
Miró da Muribeca construiu uma poética urbana que desafiou hierarquias culturais estabelecidas. Magiluth honra essa trajetória. Foto: Jorge Farias
A metateatralidade estrutura integralmente Miró: Estudo n°2 do Grupo Magiluth como metodologia de questionamento social, revelando suas potencialidades críticas através de cada escolha cênica. O espetáculo constrói um laboratório onde as fronteiras entre realidade e representação se dissolvem para expor mecanismos de poder que determinam quais vidas merecem ser teatralizadas. Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira e Giordano Castro desenvolvem uma dramaturgia expandida que problematiza fundamentalmente a legitimidade de quem narra histórias de resistência urbana.
Erivaldo Oliveira imprime uma atuação que dialoga visceralmente com a memória coletiva recifense, capturando gestualidades e cadências vocais que reconstituem a presença poética de Miró através de uma abordagem que evita reducionismos estereotipados. O próprio grupo dirige um jogo cênico onde as posições de protagonista, antagonista e coadjuvante se desestabilizam constantemente, questionando privilégios de representação através de estratégias performáticas que evidenciam tensões sociais contemporâneas.
Crítica social e experimentação formal se articulam ao incorporar linguagens tecnológicas como extensões orgânicas do discurso teatral, reconhecendo manifestações culturais periféricas como produtoras de inovação estética própria. Fragmentação narrativa espelha a própria experiência urbana, construindo uma poética cênica que recusa linearidades coloniais em favor de perspectivas múltiplas e simultâneas. Estudo n°2 opera como dispositivo de questionamento que desloca hierarquias narrativas estabelecidas.
Particular potência emerge da exploração de espacialidades teatrais expandidas, materializando deslocamentos geográficos e simbólicos que redefinem relações entre centro e periferia. Esta escolha cênica corporifica o conceito de cidade como organismo político, onde cada território carrega marcas simultâneas de violência e resistência. O espetáculo constrói uma dramaturgia que questiona processos de apagamento histórico sem recorrer a idealizações que despolitizam conflitos reais.
João Flávio Cordeiro da Silva, o Miró da Muribeca (1960-2022), construiu uma poética urbana que desafiou hierarquias culturais estabelecidas, e Estudo n°2 honra essa perspectiva ao questionar como biografias periféricas podem ocupar centralidade cênica mantendo sua potência transformadora. O trabalho do Magiluth reconhece Miró da Muribeca como produtor de conhecimento estético autônomo, recusando lógicas de inclusão que mantêm estruturas coloniais intactas.
SERVIÇO
🎭 Miró: Estudo n°2
19, 20 e 21 de agosto, às 20h
📍 Centro Apolo Hermilo. Teatro Apolo, Recife
️ Ingressos de R$ 30 a R$ 60 + taxas no Sympla