
Andrea Beltrão estrela monólogo sobre defensora de presos políticos em Pernambuco, abrindo festival que celebra vozes femininas nas artes cênicas. Foto: Nana Moraes / Divulgação
Embarque na história de uma mulher que dedicou sua vida a defender aqueles que o Estado considerava inimigos. Mércia Albuquerque foi uma advogada corajosa que, durante os anos mais sombrios da ditadura militar, enfrentou tribunais, burocracias e ameaças para garantir direitos básicos a centenas de presos políticos em Pernambuco. Sua trajetória está no palco através de Lady Tempestade, com Andrea Beltrão, espetáculo que inaugura o 24º Festival Recife do Teatro Nacional, com sessões entre 20 e 22 de novembro no Teatro de Santa Isabel.
Mércia Albuquerque era uma ponte entre famílias desesperadas e um sistema jurídico militarizado. Durante os 21 anos da ditadura civil-militar (1964-1985), ela esteve na linha de frente da defesa dos direitos humanos, documentando violações, organizando defesas e mantendo viva a esperança de inúmeras famílias pernambucanas.
Com texto de Silvia Gomez e direção de Yara de Novaes, a obra baseia-se nos diários pessoais e registros profissionais deixados pela própria Mércia. Trata-se de um trabalho de arqueologia da memória que revela os bastidores da resistência jurídica durante um dos períodos mais sombrios da história brasileira.
Lady Tempestade” oferece uma aula de história viva, demonstrando como funcionava na prática a máquina repressora e, principalmente, como pessoas comuns encontraram formas de resistir dentro da própria lei. Mércia enfrentava verdadeiras tempestades burocráticas e políticas para fazer valer os direitos de seus defendidos.
Com mais de 40 anos de carreira, Andrea Beltrão conquistou reconhecimento tanto na televisão quanto no teatro, sempre priorizando projetos de relevância artística e social. Na TV, destacou-se em produções como Armação Ilimitada, A Grande Família e Um Lugar ao Sol, enquanto no cinema brilhou em Hebe, A Estrela do Brasil.
No teatro, a atriz emocionou plateias em montagens como “A Prova” e As Centenárias“, demonstrando versatilidade para transitar entre drama e comédia com igual maestria. Essa trajetória sólida reflete uma carreira pautada pela inteligência na escolha dos trabalhos.
Em Lady Tempestade, Beltrão enfrenta um de seus papéis mais desafiadores: interpretar uma mulher real, com responsabilidades históricas e familiares que ainda guardam a memória de Mércia Albuquerque. O monólogo demanda técnica refinada e resistência emocional, já que a intérprete permanece em cena por aproximadamente 90 minutos, conduzindo uma narrativa densa sobre um período traumático da história nacional.
No cenário atual, Lady Tempestade oferece algo raro, que são fatos documentados apresentados através de uma perspectiva humana e acessível. A montagem ganha relevância especial por mostrar o papel crucial da advocacia em momentos de crise democrática.
Para plateias mais jovens, o espetáculo atua como janela para um período histórico frequentemente reduzido a dados estatísticos nos livros didáticos. Dessa forma, através do relato pessoal de Mércia, eventos históricos ganham rostos, nomes e consequências humanas concretas.
Expectativa de alta procura
A organização do festival prevê alta demanda para as três sessões de Lady Tempestade. A produção acumula histórico de salas lotadas em temporadas anteriores, enquanto a combinação do nome de Andrea Beltrão com a relevância do tema tem atraído atenção em várias temporadas.
Há relatos de caravanas organizadas em estados vizinhos interessadas em acompanhar a abertura do festival. Tal expectativa se justifica: além da importância histórica do material, a montagem oferece a rara oportunidade de ver uma das maiores atrizes brasileiras em ação no palco, em um espaço histórico como o Teatro de Santa Isabel.
Festival celebra protagonismo feminino
O 24º Festival Recife do Teatro Nacional consolida-se como um dos principais eventos teatrais do país, apresentando 24 espetáculos em onze dias de atividades, sendo 16 deles inéditos na capital pernambucana. Com o tema “Vozes Femininas – Histórias que ressoam”, a edição deste ano celebra as criadoras e criativas do teatro brasileiro, entre dramaturgas, atrizes, diretoras e pesquisadoras.
Entre as principais atrações nacionais, além de “ady Tempestade, está Tudo que Eu Queria te Dizer, solo de Ana Beatriz Nogueira inspirado no best-seller de Martha Medeiros, onde a atriz se desdobra na pele de cinco mulheres distintas para falar sobre amor, rejeição e desejo. A apresentação acontece nos dias 22 e 23, no Teatro do Parque.
Também inédita na capital pernambucana é Mary Stuart, protagonizada por Virginia Cavendish, trazendo um olhar contemporâneo sobre as últimas 24 horas de vida da rainha escocesa, numa trama sobre conspiração e jogos de poder. A montagem paulista estreia no Recife nos dias 28 e 29, também no Teatro do Parque.
Já 116 Gramas: Peça para Emagrecer, solo da paulista Letícia Rodrigues, explora a jornada de uma mulher em busca do emagrecimento, questionando pressões sociais sobre a imagem corporal. A protagonista tenta, a cada apresentação, perder exatamente 116 gramas, utilizando o espetáculo como uma aula de academia performativa. As sessões acontecem nos dias 22 e 23, no Teatro Apolo.
A Cia do Tijolo, companhia paulista reconhecida nacionalmente, traz duas produções inéditas na cidade: Corteja Paulo Freire, celebração poética e musical no Parque Dona Lindu, e Restinga de Canudos, que reconstrói a vida em Canudos a partir da visão feminina de duas professoras do povoado, que eram professoras em tempos de paz e enfermeiras em tempos de guerra. A montagem apresenta uma perspectiva inédita sobre a comunidade, destacando o cotidiano, as resistências e as histórias que ficaram submersas na narrativa oficial sobre o conflito. A apresentação acontece no dia 23, no Teatro Luiz Mendonça.
Homenagens
A edição presta tributo a duas grandes atrizes pernambucanas: Auricéia Fraga e Augusta Ferraz, com 50 anos de trajetória cada uma, cujas vidas em cena contam a história do teatro local.
Augusta Ferraz apresenta Sobre os Ombros de Bárbara, mergulho na vida de Bárbara Alencar, heroína da Revolução Pernambucana e considerada a primeira presa política do Brasil. A montagem acontece nos dias 29 e 30, no Teatro de Santa Isabel.
Auricéia Fraga convida o público para abertura de processo de Não se Conta o Tempo da Paixão, onde narra sua longa relação com o teatro. A abertura de processo acontece no dia 21, no Teatro Hermilo Borba Filho.
Diversidade de propostas e territórios
O festival distribui sua programação estrategicamente por teatros municipais, parques e espaços públicos da cidade. Além dos tradicionais palcos do Santa Isabel, Teatro do Parque, Apolo e Hermilo Borba Filho, a programação alcança o Marco Camarotti, Luiz Mendonça, Espaço Cênicas e Casa de Alzira, chegando também aos parques da Macaxeira e da Tamarineira.
Entre as produções locais inéditas, sobressai Helô em Busca do Baobá Sagrado, espetáculo infantil que narra a história de uma menina em missão para encontrar o fruto sagrado e curar seu povo da “doença da tristeza”. As apresentações acontecem nos dias 22 e 23, no Teatro Hermilo.
Outras montagens nacionais inéditas incluem Das que Ousaram Desobedecer (CE), que relembra a luta de mulheres cearenses contra a ditadura; Zona Lésbica (RJ), que enfrenta estereótipos de gênero para reivindicar o direito ao amor; A Mulher Bala (SP), com a palhaça Funúncia tentando se tornar uma bala humana; e Ella (AM), solo de palhaçaria que aborda violência de gênero.
A Mostra OFFRec amplia o alcance do festival com produções locais e nacionais contemporâneas, incluindo Mi Madre, solo autobiográfico de dança de Jhanaina Gomes; HBLynda em Trânsito, sobre as vivências de uma pessoa gorda, preta e não binária; e Shá da Meia Noite, celebrando os 40 anos da artista que participou do irreverente Grupo Vivencial.
O festival mantém sua vocação pedagógica através de quatro oficinas gratuitas sobre temas como teatro e sagrado feminino, dramaturgia feminista e criação de solos teatrais. As atividades acontecem entre os dias 20 e 27, em diversos equipamentos.
Toda a programação é gratuita, com distribuição de ingressos nas bilheterias dos teatros uma hora antes de cada espetáculo, mediante entrega de um quilo de alimento não perecível. Serão 37 sessões ao longo dos onze dias, convidando a cidade inteira a celebrar o teatro brasileiro.
📅 SERVIÇO
LADY TEMPESTADE
🎭 Com: Andrea Beltrão
✍️ Texto: Silvia Gomez
🎬 Direção: Yara de Novaes
📅 Datas: 20, 21 e 22 de novembro
⏰ Horários: 20h (todas as sessões)
📍 Local: Teatro de Santa Isabel – Praça da República, Santo Antônio, Recife/PE
🪑 Capacidade: 570 lugares
🎟️ Ingressos: Gratuitos com 1kg de alimento não perecível
♿ Acessibilidade: Libras (todas as sessões) + Audiodescrição (dia 22)
24º FESTIVAL RECIFE DO TEATRO NACIONAL
🎨 Tema: “Vozes Femininas – Histórias que ressoam”
📅 Período: 20 a 30 de novembro de 2024
🎭 Programação: 24 espetáculos (16 inéditos na cidade) + 37 sessões
🎟️ Acesso: Gratuito com 1kg de alimento não perecível
🏛️ Equipamentos: 9 teatros e 2 parques da cidade
📱 Informações: @culturadorecife (Instagram) | Canais oficiais da Prefeitura do Recife
OUTROS DESTAQUES DA PROGRAMAÇÃO:
Abertura de processo de Não se Conta o Tempo da Paixão (Auricéia Fraga) – dia 21, no Teatro Hermilo Borba Filho.
Tudo que Eu Queria te Dizer (Ana Beatriz Nogueira) – 22 e 23/11, Teatro do Parque
Mary Stuart (Virginia Cavendish e elenco) – 28 e 29/11, Teatro do Parque
116 Gramas: Peça para Emagrecer (Letícia Rodrigues) – 22 e 23/11, Teatro Apolo
Restinga de Canudos (Cia do Tijolo) – 23/11, Teatro Luiz Mendonça
Sobre os Ombros de Bárbara (Augusta Ferraz) – 29 e 30/11, Teatro de Santa Isabel
OFICINAS GRATUITAS:
Teatro, Dança e Sagrado Feminino (20-21/11)
Dramaturgia para Infâncias (21-23/11)
Criação de Solos Teatrais (24-27/11)
Dramaturgias Feministas (26/11)
⚠️ INFORMAÇÕES IMPORTANTES:
Chegada com 1h de antecedência recomendada
Programação sujeita a alterações – acompanhar canais oficiais
Espetáculos com classificação indicativa variada
Sessões com recursos de acessibilidade sinalizadas na programação





