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Todo mundo odeia Caio
Crítica do espetáculo Cachorros não sabem blefar

Cachorros não sabem blefar, espetáculo de um grupo focado no Teatro do Absurdo

Os personagens dividem o mesmo espaço territorial, mas não conseguem conviver. As situações vão girando em círculos, se repetindo em intervalos, evidenciando ódios aleatórios, construídos sem motivação real aparente. Comunicação é apenas uma utopia quando faço questão de não ouvir ou o que eu digo não encontra ressonância no outro. O relógio está parado porque o tempo de alguma forma também parou, o que é lamentável, deixando todos presos ali, sem expectativa de mudança, mas ansiosos para que alguma coisa finalmente aconteça. Não necessariamente estamos falando da política no nosso país. Ou da espera para que Rodrigo Maia dê andamento ao processo de impeachment de Bolsonaro. Mas também estamos. Por que não? Cachorros não sabem blefar, título mais do que pertinente ao momento, provocador, é o espetáculo do “Grupo? Que absurdo!”, de Caruaru, apresentado neste Janeiro de Grandes Espetáculos.

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Em 2016, Rhamon Gutiérrez, diretor do espetáculo, que também está no elenco, e outras duas pessoas da equipe, viram essa dramaturgia ser encenada pela Cia. 5 Cabeças, de Belo Horizonte. Com texto e direção do mineiro Byron O’Neill, a peça foi apresentada em Caruaru, Arcoverde e Triunfo pelo projeto Palco Giratório, do Sesc. Naquele momento, o grupo pernambucano ainda não existia em sua formatação atual, mas Gutiérrez tinha um grupo chamado Trupe Zupee de Teatro. Em 2018, montou A Cantora Careca, de Eugène Ionesco, um dos dramaturgos do Teatro do Absurdo, mesma linha do texto do mineiro O’Neill.

O termo Teatro do Absurdo surgiu no fim da década de 1950 para dar conta de um teatro criado pós-Segunda Guerra Mundial, que tinha muito a ver com o homem forjado naquele ambiente. Os textos trazem desolação, incapacidade de comunicação, situações non sense. Obras de dramaturgos como Ionesco, Samuel Beckett, Harold Pinter e Fernando Arrabal são representantes do Teatro do Absurdo.

Depois dos estudos que fizeram para montar A Cantora Careca, os artistas decidiram encerrar a Trupe Zupee de Teatro e fundar o “Grupo? Que absurdo!”. Lembraram então do texto de O’Neill, que cedeu os direitos da dramaturgia. As leituras e ensaios começaram em 2019, com a expectativa de estreia em abril de 2020, que esbarrou na pandemia do coronavírus. Continuaram virtualmente até que o Teatro Rui Limeira Rosal fosse liberado para receber o público. A estreia aconteceu no fim do ano passado.

No espetáculo, cinco pessoas que, aparentemente, não possuem nenhum elo, convivem enquanto o tempo parece estagnado. É um texto que explora bastante o recurso da repetição e que fala do quanto somos intolerantes. Dos nossos preconceitos, das incapacidades como sociedade. Há um suspense instaurado, como se algo estivesse sempre prestes a romper o estabelecido. De uma hora para outra, como efeito manada, todos odeiam pessoas com o nome Caio e isso desencadeia uma série de reações.

O elenco da versão pernambucana tem Adriana Oliveira, Gomes Silva, Paula Monteiro, Rhamon Gutiérrez e Síntique Ramos. São todos atores jovens. Talvez a própria trajetória do espetáculo traga mais potência a esses personagens, que já possuem um discurso, porém frágil, já que esse texto ainda não repercutiu nos corpos. E texto também é corpo. Algumas perguntas ainda estão sem resposta dentro do próprio processo. Por exemplo: como me ouvir enquanto falo? Como ouvir enquanto o outro fala? Como ouvir com o corpo inteiro? Como falar com o corpo inteiro? De que forma a minha presença no palco alcança quem está na plateia? Qual a relação disso com energia, ritmo, tensão? São questionamentos que podem aprimorar o espetáculo e que servem para uma vida inteira.

Se o caminho do Teatro do Absurdo é a escolha prioritária do grupo, falta agora ampliar as possibilidades de carregar esses personagens tão distópicos. É uma longa estrada, uma espera que vai parecer sem fim, talvez seja irritante perseguir o resultado desejado, o relógio muitas vezes vai parecer parado. Até que se entenda a relevância do processo, da continuidade, da transformação.

Ficha técnica:
Cachorros não sabem blefar, do Grupo? Que absurdo!
Direção:  Rhamon Gutiérrez
Dramaturgia:  Byron O’Neill
Elenco: Adriana Oliveira, Gomes Silva, Paula Monteiro, Rhamon Gutiérrez e Síntique Ramos
Direção de arte:  Rhamon Gutiérrez
Trilha sonora:  Everton Albuquerque
Técnico de som:  Júlia D’arruda
Desenho de Luz:  Rhamon Gutiérrez 
Técnicos de luz:  Wendel Mendonça
Acompanhamento de processo:  Everton Albuquerque e Sil Cardoso

 

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O teatro para se livrar do sofrimento

isso é para dor

Isso é para dor, peça do repertório da Primeira Campainha, de Belo Horizonte

Do lado de fora ocorre uma guerra e é proibido fazer barulho. Pessoas estão presas no porão de um lugar indefinido. Elas têm a companhia umas das outras; o silêncio e as batatas. Com elementos do teatro do absurdo, Isso é para dor é o segundo espetáculo que o coletivo Primeira Campainha, de Belo Horizonte, apresenta no Trema! Festival de Teatro. Ontem o grupo exibiu Sobre dinossauros, galinhas e dragões, trabalho repleto de referências pop, que celebra a precariedade e a plagicombinação. Isso é para dor faz duas sessões hoje e amanhã, às 19h30, no Teatro Arraial Ariano Suassuna.

No elenco Mariana Blanco, Marina Arthuzzi e Marina Viana. A encenação e dramaturgia são assinadas por  Byron O’Neill, diretor, dramaturgo, fundador e integrante do grupo Cinco Cabeças. O livro O diário de Anne Frank foi a inspiração da peça, que procura mostrar que há opressão em qualquer parte ou época e estratégias de se desvencilhar dela.

Nos momentos de bombardeio, Benjamim Amapola, Shirley Ballantine’s, mais conhecida como Mary, e Vonda YevaPavlova buscam no teatro alívio para a tirania. Margareth, a quarta criatura, dorme há mais de uma semana. O grupo ensaia sobre o mal-estar no mundo e utiliza falas de filmes variados como E o vento levou, O grande ditador, Bambi, King Kong e o Cisne Negro.

Isso-é-para-dor Foto: Wanderson Nascimento

Peça tem texto e direção de Byron O’Neill. Foto: Wanderson Nascimento

 

FICHA TÉCNICA
Concepção: Primeira Campainha e Byron O’neill
Direção e dramaturgia: Byron O’Neill
Atuação: Mariana Blanco, Marina Arthuzzi e Marina Viana
Direção de Movimento: Guilherme Morais
Assistência: Assis Benevenuto
Cenário: Daniel Herthel
Cenotécnica: Daniel Herthel e Thiago Guimarães
Figurino: Cynthia Paulino e Mariana Blanco
Iluminação: Jésus Lataliza e Sabará Orlan
Contrarregragem: Dayane Lacerda
Trilha Sonora: G.A. Barulhista e Ricardo Koctus
Realização: Variável 5 e Primeira Campainha
Classificação indicativa: 10 anos
Duração: 60 minutos

SERVIÇO
Isso é para dor
Quando: Hoje (30/04), às 19h30
Onde: Teatro Arraial Ariano Suassuna (Rua da Aurora, 457 – Boa Vista)
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)

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