Paguem Mary Vaz!

Chico César foi só uma das 400 atrações da Virada Multicultural 2011. Foto: Lú Streithorst/Prefeitura do Recife

Alguns questionam se o blog deveria se envolver nas questões de política cultural da cidade. E principalmente quando o caso é de falta de pagamento aos artistas. Ouvimos críticas por exemplo quando publicamos a carta do diretor amazonense Francisco Carlos, que apresentou seus espetáculos no Festival Recife do Teatro Nacional e não conseguia receber o pagamento de jeito nenhum. O que acho é que o blog é um espaço para isso sim. É um espaço de construção de reflexão, de cobrança, de divulgação de espetáculos, de encontros.

E aí esse post segue com mais uma história de descaso…de falta de compromisso com o artista. Quem não lembra que, ano passado, no mês de outubro, a Prefeitura do Recife inventou uma Virada Multicultural? Foram 48 horas de programação cultural – música, artes cênicas e visuais, cinema, moda, gastronomia. Mesmo que a cidade já tivesse (e tenha) milhões de festivais. E todos eles tenham problemas de divulgação, de formato, de atingir o público. Mas, afinal, naquela época João da Costa precisava melhorar a sua imagem pública.

Na coletiva de imprensa, números grandiosos – 400 atrações gratuitas, sendo, por exemplo, 62 de música e 83 de artes cênicas. Depois a gente foi olhar direitinho e percebia que a Virada tinha sim muita programação exclusiva – teve show da orquestra Buena Vista Social Club, de Alceu Valença, Fagner, Chico César, Nação Zumbi, Naná Vasconcelos – mas que também tinha incorporado todos os eventos que já iam acontecer na cidade – o Festival de Circo, o Coquetel Molotov, todas as peças que já estavam em cartaz.

Bom, fato é que na época o prefeito João da Costa chamou toda a imprensa para anunciar o evento. Disse que a Virada custaria R$ 3 milhões, que não sairíam dos cofres públicos. “A meta é que 50% ou 60% desse valor venha de patrocínios”, afirmava. E, para os artistas, João da Costa deu a sua palavra – que, pelo jeito, não vale de nada: “todos serão pagos até dezembro, inclusive aqueles que, por exemplo, participaram de outros ciclos e festivais e ainda não foram pagos”.

E aí abrimos o Facebook e ficamos sabendo de mais um caso de calote. O diretor Rodrigo Dourado iniciou uma campanha virtual: “Paguem Mary Vaz”. Ele disse que vai postar todo dia uma mesma mensagem de cobrança e repúdio. Dourado foi o curador da Virada da Performance, dentro da tal Virada Multicultural. E uma das artistas escolhidas por ele foi a performer alagoana Mary Vaz – que, até agora, quase um ano depois, ainda não recebeu o seu cachê. Sabe de quanto? R$ 1 mil. O evento custou R$ 3 milhões.

Será que as bandas grandes que se apresentaram no palco principal ainda estão sem receber? Quantos artistas ainda têm dinheiro para receber da Prefeitura? Será que são só os artistas que estão levando calote? Será que técnicos, produtores, assessores de imprensa estão sendo pagos? Quantas campanhas como esta ainda vamos fazer?

Rodrigo Dourado foi curador da Virada da Performace. Quase um ano lança a campanha: Paguem Mary Vaz! Foto: Reprodução Facebook

Seguem as publicações de Rodrigo Dourado e Mary Vaz:

Rodrigo Dourado:
“Convidada por mim (como curador) para compor a Virada da Performance, dentro da Virada Cultural de 2011, promovida pela Prefeitura do Recife, na gestão João da Costa (Secretário de Cultura: Renato L), a performer alagoana Mary Vaz continua sem receber seu mísero cachê de R$ 1.000.

Depois de várias tentativas de recebimento junto à prefeitura, a artista decidiu recorrer a mim para que a ajudasse. Após várias mensagens e conversas com membros da prefeitura, sem uma resposta definitiva, decidimos tornar público o (des)caso.

A Prefeitura do Recife não trata os artistas como profissionais. Profissional é quem trabalha e recebe por isso, para pagar suas contas. Quando deixa um artista sem cachê por um ano, a prefeitura prova que considera a atividade artística um hobby, uma brincadeira de criança, pois pressupõe que os artistas desempenham outras atividades para sobreviver.

Por essas e outras, eu começo campanha: PAGUEM MARY VAZ! (Dia 01)

Todos os dias, esta mesma mensagem será postada para que casos como este não caiam no esquecimento, contabilizando quanto tempo mais será necessário à Prefeitura do Recife para que honre seu compromisso, tenha responsabilidade, hombridade e ética.”

Mary Vaz:

“É com grande pesar que inicio minhas palavras a essa postagem!
Caros amigos da vida e consequentemente, do Facebook. Ano passado no mês de outubro, no mais exato dia 14 fui convidada para participar do Festival Multicultural de Recife com a performance Anônimo (A). Trabalho este que hoje fazem 11 meses que a Prefeitura de Recife NÃO me pagou! Através de e-mails tenho tentado me comunicar e obter …alguma resposta mas NADA me é informado sobre isso. Por isso, venho através da rede social Facebook, fazer esse apelo por esse pagamento justo do meu trabalho.
Porque sou artista, não preciso de dinheiro? Quanta falta de respeito e consideração pela a arte e artista!!?? Espero que agora com esse manifesto, alguém apareça pra me dar alguma resposta e finalmente me pagar. Por enquanto está nas palavras…Muito triste com tamanho descaso com a obra e com o material HUMANO!
NÃO ESTOU MENDIGANDO! SÓ IMPLORANDO QUE MEU TRABALHO SEJA PAGO JUSTAMENTE! PUTA QUE O PARIU! SERÁ POSSÍVEL QUE EM PLENO ANO 2012 TENHAMOS QUE PASSAR POR TAMANHA HUMILHAÇÃO ? MUITO TRISTE COM TUDO ISSO!”

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12 pensou em “Paguem Mary Vaz!

  1. Elias Mouret

    Pollyanna, penso que o blog pode sim publicar coisas sobre política cultural, é uma contribuição importante e não devemos deixar de lado. Quanto ao aparecimento desta virada cultural, questionei muito a razão de ser da mesma… para mim, sempre pareceu uma copia fajuta da virada cultural paulista ( trabalhei lá, na primeira edição) . Percebi logo, que teríamos muitos gastos com aluguel de equipamentos que depois não ficariam nos espaços, que continuam sucateados; que algumas “grandes” atrações levariam a melhor parte do bolo e que os pagamentos continuariam problemáticos. Isto virou coisa comum por aqui. Penso que já passou dá hora do ministério público enquadrar a prefeitura e o estado com um “ajustamento de conduta” e que todos os custos destes eventos e festivais deveriam ser públicados em local específico e com bastante clareza para que todo e qualquer cidadão posso ver, entender e questionar se desejar saber o que vem sendo feito com seus impostos.

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  2. Tatto Medinni

    João da as Costas, isso sim é o que ele é. Ainda bem que vai embora pra nunca mais voltar! Espero, como tantos outros artistas, que o próximo eleito pense com um pouco mais de carinho e profissionalismo em relação àquelas pessoas(artistas) que “animam” seus circos, teatros, espaços culturais.

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  3. Leidson Ferraz

    O Yolanda é fundamental para divulgação de tudo das artes cênicas, inclusive sobre o desrespeito que os governantes teimam em continuar. Eita prefeiturazinha… Ai, que vergonha! Chega! Chega!

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  4. Edjalma Freitas

    OI Pollyanna, é claro que o blog deve publicar e se “meter” nas questões de política sim. Esse blog é um espaço, precioso, diga-se de passagem, de veiculação de nosso trabalho, seja para divulgar, para comentar, para apreciar, enfim. E porque não seria justo falar da falta de respeito aos trabalhadores da cultura e da arte, objeto de questão do site? Assim como Mary Vaz, quantos de nossos amigos e colegas de profissão já passaram e ainda passam por esse tipo de constrangimento?
    Como trabalhador do seguimento cultural, como artista e produtor, endosso a campanha de Dourado e chamo a atenção para o comentário de Elias Mouret a respeito dos grandes festivais e dos equipamentos dos espaços. Eles têm dinheiro para pagar altas quantias em aluguel desses equipamentos, mas não tem para adquiri-los. Eles tem dinheiro para pagar esses fornecedores, mas pelo visto, não tem dinheiro para pagar os artistas. Pelos menos eles têm? E nós, temos?
    Imagine nosso sentimento quando chegamos em nossos desequipados equipamentos culturas e não vemos nada que atenda as nossas necessidades. E o grilo falante nos sopra ao ouvido, “ué mas nos festivais tinham tantos”…
    E para não esquecer… PAGUEM MARY VAZ!!!!

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  5. Edivane

    Registro digno! Jornalismo cultural consciente!

    ‘Satisfeita, Yolanda?’ é o termômetro das artes cênicas de Pernambuco! Tem que noticiar tudo!!!

    Em tempos de redes sociais, os políticos não têm como esconder os seus erros!

    “E para não esquecer… PAGUEM MARY VAZ”! (2)

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  6. Rodolfo Lima

    Acho degradante um artista ter que mendigar seus miseros reais num evento que se gaba de ter gasto tantos milhões. Mais triste é ver que os artistas são desrespeitados na maior parte do ano, seja pela falta de pagamento – como no caso de Mary Vaz – seja na parca programação cultural. Na falta de intercambio cultural entre os estados. O Recife se gaba de ter um dos carnavais mais importantes do país e no resto do ano não se mantém no cenário cultural nacional. Que politica cultural é essa, me pergunto. Mary Vaz deveria era receber com juros – isso sim. Afinal com essa fama de má pagadora, quem irá querer pisar em Recife? Acho que o blog está certo de se envolver, e quanto mais os artistas locais se prontificarem contra, as reverberações para uma melhora se aproximaram. E óbvio: PAGUEM MARY VAZ!!!!

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  7. Marcelo Sena

    Mais do que tudo, esse site deve continuar sim abrindo espaço para as questões urgentes das artes cênicas! E se, em época de campanha política, as coisas estão tão absurdas, imaginem o quanto não tem acontecido nesse período prévio. Vou repetir o que tenho dito em todos os encontros com a gestão municipal: a Prefeitura do Recife tem feito um trabalho muito pior do que muita prefeitura de cidades pequenas, que têm pouquíssimos impostos recolhidos!

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  8. Milla Pasan

    Compartilho.
    Compartilho porque essa é uma situação que provoca vergonha e raiva!
    Como profissional liberal fico envergonhada porque essa provavelmente é uma questão burocrática para liberação da ordem de pagamento.
    1. O Secretario de Cultura está sem receber sua remuneração há quase um ano?
    2. Sua equipe de trabalho elabora projetos e executa-os gratuitamente?
    3. Os organizadores dessa Virada Cultural ( caso não tenha sido via Estado) por acaso já ouviram falar em cláusula contratual não cumprida?

    Mary Vaz apoio a campanha.
    Sei que em Alagoas não é diferente…E isso ocorre não só nos órgãos públicos, mas nos Entes Paraestatais ( = Sistema S).

    Apoio a campanha porque acredito que o “medo” de colocar em público pensando que nunca mais será contratada por fulano ou sicrano precisa ser desmistificado.

    Ser profissional é se perceber cotidianamente como tal.

    Abs

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  9. Ana Paula Sá

    Pollyana, sabe dizer se já esta situação já foi resolvida?
    Ontem numa discussão acadêmica com um artista e produtor cultural da cidade houve um quase estranhamento porque o mesmo defendia que artistas não têm que mostrar a cara nesse tipo de cobrança e que não se pode ir contra o governo.
    Discordo totalmente. Uma das funções do artista, do produtor, de quem está envolvido com arte e criação em qualquer instância é contestar toda forma de enfraquecimento e cerceamento da criatividade, da produção artística e cultural, principalmente quando se trata de ação oriunda do poder público, cada vez menos interessado no respeito e valorização dos profissionais da arte/cultura.
    Divulgo a página “Já deu tempo. Agora pague meu cachê”, no Facebook.
    Abraço.

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