
Entre terreiros, alpendres e sonhos coletivos, festival de artes integradas celebra resistência cultural com 15 atrações do Brasil e Argentina. Foto: Divulgação

O Sítio Minadouro fica na área rural de Ingazeira, no Sertão pernambucano do Pajeú, cerca de 420 km do Recife
“Entendi que amor é escolha”, é um mote e no Sítio Minadouro, área rural de Ingazeira, no Sertão pernambucano do Pajeú (cerca de 420 quilômetros do Recife), essa opção ganha forma de palhaçaria, mamulengo, dança, poesia e outras linguagens. Entre os dias 19 e 21 de dezembro, o 7º Chama Violeta acende mais uma vez a centelha da arte, provando que cultura não aceita fronteiras geográficas nem limitações orçamentárias.
Coordenado pela incansável Odília Nunes – palhaça, brincante, gestora cultural e alma inquieta do teatro popular -, o Chama Violeta é muito mais que um festival. É um abraço coletivo, uma festa de resistência, um laboratório de afetos onde 60 artistas e técnicos de Pernambuco, Paraíba, Bahia, Rio Grande do Norte, Distrito Federal, São Paulo e Argentina se encontram para semear encantamento.
“O critério da curadoria é afetivo. Primeiro a gente escolhe o tema e a partir dele vai montando a programação. É intuitivo”, revela Odília, que há três anos mora em São Paulo como atriz da premiada Cia do Tijolo, integrando o elenco dos espetáculos Guará Vermelha (2023) e Restinga de Canudos (2025).
O grande diferencial do Chama Violeta está na inversão completa da lógica tradicional dos festivais. Enquanto a maioria opera na dinâmica de “venha até nós”, o Chama Violeta funciona no “vamos até vocês”. Não são as pessoas que precisam se deslocar para chegar até a arte, é a arte que chega até as pessoas, literalmente em suas casas.
Os espetáculos acontecem nos terreiros e alpendres das casas dos moradores: Terreiro de Mariquinha, Terreiro de Seu Expedito e Dona Lourdinha, Terreiro de Edileuza, Alpendre da Casa de Odília. Cada espaço é gentilmente cedido por familiares e amigos, criando uma intimidade única entre artista e público. Para muitos moradores do Minadouro, especialmente crianças e idosos, essa é a primeira oportunidade de assistir a um espetáculo teatral profissional.
Essa filosofia revolucionária leva teatro de bonecos, circo, dança contemporânea e música para pessoas que, muitas delas, nunca pisaram em um teatro convencional, revelando que não são elas que precisavam ir ao teatro, o teatro é que precisava chegar até elas.
Essa mudança de paradigma cria uma experiência única de fruição artística. Sem a barreira física e simbólica do teatro tradicional, sem ingressos, sem dress code, sem hierarquias urbanas, a arte acontece no ambiente familiar e acolhedor dos quintais sertanejos. A plateia se torna parte do espetáculo numa atmosfera de roda, de círculo de afeto onde todos estão incluídos. Crianças assistem de perto, adultos participam espontaneamente, idosos dividem memórias com os artistas após as apresentações.
O ano das famílias que fazem arte junta
Este ano, sem qualquer incentivo do poder público, mais do que nunca o Festival Chama Violeta é feito com a garra e a parceria dos artistas e companhias participantes, que abriram mão do cachê para compartilhar sua arte. O tema “Entendi que amor é escolha” ganhou ainda mais significado na curadoria de grupos familiares – casais, pais e filhos que fazem arte juntos.
O festival celebra os 50 anos de casamento dos pais de Odília, que são pessoas muito atuantes na comunidade e na realização do Chama Violeta, e de outro casal, Cícero Gomes e Dona Maria, do Samba de Coco de Trupé de Arcoverde, presentes desde a primeira edição.
Entre os grupos familiares da programação estão Piruá e Paraqueta (Rodrigo Bruggemann e filha Amora Maux, do Rio Grande do Norte), o casal baiano Anelise Mayumi e Douglas Iesus com Embalanceio: dançar sonhos pequeninos, a Cia Bode com Pequi (casal Pedro Milhomens e Clá Solar com a filha Aruna) e a Cia das Marionetes, da Argentina.
Quando sonhos coletivos viram cinema

Catarina Calungueira, do Rio Grande do Norte, apresenta Espetáculo O Auto do Boi Aurora, Foto: Tatiana Reis
Entre as novidades da programação está o filme Um dia Havia de Ver o Mar, dirigido por Odília Nunes. A história nasceu de um pedido simples de uma criança local: “Um menino, um dia, me pediu pra levar ele na praia. Cumpri minha promessa. Mas não fomos só em dois. É que esse sonho era coletivo. O filme é o registro desse encontro”, conta a diretora.
No Minadouro, as crianças aprendem desde cedo a amar a chuva e brincar na água dos riachos, barreiros e açude, mas sonham conhecer o mar. O filme documenta essa jornada de descoberta, simbolizando o espírito do festival: transformar sonhos individuais em conquistas coletivas.
O festival abraça diversas linguagens e formatos. Há espetáculos teatrais como Vereda dos Mamulengos (Casa Moringa-DF), onde Conceição e Benedito enfrentam as cobranças do senhor João Redondo com humor e lirismo, acompanhados de trilha sonora ao vivo com cantos de trabalho e cantigas de roda da tradição oral brasileira.
O teatro de bonecos se faz presente com O Auto do Boi Aurora (Catarina Calungueira-RN), onde Catirina luta contra o autoritário capitão João Redondo para libertar o boi Aurora, e com Antologia das Marionetes (Cia das Marionetes-Argentina), um cabaré que reúne personagens criados ao longo da trajetória da marionetista Rocío Walls, cada um carregando marcas de diferentes épocas e encontros pelo mundo.
A música ganha destaque com Nordeste Futurista de Luana Flores (PB), artista que vem se destacando internacionalmente ao fundir ritmos e estética da cultura popular nordestina ao universo da música eletrônica, e com Sons de Resistência do Samba de Coco de Trupé de Arcoverde (PE), grupo que desde 2009 preserva o legado do samba de coco, honrando a herança cultural afro-indígena.
A dança contemporânea se apresenta através de Embalanceio: dançar sonhos pequeninos, onde o casal de artistas e pais Anelise Mayumi e Douglas Iesus encara a pergunta: “como adiar o fim do mundo?” com um espetáculo que usa elementos naturais do sertão baiano e a força da imaginação para semear encantamento.
O circo aparece em Piruá e Paraqueta, onde pai e filha montam seu próprio circo apresentando números de malabarismo, equilibrismo, magia e ciência, descobrindo que felicidade não tem milhões de seguidores.
Formação e Empoderamento
O festival também promove oficinas formativas. A Voz da Poesia, ministrada por Isabelly Moreira (São José do Egito-PE), faz parte do projeto nacional que empodera mulheres do campo através da literatura, exercitando leitura, escrita e declamação com foco em quadras e sextilhas, além de reflexões sobre papel da mulher na sociedade e questões ambientais.
A oficina Confecção de Calungas de Pano, com Catarina Calungueira (RN), propõe imersão criativa no teatro de bonecos tradicional do Nordeste, conectando participantes com as encantarias do teatro popular.
As rodas de conversa são marca do festival. Vô, deixa minha mãe brincar, conduzida por Gabriela Romeu (SP), jornalista e documentarista criadora do projeto Infâncias, é uma conversa intergeracional sobre memórias de infância, lembrando a infância como “relicário das singelezas do viver”.
O Chama Violeta é uma das ações do projeto No Meu Terreiro Tem Arte, criado por Odília em 2015 para promover intercâmbio cultural, residências artísticas e formação durante o ano todo no Minadouro. O reconhecimento veio com o Prêmio Pernalonga de Teatro (2019) do Governo de Pernambuco e o Prêmio Inspirar (2021) do Instituto Neoenergia, que contempla iniciativas lideradas por mulheres.
Um dos momentos mais simbólicos é o retorno de Decripolou Totepou ao lugar onde nasceu. O solo de Odília completa 20 anos em 2025. “Este foi meu primeiro solo. Nesses vinte anos, várias crianças do Minadouro assistiram, mas a nova geração ainda não conheceu. Nada melhor do que comemorar esse aniversário onde tudo começou”.
Bandeira, a palhaça sertaneja protagonista do espetáculo, carrega em sua mala sonhos e objetos que encantam através de mamulengos, malabares, brinquedos populares e truques de ilusionismo. Seu figurino de material reciclado é roupa e cenário sonoro, lembrando que “podemos brincar com qualquer coisa, se formos capazes de enxergar a simplicidade”.
A realização conta com uma rede de colaboradores locais. Produção geral e hospedagem por Lourdinha, Expedito, Violeta, Helena, Tamires, Gilvan, Heitor, Artur, Fran e Paulinho; alimentação por Deda, Fran e Ciene; coordenação de programação por Clá Solar; coordenação de transportes por Ana Carolina Lima; coordenação técnica por Cic Morais; design por Letícia Graciano; assessoria de imprensa por Ana Nogueira; produção local por Marcia Andreia, Gisele Garcez e José Mauricio. O festival conta com apoio do SESC PE e Editora Caixote.
📅 PROGRAMAÇÃO COMPLETA – 7ª EDIÇÃO CHAMA VIOLETA
🌅 SEXTA-FEIRA (19)
8h 📍 Escola Municipal do Jorge 🎭 Vereda dos Mamulengos com Casa Moringa (DF)
Conceição e Benedito enfrentam as cobranças do senhor João Redondo com sabedoria popular, humor e trilha sonora ao vivo
📍 Escola Municipal da Caiçara
🎭 Decripolou Totepou com Odília Nunes (PE)
A palhaça Bandeira celebra 20 anos tirando mágica da mala e ensinando que simplicidade é revolução
17h 📍 Terreiro de Mariquinha 🎭 Antologia das Marionetes com Cia das Marionetes (Argentina)
Cabaré de memórias onde cada boneco conta histórias de encontros pelo mundo
19h 📍 Terreiro de Seu Expedito e Dona Lourdinha 🎭 O Auto do Boi Aurora com Catarina Calungueira (RN)
Catirina luta contra João Redondo pela liberdade do boi
🎵 Show Nordeste Futurista com Luana Flores (PB)
Eletrônica que pulsa com coração nordestino
🌞 SÁBADO (20)
8h 📍 Sede da Associação de Agricultores do Minadouro 🎓 Oficina A Voz da Poesia com Isabelly Moreira (PE)
Mulheres que versam, resistem e se empoderam através da literatura
🎭 Teatro de lambe-lambe Dona Ló com Catarina Calungueira (RN)
A alegria de quem planta, cuida e espera a chuva chegar
17h 📍 Terreiro de Edileuza 🎭 Caminhos com Cia Bode com Pequi (Pedro Milhomens e Clá Solar) (PE)
O palhaço Sequinho transforma receitas ancestrais em mágica, utensílios de cozinha em números circenses
19h 📍 Terreiro de Expedito e Lourdinha 🎪 Piruá e Paraqueta com Rodrigo Bruggemann e Amora Maux (RN)
Pai e filha descobrem que felicidade não tem milhões de seguidores
🎵 Show Sons de Resistência com Samba de Coco de Trupé de Arcoverde (PE)
Ancestralidade afro-indígena que dança e canta há gerações
🌅 DOMINGO (21)
8h Sede Associação de Agricultores do Minadouro 🎓 Oficina Calungas com Catarina Calungueira (RN)
Imersão criativa na confecção de bonecos do teatro tradicional nordestino
14h 📍 Alpendre da casa de Odília 💭 Roda de conversa Vô, deixa minha mãe brincar com Gabriela Romeu (SP)
Diálogo intergeracional sobre infâncias e memórias afetivas
17h 📍 Terreiro de seu Expedito e dona Lourdinha 💃 Embalanceio: dançar sonhos pequeninos com Anelise Mayumi e Douglas Iesus (BA)
Como adiar o fim do mundo através da dança e da imaginação
🎬 Estreia Um dia Havia de Ver o Mar-Cine Clube Minadouro
Filme de Odília Nunes sobre sonho coletivo de crianças do sertão que se tornou realidade
🎭 Cícera com Contadores de Mentira (SP)
A jornada de uma mulher nordestina afro-indígena entre saudade e esperança
📱 Mais informações: @nomeuterreirotemarteoficial







