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Dez dias de memória em movimento
28º Festival Internacional de Dança do Recife

Festival reúne mais de 20 espetáculos com artistas de cinco países… Fotos: José Luiz Pederneiras / Divulgação

… celebra meio século do Grupo Corpo e homenageia o Acervo RecorDança. Piracema e acima Pindorama

Em 10 dias, artistas de cinco países movimentam uma programação que vai acontecendo em diferentes pontos da capital pernambucana. A 28ª edição do Festival Internacional de Dança do Recife ocorre de 17 a 26 de outubro, reunindo mais de 20 espetáculos que transita entre tradição e contemporaneidade, do Teatro de Santa Isabel às praças públicas da cidade.

O festival chega com uma programação robusta: França, Argentina, Espanha e Senegal marcam presença internacional, enquanto mais de 70% da programação fica por conta de grupos e artistas pernambucanos. São seis teatros, duas praças públicas, um museu e um compaz que recebem desde o Grupo Corpo – que celebra 50 anos de trajetória – até jovens bailarinos do Projeto Primeira Cena.

O Grupo Corpo, fundado em 1975 em Belo Horizonte, chega ao Recife carregando meio século de uma trajetória que redefiniu a dança brasileira no cenário internacional. Criado pelos irmãos Paulo e Rodrigo Pederneiras, o grupo se tornou uma das companhias mais respeitadas do mundo, conhecido por sua capacidade única de traduzir a brasilidade em movimentos que dialogam com a contemporaneidade global sem perder suas raízes.

Com mais de 40 obras no repertório e apresentações em mais de 60 países, o Corpo construiu uma linguagem própria que agrega técnica apurada, trilhas sonoras marcantes e cenografias ousadas. Piracema, espetáculo inédito traduz a própria trajetória do grupo: como os peixes que sobem a correnteza do rio numa jornada épica de resistência e renovação, o Corpo atravessou décadas mantendo-se vivo, criativo e sempre em movimento, conquistando seu lugar como patrimônio vivo da cultura brasileira. Parabelo, peça de 1997, faz a abertura nas duas noites.

Le Sacre du Sucrealexandre boissot

Já a bailarina e coreógrafa Léna Blou, de Guadalupe, vai transformar a história colonial da cana-de-açúcar em dança contemporânea, explorando as conexões dolorosas entre Caribe e Nordeste brasileiro através do espetáculo Le Sacre du Sucre (A Sagração do Açúcar). Por  outro lado, o coletivo argentino BiNeural-MonoKultur promete transformar o jardim do Teatro do Parque numa pista de dança com Dancemos… que o mundo se acaba!, obra performática que mistura dança, música eletrônica e interação direta com o público. E fechando o festival, a lendária Germaine Acogny – considerada a “mãe da dança contemporânea africana” – apresenta À un endroit du début, misturando danças tradicionais senegalesas com técnicas contemporâneas que aprendeu durante os anos 1970 em Nova York.

Memória em Movimento é o tema que costura essa programação diversa, prestando homenagem ao Acervo RecorDança, coletivo pernambucano fundado em 2017 que há anos se dedica a guardar a história da dança no estado através da digitalização de documentos históricos, produção de entrevistas com pioneiros da dança local, criação de podcasts e documentários, além da realização de ações pedagógicas que conectam diferentes gerações de bailarinos. O grupo atua como uma verdadeira biblioteca viva da dança pernambucana, resgatando memórias que estavam se perdendo e garantindo que as novas gerações tenham acesso a essa herança cultural. Porque memória não é só passado – é combustível para o que está por vir.

Flaira Ferro. Foto Claudia Dalla Nora / Divulgação

🎭 O Protagonismo Local: Pernambuco em Movimento
Flaira Ferro: A Embaixadora do Frevo
A pernambucana Flaira Ferro é uma das principais representantes da cultura popular contemporânea do estado. Passista de frevo reconhecida nacionalmente, ela terá participação dupla no festival, mostrando a versatilidade de seu trabalho:

🎤 Show (18 de outubro, 19h – Teatro Apolo)
Apresentação que mistura frevo tradicional com sonoridades contemporâneas, demonstrando como a cultura popular pode dialogar com diferentes linguagens sem perder sua essência.

👥 Aulão de Frevo (19 de outubro, 10h às 11h30 – Teatro Hermilo Borba Filho)
Atividade pedagógica gratuita onde Flaira compartilha os fundamentos do frevo, conectando diferentes gerações em torno dessa manifestação cultural patrimônio da humanidade.

Patrimônios Vivos da Cultura Pernambucana

🥁 Bacnaré – Nações Africanas (20 de outubro, 14h – Teatro do Parque)
O grupo Bacnaré, reconhecido como patrimônio vivo do Recife, é uma das principais referências da cultura afro-brasileira em Pernambuco. Fundado há mais de quatro décadas, o coletivo preserva e recria tradições africanas através da dança, música e teatro. O espetáculo Nações Africanas celebra as diversas etnias que formaram a base cultural afro-brasileira, apresentando danças e ritmos que conectam o Recife diretamente às suas raízes ancestrais.

🐎 Cavalo Marinho Estrela Brilhante (26 de outubro, 16h – Teatro Hermilo Borba Filho)
O Cavalo Marinho é uma das manifestações mais ricas da cultura popular nordestina, misturando teatro, dança, música e improviso. O grupo Estrela Brilhante é uma das principais referências dessa arte em Pernambuco, mantendo viva uma tradição que remonta ao período colonial. A apresentação no encerramento do festival reafirma a importância das tradições populares como base da identidade cultural pernambucana.

Nova Geração: Projeto Primeira Cena

🌟 Revelando Talentos (21 de outubro, 19h – Teatro Hermilo Borba Filho)
O Projeto Primeira Cena é uma das iniciativas mais importantes do festival para o fomento da dança local. Este ano, quatro coreografias foram selecionadas, representando a diversidade da nova geração de bailarinos e coreógrafos pernambucanos:

Meu Frevo é assim – Cia de Dança Recifervo
Companhia jovem que se dedica à pesquisa e contemporaneização do frevo, explorando novas possibilidades coreográficas sem perder a essência do ritmo tradicional.

Corpo Fé: Trânsitos de presenças, ausências e águas – Irys Oliveira
Pesquisa autoral que investiga as relações entre corpo, espiritualidade e elemento aquático, temas centrais na cultura e geografia pernambucanas.

Fissura – Samuel José
Trabalho solo que explora as fraturas e resistências do corpo contemporâneo, dialogando com questões urbanas e sociais da realidade local.

Corpos que dançam entre gerações e memórias – Escola Viradança
Coreografia coletiva que conecta diferentes idades e experiências, materializando o tema do festival através do encontro entre veteranos e novatos da dança.

Experimentação e Vanguarda Pernambucana

🌍 Cia ETC – Memória do Mundo (21 de outubro, 12h – Praça do Derby)
A Cia ETC é conhecida por suas intervenções urbanas que questionam o cotidiano através da dança. Memória do Mundo será apresentada no meio da agitação da Praça do Derby, propondo uma reflexão sobre como a arte pode alterar a percepção do espaço urbano e criar momentos de contemplação no meio da correria cotidiana.

🎪 Circo Experimental Negro – O Encontro da Tempestade e a Guerra (25 de outubro, 17h – Teatro Apolo)
Coletivo que trabalha na intersecção entre circo, dança e teatro, sempre com uma perspectiva afrocentrada. O espetáculo aborda questões relacionadas à resistência negra e aos conflitos históricos, usando o corpo como território de luta e celebração.

🚴 Lúden Cia de Dança – Ciclobrega (25 de outubro, 18h – Teatro Hermilo Borba Filho)
Intervenção que mistura dança contemporânea com a cultura do brega, gênero musical profundamente arraigado na cultura popular pernambucana. A proposta é criar um diálogo inusitado entre linguagens aparentemente distintas, mostrando como a cultura popular pode ser fonte de inovação artística.

Novos Criadores em Destaque

🎭 Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi
Trio que representa a nova geração de criadores pernambucanos, apresentando dois trabalhos no festival:

Bolor (22 de outubro, 19h – Teatro Hermilo Borba Filho)
Trabalho que investiga processos de decomposição e renovação, tanto corporais quanto sociais.

Onde a Vida Insiste (23 de outubro, 19h – Praça da Várzea)
Apresentação ao ar livre que explora a resistência da vida em contextos adversos, tema que dialoga diretamente com a realidade social pernambucana.

🌟 Orun Santana – Orunmilá (24 de outubro, 14h e 19h – Teatro Hermilo Borba Filho)
Artista que trabalha na intersecção entre dança contemporânea e tradições afro-brasileiras. “Orunmilá” faz referência ao orixá da sabedoria e do destino, explorando as conexões entre corpo, ancestralidade e futuro.

Marcos Teófilo – Para Expectativa Somente Desvios (24 de outubro, 20h30 – Teatro Apolo)
Coreógrafo que se destaca pela capacidade de criar narrativas corporais complexas. O espetáculo questiona as expectativas sociais e propõe outros caminhos possíveis através do movimento.

🔥 Balé Afro Raízes – Os Guerreiros: A Luta pela Sobrevivência (21 de outubro, 20h – Teatro do Parque)
Grupo especializado em danças afro-brasileiras que apresenta espetáculo sobre resistência e luta, temas centrais na história da população negra em Pernambuco.

Dança Urbana e Cultura de Rua

🎤 Batalha da Escadaria (25 de outubro, 15h às 21h – Compaz Eduardo Campos)
Evento que reúne diferentes vertentes da cultura urbana pernambucana:

Serafin’s Company – From Afrobeats to hip Hop Heat!
Coletivo local que mistura hip hop com ritmos africanos, criando uma sonoridade única que reflete a diversidade cultural do Recife.

Batalha de All Style
Competição que reúne os melhores dançarinos de diferentes estilos da região metropolitana do Recife.

Baile Charme
Manifestação da cultura de rua que ganhou força no Recife, misturando dança, música e sociabilidade urbana.

🌍 Participações Internacionais

França: Três Visões Complementares
🍭 Le Sacre du Sucre (18 de outubro, 20h – Teatro do Parque)
🌊 Corpos (23 de outubro, 20h – Teatro do Parque)
✨ À un endroit du début (26 de outubro, 19h – Teatro de Santa Isabel)

Argentina: Interatividade e Performance
🎵 Dancemos… que o mundo se acaba! (22 de outubro, 10h e 14h – Teatro do Parque)

Espanha: Literatura e Flamenco
💃 Ellas en Lorca (23 de outubro, 19h – Teatro Apolo)

🏆 Abertura Histórica: Grupo Corpo Celebra 50 Anos

Piracema e Parabelo (17 e 18 de outubro, Teatro de Santa Isabel)

️ Exposições e Patrimônio Cultural

RecorDança: Acervo em Movimento (Abertura: 18 de outubro, 14h – Museu Murillo La Greca)
Corpo Ancestral: Dança Nagô em Movimento (18 de outubro, 18h – Teatro Hermilo Borba Filho)

Formação e Capacitação

Oficina: Vivência Danças de Blocos Afros (17 e 18 de outubro)
Ministrada por Vânia Oliveira (BA)

Cine Dança (21 de outubro, 19h – Teatro do Parque)

Sessão especial incluindo o curta Saramuná, de Gabriela Moura (PE), e Longa Repentino, de Drica Ayub (PE).

📍 Informações Práticas
🗓️ Período: 17 a 26 de outubro de 2025
🎟️ Ingressos: Maioria gratuita, com retirada nos locais uma hora antes das apresentações
♿ Acessibilidade: Libras e audiodescrição em múltiplas apresentações
🎯 Ação Social: Arrecadação solidária de alimentos

Sobre o Festival: Promovido pela Prefeitura do Recife através da Secretaria de Cultura e Fundação de Cultura Cidade do Recife, o Festival Internacional de Dança do Recife consolida-se como uma das principais vitrines da dança contemporânea no Brasil, com especial ênfase na valorização e promoção da produção artística local.

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A Insurreição Que Assombra
Sessão única de Ayiti,
com Marconi Bispo

 

Marconi Bispo desvela em Pernambuco a revolução haitiana que permanece silenciada nos livros de história. Foto: Arthur Canavarro

Existe uma lacuna imensa na educação brasileira. Uma ausência que não parece casual, mas estratégica. Enquanto aprendemos sobre diversas revoluções ao longo da formação escolar, uma permanece deliberadamente esquecida: a única insurreição escrava vitoriosa da história moderna, que aconteceu no Haiti entre 1791 e 1804. É exatamente essa ferida na memória coletiva que o experiente artista pernambucano Marconi Bispo decidiu confrontar.

Aos 30 anos de carreira — trajetória que o consolida como uma das vozes mais consistentes das artes cênicas pernambucanas —, Marconi apresenta Ayiti, a montanha que assombra o mundo, trabalho que inaugura em solo pernambucano um diálogo cênico com a Revolução Haitiana. A montagem retorna ao cartaz nesta terça-feira (14), às 20h, no Teatro Hermilo Borba Filho, no Recife Antigo.

Descolonizando a Dramaturgia 

O projeto nasce de uma inquietação que indaga por que a primeira república negra da história mundial, que derrotou militarmente França, Espanha e Inglaterra, permanece ausente dos currículos escolares? Por que essa vitória extraordinária – que antecipou em décadas os ideais de igualdade racial — foi sistematicamente apagada da historiografia oficial?

Marconi Bispo, em parceria com o pesquisador Kamai Freire, constrói uma dramaturgia que vai além da reconstituição histórica. O espetáculo avança como arqueologia da resistência, escavando memórias soterradas e devolvendo dignidade a narrativas marginalizadas. A pesquisa, baseada em 13 obras sobre o tema e amadurecida durante residência artística em Portugal, revela conexões históricas surpreendentes entre Recife e Haiti.

“A ilha era chamada de Kiskeya — Mãe de Todas as Terras — pelo povo Taíno”, explica o artista. Essa recuperação da nomenclatura original exemplifica o método do espetáculo: desconstruir sistematicamente a linguagem colonial para assumir outras formas de compreender o mundo.

Além de Marconi, estão no elenco Brunna Martins, Kadydja Erlen e os músicos Beto Xambá e Thulio Xambá

A força da montagem resulta da articulação entre diferentes linguagens artísticas afro-pernambucanas. O elenco reúne Brunna Martins, Kadydja Erlen e os músicos Beto Xambá e Thulio Xambá, do respeitado Grupo Bongar. Essa formação processa a confluência de tradições culturais que dialogam diretamente com o universo revolucionário haitiano.

A percussão assume papel dramatúrgico central, ecoando os tambores que convocaram os escravizados para a insurreição. As batidas atuam como código ancestral, linguagem cifrada que atravessou o Atlântico e permanece viva nas manifestações culturais negras contemporâneas.

Mais que criação artística, Ayiti processa como dispositivo pedagógico, que assume dimensão política fundamental. Ele democratiza o acesso a conhecimentos que as instituições de ensino tradicionalmente negam às classes populares.

A produção independente e os ingressos a preços acessíveis (R$ 25 e R$ 50)) materializam essa vocação democrática. Marconi Bispo compreende que a arte deve circular entre as comunidades que mais se beneficiam dessas narrativas de empoderamento.

Espetáculo estabelece paralelos entre a luta anticolonial caribenha e as resistências negras em Pernambuco

O conceito de “contracolonização”, desenvolvido pelo filósofo Nego Bispo, permeia toda a construção dramatúrgica. O espetáculo pratica essa contracolonização ao recusar a vitimização dos povos escravizados e celebrar sua capacidade de auto-organização política e militar.

“A Revolução Haitiana não acabou”, defende Marconi Bispo. “Ela segue reverberando como o movimento mais impactante de todos os tempos.” Essa perspectiva transforma o Haiti de símbolo de miséria — como frequentemente aparece na mídia — em farol de dignidade e resistência.

A montagem conecta passado e presente. Ao estabelecer paralelos entre a luta anticolonial caribenha e as resistências negras em Pernambuco, o espetáculo fortalece genealogias de luta que nutrem as comunidades afro-brasileiras contemporâneas.

A pergunta que atravessa toda a encenação — “Qual revolução você ainda não fez?” — sintetiza esse potencial transformador. Ayiti convoca cada espectador a refletir sobre seu papel na construção de uma sociedade antirracista e verdadeiramente democrática.

Leia a outra matéria sobre Ayiti AQUI

Serviço

Ayiti, a montanha que assombra o mundo

14 de outubro de 2025 (terça-feira), 20h
Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, 142 – Recife Antigo)
Ingressos: R$ 25 (meia) / R$ 50 (inteira)
Vendas: bit.ly/3L5xPQg

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Resistência cultural e inovação em diversos espaços

Agrinez Melo em Histórias Bordadas em Mim

Uma programação diversificada abrange desde comédias autorais até espetáculos que resgatam a ancestralidade afro-brasileira. Entre os destaques, duas produções pernambucanas chamam especial atenção: Histórias Bordadas em Mim, pela sua trajetória de resistência e celebração da cultura negra, e Ayiti, a montanha que assombra o mundo, que marca os 30 anos de carreira de Marconi Bispo com um mergulho inédito na Revolução Haitiana.

Após nove anos de trajetória independente, o espetáculo solo Histórias Bordadas em Mim, da atriz pernambucana Agrinez Melo, reestreia no Espaço O Poste nos dias 10 e 11 de outubro, às 19h, marcando um importante momento de reconhecimento para a produção artística local.

A peça, que já percorreu mais de 50 apresentações entre Pernambuco, Ceará e São Paulo, chegando a um público de mais de 6 mil pessoas, agora conquista pela primeira vez o incentivo público através do edital Funcultura. 

Histórias Bordadas em Mim” é mais que um espetáculo teatral – é um ritual de acolhimento que se inicia com um banho de ervas oferecido ao público. A protagonista, coberta por retalhos e saias, marca os pontos riscados das encruzilhadas entre histórias reais e imaginárias, proporcionando um resgate orgânico da fé e da possibilidade de ressignificar experiências vividas.

A encenação baseia-se na Poética Matricial dos Orixás e Encantados, explorando narrativas teatrais que posicionam uma mulher negra, mãe, candomblecista e nordestina no centro da cena. As referências incluem a oralidade africana ancestral, os ensinamentos de sua mãe costureira e avós benzedeiras, além das trocas com terreiros de matriz afro-indígena.

Em Ayiti, Marconi Bispo celebra 30 anos de arte com peça sobre revolução haitiana. Foto: Arthur Canavarro 

Em um marco histórico para o teatro pernambucano, Marconi Bispo apresenta no dia 14 de outubro, às 20h, no Teatro Hermilo Borba Filho, o espetáculo Ayiti, a montanha que assombra o mundo – a primeira produção em Pernambuco dedicada exclusivamente à Revolução Haitiana.

O espetáculo, que marca os 30 anos de carreira do artista, representa um mergulho profundo nas conexões históricas entre o Haiti e as insurgências pernambucanas, questionando por que sabemos tão pouco sobre a revolução que fundou a primeira nação negra de ex-escravizados a derrotar o invasor europeu e abolir a escravidão.

Ayiti une história, performance, percussão, poesia e dança em uma experiência cênica única, com dramaturgia assinada por Marconi Bispo e Kamai Freire. A apresentação conta com a participação de artistas locais como Thulio Xambá e Beto Xambá (musicistas do Grupo Bongar), Brunna Martins e Kadydja Erlen (atrizes), criando uma ponte entre a resistência haitiana e a cultura afro-pernambucana.

FETEAG: 34ª Edição Propõe Diálogos entre Arte e Urgências Sociais

Germaine Acogny encerra programação do Feteag com Un endroit du début

O Festival de Teatro do Agreste (FETEAG), dirigido por Fabio Pascoal, estabelece em sua 34ª edição diálogos diretos entre criação artística contemporânea e as urgências sociais do nosso tempo. Entre 9 e 26 de outubro, o evento reúne 21 espetáculos nacionais e internacionais, todos com entrada gratuita, em teatros de Caruaru e Recife.

À mon seul désir, de Gaëlle Bourges (França), abre o festival nos dias 9 e 10 de outubro no Teatro Luiz Mendonça. A coreógrafa francesa parte da tapeçaria medieval A Dama e o Unicórnio para reavaliar construções históricas sobre feminilidade, examinando como a cultura europeia associou mulheres ao mundo vegetal e animal, perpetuando ideais de virgindade através de imagens aparentemente poéticas.

A investigação coreográfica expõe violências simbólicas embutidas nessas representações românticas, utilizando movimento e voz para evidenciar como tapeçarias medievais funcionavam como dispositivos de controle sobre corpos femininos, conectando-se com debates contemporâneos sobre representação e autonomia.

Les Sans (Os Sem), do coletivo Les Récréâtrales-ELAN de Burkina Faso, investiga a questão dos sem-teto e excluídos sociais através de linguagem que combina tradições orais africanas com teatro político contemporâneo. A obra adapta o pensamento de Frantz Fanon para o teatro através do reencontro de dois ex-companheiros de luta, interrogando se a libertação formal constitui verdadeira descolonização.

L’Opéra du villageois, da Compagnie Zora Snake de Camarões, manifesta resistência através de performance-ritual que ressuscita a potência das máscaras africanas roubadas pelos museus europeus, questionando a pilhagem cultural colonial através de rituais com ouro e sal.

Germaine Acogny, lenda da dança contemporânea nascida no Senegal em 1944, encerra o festival no Teatro Santa Isabel com Un endroit du début. Aos 81 anos, ela segue ativa como pesquisadora corporal, tendo fundado a primeira escola de dança contemporânea da África Ocidental em 1977 e desenvolvido técnica própria que combina danças tradicionais africanas com metodologias ocidentais.

A apresentação de La Cocina Pública, do grupo chileno Teatro Container, no Assentamento Normandia em Caruaru estabelece uma das escolhas mais incisivas da curadoria. O espetáculo transforma o preparo coletivo de uma refeição em ritual de reflexão sobre direitos básicos, ganhando ressonâncias particulares sobre soberania alimentar em território conquistado pelo MST.

Édipo REC, do Grupo Magiluth (PE), com direção de Luiz Fernando Marques e dramaturgia de Giordano Castro, constrói releitura não-linear da tragédia sofocliana onde Tebas se transforma no Recife fantasmagórico. O Corifeu é representado pela câmera, espelhando a produção excessiva de imagens das redes sociais e câmeras de segurança.

Neva, montagem de Marianne Consentino (PE), ambienta-se no Domingo Sangrento de 1905 em São Petersburgo, friccionando arte e política através de três atores refugiados em teatro durante massacre nas ruas. A peça de Guillermo Calderón questiona a serventia do teatro através de Olga Knipper, viúva de Tchekhov.

Fábulas de nossas fúrias (Coletivo Atores à Deriva, RN) articula contação de histórias com afirmação política da raiva como elemento transformador, inspirando-se em Paulo Freire para questionar hierarquias conservadoras através de narrativas que invertem lógicas de poder.

Dancemos… que o mundo se acaba!, da BiNeural-MonoKultur (Argentina), propõe áudio-obra interativa que transforma público em dançarinos, questionando coreomanias e epidemias de dança através de jogo que reflete sobre sedução, pandemia e medo de dançar sozinho.

Sonho de uma noite de verão, da Trupe Ave Lola (PR), revisita Shakespeare através de encenação popular com tradução de Bárbara Heliodora, reunindo nove artistas em cena com música original executada ao vivo, criando atmosfera festiva que convida o público a testemunhar momentos de paixão, magia e loucura.

As criações francófonas constroem considerações convergentes sobre precariedade através de perspectivas diversificadas. Le Quai de Ouistreham, da Compagnie la Résolue (França), adapta investigação jornalística sobre mulheres que trabalham em empregos precários e invisíveis, especialmente na limpeza, vivendo à sombra da crise econômica.

La Vérité vaincra / A Verdade Vencerá, da Cie KastôrAgile (França), desenvolve palestra-performance baseada no livro homônimo de Luiz Inácio Lula da Silva, adaptando entrevistas concedidas à editora Ivana Jinkings em janeiro de 2018, transformando documento político em teatro de resistência.

Barbixas e a arte da improvisação

Barbixas: trio formado por Anderson Bizzochi, Daniel Nascimento e Elidio Sanna,

No fim de semana dos dias 11 e 12 de outubro, o Teatro RioMar recebe Improvável, espetáculo de improvisação teatral da Cia Barbixas. O trio formado por Anderson Bizzochi, Daniel Nascimento e Elidio Sanna, com mais de duas décadas de parceria artística, cria cenas inteiramente a partir de sugestões da plateia.

A companhia, que sacudiu o teatro de improviso no Brasil, trabalha com diferentes formatos cênicos incluindo musicais, westerns, novelas e até óperas, sempre mantendo o humor inteligente e a interação constante com o público. Cada apresentação é única, pois depende inteiramente da criatividade coletiva entre artistas e espectadores. No sábado (11), há duas sessões às 18h30 e 21h, enquanto domingo (12) apresenta sessão única às 20h.

Ópera com sotaque regional: La Serva Padrona

 La Serva Padrona: ópera italiana com humor

O Teatro Hermilo Borba Filho recebe, de 8 a 11 de outubro, às 19h30, uma montagem especial da ópera cômica La Serva Padrona, de G. B. Pergolesi. Esta versão recifense é resultado de um trabalho criativo audacioso que ressignifica a obra setecentista italiana através de elementos nordestinos, como expressões vocais.

A direção cênica de Luiz Kleber Queiroz e a direção musical da maestrina Maria Aida Barroso criaram uma proposta que mantém a estrutura musical original – com as árias preservadas em italiano – enquanto transpõe os recitativos para o português carregado de regionalismo pernambucano. Esta escolha artística permite que o público local se conecte diretamente com a narrativa sem perder a essência operística da obra.

A produção de Matheus Soares (25 Produções) inova na cenografia e figurinos, incorporando elementos como algodão cru, cestos de palha, tapioca e o icônico chapéu de vaqueiro. O elenco se alterna entre diferentes solistas, acompanhado por um sexteto de câmara que executa a partitura original de Pergolesi, criando um diálogo entre a tradição operística europeia e a cultura popular nordestina.

A trama cômica, baseada na Commedia dell’arte, acompanha as estratégias da esperta criada Serpina para conquistar seu patrão Uberto, numa comédia de costumes que ganha novos contornos quando ambientada no universo cultural pernambucano.

Duas Conversas com Ítalo Sena 

No dia 14 de outubro, às 20h, o Teatro Luiz Mendonça recebe Duas Conversas, o mais recente trabalho de Ítalo Sena, conhecido nacionalmente como o “rei das pegadinhas”. Após o sucesso de Mostrando Meu Trabalho, que percorreu o Brasil, o humorista retorna com uma proposta renovada, resultado de nove meses de intensa preparação artística e física.

Duas Conversas mostra um mergulho nos dois lados da vida artística de Ítalo Sena, explorando aspectos nunca antes revelados ao público. O espetáculo conta com texto desenvolvido pelo próprio humorista, em colaboração criativa com Maurício Meireles.

O destaque fica por conta do cenário digital interativo, que busca surpreender a plateia com elementos tecnológicos integrados à narrativa. A preparação artística de Diógenes De Lima, a produção de Laura Ithamar, a iluminação de Jathyles Miranda e as artes para o cenário virtual assinadas pelo VJ Koala Brito buscam elevar produção a um patamar técnico diferenciado.

Traidor: Marco Nanini e Gerald Thomas revisitam parceria histórica

Nanini em Traidor. Foto: Annelize Tozetto

Traidor, com Marco Nanini sob direção de Gerald Thomas, ocupa o Teatro Luiz Mendonça entre 17 e 19 de outubro. O espetáculo reflete as transformações profundas que o mundo sofreu desde o começo do século: o trauma pós-pandêmico, a revolução digital que substitui o real pelo virtual, e as rupturas democráticas que marcam o cenário político global. Gerald Thomas criou o texto sob influência deste “caldeirão contemporâneo”.

Em Traidor, Marco Nanini está isolado em uma ilha, acusado de algo que não cometeu, dialogando com a própria consciência, seus fantasmas e reflexões sobre passado, presente e futuro. Estes elementos são materializados no elenco formado por Hugo Lobo, Ricardo Oliveira e Wallace Lau. A ação transcorre como se toda a narrativa se passasse dentro da mente do protagonista.

Gerald Thomas define a obra como “um cruzamento entre Kafka e Shakespeare, uma espécie de híbrido entre o Joseph K, de O Processo, e Próspero, de A Tempestade, cuja mente renascentista olha para o futuro da civilização, perdoa seus detratores e os absolve”.

A equipe técnica reúne iluminação de Wagner Pinto, cenografia de Fernando Passetti, figurinos de Antonio Guedes, direção musical e trilha sonora de Alê Martins, direção de movimento de Dani Lima e assistência de direção de Samuel Kavalerskid.

Drama e intensidade: As Bruxas de Salem e Imorais

As Bruxas de Salem na montagem da Cobogó das Artes, com produção executiva de Adriano Portela

Imorais do Bando de Nada – Grupo de Teatro, com texto de Cristiano Primo e direção de Emmanuel Matheus

A terceira semana de outubro (15 e 16) traz duas montagens teatrais de forte apelo dramático. No Teatro Apolo, As Bruxas de Salem apresenta adaptação livre da obra clássica de Arthur Miller, dirigida por Anthony Delarte. A montagem da Cobogó das Artes, com produção executiva de Adriano Portela, ambienta a trama numa pequena vila puritana onde fé e medo se confundem, questionando verdade, manipulação e a coragem necessária para questionar autoridades.

Simultaneamente, o Teatro Hermilo Borba Filho recebe Imorais do Bando de Nada – Grupo de Teatro. O texto de Cristiano Primo, com adaptação e direção de Emmanuel Matheus e produção da Lynda Produções, propõe uma experiência cênica intensa sobre uma família e suas relações complexas. O elenco formado por Aline Santos, Cristiano Primo, Lynda Morais, Felipe Nunes e Tarcila Nunes conduz a narrativa que questiona se sempre temos direito à escolha, em espetáculo classificado para maiores de 18 anos.

Grupo Corpo: Cinco Décadas de Dança Brasileira

Grupo Corpo celebra 50 anos com turnê pelo Brasil

Nos dias 17 e 18 de outubro, o Teatro Santa Isabel recebe o Grupo Corpo de Belo Horizonte em apresentações gratuitas que celebram os 50 anos da companhia. A programação inclui dois espetáculos distintos que demonstram a evolução artística ao longo de cinco décadas desde a fundação em 1975.

Parabelo, coreografia clássica de 1997 de Rodrigo Pederneiras, com música de Tom Zé e Zé Miguel Wisnik, celebra aspectos da vida sertaneja. Já Piracema representa a constante renovação do repertório através de novas parcerias criativas. A criação tem parceria coreográfica entre Rodrigo Pederneiras e Cassi Abranches, com trilha inédita de Clarice Assad que transita do tribal ao eletrônico. A cenografia de Paulo Pederneiras utiliza 82 mil tampas de latas de sardinha para evocar escamas de cardumes, inspirando-se na jornada dos peixes que enfrentam a correnteza para desovar.

Teatro de Rua: Ilha: Dois leva urgência climática para o centro da Cidade

Grupo Bote de Teatro faz apresentações na Praça do Sebo

O Bote de Teatro, em parceria com a Cia. Toda Deseo de Minas Gerais, leva às ruas do centro do Recife uma provocação urgente sobre a crise climática. Nos dias 18 e 19 de outubro, às 19h, a Praça do Sebo se transforma em palco para Ilha: Dois, espetáculo gratuito que confronta a cidade com uma realidade alarmante.

A escolha do espaço urbano não é casual: tratando-se de uma cidade considerada geograficamente uma ilha e que, segundo relatórios da ONU, figura entre as mais vulneráveis ao aumento do nível do mar – ocupando a 16ª posição entre as cidades que podem desaparecer -, a montagem busca provocar reflexões diretas com a população sobre as mudanças climáticas.

Sob direção de Rafael Bacelar, reconhecido nacionalmente e indicado a diversos prêmios, e dramaturgia de David Maurity, o espetáculo mescla poesia, crítica social e resistência. A cantora e atriz Nega do Babado enriquece a trama com intervenções musicais, criando uma linguagem híbrida que dialoga diretamente com o público.

A montagem integra o projeto colaborativo Cidade Líquida e garante acessibilidade completa, oferecendo tradução em Libras e transporte acessível através do programa PE Conduz.

Instituto Ploeg: Encontro Radical entre Clássicos do Teatro

O Instituto Ploeg propõe no dia 11 de outubro um encontro singular entre dois retratos radicais do desejo e da ferida humana através de leituras dramáticas. O ATO apresenta Navalha na Carne, de Plínio Marcos, e Closer, de Patrick Marber, duas obras de tempos e contextos distintos, mas unidas pela mesma intensidade na busca por contato humano, mesmo quando ele causa dor.

Navalha na Carne, clássico do teatro brasileiro escrito em 1967 e censurado à época, encena a tensão brutal entre três personagens à margem da sociedade, num embate visceral de poder, corpo e sobrevivência. A obra continua ecoando como um grito urgente e contemporâneo.

Closer, conhecida pela adaptação cinematográfica de 2004, foi originalmente uma peça de enorme sucesso no teatro britânico. Com diálogos afiados, a obra revela o jogo de sedução e crueldade que sustenta as relações amorosas contemporâneas.

Sonho Encantado de Cordel: Fusão entre Nordeste e Contos de Fadas

Sonho Encantado de Cordel – O Musical

No último fim de semana do mês (25 e 26 de outubro), o Teatro Luiz Mendonça encerra a programação de outubro com Sonho Encantado de Cordel – O Musical. A produção de Thereza Falcão cria uma mistura entre a cultura nordestina e os contos de fadas de Hans Christian Andersen, resultando numa celebração da arte, poesia e poder dos sonhos.

O espetáculo conta com cenários e figurinos assinados por Rosa Magalhães e Mauro Leite, que dialogam com projeções de Batman Zavareze e coreografias de Renato Vieira, visando um universo visual que junte tradição popular e fantasia universal.

A trilha sonora é um dos grandes destaques da produção, contando com 10 músicas inéditas compostas especialmente para o espetáculo por três grandes nomes da MPB: Paulinho Moska, Chico César e Zeca Baleiro, sob direção musical de Marcelo Alonso Neves. Esta colaboração musical promete criar uma linguagem sonora que honra tanto as raízes nordestinas quanto a universalidade dos contos de fadas.

As apresentações acontecem no sábado (25) às 17h e no domingo (26) com duas sessões, às 15h e 17h, permitindo que diferentes públicos tenham acesso a esta produção especial.

CAIXA Cultural: Frankenstein em Dose Dupla

Frankenstein do Grupo Gompa, do Rio Grande do Sul

A CAIXA Cultural Recife apresenta entre 25 de outubro e 1º de novembro uma temporada especial do premiado Coletivo Gompa, do Rio Grande do Sul. O grupo apresenta duas montagens inspiradas no clássico de Mary Shelley: Frankenstein (para público adulto) e “Frankinh@ – Uma história em pedacinhos” (infantil).

Frankinh@, vencedor do Prêmio SESC de Artes Cênicas, já circulou por 18 cidades brasileiras e foi apresentado na Rússia e em Cuba. A peça infantil mescla narração, teatro, dança e artes visuais para despertar o imaginário das crianças através da história de Victor Frankenstein, jovem que cria alguém para lhe fazer companhia.

A versão adulta Frankenstein cria paralelos entre o corpo feminino e a Amazônia, explorando questões como pertencimento, violência e identidade com uma narrativa decolonial.

Espaço O Poste: Território de Resistência 

Fabíola Nansurê em Barro Mulher

Stephany Metódio com Luanda Ruanda: Histórias Africanas. Foto tatá costa

Urubatan Miranda com Negaça 

O Espaço O Poste se consolida como um dos principais centros de produções autorais e experimentais do Recife, funcionando como laboratório de criação e plataforma de visibilidade para artistas que desenvolvem pesquisas continuadas sobre identidade, memória e resistência. A programação de outubro reflete essa vocação curatorial, reunindo quatro trabalhos que abordam questões centrais da contemporaneidade através de linguagens cênicas diversificadas.

Além de Histórias Bordadas em Mim, recebe Fabíola Nansurê com Barro Mulher (24 de outubro), Stephany Metódio com Luanda Ruanda: Histórias Africanas (25 de outubro, gratuito) e Urubatan Miranda com Negaça (31 de outubro).

Fabíola Nansurê, reconhecida por suas pesquisas sobre corpo e território, constrói uma dramaturgia sensorial que utiliza barro como elemento cênico central, explorando texturas, plasticidade e simbolismo do material para questionar padrões estéticos e sociais impostos aos corpos femininos. A montagem propõe uma reflexão sobre resistência, autoconhecimento e reconexão com elementos primordiais da natureza.

A encenação dialoga com tradições ceramistas nordestinas e práticas rituais ancestrais, criando pontes entre saberes populares e linguagem cênica contemporânea através de uma experiência imersiva que convida o público a repensar relações entre humanidade e ambiente.

Stephany Metódio apresenta no dia 25 de outubro, às 16h, uma sessão gratuita de Luanda Ruanda: Histórias Africanas, espetáculo que resgata narrativas africanas através de contação de histórias que conecta tradições orais do continente com experiências da diáspora no Brasil.

A artista, especializada em culturas africanas e afro-brasileiras, desenvolve uma dramaturgia que articula contos tradicionais de diferentes regiões da África com reflexões sobre identidade, pertencimento e resistência cultural. Luanda Ruanda utiliza música, dança e elementos visuais para criar atmosfera envolvente que transporta o público para universos narrativos ricos em simbolismo e ensinamentos ancestrais.

A montagem tem particular relevância educativa e cultural, funcionando como instrumento de valorização da herança africana e combate ao racismo através da arte. Stephany Metódio incorpora instrumentos musicais tradicionais, adereços e gestualidade específica para honrar a autenticidade das tradições apresentadas, criando ponte entre continentes e gerações.

O formato de entrada gratuita reforça o compromisso do Espaço O Poste com a democratização cultural e o acesso da comunidade a produções que abordam questões de identidade e representatividade, especialmente relevantes no contexto da educação antirracista.

Urubatan Miranda encerra a programação mensal do espaço no dia 31 de outubro, às 19h, com Negaça, solo que explora construções de masculinidade no contexto nordestino através de autobiografia cênica que articula memória pessoal com questões coletivas sobre identidade de gênero e afetividade.

O artista, reconhecido por trabalhos que abordam questões LGBTQIA+ e regionalismo, desenvolve uma dramaturgia que questiona estereótipos sobre homens nordestinos, explorando sensibilidades, vulnerabilidades e formas de amar que escapam aos padrões heteronormativos dominantes. Negaça utiliza humor, poesia e crítica social para desconstruir imagens cristalizadas sobre masculinidade sertaneja.

A montagem incorpora elementos da cultura popular nordestina – como cordel, música regional e gestualidade característica – para criar linguagem cênica que celebra diversidade sexual e afetiva. Urubatan Miranda propõe um diálogo franco sobre preconceito, aceitação familiar e construção de identidade em contextos conservadores.

Festival de Circo: Novembro Promete

Le Bruit des Pierres do Collectif Maison Courbe da França

O mês de novembro será marcado pelo Festival de Circo do Brasil, que já tem pelo menos três espetáculos confirmados, prometendo dar continuidade à efervescência cultural iniciada em outubro.

Vermelho, Branco e Preto traz Cibele Mateus de São Paulo em solo que mescla riso, poesia e encantamento popular nos dias 5 e 6 de novembro às 19h30 no Teatro Apolo. A artista apresenta a figura cômica “Mateu”, inspirada no tradicional Cavalo-marinho pernambucano, em espetáculo-brincadeira que celebra identidade e ancestralidade.

No dia 6 de novembro, o Teatro Santa Isabel recebe O Vazio é Cheio de Coisa da Cia Nós No Bambu de Brasília. O espetáculo apresenta dança acrobática minimalista que explora a relação entre corpo humano e bambu, criando uma profusão de imagens e significados em dramaturgia poética onde simplicidade e complexidade se encontram.

A programação inclui ainda Le Bruit des Pierres do Collectif Maison Courbe da França, nos dias 8 e 9 de novembro no Teatro Santa Isabel. A criação híbrida combina circo coreográfico e teatro físico, com duas mulheres que encarnam a ganância ocidental pelo ouro através de coreografias realizadas com pedras, questionando a relação entre homem e ambiente.

SERVIÇO COMPLETO

FETEAG À mon seul désir
📅 Datas: 9 e 10 de outubro
📍 Local: Teatro Luiz Mendonça (Av. Boa Viagem, s/n, Boa Viagem)
🎫 Entrada: Gratuita
🎭 Criação: Gaëlle Bourges (França)

La Serva Padrona
📅 Datas: 8, 9, 10 e 11 de outubro
🕘 Horário: 19h30
📍 Local: Teatro Hermilo Borba Filho
🎫 Entrada: Gratuita (ingressos na bilheteria do teatro)
🎭 Direção: Luiz Kleber Queiroz | Direção Musical: Maria Aida Barroso

Histórias Bordadas em Mim
Datas: 10 e 11 de outubro (sexta e sábado)
🕘 Horário: 19h
📍 Local: Espaço O Poste (Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista)
🎫 Ingressos: R15(meia)∣R 30 (inteira) | R$ 10 (estudantes UFPE/Escola O Poste)
♿ Acessibilidade: Sessão de 11/10 com Libras e audiodescrição

Leituras Dramáticas – Navalha na Carne e Closer
📅 Data: 11 de outubro (sábado)
🕘 Horários: Abertura às 15h | Navalha na Carne às 16h | Closer às 18h
📍 Local: Instituto Ploeg (Rua de Santa Cruz, 190, Boa Vista)
🎫 Informações: Consultar @institutoploeg

Improvável – Cia Barbixas
📅 Datas: 11 e 12 de outubro (sábado e domingo)
🕘 Horários: Sábado: 18h30 e 21h | Domingo: 20h
📍 Local: Teatro RioMar
🎫 Informações: Consultar bilheteria do teatro

Duas Conversas com Ítalo Sena
📅 Data: 14 de outubro (terça-feira)
🕘 Horário: 20h
📍 Local: Teatro Luiz Mendonça (Av. Boa Viagem, s/n, Boa Viagem)
🎫 Ingressos: R50aR 100
🎭 Colaboração: Maurício Meireles | Cenário Digital: VJ Koala Brito

Ayiti, a montanha que assombra o mundo
📅 Data: 14 de outubro (terça-feira)
🕘 Horário: 20h
📍 Local: Teatro Hermilo Borba Filho
🎫 Ingressos: R$ 25 e R$ 50 (Sympla)

Dancemos… que o mundo se acaba!
Data: 15 de outubro
🕘 Horário: 19h
📍 Local: Estação Ferroviária (Caruaru)
🎫 Entrada: Gratuita
📊 Classificação: Livre
🎭 Cia: BiNeural-MonoKultur (Argentina)

Édipo REC
Data: 15 de outubro
🕘 Horário: 20h
📍 Local: Teatro Lycio Neves (Caruaru)
🎫 Entrada: Gratuita
📊 Classificação: 18 anos
🎭 Grupo: Magiluth (PE)

As Bruxas de Salem
📅 Datas: 15 e 16 de outubro (quarta e quinta-feiras)
📍 Local: Teatro Apolo
🎫 Informações: Consultar bilheteria do teatro
🎭 Direção: Anthony Delarte | Produção: Cobogó das Artes

Imorais
Datas: 15 e 16 de outubro (quarta e quinta-feiras)
📍 Local: Teatro Hermilo Borba Filho
🎫 Informações: Consultar bilheteria do teatro
📊 Classificação: +18 anos | Direção: Emmanuel Matheus

Fábulas de nossas fúrias
📅 Data: 16 de outubro
🕘 Horário: 20h
📍 Local: Teatro Lycio Neves (Caruaru)
🎫 Entrada: Gratuita
📊 Classificação: 16 anos
🎭 Cia: Atores à Deriva (RN)

Neva
📅 Data: 17 de outubro
🕘 Horário: 20h
📍 Local: Teatro Lycio Neves (Caruaru)
🎫 Entrada: Gratuita
📊 Classificação: 16 anos
🎭 Direção: Marianne Consentino (PE)

Grupo Corpo – Parabelo e Piracema
📅 Datas: 17 e 18 de outubro (sexta-feira e sábado)
📍 Local: Teatro Santa Isabel
🎫 Entrada: Gratuita
🎭 Celebração: 50 anos da companhia

Traidor com Marco Nanini
📅 Datas: 17 a 19 de outubro (sexta, sábado e domingo)
🕘 Horários: Sexta e sábado às 20h | Domingo às 19h
📍 Local: Teatro Luiz Mendonça (Av. Boa Viagem, s/n, Boa Viagem)
Ingressos: R100aR 200
🎭 Direção: Gerald Thomas | Elenco: Hugo Lobo, Ricardo Oliveira, Wallace Lau

Sonho de uma noite de verão
📅 Datas: 18 e 19 de outubro
🕘 Horário: 17h
📍 Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Caruaru)
🎫 Entrada: Gratuita
📊 Classificação: 12 anos
🎭 Cia: Trupe Ave Lola (PR)

La Cocina Pública
Datas: 18 e 19 de outubro
🕘 Horário: Encontro 16h na Estação Ferroviária
📍 Local: Centro de Formação Paulo Freire (Assentamento Normandia, Caruaru)
🎫 Entrada: Gratuita
📊 Classificação: Livre
🎭 Cia: Teatro Container (Chile)

Ilha: Dois
Datas: 18 e 19 de outubro (sábado e domingo)
🕘 Horário: 19h
📍 Local: Praça do Sebo (Centro do Recife)
🎫 Entrada: Gratuita
♿ Acessibilidade: Tradução em Libras e transporte via PE Conduz

Barro Mulher
📅 Data: 24 de outubro (sexta-feira)
🕘 Horário: 19h
📍 Local: Espaço O Poste (Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista)
🎫 Ingressos: R15(meia)∣R 30 (inteira)

Luanda Ruanda: Histórias Africanas
📅 Data: 25 de outubro (sábado)
🕘 Horário: 16h
📍 Local: Espaço O Poste (Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista)
🎫 Entrada: Gratuita

Sonho Encantado de Cordel – O Musical
📅 Datas: 25 e 26 de outubro (sábado e domingo)
🕘 Horários: Sábado: 17h | Domingo: 15h e 17h
📍 Local: Teatro Luiz Mendonça (Av. Boa Viagem, s/n, Boa Viagem)
🎫 Informações: Consultar bilheteria do teatro
🎭 Produção: Thereza Falcão | Músicas: Paulinho Moska, Chico César, Zeca Baleiro

Frankinh@ – Uma história em pedacinhos
📅 Datas: 25 e 26 de outubro e 1º de novembro
🕘 Horários: 17h (sábado) | 11h (domingo)
📍 Local: CAIXA Cultural Recife (Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife)
🎫 Ingressos: R15(meia)∣R 30 (inteira)
♿ Acessibilidade: Sessão de 26/10 com Libras
⏱️ Duração: 50 minutos

Frankenstein
📅 Datas: 30 de outubro a 1º de novembro
📍 Local: CAIXA Cultural Recife (Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife)
🎫 Ingressos: R15(meia)∣R 30 (inteira)

Negaça
📅 Data: 31 de outubro (sexta-feira)
🕘 Horário: 19h
📍 Local: Espaço O Poste (Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista)
🎫 Ingressos: R15(meia)∣R 30 (inteira)

FESTIVAL DE CIRCO (Novembro)
Vermelho, Branco e Preto
📅 Datas: 5 e 6 de novembro
🕘 Horário: 19h30
📍 Local: Teatro Apolo
🎭 Artista: Cibele Mateus (SP)

O Vazio é Cheio de Coisa
Data: 6 de novembro
📍 Local: Teatro Santa Isabel
🎭 Cia: Nós No Bambu (Brasília)

Le Bruit des Pierres
📅 Datas: 8 e 9 de novembro
📍 Local: Teatro Santa Isabel
🎭 Cia: Collectif Maison Courbe (França)

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A força política e estética do Feteag 2025

A mon seul désir, de Gaëlle Bourges (França), abre programação. Foto: Danielle Voirin / Divulgação

Cocina Publica, do Teatro Container (Chile). Foto: Adelano

Germaine Acogny, que encerra o festival, é uma das grandes referências mundiais da dança contemporânea. Foto: Thomas Dorn

Abrir um festival com uma peça francesa que reflete sobre representações femininas medievais expressa um posicionamento curatorial questionador das desigualdades. Levar teatro contemporâneo que discute a alimentação no mundo para um assentamento de luta pela terra tem também algo de subversivo. Encerrar a programação com uma bailarina senegalesa de 81 anos que revolucionou a dança em seu país afirma uma visão de mundo que aposta na circulação de saberes. O Festival de Teatro do Agreste, em sua 34ª edição, estabelece diálogos diretos entre criação artística contemporânea e as urgências sociais do nosso tempo.

Dirigido por Fabio Pascoal, o Feteag 2025 reúne 21 espetáculos de 9 e 26 de outubro, entre nacionais e internacionais, todos com entrada gratuita. A seleção das peças aponta para inquietações contemporâneas sobre exclusão, resistência e identidade que perpassam as criações escolhidas.

A seleção desta edição opera segundo uma lógica que articula diversidade geográfica com urgências temáticas. A curadoria geral, conduzida por Fabio Pascoal, aproveitou estrategicamente a Temporada França-Brasil 2025 para trazer criações de Burkina Faso (África Ocidental), Camarões (África Central) e Guadalupe (Caribe francês), além da própria França.

Esta escolha curatorial carrega uma compreensão particular sobre como usar as relações bilaterais para amplificar vozes frequentemente marginalizadas nos circuitos internacionais.

A mostra principal leva o nome de Argemiro Pascoal, um dos fundadores do Teatro Experimental de Arte – TEA, realizador do Feteag

Les Sans adapta o pensamento de Frantz Fanon para o teatro. Foto: Julie Cherki / Divulgação

Les Sans (Os Sem), do coletivo Les Récréâtrales-ELAN, de Burkina Faso, investiga diretamente a questão dos sem-teto e excluídos sociais através de linguagem cênica que combina tradições orais africanas com teatro político contemporâneo. A peça adapta o pensamento de Frantz Fanon para o teatro através do reencontro de dois ex-companheiros de luta. Ali Kiswinsida Ouédraogo explora o conflito entre Franck e Tiibo, interpretados por Ali K. Ouédraogo e Noël Minougou, onde um mantém ideais revolucionários enquanto o outro foi cooptado pelo sistema que combatiam. Sob direção de Freddy Sabimbona, a obra interroga as limitações da independência burkinabê, investigando se a libertação formal constitui verdadeira descolonização ou apenas mudança de máscaras do poder colonial.

Quando esta criação dialoga com La Cocina Pública, do grupo chileno Teatro Container, estabelece-se uma reflexão transnacional sobre precariedade e solidariedade. A obra chilena propõe a preparação coletiva de uma refeição como ato político e comunitário, questionando quem tem direito à alimentação e ao espaço público através de performance participativa que dissolve fronteiras entre arte e vida cotidiana.

Gaëlle Bourges propõe a desconstrução de Imaginários conservadores sobre o Feminino. Foto: Thomas Greil  

À mon seul désir, de Gaëlle Bourges, que abre o festival, parte da tapeçaria medieval A Dama e o Unicórnio para reavaliar construções históricas sobre feminilidade. A coreógrafa francesa examina como a cultura europeia associou mulheres ao mundo vegetal e animal, perpetuando ideais de virgindade e pureza através de imagens aparentemente poéticas.

Bourges desenvolve uma investigação coreográfica que expõe as violências simbólicas embutidas nessas representações românticas, utilizando movimento e voz para evidenciar como tapeçarias medievais funcionavam como dispositivos de controle sobre corpos femininos. Sua pesquisa conecta-se com debates contemporâneos sobre representação e autonomia feminina, oferecendo ao público brasileiro uma análise sobre como imaginários europeus ainda influenciam percepções sobre feminilidade.

Un endroit du début com Germaine Acogny. Foto: Thomas Dorn

Por sua vez, Germaine Acogny, que encerra o festival no Teatro Santa Isabel, é uma das grandes referências mundiais da dança contemporânea. Nascida no Senegal em 1944, ela fundou a primeira escola de dança contemporânea da África Ocidental em 1977 e desenvolveu uma técnica própria que combina danças tradicionais africanas com metodologias contemporâneas ocidentais.

Em Un endroit du début, criado com Mikaël Serre, ela explora memórias corporais e ancestralidade através de movimentação que articula gestualidade ritual com linguagem cênica contemporânea. Aos 81 anos, permanece ativa como pesquisadora corporal e formadora, tendo influenciado gerações de bailarinos e coreógrafos em todo o mundo através de sua escola, onde formou centenas de artistas. Escrevi uma crítica a partir do trabalho gravado da artista em vídeo e que integrou a edição de 2021 do festival Janeiro de Grandes Espetáculos. Leia texto AQUI.

Assentamento Normandia: Arte em Território de Resistência

Espetáculo trabalha a ideia de patrimônio alimentar compartilhado

A apresentação de La Cocina Pública no Assentamento Normandia, em Caruaru, estabelece uma das escolhas mais incisivas desta edição. O Assentamento Normandia constitui um território conquistado através da luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), expressando décadas de organização popular pela reforma agrária na região.

Programar uma obra sobre alimentação e participação comunitária para este espaço cria camadas de significado que expandem o artístico e o político. O Teatro Container, grupo chileno responsável pela criação, desenvolve há anos pesquisas sobre arte e alimentação como atos políticos, investigando como o preparo e partilha de comida funcionam como tecnologias de organização social.

La Cocina Pública transforma o preparo coletivo de uma refeição em ritual de partilha e reflexão sobre direitos básicos, utilizando metodologia participativa que convoca o público para ações concretas. No contexto do assentamento, onde a conquista da terra relaciona-se diretamente com o direito à alimentação, a criação ganha ressonâncias particulares sobre soberania alimentar e autonomia popular.

Mostra PE: Diversidade da Cena Local

A Mostra PE, com curadoria de Vika Schabbach e Igor Lopes, selecionou cinco trabalhos entre 57 inscrições através de chamada pública. Schabbach, crítica e pesquisadora teatral, e Igor Lopes, diretor e dramaturgo, construíram uma seleção que busca evidenciar a potência criativa da produção pernambucana contemporânea.

Itaêotá, do Grupo Totem

Bolor. Foto: Morgana Narjara

Itaêotá, do Grupo Totem, apresenta o resultado de seis anos de investigação artística que conecta ancestralidade indígena e africana com urgências contemporâneas. Este espetáculo de teatro-dança utiliza rituais coletivos e elementos como urucum para propor caminhos de regeneração social diante do colapso civilizatório, materializando a pesquisa Metamorfismo de (R)existência através de performance que dissolve fronteiras entre linguagens artísticas.

Bolor (Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi) confronta diretamente a mitologia freyreana do açúcar, empregando fungos como protagonistas metafóricos de processos de decomposição e renascimento. A criação aponta a violência estrutural da plantation açucareira através de estética da decomposição que valoriza redes subterrâneas de resistência, dialogando criticamente com pensadores como Malcom Ferdinand e Anna Tsing para imaginar futuros decoloniais.

 Joesile Cordeiro navega pela memória afetiva de ser um jovem gay em busca de reconexão com sua infância perdida na encenação Tempo de vagalume. Esta performance autobiográfica criada em Garanhuns constrói pontes poéticas entre passado e presente através de teatro intimista que busca transformar experiência pessoal em pensamento coletiva sobre identidade e pertencimento LGBTQIA+.

Eron Villar e DJ Vibra protagonizam o encontro entre música contemporânea e teatro épico que ressignifica o legado político de Malcolm X para o contexto brasileiro em Se eu fosse Malcolm?  A performance articula crítica decolonial e questões de raça e gênero através de linguagem cênico-musical que dissolve fronteiras entre som e cena, construindo um perspectiva antirracista contemporânea.

Circo Godot (Cia. Circo Godot de Teatro) acompanha dois artistas de rua em suas peripécias cotidianas, explorando relações de poder e subsistência através de humor que transita entre o universal e o particular. A comédia convoca o espírito itinerante do teatro dos espaços não convencionais para questionar hierarquias sociais através da jornada de Gatropo e Tropino.

Corpo, Memória e Resistência

Aquelas – uma dieta para caber no mundo convida para um jantar para falar de uma santa popular assassinada. Foto Raissa Dourado

Monique Cardoso investiga invisibilização da beata Maria de Araújo, protagonista do Milagre da Hóstia em 1889, no espetáculo Cavucar. Foto: Henrique Cardozo / Divulgação

As criações nacionais e internacionais estabelecem diálogos temáticos que ultrapassam fronteiras geográficas, trazendo inquietações compartilhadas sobre corpo, memória e resistência. 

O Manada Teatro, do Ceará, desenvolve Cavucar, do projeto Pote e Navalha, através da performance solo de Monique Cardoso, que também assina direção em parceria com Murillo Ramos, sobre dramaturgia de Tércia Montenegro. A obra ficcionaliza possível descoberta dos restos mortais da beata Maria de Araújo, protagonista do Milagre da Hóstia em 1889, provocando e tensionando as violações eclesiásticas que resultaram no desaparecimento de seus vestígios e invisibilidade na história de Juazeiro do Norte. A encenação utiliza elemento fantástico para convocar o público a fabular os fatos e reconstruir a história através de suposições que questionam a construção de um dos maiores centros de fé católica do mundo.

Aquelas – uma dieta para caber no mundo reconstrói a trajetória de Maria de Bil, santa popular de Várzea Alegre assassinada em 1926 pelo companheiro, através de performance participativa dirigida por Murillo Ramos e interpretada por Juliana Veras e Monique Cardoso. O espetáculo convida o público a participar do preparo de jantar envolvendo facas, carne, sangue oferecidos à mesa com os corpos das próprias atrizes, construindo encenação delicada e cruel que apresenta caleidoscópio das violências machistas através de quadros performativos que misturam história da santa com pessoalidades das intérpretes.

Sonho de uma noite de verão, montagem da Trupe Ave Lola, no Paraná. Foto: Caique Cunha / Divulgação

A Trupe Ave Lola (PR) desenvolve duas experiências distintas da dramaturgia clássica e contemporânea sob direção de Ana Rosa Genari Tezza. Sonho de uma noite de verão revisita Shakespeare através de encenação popular com tradução de Bárbara Heliodora, reunindo nove artistas em cena – Cesar Matheus, Helena de Jorge Portela, Helena Tezza, Kauê Persona, Larissa de Lima, Marcelo Rodrigues, Pedro Ramires, Wenry Bueno e Willa Thomas – e música original composta por Arthur Jaime, Breno Monte Serrat e Julia Klüber, executada ao vivo pelos músicos Arthur Jaime e Breno Monte Serrat, criando atmosfera festiva que convida o público a testemunhar momentos de paixão, magia e loucura através de linguagem teatral popular.

Já com O Vira-lata, a Trupe Ave Lola explora amizade improvável entre uma jovem romântica que sonha com grande amor e um homem-cachorro maltratado pela fome e desamparo, questionando convenções sociais quando surge um pretendente desconhecido que desperta ciúmes do fiel amigo, construindo fábula contemporânea sobre solidariedade, abandono e os conflitos entre sonhos românticos e lealdade verdadeira.

 Lucas Torres e Bruno Parmera em Édipo REC. Foto: Estúdio Orra: Zé Rebelatto e Grabriela Passos 

O Grupo Magiluth, de Pernambuco, em seu 16º trabalho que celebra duas décadas de pesquisa continuada, comparece ao Feteag com  Édipo REC, um trabalho com direção de Luiz Fernando Marques e dramaturgia de Giordano Castro. O elenco composto por Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral, Nash Laila e Pedro Wagner constrói releitura não-linear da tragédia sofocliana que joga com a cronologia para questionar a noção de tempo no teatro.

Tebas transforma-se no Recife fantasmagórico onde o Corifeu é representado pela câmera, espelhando a produção excessiva de imagens contemporâneas das redes sociais e câmeras de segurança. A linguagem audiovisual busca inspiração no cinema experimental, desde Édipo Rex (1967) de Pasolini até Funeral das Rosas (969) de Matsumoto, questionando se teatro e cinema conseguem dar conta das múltiplas tragédias contemporâneas e por que o público sairia de casa para assistir história tão antiga.

Mas mesmo a vida sendo decepcionante, como proclama o personagem de Erivaldo Oliveira, tem festa nesta Tebas-Recife-Caruaru no primeiro ato desta peça-peste, que convoca seu povo a dançar até o pé inchar.

Cartografias Francófonas: Trabalho, Identidade e Memória Colonial

Le Quai de Ouistreham fala da situação de mulheres que trabalham em empregos precários e invisíveis

Zora Snake em L’Opéra du villageois. Foto: Agir pour le Vivant

Corpos, da Cie Mangrove, (Guadalupe/Brasil). Foto: Divulgação

As criações francófonas constroem considerações convergentes sobre precariedade, identidade e legados coloniais através de perspectivas estéticas diversificadas.

Le Quai de Ouistreham, da Compagnie la Résolue, da França, adapta investigação jornalística de Florence Aubenas sobre mulheres que trabalham em empregos precários e invisíveis, especialmente na limpeza e na manutenção, e que vivem à sombra da crise econômica. Dirigido por Louise Vignaud, com atuação de Magali Bonat.

L’Opéra du villageois, da Compagnie Zora Snake, de Camarões, manifesta resistência através de performance-ritual que ressuscita potência das máscaras africanas roubadas pelos museus europeus. Zora Snake atravessa dimensão sagrada para questionar pilhagem cultural colonial, utilizando bandeira da União Europeia, rituais com ouro e sal para despertar força ancestral das comunidades aldeãs consideradas “incivilizadas”.

Corpos (Cie Mangrove, Guadalupe/Brasil) explora estigmatização do corpo negro através de laboratório coreográfico desenvolvido por Hubert Petit-Phar e Augusto Soledade, questionando representações corporais e sexuais no cruzamento entre culturas caribenhas e brasileiras, investigando singularidades corporais diante de fronteiras estéticas e políticas contemporâneas.

palestra-performance La Vérité vaincra / A Verdade Vencerá recria entrevista de Lula a Ivana Jinkings 

La Vérité vaincra / A Verdade Vencerá, da Cie KastôrAgile, (França) desenvolve palestra-performance que adapta o livro homônimo de Luiz Inácio Lula da Silva, baseando-se nas entrevistas concedidas à editora Ivana Jinkings em janeiro de 2018, momento crucial anterior à prisão do ex-presidente. Gilles Pastor transforma documento político em teatro de resistência através das interpretações de Alizée Bingöllü e Jean-Philippe Salério, que recriam cenicamente os diálogos sobre julgamento, vida pessoal e trajetória política de Lula.

A obra materializa voz de resistência do homem afastado injustamente da arena política, expondo raiva sagrada contra injustiças através de linguagem cênica que articula testemunho pessoal com denúncia estrutural. No contexto do Feteag, esta criação francófona estabelece pontes diretas entre público brasileiro e reflexão internacional sobre democracia e autoritarismo, questionando como arte pode amplificar vozes silenciadas pelo poder judiciário e construir solidariedade transnacional diante de perseguições políticas contemporâneas.

Experiências Imersivas e Linguagens Expandidas

Dancemos… que o mundo se acaba!, da BiNeural-MonoKultur, da Argentina. Foto: Reprodução

Fábulas de nossas fúrias explora o universo gay. Foto: Rogério Alves / Divulgação

peça Neva, de Guillermo Calderón, em montagem de Marianne Consentino (PE)

Três criações exploram possibilidades de imersão e participação através de dispositivos que expandem linguagens teatrais tradicionais. Dancemos… que o mundo se acaba!, da BiNeural-MonoKultur, da Argentina, propõe áudio-obra interativa que transforma público em dançarinos, questionando coreomanias, epidemias de dança e comportamentos coletivos através de jogo que reflete sobre sedução, pandemia e medo de dançar sozinho.

Fábulas de nossas fúrias (Coletivo Atores à Deriva, RN) articula contação de histórias com afirmação política da raiva como elemento transformador, inspirando-se em Paulo Freire para questionar hierarquias conservadoras através de viados que justificam suas fúrias expondo modos de amar, invertendo lógicas que classificam “bichos” em estruturas de poder.

Neva, montagem de Marianne Consentino (PE), ambienta-se no Domingo Sangrento de 1905 em São Petersburgo, friccionando arte e política através de três atores refugiados em teatro durante massacre nas ruas. A peça de Guillermo Calderón questiona a serventia do teatro através de Olga Knipper, viúva de Tchekhov, que encena repetidamente a morte do marido enquanto cidade desaba, oscilando entre necessidade absoluta e total irrelevância da arte.

Formação de público como letramento cênico

No que se refere à formação de público, a Mostra Erenice Lisboa, voltada para estudantes da rede pública, desenvolve uma compreensão específica sobre letramento teatral. Através das apresentações de O Vira-lata, da Trupe Ave Lola, seguidas de conversas entre artistas e estudantes, o festival promove o desenvolvimento de repertórios simbólicos e críticos.

Este letramento teatral envolve a construção de ferramentas interpretativas que permitam aos jovens ter apreciar as criações teatrais em suas potencialidades expressivas. As conversas pós-apresentação funcionam como espaços de processamento coletivo da experiência estética, fundamentais para a formação de público crítico e engajado com as artes cênicas.

Atividades Formativas: Aprendizado e Troca de Saberes

Paralelamente, as oficinas propostas pelo festival desenvolvem lógicas distintas mas complementares de formação artística. A oficina com Gaëlle Bourges permite aprofundamento na pesquisa específica da artista francesa sobre feminilidade e construção de imagens corporais. Já a oficina do Teatro Container integra os participantes no processo de montagem de La Cocina Pública, criando vínculos entre formação teórica e prática artística concreta.

Vendas e Mordaças, oficina exclusiva para mulheres conduzida por Faeina Jorge, Juliana Veras e Monique Cardoso, propõe vivência sensorial e afetiva em torno de identidades femininas através de exercícios que articulam corpo, voz e memória pessoal. Por outro lado, o workshop Corpos e Territórios, ministrado por Hubert Peti-Phar, articula fundamentos culturais brasileiros e guadalupenses através de práticas corporais que dialogam com tradições ancestrais e princípios contemporâneos da dança.

Larissa Lisboa apreenta espetácuo Inquieta, com participação de Gabi da Pele Preta

A programação musical está garantida com o espetáculo Inquieta, performance de Larissa Lisboa com participação de Gabi da Pele Preta, evidenciando nova cena musical pernambucana focada em compositoras negras e LGBTQIA+. Larissa Lisboa, cantora e multi-instrumentista recifense, constrói repertório que mistura criações autorais com obras de compositoras contemporâneas locais, enquanto Gabi da Pele Preta, de Caruaru, desenvolve sonoridade inovadora que mescla maracatu, coco, afoxé com jazz, soul e reggae, celebrando identidade negra através de conscientização social musicada.

Sustentabilidade e Articulação Institucional

Quanto à sustentabilidade, a rede de apoios do FETEAG 2025 demonstra capacidade articulatória entre diferentes esferas: federal (Ministério da Cultura), estadual (Funcultura, Fundarpe), municipal (Fundação de Cultura de Caruaru) e privada (Banco do Nordeste, Rede Itaú, Vale). A parceria com o Consulado Geral da França viabiliza a programação francófona dentro da Temporada França-Brasil 2025, demonstrando como acordos bilaterais podem amplificar recursos para programação cultural.

Com 34 edições no currículo, o Feteag confirma a qualidade artística com relevância social, diversidade internacional com fortalecimento da produção local, formação de público com experimentação estética. Esta programação evidencia como festivais podem funcionar como plataformas de articulação entre diferentes mundos – artísticos, sociais, educacionais, políticos. Neste contexto, o festival afirma o teatro como necessidade social e política em tempos de urgência democrática, construindo experiências coletivas de pensamento e sensibilidade.

Programação Completa do FETEAG 2025

RECIFE
09 e 10/10

À mon seul désir (Ao meu único desejo),
de Gaëlle Bourges (França)
Local: Teatro Luiz Mendonça | Horário: 20h | Classificação: 18 anos

CARUARU
15/10

Dancemos… que o mundo se acaba!,
de BiNeural-MonoKultur (Argentina)
Local: Estação Ferroviária | Horário: 19h | Classificação: Livre

Édipo REC, do Grupo Magiluth (PE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 20h | Classificação: 18 anos

16/10

Fábulas de nossas fúrias, de Cia de Atores à Deriva (RN)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 20h | Classificação: 16 anos

17/10

NEVA,
de Marianne Consentino (PE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 20h | Classificação: 16 anos

18 e 19/10

Sonho de uma noite de verão,
da Trupe Ave Lola (PR)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 17h | Classificação: 12 anos

A Cozinha Pública (La Cocina Pública),
Teatro Container (Chile)
Local: Centro de Formação Paulo Freire (Assentamento Normandia) | Horário: 17h | Classificação: Livre

20 a 24/10

O Vira-lata,
da Trupe Ave Lola (PR) – 
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 9h | Classificação: Livre

20/10

Itaêotá,
do Grupo Totem (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 12 anos

Cavucar,
da MANADA Teatro (CE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

21/10

Circo Godot,
da Cia. Circo Godot de Teatro (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: Livre

Aquelas – uma dieta para caber no mundo,
do MANADA Teatro (CE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

22/10

Se eu fosse Malcolm?,
de Eron Villar & DJ Vibra (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 14 anos

Le Quai de Ouistreham (O cais de Ouistreham),
da Compagnie la Résolue (França)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

23/10

Tempo de vagalume,
de Joesile Cordeiro (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 14 anos

A Verdade Vencerá/LULA (La Vérité vaincra/LULA),
de Gilles Pastor – KastôrAgile (França)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

24/10

Bolor,
de Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 12 anos

Les Sans (Os sem),
de Les Récréâtrales-ELAN (Burkina Faso)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

25/10

L’Opéra du villageois (A ópera do camponês),
da Compagnie Zora Snake (Camarões)
Local: Estação Ferroviária | Horário: 17h | Classificação: Livre

Corpos,
da Cie Mangrove (Guadalupe/Brasil)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 12 anos

Inquieta (Música),
de Larissa Lisboa com Gabi da Pele Preta (PE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 16 anos

RECIFE
26/10

À un endroit du début (Em algum lugar no início),
de Germaine Acogny e Mikaël Serre (Senegal/França)
Local: Teatro de Santa Isabel | Horário: 19h | Classificação: 14 anos

Oficinas e Atividades Formativas

Workshop Corpos e Territórios – Hubert Peti-Phar
Oficina de Criação – Teatro Container
Pesquisa Corporal – Gaëlle Bourges
Vendas e Mordaças – Faeina Jorge, Juliana Veras e Monique Cardoso (exclusiva para mulheres)

Serviço

📍 Período: 09 a 26 de outubro de 2025
🎭 Entrada: Gratuita mediante retirada de ingressos no Sympla
🏛️ Locais: Teatro Santa Isabel (Recife), Teatro Luiz Mendonça (Recife), Teatro Lycio Neves (Caruaru), Teatro Rui Limeira Rosal (Caruaru), Estação Ferroviária (Caruaru), Centro de Formação Paulo Freire – Assentamento Normandia (Caruaru)
🎯 Direção Geral: Fabio Pascoal
👥 Curadoria Mostra PE: Vika Schabbach e Igor Lopes
💰 Apoio: Ministério da Cultura, Funcultura, Fundarpe, Fundação de Cultura de Caruaru, Banco do Nordeste, Rede Itaú, Vale, Consulado Geral da França
ℹ️ Mais informações: @feteag

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Sagração da Primavera brasileira:
Deborah Colker leva revolução
coreográfica ao Norte-Nordeste

Cia. de dança mais premiada do país percorre seis capitais com releitura indígena da obra-prima de Stravinsky. Foto: Flavio Colker / Divulgação

Sagração transforma a revolução musical de Stravinsky em ritual indígena contemporâneo. Foto: Flavio Colker

Em 1913, Paris testemunhou um dos maiores escândalos da história cultural: a estreia de A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky. Vaias, gritos e até brigas físicas tomaram o Théâtre des Champs-Élysées enquanto a música revolucionária e a coreografia “primitiva” de Vaslav Nijinsky chocavam a burguesia parisiense. Mais de um século depois, essa mesma obra que inaugurou a modernidade musical é recriada no Brasil pelas mãos de Deborah Colker, uma das coreógrafas brasileiras que melhor articula as questões do seu tempo através da experimentação estética, que transformou o sacrifício eslavo de Stravinsky em cosmogonia indígena brasileira.

Sagração – como batizou sua releitura, libertando-se do peso titular do original – percorre agora seis capitais do Norte-Nordeste em turnê histórica, trazendo ao público brasileiro o aprimoramento de três décadas de pesquisa coreográfica que consolidou Colker como criadora de um imaginário visual único na dança contemporânea brasileira.

A Alquimista dos Corpos em Movimento

Deborah Colker iniciou-se na dança contemporânea nos anos 1980 e construiu uma trajetória admirável

Cão sem plumas, inspirada na obra de João Cabral de Melo Neto. Foto: Cafi / Divulgação

Durante 30 anos (completados em 2024), a Companhia de Dança Deborah Colker construiu uma linguagem coreográfica inconfundível, sendo hoje reconhecida como uma das mais premiadas e prestigiadas do Brasil e do mundo. Com quatorze espetáculos em seu repertório, a trajetória da companhia é marcada por reconhecimentos internacionais de peso: o Prix Benois de la Danse de Moscou em 2018 — o mais importante prêmio da categoria —, o célebre Laurence Olivier em 2001, e marcos como ter sido a primeira mulher a criar e dirigir um espetáculo para o Cirque du Soleil (Ovo, 2009) e a direção de movimento da cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016, transmitida para mais de 2 bilhões de pessoas.

Corpos que desafiam a gravidade, cenários que se transformam em organismos vivos, narrativas que entrelaçam erudito e popular sem hierarquias. Desde Vulcão (1994), seu espetáculo inaugural que já pesquisava impurezas e mixagens em quatro universos distintos — do corpo científico e mecânico às festas solares onde tudo se mistura —, passando por Velox (1995), que colocou bailarinos escalando paredes verticais em velocidade alucinante, Cão sem Plumas (2017), onde a poesia cabralina ganhou forma através de lama e mangue real no palco, até Sagração (2024), Colker estabeleceu um território artístico onde o extraordinário físico encontra significado poético. Ao longo desta jornada, a companhia realizou mais de 2.000 apresentações em cerca de 75 cidades e 32 países, atingindo um público superior a 3,5 milhões de pessoas.

O diferencial de Deborah Colker reside em sua capacidade de detectar potências criativas, uma habilidade forjada por uma trajetória singular. Sua formação eclética — entre a disciplina individual do piano e a dinâmica coletiva do voleibol — antecipou o que se tornaria sua marca: transitar entre universos aparentemente opostos com naturalidade absoluta. Após iniciar-se na dança contemporânea no grupo Coringa, nos anos 1980, desenvolveu no teatro uma função tão específica que exigiu a criação de um novo termo: diretora de movimento.

Dessa expertise teatral, expandiu-se para territórios inesperados — da televisão infantil às comissões de frente do carnaval carioca, da ópera internacional ao circo canadense — sempre demonstrando uma intuição rara para descobrir o potencial expressivo único de cada intérprete. Ela concebe universos onde bailarinos se tornam bactérias, plantas, elementos da natureza ou figuras míticas. 

Seu método é antropofágico no melhor sentido oswaldiano: devora referências eruditas – Stravinsky, João Cabral de Melo Neto, literatura bíblica – e as regurgita em linguagem brasileira pulsante. Em Rota (1997), rodas gigantes se tornaram metáforas de destino; em Cruel (2008), a paixão foi traduzida em geometrias corporais inusitadas; em Cura (2021), nascido da angústia pessoal com a doença genética de seu neto, ela investigou ciência, fé e os limites humanos através de dramaturgia do rabino Nilton Bonder e trilha de Carlinhos Brown.

Do Escândalo Parisiense ao Ritual Xinguano

Sagração transforma a revolução musical de Stravinsky em ritual indígena contemporâneo. Foto: Flavio Colker

A obra original de Stravinsky representou uma ruptura radical com as convenções musicais de sua época, introduzindo ritmos irregulares, dissonâncias harmônicas e politonalidades que soavam revolucionárias aos ouvidos acostumados à harmonia tradicional. Quando Nijinsky coreografou movimentos angulares e “bárbaros” para acompanhar a partitura, completou-se uma revolução estética que ainda hoje impressiona pela ousadia.

Colker compreendeu que recriar A Sagração da Primavera em 2024 exigia mais que reverência: demandava nova transgressão. Sua inspiração veio de uma viagem ao Xingu, no encontro com as aldeias indígenas Kalapalo e Kuikuro onde conheceu o cineasta indígena Takumã Kuikuro. A história que ele contou – como o povo do chão recebeu o fogo do Urubu-Rei – tornou-se uma das cosmogonias centrais do espetáculo.

Em parceria com o rabino e escritor Nilton Bonder, Colker construiu uma dramaturgia que tece mitologia indígena, Gênesis bíblico e teoria evolucionista. Essa perspectiva configura uma jornada cênica que parte da figura ancestral da “avó do mundo” – entidade criadora presente em várias cosmogonias indígenas brasileiras – e percorre bactérias, herbívoros, Eva negra, Abraão navegador, até alcançar uma reflexão sobre a relação contemporânea entre humanidade e natureza.

170 Bambus e Uma Revolução Sonora

A direção de arte do espetáculo é de Gringo Cardia. Foto: Flavio Colker / Divulgação

Cenograficamente, Sagração materializa-se através de 170 bambus de quatro metros de altura, criações de Gringo Cardia que operam como elementos coreográficos ativos. Esses bambus se transformam em florestas, altares, embarcações e lanças, criando uma geometria móvel que desafia constantemente os 15 bailarinos em cena.

A direção musical de Alexandre Elias propõe uma arqueologia sonora, que mantém a estrutura rítmica stravinskyana enquanto sobrepõe sons indígenas, instrumentos como maracá e caxixi, além de “paus de chuva” tocados pelos próprios bailarinos. Essa sobreposição configura uma composição híbrida onde boi bumbá, coco, afoxé e samba dialogam com a orquestra sinfônica de Stravinsky.

Claudia Kopke desenvolveu figurinos em tons terrosos – marrom, ocre, cinza – que prometem fluidez total dos movimentos enquanto evocam elementos naturais. Beto Bruel assina um desenho de luz que se propõe alternar intensidades dramáticas, realçando ora a brutalidade, ora a beleza poética das sequências coreográficas.

SERVIÇO

Sagração – Companhia de Dança Deborah Colker
Turnê Norte-Nordeste – Seis Capitais
Ingressos: R$ 25 a R$ 200
Classificação: 10 anos
Duração: 70 minutos (sem intervalo)

🎭 Maceió (AL) – 03 e 04/OUT
Teatro Gustavo Leite – Centro de Convenções
@centrodeconvencoesmaceio

🎭 Recife (PE) – 07/OUT, 20h30
Teatro Guararapes – Centro de Convenções, Olinda @teatroguararapes @teatroguararapesrecife_

🎭 João Pessoa (PB) – 11/OUT
Teatro Paulo Pontes @funescgovpb

🎭 Natal (RN) – 14 e 15/OUT
Teatro Alberto Maranhão @teatroalbertomaranhao.oficial

🎭 Fortaleza (CE) – 18 e 19/OUT
Cine Teatro São Luiz @cineteatrosaoluiz @secultceara @institutodragaodomar

🎭 Belém (PA) – 24 a 26/OUT
Theatro da Paz @teatrodapazoficial

🎭 São Luís (MA) – 29 a 31/OUT
Teatro Arthur Azevedo @teatroarthurazevedooficial

Descontos:
Petrobras: 50% para funcionários (até 2 ingressos por crachá)
Instituto Cultural Vale: 50% para funcionários (até 2 ingressos por crachá)

Atenção: O espetáculo contém luzes intensas e efeitos que podem afetar pessoas com epilepsia ou fotossensíveis.

FICHA TÉCNICA

Criação, Direção e Dramaturgia: Deborah Colker
Direção Executiva: João Elias
Direção Musical: Alexandre Elias
Direção de Arte: Gringo Cardia
Dramaturgia: Nilton Bonder
Figurinos: Claudia Kopke
Desenho de Luz: Beto Bruel
Fotografia: Flávio Colker

Realização: Ministério da Cultura, Petrobras e Instituto Cultural Vale
Lei Federal de Incentivo à Cultura

 

 

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