deixe que ele lhe conte a história bíblica de Caim e Abel, ao que ela retruca dizendo que a conhece.

– Tenho certeza que sim, mas, para nossa sorte, uma história sempre pode ser recontada.

Padre Tadeu narra a história de Caim e Abel pontuando que Deus provocou a ira de Caim quando fez diferença entre as ofertas dos irmãos, e que teria usado o mais velho para nos ensinar sobre a raiva e o quanto ela nos potencializa ao mal, nos desajusta. Ao mesmo tempo, impediu que Caim fosse morto, mesmo depois de ter assassinado Abel. Não seria aquele episódio que instauraria o olho por olho, dente por dente.

Há semelhanças entre o que tenta a narrativa de Carla Madeira, aqui personificada por padre Tadeu, e o grupo MEXA, criado em 2015, em São Paulo, em sua peça A Última Ceia, apresentada no 33º Festival de Curitiba. Aproximando-se e apropriando-se de histórias bíblicas incorporadas ao nosso repertório comum cristão ocidental de determinado modo, o livro e a peça nos oferecem outras miradas. Perspectivas, senão de rompimento ou de fuga, de respiro. Nessa operação, não há necessariamente questionamentos ou contradições escancaradas à “verdade bíblica das escrituras sagradas”, mas possibilidades de relação.

– Isso não está escrito, dona Custódia. É uma interpretação. E, como toda interpretação, carrega um pouco do desejo de quem a faz. Não será diferente comigo, diz padre Tadeu quando a mãe dos gêmeos questiona sua perspectiva bíblica.

Há muito de desejo no espetáculo do MEXA, que tem no elenco majoritariamente atrizes trans e travestis. Estão em cena Aivan, Alê Tradução, Dourado, Patrícia Borges, Suzy Muniz e Tatiane Arcanjo. A direção e a dramaturgia são assinadas por João Turchi. Alguns dos corpos no palco se anunciam antes de qualquer fala pronunciada.  Corpos considerados abjetos que desejam perscrutar a Santa Ceia a partir do quadro A Última Ceia, de Leonardo Da Vinci (1452-1519), pintado no refeitório de um convento dominicano, ao lado da Igreja de Santa Maria delle Grazie, em Milão, na Itália, entre os anos de 1494 e 1498.

A peça do MEXA tem uma trajetória internacional: estreou em 2024 no Kunstenfestivaldesart, em Bruxelas, na Bélgica, foi apresentada no Kaserne Theatre, em Basel, na Suíça, no Festival Theaterformen, em Braunschweig, e no Sophiensaele, espaço em Berlim, ambas as cidades na Alemanha. No Brasil, fez temporada na Casa do Povo, em São Paulo, onde os artistas do MEXA são residentes, participou da MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo e agora do Festival de Curitiba. De 18 a 27 de setembro de 2025, o MEXA leva o espetáculo A Última Ceia ao Festival d’Automne, em Paris.

A obra de Da Vinci captura o momento em que Jesus diz aos discípulos que seria traído. Era a última refeição com os seus amigos antes de ser crucificado. O que podem nos dizer corpos travestis, corpos de pretas e pretos, sobre traição, morte, ressurreição, comunhão e partilha? Quais as simetrias entre “um homem crucificado, mulheres enforcadas como bruxas, negros arrastados por carros de polícia”? O que significa a expectativa do fim para uma travesti no Brasil? Precisamos dizer que o Brasil é o país que mais mata travestis e transsexuais no mundo? Essa peça não é sobre morte, ou não apenas, mas sobre ressurreição, compartilhamento, fartura, festa. Alguma bondade nos servirá a todos, melhor defendê-la, escreve Carla Madeira.

Protagonismo das narrativas é uma questão no espetáculo. Foto: Maringas Maciel

Se a injustiça da exclusão, da fome e da iminência da morte geram raiva, aquela que Deus provocou em Caim, e mais violência – ou histórias isoladas de superação –, as atrizes decidem que a peça não vai seguir por aí. O desejo passa por assumir o protagonismo das suas narrativas, brindar ao fato de terem chegado até ali, e decidir quais histórias e como elas serão contadas. Como todas as histórias dependem da perspectiva de quem as conta, as atrizes se questionam: como gostaríamos de ser lembradas? Quantas vezes uma imagem precisa ser repetida para que a gente se lembre dela?

Nem crianças – ou, neste caso, nem travestis – lançarão granadas na imagem da face de Cristo, como acontecia em Sobre o Conceito do Rosto do Filho de Deus, do diretor italiano Romeo Castelucci, homem branco europeu que provocou polêmica com sua peça já apresentada no Brasil. Se há uma expectativa no senso comum de que artistas – e especificamente artistas com corpos ditos abjetos – provoquem escândalo criticando o cristianismo em suas obras, o espetáculo do Mexa não atende a esse anseio. O máximo que vai aparecer é a falta de fé – uma das atrizes assume que não acredita em Deus e outra imediatamente revida: as duas pegariam um voo juntas em alguns dias, isso lá é coisa que se diga? Risadas na plateia. Ou a citação no texto de outras religiões, especialmente as de matrizes africanas: “Na minha releitura, Jesus é Exu”.

De modo geral, poderíamos dizer, inclusive, que A Última Ceia é um espetáculo bastante cristão, dependendo do que consideramos cristão. Como esse categorização pode variar bastante num país conservador e direitista como o Brasil, o exemplo de cristianismo que trago aqui, quando me refiro à peça, é o do padre Júlio Lancellotti, um cristão que não se dobra ao preconceito, combate a transfobia, prega a convivência, a partilha. Que olha o outro nos olhos, enxerga a dor da fome e da exclusão, e acredita na potência que pode surgir no compartilhamento do pão. Por seus posicionamentos e sua prática, sofre as consequências.

A subversão da peça, se é que podemos chamar assim, está no campo da instauração de uma convivência com corpos dissidentes na sala de espetáculos. Corpos que não estamos acostumados a ver no teatro, mesmo que esse seja o espaço íntimo de imaginação de novas realidades. Em determinado momento, elas, as artistas, as donas do palco, as detentoras do poder naquela situação, convidam parte do público para jantar com o elenco. E há, aqui, um fato: não haverá lugar para todos à mesa. Talvez pelo desejo de que aquela cena seja de fato representação, e que haja essa divisão clara entre os que participam e os que estão no lugar de espectadores comuns, assistindo ao que acontece com alguma distância; ou pela reprodução de um cristianismo da vida cotidiana que não comporta todos. Não há comida, vagas nos centros de acolhida, emprego, dignidade para todos.

No jantar que transforma o palco em mesa, servido no meio do espetáculo, temos frango, farofa, batatas. Brinde com vinho. Alguém da plateia, rápido o suficiente para garantir o lugar à mesa, comemora: “essa é a melhor peça do festival”. Rimos, mesmo sabendo que não se trata disso. É só parar por um instante e se perguntar de modo quase rasteiro: quantas pessoas ali naquele teatro convivem com travestis em seus cotidianos? Quantas dividiram, em condição de igualdade, pelo menos uma vez na vida, uma mesa com uma travesti? O texto da peça nos lembra que essa é a única vez em que essas pessoas vão jantar juntas. Logo depois daquela sessão, esse arranjo vai se desfazer. Será o último? Só melhorando as gentes, melhoramos os seus deuses, me permito uma versão de uma das epígrafes de Carla Madeira.

Parte do público compartilha “A Última Ceia” com elenco. Foto: Maringas Maciel

Referências biográficas e documentais atravessam a montagem. Foto: Maringas Maciel

Nas confluências com o quadro A Última Ceia e a história cristã, a dramaturgia propõe analogias e atravessamentos que vão se desenhando. Assim como aquela seria a última refeição que Jesus faria com seus discípulos, seus amigos, a peça estabelece uma dúvida sobre o fim do próprio grupo MEXA. “Toda peça pode ser a última, mas alguma coisa muda quando a gente sabe que é uma despedida”. Essa suposição do fim do grupo, e o que isso significaria, vai percorrer toda a dramaturgia. Alguém diz que poderia ser um novo começo. Outra pessoa atesta que não voltará ao grupo depois da peça. O que significa trabalhar com arte, especificamente com teatro, para uma travesti?

Há ainda um questionamento sobre ficção e realidade e sobre a própria representação. Ivana (Aivan), de vestido vermelho, uma figura imponente, dá o texto: teatro é sobre repetição. Ao final da temporada, de tanto repetir o espetáculo, elas todas estarão cansadas de suas personagens, e acharão que não existe mais nenhuma verdade em suas representações. O que é verdade numa representação? O que é verdade numa história contada repetidas e repetidas vezes como a do sacrifício de Jesus? Quais verdades a tela de Da Vinci consegue capturar?

Nessa tentativa de estabelecer relações dramatúrgicas com os disparadores da obra, o quadro bíblico e as narrativas que se desprendem dele, as que melhores se estruturam, dando maior consistência ao texto, dizem respeito ao campo documental, às histórias que supostamente vazam da ficção. O MEXA se formou no âmbito de alguns centros de acolhida da região do Bom Retiro, especialmente da Casa Florescer, primeiro centro de acolhida de São Paulo destinado a mulheres trans em situação de rua. Num vídeo, uma das atrizes, Suzy Muniz, diz que veio do Maranhão para São Paulo de ônibus. Durante a viagem, comeu apenas maçãs, porque era mais barato. Vemos então o refeitório do centro de acolhida que ela frequentou na cidade – e está lá, a reprodução do quadro de Da Vinci, mas com muito mais fartura de comida do que na pintura original. É possível representar a fome?, questiona a dramaturgia. Há muito mais fome do que comida naquela tentativa de representação imagética. O que se quebra depois da fome? Um paraíso não é suficiente contra determinados infernos, volto a Carla Madeira.

As artistas compartilham suas histórias com a imagem de A Última Ceia, uma das mais reproduzidas da história da arte mundial. O quadro na cozinha da casa da avó; o pai bêbado trazendo o quadro e a mãe que acaba por destruí-lo porque alguém diz que a imagem tinha demônios; o quadro que sobrevive a intempéries, como uma enchente. O processo da peça também é incorporado à encenação, um registro documental em vídeo questiona: quantas vão sucumbir? Ao final dos ensaios, quem vai fazer a peça? Os conflitos inerentes a uma criação artística são explicitados. Assim como na vida, a convivência durante os ensaios pode ser desafiadora. As relações de poder e de autoridade entram na discussão: “Eu não gosto de dar palpites, gosto de dar ordens”.

Na esteira do processo, uma demanda trazida à encenação: quem faria Judas? Se todas ali já foram traídas, como atesta a dramaturgia, por que querem ser Judas? O que, de humanidade, escorre da figura de Judas? Em teoria, o público escolhe quem vai interpretar Judas depois que cada uma diz por que deveria fazer o papel. Duvido outra pessoa ganhar depois que Veronika Verão promete amor – uma noite de amor. Se o papel de Judas está definido, e o de Jesus? Esse lugar, o daquele que reparte o corpo, o pão, o salvador, o que é sacrificado, morre, mas ressuscita, está mesmo vazio no palco? Todas poderiam ser Jesus. Mas sabendo que o que queremos, precisamos ressaltar, é vida e não morte, festa e alegria, e não fome. Passou da hora de Jesus humilhar o satanás, como na brincadeira com a música The Rhythm of the Night.

O espetáculo A Última Ceia foi apresentado nos dias 31 de março e 1 de abril de 2025 no Festival de Curitiba.

Continuidade do grupo é um dos motes da peça. Foto Maringas Maciel

Ficha técnica:

Criação: MEXA
Direção e dramaturgia: João Turchi
Performance e co-criação: Aivan, Alê Tradução, Dourado, Patrícia Borges, Suzy Muniz, Tatiane Arcanjo e Veronika Verão
Vídeo performer, criação de vídeo e direção técnica: Laysa Elias
Assistência de direção, de movimento e de performance: Lucas Heymanns
Trilha sonora, sound design e performance: Podeserdesligado
Luz e performance: Iara Izidoro
Produção executiva: Francesca Tedeschi
Produção e direção de arte: Lu Mugayar
Figurino: Anuro Anuro e Cacau Francisco
Cenário: Vão
Direção vocal: Dourado
Integraram parte do processo criativo: Anita Silvia, Daniela Pinheiro e Gustavo Colombini
Colaboração dramatúrgica: Olivia Ardui
Pesquisa e consultoria artística: Guilherme Giufrida
Produção: MEXA
Coprodução: Kunstenfestivaldesarts, Casa do Povo, Kampnagel – Internationales Zentrum für Schönere Künste
Agradecimentos especiais: Esponja, Ana Druwe, Benjamin Seroussi, Marcela Amaral e Felipe Martinez

A Última Ceia vai participar do Festival d’Automne, em Paris. Foto: Maringas Maciel

Postado com as tags: , , , , , , , , ,

Poética da masculinidade
em movimento
Crítica: Umbigo

Espetáculo Umbigo, da Companhia Ozinformais, de Alagoas,. Foto: João Erisson / Divulgação

Bailarinos-criadores José Marcos Tope e Jal Oliveira. Foto: João Erisson / Divulgação

Umbigo, espetáculo da Companhia Ozinformais, de Alagoas, com os bailarinos Jal Oliveira e José Marcos Topete e direção de Carlos Alberto Barros, foi apresentado no Palco Giratório – 19º Festival Porto Alegre, no dia 3 de junho, no Teatro CHC Santa Casa. E circula pelo Palco Giratório por várias cidades brasileiras. Parto da premissa de que esse trabalho se revela como uma contundente reflexão corporal que, ao se inspirar em tradições como o Toré e o Coco de Roda, estabelece um diálogo provocador com as masculinidades contemporâneas. Proponho que sua poética corporal ao celebrar essas manifestações culturais, também as fricciona com as questões de ser homem no século 21.

O espetáculo abraça e reelabora tradições culturais alagoanas, práticas ancestrais que representam elaborados sistemas de conhecimento corporal e cosmovisões. Essas manifestações oferecem um rico repertório de movimentos, ritmos e espacialidades, servindo como base para a exploração de narrativas corporais.

O Toré, ritual dos povos indígenas do Nordeste brasileiro, notadamente os Kariri-Xocó e Xucuru-Kariri de Alagoas, Pankararu, Fulni-ô, Truká, Kambiwá, Pipipã, Pankará e Xukuru (Pernambuco), Potiguara (Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte), Tumbalalá, Kiriri, Pataxó, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Kaimbé e Kantaruré (Bahia), Xocó (Sergipe), Tremembé, Tapeba, Jenipapo-Kanindé e Anacé (Ceará), Atikum (Pernambuco e Bahia), Tupinambá (Bahia), Kalankó, Koiupanká, Karuazu e Tuxá (Alagoas, Bahia e Pernambuco), manifesta-se como dança circular concebida para estabelecer contato com entidades ancestrais, a espiritualidade da terra e a coesão comunitária. Caracterizado pelo movimento rítmico e contínuo dos pés no chão, gera círculos dinâmicos, acompanhado por cantos e pelo som de maracás.

Na peça de dança Umbigo, a circularidade e a percussão insistente dos pés no solo tornam-se princípios estruturantes da coreografia, ressoando a resistência cultural e a força telúrica desses povos.

Paralelamente, o Coco de Roda alagoano, manifestação cultural de raízes afro-brasileiras
nascida nos quilombos e engenhos açucareiros, apresenta-se como patrimônio cultural de elaborada tecnicidade rítmica e coreográfica, forjado em contextos de resistência e celebração. O trupé – caprichado jogo de batidas dos pés que gera padrões rítmicos intrincados e sincopados – evidencia um refinado sistema de saber corporal. Essa técnica demanda notável destreza, coordenação e sensibilidade rítmica, sendo ressignificada no espetáculo ao transpor sua essência tradicional para uma linguagem coreográfica contemporânea.

Entrelaçando memória, resistência e pertencimento, essas manifestações culturais permitem que Umbigo construa pontes entre temporalidades e contextos diversos, gerando novas energias.

Masculinidades em Transformação: Diálogos Teóricos e Corporais

A proposta cênica estabelece diálogo frutífero com as teorias contemporâneas sobre masculinidades, especialmente com Raewyn Connell e bell hooks. Connell propõe que não existe uma masculinidade singular, mas diversas configurações hierarquicamente organizadas. Seu conceito de “masculinidade hegemônica” refere-se a práticas de gênero que legitimam a posição dominante de alguns homens e a subordinação das mulheres e outros homens.

Connell identifica quatro padrões: hegemônica (forma culturalmente exaltada e dominante), cúmplice (beneficiários dos dividendos patriarcais), subordinada (formas oprimidas pela hegemônica) e marginalizada (relacionada a homens subalternizados por classe, raça ou etnia).

Umbigo contesta o modelo dominante através da corporalidade dançante. Os corpos masculinos manifestam práticas contra-hegemônicas – formas de expressão que desafiam expectativas normativas sobre como homens devem se movimentar, expressar emoções e se relacionar.

bell hooks desenvolve uma crítica incisiva à masculinidade patriarcal, argumentando que esta prejudica mulheres e causa danos profundos aos próprios homens. Sua “ética do amor” defende que homens precisam desenvolver capacidades para intimidade emocional e cuidado mútuo. No espetáculo, isso materializa-se nos gestos de sustentação recíproca, particularmente quando um bailarino abre os botões da camisa do outro – gesto de desarmadura que sugere abertura para intimidade não-dominadora, baseada na confiança e no respeito.

A Reinvenção da Corporalidade Masculina: Gravidade, Essência e Presença. Foto: João Erisson / Divulgação

A batida de pé no chão, elemento nuclear da coreografia, vai além da técnica, convertendo-se em metáfora de uma relação renovada com o mundo e o próprio corpo. O contato percussivo com o solo propõe uma masculinidade enraizada, conectada à terra. No palco desnudado, os corpos revelam sua essência sem artifícios mediadores. 

A exigência física dos 40 minutos constitui uma declaração performática intencional. As técnicas do Toré e do Coco de Roda alagoano demandam excepcional resistência, fazendo com que os intérpretes se entreguem à exaustão como parte integrante da narrativa.

Montagem exercita uma desobediência epistêmica. Foto: João Erisson / Divulgação

A direção de Carlos Alberto Barros revela consciência dos dilemas geopolíticos da criação artística atualmente. Produzir dança contemporânea desde Alagoas implica enfrentar invisibilização e subalternização. O sistema brasileiro historicamente privilegiou produções do eixo Rio-São Paulo, relegando outras regiões à categoria de “regionais” ou “folclóricas”. Tal hierarquia reflete uma lógica colonial que desvaloriza a produção cultural das periferias.

Nesse contexto, a articulação de tradições alagoanas com a dança contemporânea representa “desobediência epistêmica” – conceito de Walter Mignolo que se refere ao ato de desafiar estruturas de conhecimento eurocêntricas dominantes.

Umbigo expressa essa desobediência ao se afirmar simultaneamente como radicalmente alagoano e plenamente contemporâneo, demonstrando a viabilidade de criar dança contemporânea a partir de referências culturais específicas sem resvalar no exotismo, propondo uma nova centralidade para as periferias.

O figurino no espetáculo Umbigo, composto por bermuda e camisa de botão, embora simples, desempenha um papel crucial na narrativa cênica. Essa escolha minimalista facilita a mobilidade dos bailarinos e serve como uma tela neutra que destaca os movimentos e interações corporais, sugerindo uma concentração na expressão física e na dinâmica das relações em cena. O momento em que um bailarino abre os botões da camisa do outro constitui-se como ponto de inflexão dramatúrgica. Como já citado, o gesto de abrir os botões da camisa do outro bailarino pode ser interpretado como um momento de intimidade não mediada por papéis tradicionais masculinos de competição ou dominação, mas baseada em vulnerabilidade compartilhada e cuidado mútuo. 

A trilha sonora original de Iury Limão estabelece um diálogo cúmplice com a coreografia, compartilhando suas raízes no Toré e no Coco de Roda alagoano. A composição se integra à linguagem corporal do espetáculo, acompanhando-a e recriando de forma contemporânea a essência rítmica das danças tradicionais, enquanto cria novas texturas sonoras. Os ritmos percussivos que evocam as batidas dos pés no chão criam camadas de significação que acompanham as transformações coreográficas, iluminando as mudanças de dinâmica e intensidade ao longo do espetáculo. 

Peça contesta o modelo dominante e sugere o umbigo como ponto de conexão e antídoto ao falocentrismo

O umbigo, como elemento central, condensa significados que remetem à nossa conexão primordial com a mãe e a Terra. Ele evoca conceitos como a Pachamama andina, símbolo de fertilidade e interconexão. Como cicatriz vital, é um lembrete contínuo de nossa interdependência.

Cabe aqui uma importante distinção: longe de evocar a visão popular e excludente do “olhar para o próprio umbigo” como centro do mundo e sinônimo de egoísmo, a simbologia do umbigo explorada nesta análise aponta, ao contrário, para uma dimensão de profunda conexão, sensibilidade e interdependência mútua. Ele se torna o ponto de origem de um vínculo essencial, que remete à formação e à sustentação da vida, sublinhando a natureza inerentemente relacional do ser humano.

A psicanalista feminista Luce Irigaray, em Speculum of the Other Woman, critica a centralidade do falo na psicanálise, argumentando que tal centralidade reforça uma ordem patriarcal. Enquanto o falo encarna separação e dominação, outros elementos corporais poderiam fundar uma ordem alternativa baseada em conexão e reciprocidade.

Embora Irigaray não discuta especificamente o umbigo, sua crítica ao falocentrismo oferece subsídios essenciais para compreender o potencial desestabilizador deste elemento no espetáculo. O umbigo evidencia nossa origem compartilhada, desafiando narrativas de autonomia absoluta associadas à masculinidade hegemônica. Funciona como lembrete ontológico de que todo ser humano provém de outro corpo e carrega interdependência inscrita em seu ser.

Na coreografia, os corpos traduzem que a força reside na conexão, não no isolamento. O espetáculo propõe uma ordem alternativa – não centrada no falo como separação, mas no umbigo como conexão e origem.

Os corpos que percutem o chão, sustentam-se mutuamente e conectam-se através do umbigo propõem formas de ser homem baseadas na igualdade e vulnerabilidade. Tal proposição ressoa num país marcado por violência de gênero, feminicídio, transfobia e homofobia, ligada a normas de masculinidade tóxica e patriarcal. A performance, portanto, se apresenta como um alerta. Sua estética, ao propor uma força baseada na conexão e no reconhecimento da própria humanidade, sugere a urgência de uma ética de cuidado e reciprocidade.

 

Ficha Técnica

Bailarinos criadores: Jal (Jailton) Oliveira e José Marcos Topete
Encenação e direção: Carlos Alberto Barros
Trilha sonora original: Iury Limão
Fotografia: João Erisson
Figurino: Penelope
Produção executiva: Carlos Alberto Barros

Referências

 

BOLA, JJ. Seja Homem, a Masculinidade Desmascarada. São Paulo: Dublinense, 2020.
CONNELL, Raewyn. Masculinities. Berkeley: University of California Press, 1995.
hooks, bell. Feminism is for everybody: passionate politics. Londres: Pluto Press, 2000.
hooks, bell. The Will to Change: Men, Masculinity, and Love. New York: Atria Books, 2004.
IRIGARAY, Luce. Speculum of the Other Woman. Trad. Gillian C. Gill. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1985.
GRÜNEWALD, Rodrigo de Azevedo. (Org.). Toré: Regime Encantado do Índio do Nordeste. Recife: Editora Massangana, 2004.
MIGNOLO, Walter D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Tradução de Ângela Lopes Norte. Revista Gragoatá, Niterói, n. 22, p. 11-41, 1º sem. 2007.
MIGNOLO, Walter D. Desobediência epistêmica, pensamento independente e liberdade decolonial. Tradução de Isabella B. Veiga. Revista X, Curitiba, v. 16, n. 1, p. 24-53, 2021.

Este conteúdo foi produzido no contexto do Palco Giratório – 19º Festival Porto Alegre

Postado com as tags: , , , , , , , ,