Figuras “marginais” e o poder do culto

Nínive Caldas e Eric Valença em Eu gosto mesmo (de pezinho de galinha, porque eu como a carninha e limpo o dente com a unhinha). Foto: Renato Filho/Divulgação

Nínive Caldas e Eric Valença em Eu gosto mesmo (de pezinho de galinha…). Foto: Renato Filho

Da janela do apartamento-ateliê de Cássio Bomfim, estilista da marca Acre, assistimos à primeira cena do espetáculo Eu gosto mesmo (de pezinho de galinha, porque eu como a carninha e limpo o dente com a unhinha). Rua da Aurora, defronte ao edifício Iemanjá, a personagem de Nínive Caldas batalha no calçadão. Pede carona. Pode conseguir algo – ou não. Vigiamos seus movimentos. O experimento cênico incorpora as pulsações da cidade: o espaço urbano como necessidade de respiro e o acolhimento de peças teatrais em lugares mais íntimos, engrossando a circulação de teatro em casa.

Isso é bastante interessante pelo confronto das temáticas escolhidas pelo grupo. Trabalhar o histerismo dos cultos neopentecostais, que se instala em qualquer lugar (uma Bíblia na mão, ideias retrógradas na cabeça, e um vozeirão de persuasão), quando pastores tentam convencer as pessoas de uma suposta verdade. A peça faz um trabalho crítico em cima dos estereótipos desses pregadores, que usam e abusam de palavras de ordem, e se dizem emissários, representantes de Deus na terra.

A atuação de Eric Valença amplifica os bordões dessas figuras. Para incorporar o gestual, a prosódia e as falas, a dupla frequentou um templo evangélico do Recife para estudo de personagens. A primeira camada é divertida, engraçada. Mas, observando direitinho, o elenco chama a atenção para coisas assustadoras que ocorrem nas cidades brasileiras.

A dramaturgia, também de Eric, enreda personagens periféricos e marginalizados, como a prostituta, o serviçal gay e a moleca de rua sapata, com o ascendente grupo de dominação religiosa e ideológica. Isso dá um caldeirão. Na primeira parte, o tom é de humor, com boas sacadas dos dois atores e Nínive Caldas explorando bem essa proximidade com a plateia. Na segunda parte, a encenação de Eric Valença provoca uma virada.

A montagem tende para o dramático, para o testemunho social de fome, miséria e desemparo, mas sem a mesma potência crítica dos personagens de Marcelino Freire, especialista em socos de esquerda que nocauteiam.

A produção do espetáculo é de Cássio e Carol Monteiro, que também assinam o figurino e a trilha sonora. O espaço abre às 19h e o público pode comer e tomar uns drinks feitos pelo dono da casa. Hoje é o encerramento desta temporada: última oportunidade para conhecer esses personagens. Como os lugares são limitados, é importante reservar!

Serviço

Eu gosto mesmo (de pezinho de galinha, porque eu como a carninha e limpo o dente com a unhinha)
Quando: Hoje, às 20h (Última apresentação dessa temporada)
Onde: ACRE – Rua da Aurora, 1019, apartamento 701, Santo Amaro
Ingresso: Contribuição espontânea
Informações e reservas: pecanoacre@gmail.com ou pelo link Facebook

Postado com as tags: , , , , ,

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *