Cuestión de principios é para aplaudir de pé

Foto: Ivana Moura

Um belo texto. Dois ótimos atores. Uma direção segura. Um espetáculo para se aplaudir de pé. Cuestión de principios, montagem uruguaia da peça do argentino Roberto Cossa, com direção de Patrícia Yossi; Laura Sánchez e Walter Reyno no elenco, propõe uma reflexão sobre a crise da utopia socialista. A encenação do Montevideo Teatro, do Uruguai, foi exibida ontem e ainda poderá ser vista neste domingo (23), às 19h, no Teatro Hermilo Borba Filho (Bairro do Recife), dentro da programação do Janeiro de Grandes Espetáculos.

Depois de muito tempo sem se verem, pai e filha estão frente a frente. Ele é um sindicalista de longa militância política, que dedicou a vida para a construção de um novo mundo, sob sua ótica, mais justo. Ela é uma escritora e jornalista bem-sucedida. Ele já tem uns 70 anos e anda com roupas desalinhadas. Ela é elegante. Quando o pai resolve escrever suas memórias, convoca a filha para compor o livro. Com visões de mundo bem distintas, instala-se o confronto, em que ideais e ética estão na berlinda.

O pai comunista é um pouco sectário, mas honesto. Sua filha o questiona, e diz que ele se equivocou. Também estão em jogo os afetos, não só a política. Talvez, sobretudo, os afetos. Já que, como diz o protagonista, que acreditava que, mudando a economia, transformaria o homem. Mas o ser humano não é apenas economia, é também religião e outros fatores.

Um encontro “borrado pelos afetos”. O ex-militante dos Obreiros – um importante movimento esquerdista que lutava contra a ditadura, contra o imperialismo norte-americano e contra o colonialismo – se depara na figura de sua própria filha com tudo contra o qual lutou. Ela está a “serviço” do capitalismo, pertence ao mainstream, é representante da classe média burguesa. E chega ao cúmulo de confessar que sua primeira experiência sexual foi com um homem norte-americano, para se vingar do pai. Não poderia haver castigo pior para ele.

Foto: Ivana Moura

A peça está estruturada em idas e vindas da filha. Primeiro, ela não quer editar o livro do pai. Depois volta atrás e diz que aquilo é uma questão de negócios e assinam um contrato. E nesses confrontos, as verdades de cada um são reveladas. E destoam. As lembranças do velho são questionadas pela jovem. As cenas são rápidas, e nos diálogos sob o pretexto de se falar de política, de ética, eles discordam dos fatos reais. Até chegar à questão familiar. Principal para ela, que teve um pai adorado e ausente.

Os dois personagens atuam em campos opostos para defender suas argumentações. E elas são fortes. A composição de cada figura é encantadora. Ela é firme, decidida, mais pragmática, revela o outro lado. O gestual dele traz a carga emocional de um homem que sonhou com um mundo diferente e é obrigado a rever sua história. E o diálogo é cheio de humor, de nuances, de delicadeza. O livro será publicado ou não? Bem, isso talvez não importe tanto assim.

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4 pensou em “Cuestión de principios é para aplaudir de pé

  1. Carla Tigre

    Para quem teve a oportunidade de assistir ao espetáculo com a atuação de Walter Reyo e Laura Sanchez pode verificar o esbaje de talento dos dois em cena. Maravilhoso! tanto a atuação como o texto Parabéns Uruguai!!!

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