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As feridas abertas da migração

Foto: Ivana Moura

Era tão difícil compreender o que ela dizia! Na realidade, eu a admirava muito. Como alguém, sem saber o idioma do país de destino, tem a coragem de se aventurar? Depois de um tempo de convivência, percebi que era a necessidade que convertia o medo em ação. Estávamos numa cidadezinha no fim do mundo, mais precisamente nos Estados Unidos, no meio de uma neve gigante. Mas era um lugar turístico, de muitos resorts e ofertas de emprego que pagavam em dólar. Ela estava só com o marido. Tinha deixado os três filhos no México com a mãe. Àquela época, em 2007, já não os via há quatro anos. A saudade machucava e o sonho era o reencontro.

Revivi todas essas memórias com a montagem No vayas a llorar, da companhia Teatro Viento de Água, de Cuba, que se apresentou no 17º Janeiro de Grandes Espetáculos. São duas histórias andando em paralelo no monólogo: a de uma mãe que sai de Havana para o México e está ansiosa pela autorização para que o filho a acompanhe; e a de Antonia, abandonada por Juan, o marido que, depois de 11 anos de casamento, decidiu buscar uma vida melhor noutro país. No primeiro caso, ficção e realidade mantêm uma relação estreita. A atriz Maribel Barrios, que inclusive é chamada pelo próprio nome numa parte da encenação, sofreu para recuperar o filho há 10 anos. A criança tinha quatro anos e ficou na ilha com uma tia.

Ainda estou me questionando como essa montagem terá sido recebida em Cuba. Sim, porque ela é direta, provocativa, sarcástica até. Relembra, por exemplo, principalmente em imagens, o ano de 1994, quando Clinton interveio para tentar evitar um êxodo maciço de cubanos. Também lembra 1966, a Guerra do Vietnã e os seus bombardeios.

Nesse cenário de desolação, de abandono, saudade e frustração, é interessante pensar como Boris Villar arquitetou o seu texto e a direção. A plateia é levada à realidade dos personagens ou pelas fotografias projetadas num lençol que parece uma colcha de retalhos ou pela ‘balsa’ de madeira que Antonia usa para navegar à procura – desesperada – pelo marido, encontrando muitos mortos pelo caminho. As músicas dão o contraponto ou acentuam situações. Lembram a religiosidade, as manifestações culturais, e podem ser evidentemente tristes ou não.

Foto: Ivana Moura

Na construção do texto, os personagens se sucedem, mas nada que indique uma previsibilidade. Ao contrário. E isso da mesma forma que ajuda a dar agilidade à peça, pode dificultar a compreensão, já que a atriz encena vários personagens na sua busca pelo companheiro.

E a peça nos dá a sensação de que essa situação de fuga de uma realidade continua a mesma. Ou de que essa dor ainda não sarou e, por isso, precisamos ouvir falar dela. Gritar, cantar, nos sujar com o sangue até de quem não está mais aqui. Fiquei com vontade de conhecer mais do teatro cubano. Algo que fugisse à idéia do exílio.

Ah, não sei como terminou a história da minha amiga mexicana. Se ela reencontrou os filhos, se demorou ou não para isso acontecer. Espero que ela os tenha pertinho agora.

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