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Ayiti: o espetáculo da revolução

Ayiti, a montanha que assombra o mundo se desenvolve em um contexto de crescente questionamento às narrativas históricas hegemônicas. Foto: Marina Cavalcante / Divulgação

A Revolução Haitiana (1791-1804) foi uma insurreição que desafiou as bases ideológicas do colonialismo europeu e demonstrou a falência moral do sistema escravocrata. Contudo, permanece sistematicamente marginalizada nos currículos escolares das elites acadêmicas e dos Estados nacionais. Neste sábado, 2 de agosto, Marconi Bispo apresenta no Teatro Solo Gens, no Recife Antigo, a pré-estreia de Ayiti, a montanha que assombra o mundo. O espetáculo resgata essa memória silenciada e marca os 30 anos de carreira de desse artista,  uma voz coerente e lúcida do teatro político que fala a partir de Pernambuco e do Nordeste brasileiro.

O ator confronta diretamente o cânone historiográfico ocidental ao colocar em cena o que o antropólogo haitiano Michel-Rolph Trouillot definiu como “o evento impensável da modernidade” – uma revolução que a mentalidade colonial não conseguia nem mesmo conceber como possibilidade histórica. A montagem questiona por que uma revolução tão impactante permanece ausente dos sistemas educacionais globais.

Enquanto a Revolução Francesa (1789-1799) ocupa lugar central nos estudos históricos mundiais, poucos conhecem o movimento simultâneo que, nas Antilhas, superou em radicalidade os próprios jacobinos parisienses. Esta disparidade não é acidental: revela o caráter eurocêntrico da produção do conhecimento histórico.

A revolução haitiana foi mais radical porque os escravizados de Saint-Domingue (atual Haiti) levaram os ideais iluministas às suas consequências lógicas finais. Enquanto os revolucionários franceses mantiveram a escravidão nas colônias e excluíram mulheres e pobres dos direitos políticos, os insurgentes haitianos aboliram simultaneamente escravidão, colonialismo e hierarquias raciais. Entre 1791 e 1804, aproximadamente 500 mil africanos escravizados derrotaram militarmente França, Espanha e Inglaterra, expulsaram os colonizadores e fundaram a primeira república negra independente das Américas.

Pernambucano Marconi Bispo leva aos palcos a insurreição que apavorou impérios e inspirou liberdades. Foto: Inês Costa / Divulgação 

Michel-Rolph Trouillot, autor de Silencing the Past: Power and the Production of History (1995), argumenta que “a Revolução Haitiana é o acontecimento mais revolucionário na história das revoluções” precisamente porque representa uma ruptura ontológica – isto é, uma quebra fundamental na própria concepção de realidade – no pensamento ocidental. Trouillot, professor de antropologia na Universidade Johns Hopkins (Baltimore, Estados Unidos) até sua morte em 2012, demonstra como essa revolução foi sistematicamente apagada por contradizer as bases ideológicas da supremacia branca – sistema de poder que estabelece a superioridade racial europeia como fundamento natural da organização social.

Sob a liderança de figuras extraordinárias como Toussaint Louverture (1743-1803) – ex-escravizado que se tornou autodidata em latim, francês, história militar e filosofia política –, Jean-Jacques Dessalines (1758-1806) – general que proclamou a independência haitiana e se tornou o primeiro governante do país livre –, e Henri Christophe (1767-1820) – que construiu fortalezas monumentais ainda hoje patrimônio da UNESCO –, os revolucionários haitianos derrotaram os exércitos de Napoleão Bonaparte e proclamaram a abolição total da escravidão 64 anos antes do Brasil.

O impacto global foi imediato e aterrorizante para as potências escravistas. Thomas Jefferson, terceiro presidente americano e proprietário de mais de 600 escravizados, conforme documenta a obra Master of the Mountain (2012) do historiador Henry Wiencek, impôs embargo comercial total ao Haiti e se recusou a reconhecer sua independência. A França, por sua vez, exigiu uma indenização de 150 milhões de francos (equivalente a cerca de 21 bilhões de dólares atuais) pela “perda de propriedade” – os próprios ex-escravizados –, dívida que estrangulou economicamente o país até 1947.

Por que essa revolução permanece ausente dos currículos escolares brasileiros e mundiais? A resposta encontra-se na própria natureza transformadora radical do episódio – sua capacidade de romper completamente com as estruturas de poder estabelecidas. Como explicar que africanos “primitivos” – segundo a ideologia colonial – derrotaram a “civilizada” Europa? Como justificar a manutenção da escravidão após escravizados demonstrarem sua capacidade revolucionária e organizativa?

Cyril Lionel Robert James (1901-1989), autor de The Black Jacobins: Toussaint L’Ouverture and the San Domingo Revolution (1938), obra considerada pioneira nos estudos pós-coloniais, demonstra magistralmente como os revolucionários haitianos aplicaram os princípios da Revolução Francesa com uma coerência que os próprios franceses não tiveram. Enquanto Robespierre guilhotinava aristocratas mas mantinha a escravidão colonial, Toussaint abolia a escravidão e estabelecia igualdade racial absoluta.

A Perspectiva Decolonial de Marconi Bispo

Bispo tem 45 produções cênicas na trajetória. Foto: Leandro Lima / Divulgação

Dramaturgia entrelaça performance corporal, percussões de matriz africana, poesia oral e dança ritual. Foto: Lucas Emanuel / Divulgação

Ayiti, a montanha que assombra o mundo nasce de um contexto de crescente questionamento às narrativas históricas hegemônicas. Marconi Bispo constrói uma dramaturgia que entrelaça performance corporal, percussões de matriz africana, poesia oral e dança ritual, estruturando o espetáculo como o que a teórica Leda Maria Martins denomina “oralitura” – conceito que reconhece as tradições orais africanas como epistemologias legítimas, desenvolvido em obras como Afrografias da Memória (1997).

“Por que sabemos tão pouco sobre a revolução que fundou a primeira nação negra de ex-escravizados a derrotar invasores, expulsar colonizadores, abolir escravidão e proclamar soberania absoluta?”, questiona Bispo. A pergunta funciona como fio condutor dramatúrgico porque sua resposta revela os mecanismos de apagamento que ainda operam na contemporaneidade.

O artista estabelece conexões históricas concretas entre Haiti e Pernambuco através de uma metodologia que denomina “cartografia afroatlântica”. Ambos territórios compartilham heranças iorubás, experiências quilombolas e tradições de resistência que atravessaram o Atlântico. A Revolução Haitiana ecoou diretamente no Quilombo dos Palmares (século XVII, Serra da Barriga/AL), na Revolta dos Malês (1835, Salvador/BA) – insurreição de escravizados muçulmanos que planejavam tomar o poder na Bahia –, e na Cabanagem (1835-1840, Pará) – revolta popular que chegou a controlar a província paraense por quase um ano.

A Colaboração Acadêmica Internacional

A dramaturgia compartilhada com Kamai Freire adiciona rigor acadêmico internacional ao projeto. Freire, maestro e sacerdote de candomblé que desenvolve pesquisa doutoral sobre música e espiritualidade na Revolução Haitiana pela Universidade HfM Franz Liszt Weimar – instituição alemã especializada em música fundada em 1872 na cidade de Weimar –, traz perspectivas que conectam sonoridades africanas, liturgias haitianas e cosmogonias afro-brasileiras.

Esta colaboração interliga diferentes tradições acadêmicas e saberes ancestrais, criando uma obra que dialoga simultaneamente com a pesquisa universitária europeia, as tradições orais africanas e as experiências diaspóricas contemporâneas. No final de 2024, entre os meses de outubro e dezembro, o artista pernambucano desenvolveu uma residência artística no Porto, Portugal, viabilizada através de uma parceria institucional que envolveu a Circolando Cooperativa Cultural, Central Elétrica, Programa InResidence e Câmara Municipal do Porto. Esta imersão investigativa na cidade portuguesa aprofundou sua pesquisa sobre as reverberações atlânticas da insurreição haitiana e suas conexões com o imaginário colonial luso-brasileiro.

Três Décadas de Arte Política Consistente

Marconi Bispo completa 30 anos de carreira em 2025, consolidando três décadas de teatro político. Sua trajetória de 45 produções cênicas evidencia uma consistência artística construída sobre compromissos éticos com as questões raciais e territoriais. Ao longo dessas três décadas, o artista desenvolveu um conceito de transformação artística permanente baseado na constante renovação das formas estéticas como instrumento de mudança social – perspectiva que encontra eco na pedagogia teatral de Paulo Freire e nas propostas de democratização cultural de Augusto Boal.

Formado pela UFPE em 1999, Bispo desenvolveu uma metodologia que articula teatro brechtiano, ritualística afro-brasileira e pedagogia freiriana. Como sacerdote iniciado para Ìyémọjá e Ọbàlùfọ̀n (2004) e Ọrúnmìlà Bàbá Ifá (2023), sua criação artística funciona como canal de ancestralidade e ferramenta de cura coletiva – conceito fundamentado nos estudos de Muniz Sodré sobre a “ciência social afro-brasileira” (Pensar Nagô, 2017), que demonstra como as tradições iorubás operam processos terapêuticos comunitários.

A pré-estreia reúne importantes nomes da cultura pernambucana: Thulio Xambá e Beto Xambá, do Grupo Bongar, trazem percussões que conectam Recife às sonoridades da resistência haitiana. Os tambores desempenharam papel fundamental na comunicação entre insurgentes durante a revolução.

Brunna Martins, Kadydja Erlen e Arthur Canavarro integram um elenco que representa a diversidade geracional do teatro negro nordestino. Esta aliança materializa redes de solidariedade artística que espelham as próprias redes clandestinas que sustentaram a comunicação entre diferentes regiões de Saint-Domingue durante a revolução. 

SERVIÇO
🎭 ESPETÁCULO “AYITI, A MONTANHA QUE ASSOMBRA O MUNDO”
📅 2 de agosto (sábado) | ⏰ 19h
📍 Solo Gens – Rua do Apolo, 70, Recife Antigo
🎫 R$ 20 (meia) | R$ 40 (inteira)
📧 marconibispo77@gmail.com | 📱 @marconi.bispo

🔥 FICHA TÉCNICA
Concepção e Interpretação: Marconi Bispo
Dramaturgia: Marconi Bispo e Kamai Freire
Coordenação de Pesquisa: Kamai Freire
Audiovisual: Arthur Canavarro, Diego Amorim, Fernando Camaroti, Hassan Santos
Projeção e Iluminação: João Guilherme de Paula
Assessoria de Imprensa: Daniel Lima
Participações: Arthur Canavarro, Beto Xambá, Brunna Martins, Kadydja Erlen, Thulio Xambá

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A Baleia questiona preconceitos

José de Abreu carrega 120 quilos de espuma e silicone para interpretar um homem de 270 quilos que enfrenta os julgamentos de uma sociedade excludente. Foto Nil Canine / Divulgação

Rejeitado por uma sociedade que pune diferenças com exclusão, o protagonista do espetáculo A Baleia enfrenta preconceitos que transformaram amor em condenação. Quando José de Abreu se veste com 120 quilos de espuma, silicone e um sistema de refrigeração que lembra um colete à prova de balas, ele encarna muitas pessoas que a sociedade decide tornar invisíveis por não se encaixarem em padrões impostos.

Entre os dias 31 de julho e 3 de agosto, no Teatro Luiz Mendonça, em Recife, essa história sobre isolamento e rejeição ganha vida através de um ator que, aos 79 anos, decidiu encarar um dos papéis mais desafiadores fisicamente do teatro contemporâneo.

Na peça, essa figura pesava 180 quilos quando seu companheiro Alan se matou. Hoje pesa 270. Samuel D. Hunter, dramaturgo que criou esta história, entendeu algo que poucos captam: obesidade mórbida raramente é sobre comida. É sobre fome – fome de aceitação, de amor, de um lugar no mundo onde você seja aceito sem precisar se desculpar por existir.

O texto transforma o protagonista numa geografia emocional onde cada marca no corpo conta uma história de rejeição social. Cada respiração ofegante ecoa gritos de socorro ignorados por uma sociedade que prefere julgar a compreender. Luís Artur Nunes, que assina tradução e direção, trabalha com uma narrativa que expõe feridas abertas pelo preconceito através de um drama familiar.

Há algo de corajoso – e ligeiramente temerário – em José de Abreu encarar este papel. Durante duas horas por noite, o ator carrega um figurino que simula obesidade mórbida: próteses faciais que alteram sua fisionomia, camadas de neoprene e espuma que reconstroem sua silhueta, e um sistema de refrigeração para evitar desmaios. Carlos Alberto Nunes, figurinista da produção, criou uma engenharia corporal complexa.

Entre cenas, Abreu precisa de ajuda para se movimentar e de pausas constantes para hidratar-se. O ator transformou seu próprio corpo numa experiência temporária para entender as barreiras permanentes que a sociedade impõe a quem considera “diferente”.

A Polêmica da Representatividade

A escolha de José de Abreu gerou debates intensos nas redes sociais desde o anúncio da produção. O público se dividiu entre aqueles que elogiam a entrega técnica e o trabalho de transformação física, e uma maioria que questiona se o papel não deveria ter sido destinado a um ator com biotipo mais próximo do personagem.

Reações nas publicações de divulgação revelam uma discussão contemporânea sobre representatividade no teatro. Críticas à “fantasia de gordo” e acusações de “insensibilidade” se misturam aos ataques políticos que Abreu costuma receber por seus posicionamentos públicos, criando um ambiente de debate que extrapola questões artísticas.

Este embate espelha discussões globais sobre quem pode interpretar quais experiências em cena. Em 2025, a ideia de um ator magro simular obesidade através de próteses encontra resistência de grupos que defendem maior autenticidade na representação de corpos marginalizados pela gordofobia. A pergunta que permanece é: representação é ponte ou barreira entre realidades?

Gabriela Freire e José de Abreu em A Baleia. Foto Renato Mangolim Divulgação

A obra reflete questões brasileiras contemporâneas, onde pessoas LGBTQIA+ ainda são expulsas de casa, onde pessoas obesas sofrem discriminação médica sistemática, onde instituições religiosas pregam amor enquanto praticam exclusão. Chega ao Brasil num momento em que fundamentalismo religioso e intolerância crescem como epidemias sociais.

O protagonista perdeu Alan para o suicídio depois que a igreja da família os rejeitou. No Brasil de 2024, essa história se repete diariamente. Segundo dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), o país lidera assassinatos de pessoas trans no mundo. A gordofobia, por sua vez, afeta pessoas em todas as esferas sociais, mas políticas públicas de combate à discriminação permanecem insuficientes.

Hunter construiu uma narrativa que dialoga diretamente com realidades de exclusão social contemporâneas.

O título evoca Herman Melville e sua criatura oceânica, símbolo de forças incontroláveis e obsessões humanas. Na obra de Hunter, a baleia representa tudo aquilo que a sociedade considera “grande demais” para aceitar – corpos, amores, dores, necessidades. Seu protagonista é uma baleia humana: imponente, incompreendido, vítima de uma sociedade que teme aquilo que não consegue categorizar.

Cada pessoa carrega aspectos de si que aprendeu a esconder porque o mundo decidiu que são inaceitáveis. Para alguns, é o tamanho do corpo. Para outros, a orientação sexual. Para muitos, simplesmente a experiência de existir numa sociedade que cobra perfeição mas oferece apenas julgamento e exclusão.

Luisa Thiré, Gabriela Freire, Eduardo Speroni e Alice Borges estão no elenco – cada um representando uma faceta das relações humanas que se tornam complexas quando atravessadas pelo preconceito.

O Teatro e Seus Reflexos
Durante 100 minutos, José de Abreu nos força a encarar aspectos perturbadores sobre exclusão social. Seu personagem representa todos aqueles que a sociedade prefere ignorar: pessoas obesas, homossexuais, enlutados, todos que não se encaixam em padrões estabelecidos por uma sociedade gordofóbica e intolerante. Sua solidão espelha a solidão de milhões que vivem à margem do que consideramos “normal”.

O espetáculo opera como diagnóstico de uma época onde conexões virtuais substituíram abraços reais e onde julgamentos se tornaram mais rápidos que compaixão. Cada personagem que entra no apartamento claustrofóbico carrega seus próprios preconceitos e limitações, criando um microcosmo das relações sociais contemporâneas marcadas pela discriminação.

Hunter questiona nossa capacidade de enxergar além das aparências impostas pelo preconceito, de oferecer amor incondicional, de aceitar diferenças sem transformá-las em motivos de exclusão. A luta por reconexão familiar carrega a busca humana por pertencimento em uma sociedade que insiste em marginalizar.

Talvez a maior ironia seja esta: enquanto discutimos quem pode representar este personagem em cena, quantos como ele permanecem invisíveis em nossa sociedade, esperando apenas que alguém os veja além dos preconceitos que carregamos?

SERVIÇO

A Baleia
Teatro Luiz Mendonça – Recife
31/07 e 01, 02, 03/08
Qui/Sex: 20h | Sáb/Dom: 18h
Duração: 1h40
Ingressos: Sympla e bilheteria

FICHA TÉCNICA

Texto: Samuel D. Hunter
Tradução e Direção: Luís Artur Nunes
Elenco: José de Abreu, Luisa Thiré, Gabriela Freire, Eduardo Speroni e Alice Borges (participação especial)
Cenário: Bia Junqueira
Figurino: Carlos Alberto Nunes
Iluminação: Maneco Quinderé
Trilha Sonora: Federico Puppi
Visagismo: Mona Magalhães
Preparação Corporal: Jacyan Castilho
Preparação Vocal: Jane Celeste
Assistente de Direção: Claudio Benevenga
Direção de Produção: Alessandra Reis
Produção Executiva: Cristina Leite

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Um Leão de Prata
para Carolina Bianchi
e a internacionalização do teatro brasileiro

 

Carolina Bianchi mostra a força de uma trajetória construída na persistência. Foto Mayra Azzi./ @may_azzi

Bienal de Dança de Veneza, Em 19 de julho de 2025 Carolina Bianchi recebeu o Leão de Prata no prestigioso Salão das Colunas de Ca’ Giustinian. Foto: Andrea Avezzù / Official photographer of the Venice Biennale

Coreógrafa norte-americana Twyla Tharp (D) revolucionou a dança do século XX;, enquanto Bianchi  forja novas linguagens para o século XXI. Foto: Andrea Avezzù / Official photographer of the Venice Biennale

“Extraordinária artista, diretora, escritora e criadora de imagens que frequentemente utiliza seu corpo como elemento central de seu trabalho, desenvolvendo experiências profundamente pessoais, viscerais e coreográficas que nos atravessam e interpelam”. Foi assim que Wayne McGregor, diretor artístico da Bienal de Dança de Veneza, definiu Carolina Bianchi ao entregar-lhe o Leão de Prata em 19 de julho de 2025, durante a cerimônia realizada no prestigioso Salão das Colunas de Ca’ Giustinian.

As palavras de McGregor capturam a essência de um trabalho que transforma vulnerabilidade em potência criativa, estabelecendo Carolina como uma das vozes mais intransigentes da performance contemporânea mundial. O reconhecimento veneziano posiciona a artista brasileira entre os nomes que estão redefinindo as fronteiras entre teatro, dança e arte corporal.

A premiação de Carolina ocorreu no mesmo evento em que a lendária coreógrafa norte-americana Twyla Tharp foi agraciada com o Leão de Ouro pelo conjunto de sua carreira. McGregor exaltou Tharp destacando que “suas contribuições revolucionárias para a ecologia global da dança são incomparáveis em seu trabalho, que combina rigor e ludicidade, disciplina clássica e técnica de balé, misturando gêneros com facilidade audaciosa e expandindo nossa compreensão das capacidades desta ferramenta extraordinária que todos possuímos: o corpo humano”.

A simultaneidade dos prêmios cria um diálogo geracional fascinante: de um lado, Tharp, que revolucionou a dança do século XX; do outro, Carolina, que forja novas linguagens para o século XXI. Ambas utilizam o corpo como território de investigação, mas Carolina adiciona uma dimensão política e autobiográfica que ressignifica completamente a tradição da performance feminina.

O festival veneziano, que se estendeu de 17 de julho a 2 de agosto de 2025, ratificou assim a relevância internacional de uma geração de artistas que redefinem os limites da arte corporal. Conforme destacado por McGregor, os premiados “recebem um prêmio financeiro para apoiar seu próximo grande projeto” – suporte material que pode ser decisivo para que Carolina continue desenvolvendo uma arte que exige recursos consideráveis e tempo de maturação.

Avignon 2023: O Momento de Inflexão Internacional

A Noiva e o Boa Noite Cinderela estreou no Festival de Avignon de 2023. Foto @christophe.raynauddelage

O Festival de Avignon de 2023 marcou definitivamente a inserção de Carolina Bianchi no circuito artístico europeu. A Noiva e o Boa Noite Cinderela, primeiro capítulo da Trilogia Cadela Força, causou profundo impacto em públicos e críticos, estabelecendo uma nova referência para a performance contemporânea feminina.

Como testemunha direta daquele momento histórico – estive presente em Avignon cobrindo o festival para o site Satisfeita, Yolanda? -, posso afirmar que o espetáculo criou uma reverberação única no ambiente artístico francês. A obra, que investiga a violência sexual através do próprio corpo da artista em estado de inconsciência farmacológica, investiu numa linguagem inédita que dialoga com pioneiras como Marina Abramović e Gina Pane, estabelecendo territórios completamente novos de investigação cênica.

Leia AQUI a crítica do espetáculo A Noiva e o Boa Noite Cinderela, que estreou em Avignon, publicado em 23 de julho de 2023, escrito por Ivana Moura.

Confira AQUI a entrevista feita por Ivana Moura durante o festival de Avignon 2023 com Carolina Bianchi e postado em 24 de julho de 2023.

O sucesso francês abriu as portas do circuito europeu, levando a obra aos principais festivais do continente e culminando com o Prix du Syndicat de la Critique, que elegeu a montagem A Noiva e o Boa Noite Cinderela – Cadela Força – Capítulo I como Melhor Estreia Internacional da temporada 2023/24 da França.

Longe de ser um fenômeno súbito, o reconhecimento internacional da dramaturga e performer gaúcha reflete mais de uma década de trabalho árduo e investigação artística que começou em Porto Alegre, passou pelos palcos alternativos de São Paulo e encontrou na Europa o terreno fértil para florescer plenamente.

A Irmandade (The Brotherhood)
Teatro como confissão e investigação

Segundo capítulo da Trilogia Cadela Força investiga os mecanismos da masculinidade tóxica. Foto Mayra Azzi

Mesmo sendo uma ode ao teatro, The Brotherhood questiona também as origens históricas da misoginia no próprio teatro. Foto: Mayra Azzi / Dvivulgação

Em maio de 2025, nos palcos do Kunstenfestivaldesarts em Bruxelas, Carolina Bianchi apresentou A Irmandade (The Brotherhood), segundo capítulo da Trilogia Cadela Força. A obra, posteriormente apresentada em Viena, Amsterdã em Barcelona e em Veneza, volta-se para os mecanismos da masculinidade tóxica.

O espetáculo dialoga diretamente com o conceito de “fraternidade” desenvolvido pela antropóloga argentina Rita Segato em sua obra La Guerra contra las Mujeres (2016). Para Segato, a “fraternidade” ou “corporação masculina” representa um sistema de pactos entre homens que opera como estrutura fundamental do patriarcado. Segundo a pesquisadora, essa irmandade masculina funciona através de “lealdades horizontais” que unem os homens independentemente de outras diferenças sociais, criando um front comum para manter o controle sobre as mulheres e perpetuar a violência de gênero.

Para compreender a dimensão e o impacto desta encenação que aprofunda a investigação iniciada com A Noiva e o Boa Noite Cinderela – Cadela Força – Capítulo I , selecionei quatro críticas de veículos especializados de diferentes países: Theaterkrant (Holanda), Revista Rialta (Espanha), Libération (França) e Sceneweb.fr (França). Foram escolhas aleatórias, a partir do que tive acesso na internet. Juntas, essas análises revelam como A Irmandade se estabeleceu como um marco desestabilizador no teatro europeu contemporâneo, questionando as estruturas de poder masculino tanto na sociedade quanto nas artes.

A Anatomia da Fraternidade Masculina

Os homens têm liberdade…Foto: Mayra Azzi / Dvivulgação

“O purgatório de sua jornada dantesca” – assim Karin Veraart, do Theaterkrant holandês, contextualiza A Irmandade, onde Carolina “examina diversas expressões de masculinidade, ‘virilidade’, inclusive em relação à arte, e também como um sistema de linguagem perpetua o patriarcado”. Uma cena em particular impressiona Veraart: “a fraternidade de rituais como iniciações, trotes, homenagens e brincadeiras compartilhadas. Aqui, os oito homens da companhia têm liberdade: eles dançam, brincam e gesticulam com uma vingança, irritantemente identificável, quase impossível de assistir”.

Em outro aprofundamento, Martha Luisa Hernández Cadenas, da Revista Rialta espanhola, observa que “Bianchi apresenta a fraternidade como um pacto intransigente; é praticamente o presente que ‘protegerá’ cada criança ao longo da vida”. Para Cadenas, a obra expõe “a performatividade do masculino como irmandade, o fascínio pelos gênios, a mentira, a violência e o estupro”, criando uma investigação que vai além da denúncia para questionar as estruturas fundacionais da cultura patriarcal.

“Como é possível que olhemos e escutemos com tanta admiração e deferência aqueles que eles chamam de ‘mestres’?” A pergunta de Nadja Pobel, do Sceneweb.fr francês, identifica o cerne mais perturbador de A Irmandade: o desmonte da adoração aos “grandes mestres” da história teatral. Pobel destaca como Carolina “coloca em cena com força a aniquilação das mulheres pelos homens, qualquer que seja o grau de predação (…) em nome da arte”.

Anne Diatkine, do Libération, descreve uma cena emblemática onde Carolina “brande um imenso pênis fúcsia que coloca entre as pernas e se masturba com gritos altos, durante a transmissão de um arquivo de rádio de um grande mestre particularmente confuso”. A crítica observa o “constrangimento não pela cena de masturbação, mas por seu paralelo com as palavras de Kantor”, revelando como a obra expõe a obscenidade oculta na veneração acrítica dos “gênios” masculinos.

Duas “cenas-chave” identificadas pela crítica espanhola Cadenas aprofundam essa análise: a entrevista com um diretor fictício alemão e o painel de intelectuais. No diálogo com o diretor de sucesso, emergem “os relacionamentos abusivos com as atrizes de seu elenco, a exploração do corpo feminino e a omissão de créditos que as mulheres merecem”. O arquétipo criado por Carolina é “tão fiel que parece real”, funcionando como uma síntese devastadora dos mecanismos de poder no teatro contemporâneo.

O que torna A Irmandade particularmente desestabilizadora é a honestidade brutal de Carolina em expor seus próprios paradoxos. Pobel elogia essa dimensão: “como ela pôde amar tanto Jan Fabre? Como ela pode lidar, agora, com o fato de ser parte integrante dessa irmandade teatral da qual recebe ‘recompensas’?” Esta autocrítica impede que o trabalho se torne “banal” ou um simples “acerto de contas”, elevando-o a uma reflexão mais complexa sobre cumplicidade e resistência.

Veraart observa que Carolina “indica que certamente não está isenta de pecados. São as contradições, os conflitos, as consequências que ela quer expor e questionar”. A artista não se posiciona como vítima pura, mas como alguém que reconhece estar inserida nas mesmas estruturas que critica, criando uma camada de complexidade que desafia tanto o público quanto a própria artista.

Essa radicalidade intransigente coloca Carolina em uma linhagem específica do teatro europeu contemporâneo, próxima a artistas como Angélica Liddell. Como a performer catalã, Carolina desenvolve uma proposta radical e excessiva que pode polarizar reações: ou cativar completamente, ou ser rejeitada sem meio-termo.

A Dramaturgia da Violência Histórica

Carolina Bianchi expõe uma genealogia da violência contra as mulheres que atravessa séculos. Foto: Mayra Azzi 

A Irmandade constrói uma genealogia da violência contra as mulheres que atravessa séculos. Cadenas destaca como Carolina evoca “Ana Mendieta, Sylvia Plath, Gisèle Pélicot, Perséfone e, especialmente, Sarah Kane”, criando não “um catálogo, mas tecendo, sem gritos ou fúria, com força e clareza, uma história da violência de uns contra os outros”.

A crítica espanhola conecta o trabalho de Carolina com casos contemporâneos devastadores: “Ana Mendieta caiu do 34º andar do apartamento que dividia com seu parceiro, o também artista Carl Andre, que foi absolvido da acusação de feminicídio e desfrutou da cumplicidade da comunidade artística”. Esses casos históricos e contemporâneos se entrelaçam na dramaturgia de Carolina, revelando a continuidade da violência patriarcal através dos tempos.

Todas as críticas destacam a dimensão acadêmica rigorosa do trabalho. Veraart observa que Carolina “documentou meticulosamente sua pesquisa; na primeira parte de Irmandade, ela carrega seu livro de 500 páginas pelo palco”. Pobel complementa: “O pensamento predomina sobre as ações. As palavras constituem a estrutura fundamental deste capítulo, amplamente apoiadas por sua pesquisa acadêmica”.

Diatkine descreve a cena onde “sete garotos (…) engolirão suas palavras, sua tese de 500 páginas rasgada”, criando uma metáfora poderosa sobre como o conhecimento produzido por mulheres é sistematicamente desvalorizado e destruído pelos homens que detêm o poder de legitimação acadêmica e artística.

As quatro críticas convergem ao descrever o impacto visceral da obra. Veraart define “A Irmandade” como “dolorosa, mas é assim que deveria ser: uma catarse”. Diatkine fala de um “monólogo denso e proteico de três horas e quarenta minutos” que “produz uma sensação de pavor”. Pobel conclui que se trata de “um espetáculo intenso que deixará marcas duradouras”.

Cadenas oferece uma síntese poética do impacto: A Irmandade está repleta de vozes, flashes, horas no chuveiro, suicídios em sua vingança prematura, balbucios, mulheres anônimas em fitas de vídeo onde são violentamente penetradas (…) Bianchi transforma sua dor em linguagem; ele não apenas a autotematizou, mas também construiu seu próprio artifício”.

LINKS DAS CRÍTICAS
Theaterkrant – Holanda – Crítica de Karin Veraart Theaterkrant
Revista Rialta – Espanha Crítica Martha Luisa Hernández Cadenas Rialta
Libération – França – Crítica Anne Diatkine Libération
Sceneweb.fr – França – Crítica Nadja Pobel –Sceneweb.fr

Entretanto, A Irmandade desenvolve uma camada reflexiva inesperada que transforma o trabalho numa verdadeira carta de amor ao próprio teatro. Ao dissecar os mecanismos de poder masculino inscritos na arte teatral, a obra simultaneamente se volta para dentro, questionando o teatro como instituição e celebrando-o como possibilidade transformadora. Em seu perfil no Instagram, Carolina revelou essa dimensão metateatral do trabalho, definindo-o como uma “declaração sensual, confusa, sombria, perversa e totalmente complexa” ao teatro.

Esta dimensão amorosa do espetáculo emerge da própria metodologia de investigação da artista, que não se limita a denunciar estruturas opressivas, mas busca compreender como a arte pode simultaneamente reproduzir e subverter essas mesmas estruturas. O teatro torna-se, assim, objeto de desejo e crítica, paixão e resistência, revelando a complexidade de uma artista que ama profundamente aquilo que também precisa destruir para reconstruir.

O Coletivo Cara de Cavalo: Dez Anos de Resistência Criativa

Coletivo Cara de Cavalo desenvolveu uma pesquisa consistente na cena paulistana. Foto: Mayra Azzi  

A história de Carolina Bianchi está intimamente conectada ao coletivo Cara de Cavalo, que completa dez anos em 2025. Durante uma década, o grupo desenvolveu uma pesquisa consistente na cena independente paulistana, enfrentando as limitações estruturais e financeiras que caracterizam a produção cultural brasileira.

Em post recente no Instagram, Carolina celebrou essa trajetória: “Cara de Cavalo completa 10 anos este ano. Comemoro e continuo a trabalhar duro com este grupo de pessoas que admiro profundamente.” A reflexão da artista sobre o prêmio veneziano também revela sua consciência sobre a dimensão coletiva do trabalho: “Na semana passada tivemos um Leão de Prata na Bienal de Veneza – que alegria violenta! Sinto-me profundamente honrada e sinto-me inegavelmente pequena.”

Em 2017, durante o Festival TREMA! no Recife, Carolina já demonstrava a radicalidade de sua pesquisa artística em Utopyas For Every Day Life, uma instalação performática de três horas realizada em parceria com Flávia Pinheiro. O trabalho, que questionava as fronteiras entre vida e arte, utilizava o corpo como arma de combate contra o machismo e a violência de gênero numa sociedade heteronormativa. Durante 180 minutos ininterruptos, as artistas exploravam estados de resistência e criação, permitindo ao público movimentar-se livremente pelo espaço e participar da experiência. Em minha crítica, destaquei como a dupla “gritava com o suor dos poros contra o machismo” e “avançava em pernadas para forjar nos deslocamentos a relevância da produção feminina”, antecipando questões que se tornariam centrais na Trilogia Cadela Força.

Lobo, que estreou em São Paulo em 2019, já sinalizava a potência investigativa do grupo. Na peça, Carolina dividia o palco com 16 homens em sequências performáticas intensas que combinavam corrida, queda, sexo e poesia de Emily Dickinson.

A mudança de Carolina para Amsterdã em 2020, para cursar mestrado, criou uma dinâmica transnacional que hoje permite ao grupo operar simultaneamente entre Brasil e Europa, mantendo suas raízes enquanto explora novas possibilidades de criação e circulação. Fundamental nesse processo tem sido o trabalho de produção de Carla Estefan e da Metro Gestão Cultural, responsáveis pela viabilização da complexa logística internacional que permite ao coletivo manter sua presença em festivais e palcos europeus.

O reconhecimento de Carolina Bianchi em Veneza integra um movimento crescente de artistas brasileiros que conquistam espaço no circuito internacional através da especificidade de suas pesquisas. Não se trata de um fenômeno massivo, mas de trajetórias individuais (ou de companhias) que, somadas, começam a desenhar novas possibilidades para a arte cênica nacional em contexto global.

Ficha Técnica

A Irmandade – Trilogia Cadela Força – Capítulo II
Concepção, textos e direção: Carolina Bianchi
Elenco: Chico Lima, Flow Kountouriotis, José Artur, Kai Wido Meyer, Lucas Delfino, Rafael Limongelli, Rodrigo Andreolli, Tomás Decina, Carolina Bianchi
Colaboradora de dramaturgia e pesquisa: Carolina Mendonça
Diálogo teórico e dramatúrgico: Silvia Bottiroli
Tradução para o inglês: Marina Matheus
Tradução para o francês: Thomas Resendes
Direção técnica, criação sonora e música original: Miguel Caldas
Assistente de direção: Murilo Basso
Cenografia: Carolina Bianchi, Luisa Callegari
Direção de arte e figurinos: Luisa Callegari
Iluminação: Jo Rios
Vídeos e projeções: Montserrat Fonseca Llach
Ressurreição coreográfica do prólogo e assessoria de movimento: Jimena Pérez Salerno
Câmera ao vivo e apoio artístico: Larissa Ballarotti
Estagiária: Fernanda Libman
Direção de palco e apoio à produção: AnaCris Medina
Direção de Produção, Gerência de Tournee e Comunicação: Carla Estefan
Produção: Metro Gestão Cultural; Carolina Bianchi Y Cara de Cavalo
Coprodução: KVS Koninklijke Vlaamse Schouwburg -Brussels, Theater Utrecht, La Villette –Paris, Festival d’Automne à Paris, Comédie de Genève, Internationales Sommer Festival Kampnagel, Les Célestins –Théâtre de Lyon, Kunstenfestivaldesarts, Wiener Festwochen, Holland Festival, Frascati Producties HAU Hebbel am Ufer -Berlin, and Maillon, Théâtre de Strasbourg – Scène européenne.

Agenda de Apresentações

Volkstheater, Viena – Wiener Festwochen
1 e 2 de junho de 2025

Holland Festival, Amsterdã
18 a 20 de junho de 2025

GREC, Barcelona
11 e 12 de julho de 2025

Bienal de Dança de Veneza
18 a 20 de julho de 2025

Kampnagel Sommerfestival, Hamburgo
14 a 16 de agosto de 2025

HAU, Berlim
30 de outubro e 1º de novembro de 2025

Les Célestins, Teatro Lyon
6 a 8 de novembro de 2025

Maillon, Teatro de Estrasburgo
13 a 15 de novembro de 2025

La Villette – Festival de Outono em Paris
19 a 30 de novembro de 2025

Comédie de Genève
22 a 25 de abril de 2026

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Vamos ao teatro Recife!

O primeiro ato de Édipo REC é pra dançar até o pé inchar. Foto: Camila Macedo

Caliuga, da Cia. de Teatro Negro Macacada. Foto: Divulgação

Circo Godot, com Asaías Rodrigues e Charles de Lima. Foto: Divulgação

Dan Stulbach em O Mercador de Veneza. Foto Ronaldo Gutierrez. Foto: Divulgação

Fico feliz quando tem opções teatrais nesta cidade de pontes, rios e lama. Mangue que resiste e pulsa cultura apesar das dificuldades, Recife oferece neste fim de semana uma programação teatral diversificada que comprova como os artistas locais seguem criando, mesmo diante da escassez de espaços e investimentos. É uma alegria rara ver tantas opções simultâneas numa cidade onde a produção teatral enfrenta desafios constantes de infraestrutura e financiamento.

A programação deste fim de semana oferece um caleidoscópio de linguagens que vai do experimental ao infantil, passando por clássicos reinventados e comédias que espelham nossas neuroses contemporâneas. É uma demonstração de que, quando há oportunidade, a criatividade pernambucana floresce com força total.

O teatro experimental ganha destaque com Édipo REC, do Grupo Magiluth, que redefine a tragédia clássica em chave contemporânea no Teatro Luiz Mendonça. Vinte anos de investigação cênica culminam nesta montagem que articula teatro, performance, música e cinema com projeções ao vivo, transformando o mito sofocliano em reflexão vertiginosa sobre identidade, poder e representação na era digital. A direção de Luiz Fernando Marques (Lubi) materializa um dispositivo cênico que dissolve hierarquias tradicionais entre palco e plateia, enquanto a dramaturgia de Giordano Castro opera em estratos temporais simultâneos, criando conexões inesperadas entre neuroses antigas e contemporâneas.

No mesmo território experimental, Caliuga, da Cia. de Teatro Negro Macacada, mergulha nas intersecções entre identidade racial e mercado de trabalho no Teatro Joaquim Cardozo. Luiz Apolinário assina dramaturgia e direção que transformam a jornada da protagonista em espelho das contradições sociais brasileiras, explorando como a busca por trabalho se converte em luta contra destinos impostos. A trilha sonora de César Seco e Raul Vaubruma subverte expectativas ao empregar instrumentos infantis para abordar temáticas adultas, criando paisagem sonora que oscila entre nostalgia da infância perdida e dureza da realidade laboral.

A comédia física encontra sua expressão mais refinada em Circo Godot, no Teatro Hermilo Borba Filho. A Companhia Circo Godot de Teatro, com mais de uma década de pesquisa, entrelaça teatro físico, circo e crítica social através da dupla Gatropo e Tropino – versões livres dos personagens beckettianos Pozzo e Lucky. Asaías Rodrigues e Charles de Lima constroem vagabundos que perambulam oferecendo entretenimento, mas carregam em sua dinâmica relacional uma crítica feroz às estruturas de poder. A direção de Quiercles Santana solicita participação ativa da plateia, transformando cada apresentação em experiência única.

O teatro clássico reinventado se faz presente com O Mercador de Veneza, na CAIXA Cultural, onde Dan Stulbach entrega um Shylock magistral que suscita com maestria todos os temas complexos da obra shakespeariana: antissemitismo, intolerância religiosa, ganância, justiça versus misericórdia. A direção de Daniela Stirbulov desloca o foco narrativo para construir Shylock como protagonista, transformando o agiota judeu de vilão em centro moral da história. A transposição temporal para os anos 1990 dialoga com o capitalismo emergente retratado por Shakespeare, criando pontes entre a Veneza renascentista e nossa sociedade neoliberal.

Wilson de Santos em A Novica Mais Rebelde. Foto: João Caldas

Não! com Adriana Birolli.

Hélio o balão que não consegue voar Foto Ricardo Maciel

Histórias do Meu Povo, no Espaço O Poste, onde Roma Julia. Reprodução da internet

As comédias contemporâneas ganham força com A Noviça Mais Rebelde, onde Wilson de Santos celebra 16 anos ininterruptos de um fenômeno teatral que desafia regras de longevidade artística. Irmã Maria José surge como personagem que concilia vocação religiosa com memórias mundanas, criando identificação imediata através de contradições humanas universais. No Teatro Santa Isabel, NÃO! transforma em comédia a tragédia cotidiana de quem vive dizendo sim quando o coração grita não. Adriana Birolli enfrenta a incapacidade crônica de recusar convites numa terapia cênica que pode ser a diversão do público.

A programação infantil se destaca com duas produções do 21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco. Hélio, o Balão que Não Consegue Voar utiliza formas animadas para abordar poeticamente o Transtorno do Espectro Autista, lembrando que a verdadeira magia está em encontrar caminhos próprios. Os 3 Super Porquinhos adapta o conto tradicional inserindo questões sobre paz mundial e preservação ambiental, dialogando simultaneamente com crianças e adultos.

A diversidade se completa com Histórias do Meu Povo, no Espaço O Poste, onde Roma Julia conduz experiência que celebra culturas afro-indígenas através de contos africanos, narrativas indígenas e itãs de orixás. O projeto inclui acessibilidade sensorial com aromas de folhas e café, transformando o espaço em “jardim de memórias” onde tradição oral encontra contemporaneidade.

Yerma Atemporal. Foto: Divulgação

No interior, Yerma Atemporal se apresenta em Caruaru – uma produção recifense em circulação estadual que revisita a obra de Lorca em chave contemporânea, e O Massacre de Angico – A Morte de Lampião, uma encenação ao ar livre em Serra Talhada que recria um dos momentos mais emblemáticos da história do cangaço. Teatro acontecendo também fora da capital.

PROGRAMAÇÃO
TEATRO EXPERIMENTAL
🎭 Édipo REC
Grupo Magiluth
📍 Teatro Luiz Mendonça – Parque Dona Lindu
📅 25 e 26 de julho, às 20h
🎟️ R$ 30 a R$ 120
Produção: Grupo Magiluth

🌙 Caliuga
Cia. de Teatro Negro Macacada
📍 Teatro Joaquim Cardozo (UFPE)
📅 25-26/07, às 19h30
🎟️ Inteira R$ 20 | Meia R$ 10
Produção: Cia. de Teatro Negro Macacada

🎪 Circo Godot
Companhia Circo Godot de Teatro
📍 Teatro Hermilo Borba Filho
📅 25, às 20h e 26/07, às 17h
🎟️ Sympla e bilheteria do teatro
Produção: Circo Godot de Teatro

CLÁSSICOS REINVENTADOS
⚔️ O Mercador de Veneza
Kavaná Produções e Baccan Produções
📍 CAIXA Cultural
📅 24/07-02/08, 20h
🎟️ R$ 30 e 15
Produção: Kavaná Produções e Baccan Produções

COMÉDIAS CONTEMPORÂNEAS
🙏 A Noviça Mais Rebelde
Teatro do Riso e Roberto Costa Produções
📍 Teatro do Parque
📅 25/07, 20h e 27/07, 19h
🎟️ R$ 60 a R$ 120
Produção: Teatro do Riso e Roberto Costa Produções

🚫 NÃO!
📍 Teatro de Santa Isabel
📅 25/07, 20h, 26/07, 19h e 27/07, 18h
🎟️ R$ 40 a R$ 140
Produção: Casona Produções

TEATRO INFANTIL
🎈 Hélio, o Balão que Não Consegue Voar
21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco
📍 Teatro do Parque
📅 26/07, 16h30
🎟️ R$ 30 a R$ 60
Produção: Métron Produções

🐷 Os 3 Super Porquinhos
📍 Teatro do Parque
📅 27/07, 16h30
🎟️ R$ 40 a R$ 80
Produção: Roberto Costa Produções

NARRATIVAS ANCESTRAIS
📚 Histórias do Meu Povo
Roma Julia
📍 Espaço O Poste
📅 26/07, 16h
🎟️ Entrada gratuita
Produção: Projeto independente com apoio Funarte

INTERIOR DO ESTADO
🎭 Yerma Atemporal
Projeto de Simone Figueiredo
📍 Teatro Rui Limeira Rosal, Caruaru
📅 25/07, às 19h
Produção: Circulação estadual

⚔️ O Massacre de Angico – A Morte de Lampião
📍 Estação do Metrô, Serra Talhada
📅 25 a 27, 20h
Produção: Projeto regional

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Potência criativa
em busca de amplitude 
eis as artes cênicas no Recife

Édipo REC, do Grupo Magiluth. Foto: Camila Macedo

Pedro Wagner como Tirésias em Édipo REC. Foto: Camila Macedo

Circo Godot, com direção de Quiecles Santana, já viajou por vários países

O Grupo Magiluth está em casa, no Recife, neste fim de semana festejando duas décadas de pesquisa cênica que posicionam o coletivo como uma das companhias mais inventivas do teatro brasileiro contemporâneo. Édipo REC, com dramaturgia de Giordano Castro e direção de Luiz Fernando Marques (Lubi), abarca o amadurecimento de uma linguagem que atravessa experimentalismo, teatro político e reinvenção de clássicos. A montagem exige execução complexa ao articular teatro, performance, música e cinema com projeções ao vivo – um desafio técnico que encontra no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu, o espaço adequado para sua realização.

A temporada meteórica do Magiluth se soma a uma programação que revela um “flagrante” de diversidade do circuito teatral recifense: o giro de O Mercador de Veneza, com Dan Stulbach e elenco, pela estrutura nacional da Caixa Cultural, montagens como Circo Godot, dirigido por Quiercles Santana, ocupando o Teatro Hermilo Borba Filho (equipamento municipal vocacionado para trabalhos mais experimentais) e Caliuga no Teatro Joaquim Cardozo, espaço universitário da UFPE que abriga a reflexão da Cia. de Teatro Negro Macacada sobre identidade racial e mercado de trabalho.

O Diário de Villeneuve apresenta o teatro de terror da Cia Imaginarium; Histórias do Meu Povo desenvolve trabalho decolonial no Espaço O Poste, o 21º Festival de Teatro para Crianças celebra inclusão e tradição, e o fenômeno de longevidade que é A Noviça Mais Rebelde, com 16 anos consecutivos em cartaz, mais de 600 mil espectadores, um sucesso que se renova.

Esta movimentação, contudo, também expõe limitações estruturais. Enquanto teatros municipais Santa Isabel, Parque e Hermilo são ocupados intensamente, o Teatro Arraial Ariano Suassuna passa sem programação neste fim de semana, assim como os teatros Marco Camarotti e Capiba do SESC.

Para uma capital de 1,7 milhão de habitantes – 4 milhões na região metropolitana – que já presenteou o mundo com o Manguebeat e faz o público se orgulhar do cinema brasileiro, com suas produções audiovisuais, a cena teatral atual, por mais qualificada que seja, ainda opera aquém de seu potencial.

Recife é uma metrópole que pulsa cultura em suas veias desde os tempos coloniais. Capital que gerou movimentos estéticos inovadores, mantém tradições seculares e continua produzindo artistas que conquistam o país, a cidade possui criadores, público e vocação para sustentar um circuito teatral muito mais amplo.

Faltam políticas públicas mais ousadas e consistentes para as artes cênicas pernambucanas: tanto no fomento institucional a grupos locais quanto na modernização e ampliação dos equipamentos culturais.

Mas será que o problema se resume apenas ao poder público? Recife também carece de investidores privados que compreendam o valor cultural e econômico de uma cena teatral articulada – e aqui cabe perguntar: ainda existem mecenas verdadeiros, amantes do teatro dispostos a apostar nesta arte viva?

Narrativas encontradas numa garrafa pet na beira da maré. Foto: Jorge Farias

Uma provocação recente de um diretor e curador bem conceituado, que conhece bem a realidade teatral recifense, merece reflexão: além do Magiluth, que circula nacionalmente com seu repertório diversificado, e do Grupo São Gens de Teatro, que recentemente com Narrativas Encontradas Numa Garrafa Pet na Beira da Maré furou a bolha, percorreu festivais e conquistou o Brasil, quantos outros espetáculos produzidos no Recife estariam verdadeiramente “prontos” para encarar uma temporada em São Paulo, por exemplo?

Para esse curador, o problema central não são os recursos: falta desejo de fazer, de ousar, de quebrar paradigmas, de marcar a diferença para além dos circuitos locais. Falta ambição artística que tenha potência para uma circulação nacional sem perder a identidade pernambucana.

E você, leitora, leitor? O que pensa sobre essa provocação? Concorda que falta ousadia criativa ou acredita que a questão é mesmo estrutural?

Grupo Experimental leva Zambo com a 5ª geração para a França

Há evidências de que quando o incentivo chega, a arte pernambucana demonstra sua força. O Grupo Experimental de Dança, que desde 1993 assume lugar de destaque na dança contemporânea nordestina pela originalidade e contribuição para a profissionalização da cena recifense, comprova essa potência. Enfrentando o quadro geral das artes cênicas em Pernambuco – escassez de recursos, poucos editais, dificuldades estruturais –, o grupo resiste e insiste, como muitos outros. Agora, através do Programa Funarte Brasil Conexões Internacionais, no âmbito do Ano Cultural Brasil-França 2025, leva o espetáculo Zambo para terras francesas.

Da andada pelo mangue à travessia do oceano, cantarola o grupo. Zambo, criado em 1997 como homenagem ao Movimento Manguebeat e a Chico Science, será apresentado no Festival Baluê, em Lyon, com a 5ª geração de bailarinos da obra. Quase 30 anos depois de sua criação, o espetáculo reforça a atemporalidade do movimento mangue e a importância da manutenção cultural através da resistência artística. É vida o que brota desse mangue fértil recifense, e quando há incentivo adequado, essa vida corre e move o mundo.

VAMOS AOS ROLÊS CÊNICOS NO RECIFE

Magiluth redefine a tragédia clássica em chave contemporânea

Édipo REC faz festa e chama para a reflexão sobre o “destino”. Foto: Camila Macedo / Divulgação

Vinte anos de investigação cênica do Grupo Magiluth culminam em Édipo REC, espetáculo que chega como confluência poética e política de uma trajetória que redesenhou fronteiras do teatro experimental brasileiro. Desde 2004, o coletivo pernambucano estabeleceu-se como laboratório de linguagens híbridas, circulando por festivais nacionais e internacionais com propostas que interrogam obsessões do tempo presente. Esta montagem configura-se como o ápice dessa pesquisa: uma reflexão vertiginosa sobre identidade, poder e representação na era digital.

A inventividade de Luiz Fernando Marques (Lubi) na direção materializa-se na construção de um dispositivo cênico que dissolve hierarquias tradicionais entre palco e plateia, transformando o teatro em arena participativa onde espectadores se tornam testemunhas ativas da tragédia. A dramaturgia de Giordano Castro opera em estratos temporais simultâneos, tecendo conexões inesperadas entre o mito sofocliano e neuroses contemporâneas, criando uma experiência que é simultaneamente espetáculo teatral, happening performático e ensaio crítico sobre nossos vícios imagéticos.

O universo sonoro e visual da montagem está repleto de sofisticação técnica : Jathyles Miranda assina design de luz que dialoga com as projeções ao vivo, enquanto Chris Garrido desenvolve figurinos que transitam entre referências clássicas e estética digital. A trilha sonora, executada em tempo real pelo próprio grupo, atua como outra voz dramatúrgica, comentando e amplificando tensões narrativas. Clara Caramez coordena o vídeo maping que transforma o espaço em território instável, onde realidade e simulacro se confundem deliberadamente.

Nash Laila injeta energia quase juvenil em Jocasta, construindo uma matriarca que oscila entre vulnerabilidade e manipulação midiática. Erivaldo Oliveira comanda o Coro-drag com maestria afiada, destilando crítica social através de humor corrosivo que expõe contradições do espetáculo político brasileiro. Giordano Castro, além de dramaturgo, interpreta um Édipo dilacerado entre sede de fama e terror da exposição, personificando o sujeito contemporâneo viciado em likes e aterrorizado pela própria imagem.

Bruno Parmera desenvolve performance notável como Corifeu-cameraman, figura que questiona a própria natureza do olhar teatral. Lucas Torres transforma o Mensageiro em personagem complexo, dotado de densidade que supera a função tradicional de porta-voz dos acontecimentos. A interpretação ganha dimensões adicionais quando descobrimos que, diferentemente das tragédias clássicas, este Mensageiro possuía intimidade especial com Laio, tornando-se depositário de segredos e cúmplice de rituais privados.

Reconhecido do audiovisual brasileiro por atuações marcantes em Irmandade (Netflix), O Jogo que Mudou a História (Globoplay) e mais recentemente em Guerreiros do Sol (Globoplay), além de participações em Cangaço Novo (Prime Video) e no filme Lispectorante, de Renata Pinheiro, Pedro Wagner constrói um Tirésias de múltiplas identidades. Seu figurino que combina elementos femininos e masculinos faz referência à metamorfose mitológica do personagem e comenta a fluidez de gênero e performance identitária. Mário Sergio encarna Creonte, irmão de Jocasta e político pragmático que ambiciona o poder através de alianças estratégicas.

Édipo REC opera como um caleidoscópio crítico de nossa época. Tempo em que todos produzimos, editamos e performamos versões idealizadas de nós mesmos, alimentando algoritmos que nos observam e julgam incessantemente. O espetáculo expõe engrenagens de uma sociedade obcecada por autorrepresentação, investigando como a fronteira entre pessoa e personagem se torna cada vez mais porosa e problemática.

SERVIÇO
📍 Teatro Luiz Mendonça – Parque Dona Lindu
📅 25 e 26 de julho, às 20h
🎟️ R$ 30 a R$ 120
Mais Informações: @magiluth | @teatroluizmendonca

FICHA TÉCNICA
Criação: Grupo Magiluth, Nash Laila e Luiz Fernando Marques
Direção: Luiz Fernando Marques
Dramaturgia: Giordano Castro
Elenco: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral, Nash Laila e Pedro Wagner
Design de luz: Jathyles Miranda
Designe gráfico: Mochila Produções
Figurino: Chris Garrido
Trilha sonora: Grupo Magiluth, Nash Laila e Luiz Fernando Marques
Cenografia e montagem de vídeo: Luiz Fernando Marques
Cenotécnico: Renato Simões
Vídeo maping e operaçao: Clara Caramez
Captação de imagens: Bruno Parmera, Pedro Escobar e Vitor Pessoa
Equipe de produção de vídeo: Diana Cardona Guillén, Leonardo Lopes, Maria Pepe e Vitor Pessoa
Produção: Grupo Magiluth

 

O Mercador de Veneza na Caixa Cultural 

O Mercador de Veneza. Foto: Ronaldo Gutierrez / Divulgação

A montagem de O Mercador de Veneza que chega ao Recife propõe uma leitura contemporânea radical de um dos textos mais controversos de William Shakespeare. Sob a direção de Daniela Stirbulov, a adaptação desloca o foco narrativo tradicional para construir Shylock como protagonista absoluto, transformando o agiota judeu de vilão shakespeariano em centro moral da história. Esta escolha dramatúrgica ressignifica completamente a obra, revelando as estruturas de poder e preconceito que sustentam a sociedade veneziana – e, por extensão, a nossa.

A transposição temporal para os anos 1990 vai além da estética. A direção identifica nessa década o momento de aceleração da globalização e emergência de uma nova ordem mundial, contexto que dialoga diretamente com o capitalismo emergente do século XVI retratado por Shakespeare. Stirbulov cria um universo onde as tensões entre tradição e modernidade, local e global, se materializam através de conflitos religiosos e econômicos que ecoam tanto na Veneza renascentista quanto na sociedade neoliberal contemporânea.

O núcleo dramático permanece o mesmo: Antônio, o mercador cristão, contrai empréstimo com Shylock para financiar os planos românticos de seu amigo Bassânio. A garantia macabra – uma libra de carne humana – funciona como metáfora sobre os custos humanos do sistema financeiro. Quando a dívida não é quitada, o julgamento que se segue expõe a sede de vingança de Shylock e a hipocrisia de uma sociedade que pratica antissemitismo sistemático enquanto se beneficia dos serviços financeiros dos judeus.

A cenografia concebida para a montagem materializa essas tensões através de linguagem visual que utiliza uma estrutura acrílica transparente no centro do palco como tablado elevado, criando múltiplos níveis de representação que sugerem tanto tribunal quanto mercado financeiro. O painel circular de LED no alto do palco desenha palavras e frases conectadas à ação, funcionando como comentário visual que amplifica subtextos da narrativa. A presença de um operador de câmera captando imagens em tempo real, projetadas simultaneamente no painel, estabelece diálogo direto com nossa era de vigilância digital e espetacularização da vida privada.

A trilha sonora executada ao vivo por uma baterista no palco adiciona pulsação contemporânea à dramaturgia, criando atmosfera que oscila entre tensão financeira e violência urbana. Dan Stulbach, no papel de Shylock, constrói interpretação que humaniza o personagem sem romantizá-lo, revelando as contradições de um homem que é simultaneamente vítima do preconceito social e algoz implacável quando obtém poder de retaliação.

A montagem confronta o público com questões sobre intolerância, identidade e justiça que permanecem urgentes, evidenciando como vilões e heróis se confundem nas máscaras sociais. A obra, atravessada por tensões religiosas e preconceitos, mantém sua relevância ao abordar transformações nas relações humanas e tensões sociais que atravessam séculos.

A produção chega ao Recife após temporada de sucesso na CAIXA Cultural do Rio de Janeiro, consolidando-se como uma das adaptações shakespearianas mais provocativas em cartaz no país.

FICHA TÉCNICA
Texto: William Shakespeare
Direção: Daniela Stirbulov
Tradução, Adaptação e Assistência de Direção: Bruno Cavalcanti
Elenco: Dan Stulbach, Augusto Pompeo, Amaurih Oliveira, Cesar Baccan, Gabriela Westphal, Júnior Cabral, Marcelo Diaz, Marcelo Ullmann, Marisol Marcondes, Rebeca Oliveira, Renato Caldas, Thiago Sak
Baterista em Cena: Caroline Calê
Cenografia: Carmem Guerra
Cenotécnico: Douglas Caldas
Desenho de Luz: Wagner Pinto e Gabriel Greghi
Figurino e Visagismo: Allan Ferc
Assistente de Figurino: Denise Evangelista
Peruqueiros: Dhiego Durso e Raquel Reis
Direção de Movimento: Marisol Marcondes
Aderecista: Rebeca Oliveira
Consultoria sobre Shakespeare: Ricardo Cardoso
Vídeo e Imagem: André Voulgaris
Fotos: Ronaldo Gutierrez
Design Gráfico: Rafael Oliveira Branco
Operação de Luz: Jorge Leal
Operação de Som: Rodrigo Rios
Assistente de Produção: Amanda Nolleto
Produção Executiva: Raquel Murano
Direção de Produção: Cesar Baccan e Marcelo Ullmann
Produção: Kavaná Produções e Baccan Produções
Realização: CAIXA Cultural

SERVIÇO
📍CAIXA Cultural Recife – Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife
📅 24 de julho a 2 de agosto (quinta a sábado)
🕐20h
🎟️ R$ 30 (inteira) | R$ 15 (meia-entrada para clientes CAIXA e casos previstos em lei)
📞(81) 3425-1915
<
🔞Não recomendado para menores de 12 anos
♿Acesso para pessoas com deficiência

 

Circo Godot é comédia física que espelha relações de poder

Asaías Rodrigues e Charles de Lima em Circo Godot. Foto: Divulgação

A Companhia Circo Godot de Teatro, fundada em 2010 por Asaías Rodrigues, Andrezza Alves e Damiano Massachesi, com posterior chegada de Charles de Lima, desenvolve há mais de uma década uma linguagem cênica singular que entrelaça teatro físico, circo e crítica social. O coletivo de artistas encontrou na fusão dessas linguagens uma forma potente de comunicação que atravessa barreiras culturais e geracionais, como comprova a circulação internacional do grupo por países como Grécia, Tunísia e Itália.

O espetáculo Circo Godot constrói-se sobre alicerces dramatúrgicos sólidos: a comicidade rústica dos bufões medievais e a tradição da comédia pastelão se combinam ao teatro físico contemporâneo e ao gromelô – linguagem gestual que prescinde de palavras para comunicar emoções e situações complexas. Esta escolha estética permite que a obra dialogue com públicos diversos, independentemente de idioma ou origem cultural.

A inspiração beckettiana surge de forma livre e criativa através dos personagens Pozzo e Lucky, figuras de Esperando Godot que aqui ganham nova roupagem como Gatropo e Tropino. Asaías Rodrigues e Charles de Lima constroem uma dupla de vagabundos que perambula pelo mundo oferecendo entretenimento para sobreviver, mas que carrega em sua dinâmica relacional uma crítica feroz às estruturas de poder que permeiam nossa sociedade.

A força da proposta reside na simplicidade aparente que revela múltiplas possibilidades de leitura: Gatropo emerge como o chefe autoritário que ordena, explora, desconfia e intimida, empunhando o chicote como símbolo de sua autoridade. Tropino, por sua vez, representa o subalterno ingênuo e alegre, faz-tudo que aceita sua condição com resignação aparente. A tensão dramática nasce da mesquinhez do primeiro e da ameaça latente que o segundo representa ao posto de comando estabelecido.

O desenvolvimento dramatúrgico conduz a plateia através de ações cotidianas que gradualmente revelam a toxicidade da relação hierárquica entre os personagens. Conforme evoluem os números circenses – equilibrismo, malabarismo, acrobacias -, emergem sentimentos mútuos de desprezo que culminam em reviravolta inesperada provocada por um descuido aparentemente insignificante. Esta estrutura narrativa espelha como pequenos eventos podem desestabilizar sistemas de poder aparentemente sólidos.

A direção de Quiercles Santana solicita participação ativa da plateia, transformando cada apresentação em experiência única e irrepetível. O espetáculo se apresenta como provocação reflexiva sobre ganância dos poderosos e sadismo inerente às relações de dominação, ativando o que o diretor define como “sentido lúdico do existir”.

A versatilidade da montagem manifesta-se em sua capacidade de adaptação a diferentes espaços: teatros convencionais, ruas, praças e pátios se transformam em palcos para esta comédia física que prescinde de cenários elaborados. O desenho de luz delicado de Luciana Raposo valoriza a expressividade corporal dos intérpretes, enquanto a produção executiva de Juan Saucedo garante a circulação eficiente do espetáculo.

A temporada recifense oferece oportunidade rara de contato com uma proposta original do teatro físico brasileiro contemporâneo, trabalho que demonstra como poucos recursos cênicos podem gerar grande impacto teatral quando sustentados por pesquisa artística consistente e olhar crítico sobre a realidade social.

SERVIÇO:
📍Teatro Hermilo Borba Filho
📅 24 e 25 de julho (quinta e sexta), às 20h
📅 26 de julho (sábado), às 17h
🎟️Ingressos www.sympla.com.br e na bilheteria do teatro (abre 1h antes do evento)

FICHA TÉCNICA
Criação e Interpretação: Asaías Rodrigues e Charles de Lima
Direção: Quiercles Santana
Desenho de Luz: Luciana Raposo
Fotos: Walton Ribeiro
Produção Executiva: Juan Saucedo
Companhia: Circo Godotde Teatro

 

Caliuga, teatro negro em diálogo com a luta contemporânea

Caliuga da Cia. de Teatro Negro Macacada. Foto: Gabriel Mesgo / Divulgação 

Caliuga da Cia. de Teatro Negro Macacada mergulha nas intersecções entre identidade racial e  mercado de trabalho. Através de situações concretas e reconhecíveis, a produção explora discriminação estrutural, construindo narrativa que provoca reflexão genuína sobre realidades complexas. O espetáculo faz duas apresentações no Teatro Joaquim Cardozo, espaço universitário da UFPE,

Luiz Apolinário assina dramaturgia e direção que transformam a jornada de Caliuga em espelho das contradições sociais brasileiras. Com assistência de direção de Roby Nascimento – ambos estudantes de teatro na UFPE -, a encenação parte da morte da avó protetora para explorar como a busca por trabalho se converte em luta contra destinos impostos pela própria família. Entre a maldição familiar e o sonho de cavalgar, a protagonista navega por territórios onde emprego e liberdade se entrelaçam de forma indissociável, revelando como questões raciais permeiam desde processos seletivos até a construção da identidade pessoal.

A trilha sonora concebida por César Seco e Raul Vaubruma subverte expectativas ao empregar instrumentos infantis para abordar temáticas adultas e complexas. Sons de brinquedos ganham densidade dramática inesperada, criando paisagem sonora que oscila entre nostalgia da infância perdida e dureza da realidade laboral. Diana Paraiso, comandando a produtora GRAVE!, articula produção executiva com concepção de iluminação e técnica, construindo unidade estética onde cada elemento cênico dialoga organicamente com os demais, potencializando a força narrativa do espetáculo.

Ashley Gouveia, Eva Oliveira, Roby Nascimento, Ruibeni Sales e Yastricia Santos formam elenco que materializa as múltiplas facetas da experiência negra no mundo corporativo. Inserindo-se no movimento crescente do teatro negro brasileiro, a montagem contribui para diversificação do panorama cênico.

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia e Direção: Luiz Apolinário
Assistente de Direção: Roby Nascimento
Produção Executiva: Diana Paraiso
Assistente de Produção: Grazielly Santana
Elenco: Ashley Gouveia, Eva Oliveira, Roby Nascimento, Ruibeni Sales, Yastricia Santos
Figurino: Ruibeni Sales
Criação de Sonoplastia: Raul Vaubruma + Seconuncaraso
Cenografia: Luiz Apolinário
Concepção de Iluminação e Técnica: Diana Paraiso
Fotografia: Gabriel Mesgo
Companhia: Cia. de Teatro Negro Macacada

SERVIÇO
📍 Teatro Joaquim Cardozo – UFPE
📅 25 (sexta) e 26 (sábado) de julho
🕰️ 19h30
🎟️ Inteira R$ 20 | Meia R$ 10
🔞 Classificação: 16 anos

 

O Diário de Villeneuve: o terror que vem de longe

Espetáculo explora o suspense psicológico. Foto: Kurt Correia

O Diário de Villeneuve da Companhia Imaginarium mergulha no território do teatro de terror para recriar parte do imaginário colonial brasileiro sob ótica sombria. Com roteiro autoral de Paiva Teodósio e direção de Ester Soares, a obra explora suspense e terror psicológico através da chegada de um forasteiro misterioso ao Brasil em 1596, carregando um diário, passado repleto de sombras e sede de vingança.

Villeneuve, imigrante italiano que desembarca em terras brasileiras no século XVI, protagoniza jornada entre pactos e manipulações onde encontra figuras históricas como Branca Dias, Antônia Maria (a Senhora dos Mortos), o temido Barão de Beberibe e a enigmática Felícia Tourinho. A dramaturgia utiliza personagens reais do período colonial para construir narrativa que reconstitui Recife e Olinda através de perspectiva gótica, transformando a história em material para exploração de medos ancestrais e tensões sociais do período.

A Companhia Imaginarium, fundada em 2015 e reativada em 2022, reúne Ester Soares, Núbia Ketly e Carlos Teodósio, artistas com mais de dez anos de trajetória teatral em Jaboatão dos Guararapes e região metropolitana do Recife. O grupo tem histórico de trabalho com montagens de terror, experiência que se materializa agora em O Diário de Villeneuve, onde elementos sobrenaturais e atmosferas tensas ganham contornos através da temática colonial brasileira.

O espetáculo conta com elenco de 14 atores, demonstrando ambição cênica que permite representar múltiplas camadas da sociedade colonial. Realizada através do Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), a produção conta com apoio da Fundarpe, Secretaria de Cultura do Recife, Solo Gens e Catamaran Tours, sendo realizada pela ONG Arco em parceria com a própria Imaginarium. A montagem oferece acessibilidade com intérprete de libras, garantindo democratização do acesso cultural.

FICHA TÉCNICA

Roteiro: Paiva Teodósio
Direção: Ester Soares
Preparação de Elenco: Carlos Teodósio
Direção de Produção: Núbia Ketly
Design: Carlos Santos
Figurino: Altino Francisco
Coordenação Geral: Ester Soares
Fotografia: Matheus Bento
Sonoplastia: SECOnuncaraso
Iluminação: Anderson G-zuis
Elenco: Ester Soares, Núbia Ketly, Carlos Teodósio, Gusttavo Revorêdo, Stephan Levita, Nando Araújo, Larissa Lira, Lucas Cardoso, Cora Lima, Gui Vicente, Luna, Lucas Vinícius, Kallin Alves, Marina Lino
Apoio: Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), Fundarpe, Secretaria de Cultura do Recife, Solo Gens, Catamaran Tours
Realização: ONG Arco e Cia Imaginarium

SERVIÇO:
📍 Teatro do Parque (24/07) e Teatro Apolo (15/08)
📅 Quinta (24) e 15 de agosto, às 19h
🎟️ R$ 20 (meia) e R$ 40 (inteira)
♿ Apresentação com intérprete de libras

 

Histórias do Meu Povo: Decolonialidade em Ação

Roma Júlia apresenta Histórias do Meu Povo. Foto: Reprodução do Instagram

O Espaço O Poste confirma sua vocação como território de experimentação e resistência cultural ao receber Histórias do Meu Povo, projeto que desde 2015 desenvolve trabalho consistente de valorização de narrativas ancestrais. Roma Julia, contadora de histórias e pedagoga, conduz uma experiência que constrói um ambiente sensorial e afetivo para celebra culturas afro-indígenas através de múltiplas linguagens.

A proposta engloba contos africanos, narrativas indígenas, itãs de orixás e histórias de lavadeiras, tudo embalado por música ao vivo e elementos visuais que incluem flores, folhas e objetos que fazem referência ao nordeste brasileiro. Para aproximar pessoas cegas e com baixa visão, aromas suaves de folhas e café são inseridos ao longo da narração, criando acessibilidade que vai além de protocolos técnicos para se tornar parte integrante da experiência estética.

O projeto se insere na programação decolonial do Espaço O Poste, que conta com apoio da Funarte através do Programa de Apoio a Ações Continuadas 2023. Esta parceria exemplifica como políticas públicas podem fomentar trabalhos que valorizam memórias historicamente marginalizadas, contribuindo para a diversidade do panorama cultural recifense. Roma Julia transforma o espaço em “jardim de memórias” onde tradição oral encontra contemporaneidade, provando que narração ancestral continua sendo ferramenta poderosa de transmissão cultural e transformação social.

SERVIÇO:
📍Espaço O Poste – Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista
📅26 de julho, às 16h
🎟️Entrada gratuita (retirar no Sympla

 

Comédias Consolidadas

A Noviça mais rebelde, irreverência (con)Sagrada

Wilson de Santos em A Noviça mais rebelde. Foto: João Caldas / Divulgação

Wilson de Santos retorna ao Recife com um fenômeno teatral brasileiro que desafia as regras de longevidade artística. A Noviça Mais Rebelde celebra 16 anos ininterruptos em cartaz – número impressionante em qualquer contexto cultural, mas especialmente notável tratando-se de um monólogo que se reinventa a cada apresentação através da espontaneidade entre ator e plateia.

Irmã Maria José surge como personagem que desafia estereótipos religiosos: uma freira cujo passado “nada católico” serve de combustível para um show beneficente improvisado, criando tensão cômica entre vocação atual e memórias mundanas.  A inteligência da criação se finca no aspecto familiar do conflito – quem nunca precisou conciliar diferentes versões de si mesmo? Wilson constrói identificação imediata ao apresentar uma religiosa que lida com as mesmas contradições humanas do público, transformando confessionário num palco de comedia.

A interatividade torna cada apresentação um evento único, onde jogos e números musicais emergem do diálogo espontâneo com os espectadores. Esse procedimento exige maturidade cênica, desenvolvida por Wilson ao longo de carreira que inclui trabalhos com Bibi Ferreira, Jorge Takla e Charles Möeller, além de passagem marcante pela Cia Baiana de Patifaria nos anos 1990 – quando já encantava plateias recifenses.

SERVIÇO:

A Noviça Mais Rebelde
📍 Teatro do Parque – R. do Hospício, 81, Recife
📅 25 (sexta) e 27 (domingo) de julho
🕰️ Sexta às 20h | Domingo às 19h
🎟️ Inteira: R$ 120 | Meia: R$ 60 | Social: R$ 60 + 1kg de alimento não perecível
⏱️ Duração: 90 minutos
🔞 Classificação: 12 anos
📱 Informações: (81) 98463-8388

FICHA TÉCNICA
Criação e Interpretação: Wilson de Santos
Figurino: Celso Werner
Fotografia: João Caldas
Arte Gráfica: Vicente Queiroz
Direção de Produção: Leonardo Leal
Realização: Teatro do Riso e Roberto Costa Produções
Vendas: Sympla (antecipadas) | Bilheteria no local (1h antes do espetáculo)

 

NÃO!, a terapia que virou comédia 

O!, com Adriana Birolli  e texto e direção de Diogo Camargos,

Dezoito anos de terapia para aprender uma palavra de duas letras. Se isso não merece aplausos pela persistência, pelo menos pode motivar uma gargalhada coletiva. A atriz Adriana Birolli retorna ao Recife carregando um dilema bem constrangedor da vida contemporânea: a incapacidade crônica de recusar convites, pedidos e obrigações que preferíamos evitar.

NÃO!, com direção e texto de Diogo Camargos, transforma em comédia a tragédia cotidiana de quem vive dizendo sim quando o coração grita não. A protagonista enfrenta situação reconhecível por qualquer pessoa que já se viu presa entre a educação social e a sanidade mental: não quer ir ao próprio jantar de aniversário, mas não consegue simplesmente… não ir. O drama dela pode ser a diversão do público.

 Enquanto se arruma relutantemente, mensagens bombardeiam de todos os lados – mãe, irmã, namorado, chefe – cada uma com um tipo diferente de pressão social que conhecemos intimamente. O trunfo está em mostrar como essa dificuldade aparentemente simples contamina todos os aspectos da vida: pessoal, profissional, familiar. É o tipo de reconhecimento que faz o público rir e se sentir levemente atacado ao mesmo tempo.

A resposta do público confirma que a questão afeta muito mais gente do que se imagina.

No Teatro Santa Isabel, espaço que já presenciou dramas épicos e comédias memoráveis, NÃO! promete três apresentações para quem quer rir das próprias neuroses enquanto questiona por que diabos é tão difícil estabelecer limites básicos. 

SERVIÇO

📍 Teatro Santa Isabel – Praça da República, s/n, Recife
📅 25 (sexta), 26 (sábado) e 27 (domingo) de julho
🕰️ Sexta às 20h | Sábado às 19h | Domingo às 18h
🎟️ Ingressos: R$ 40 a R$ 140 (conforme setor)
💳 Vendas: Sympla (parcelamento em até 12x)

FICHA TÉCNICA

Texto e Direção: Diogo Camargos
Atuação: Adriana Birolli
Iluminação: Leandro Mariz
Cenário e Adereços: A Dupla Dinâmica
Figurino: Letícia Birolli
Execução do Figurino: Artha Atelier
Direção Musical: Carlito Birolli
Produção Musical: Eugênio Fim
Fotografia: Nando Machado
Vídeos: Mauro Marques
Participações em Off: Dida Camero, Ivan Zettel, Juliana Knust, Letícia Birolli, Maria Joana
Realização: Casona Produções
Produção: Lakshmi Produções e Camargos Camargos Produções

 

Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco:
Duas décadas formando plateias

Hélio o balão que não consegue voar Foto Ricardo Maciel

Os super três porquinhos, numa produção de Roberto Costa 

O 21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco encerra sua programação neste fim de semana reafirmando seu papel como um dos mais longevos festivais do Brasil dedicados ao público infantil. Com duas décadas de existência ininterrupta, o evento se consolidou como referência nacional na promoção de espetáculos.

Os números impressionam pela magnitude e consistência: 270 espetáculos presenciais realizados em mais de 485 apresentações, 154 mil espectadores entre pagantes e gratuitos, e mais de 5.200 trabalhos diretos e indiretos gerados ao longo destas duas décadas. Estes dados comprovam que o FTCPE se transformou em plataforma de formação de plateia e circulação de produções infantis, contribuindo significativamente para o desenvolvimento do setor teatral pernambucano.

Hélio, o Balão que Não Consegue Voar, que se apresenta neste sábado (26) às 16h30 no Teatro do Parque, aposta no que há de mais articulado no teatro infantil inclusivo contemporâneo. Baseado no livro homônimo do escritor pernambucano Cleyton Cabral – vencedor do Prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia da Fundarpe -, o espetáculo utiliza formas animadas e manipulação de objetos para abordar poeticamente o Transtorno do Espectro Autista. A narrativa de Hélio, um balão que não consegue voar em uma loja mágica chamada Festa de Ar, transforma diferenças em potencialidades, ensinando que a verdadeira magia está em encontrar caminhos próprios mesmo quando eles divergem das expectativas sociais.

Os 3 Super Porquinhos, programado para domingo (27) no mesmo horário e local, investe  nas tradições clássicas. A adaptação de Roberto Costa para o conto tradicional insere questões contemporâneas sobre paz mundial e preservação ambiental. Segundo o próprio Roberto, produtor e adaptador, este é “disparado o mais querido pelas famílias para iniciação da vida cultural de seus pequenos”, característica que mostra a importância de espetáculos que conseguem dialogar simultaneamente com crianças e adultos.

Ambas as apresentações contarão com acessibilidade em Libras. Os ingressos estão disponíveis pela plataforma Sympla, através do site www.teatroparacrianca.com.br , e nas bilheterias dos teatros duas horas antes das apresentações. 

Realizado pela Métron Produções, sob coordenação de Edivane Bactista e Ruy Aguiar, o festival conta com incentivo do SIC (Sistema de Incentivo à Cultura), Fundação de Cultura Cidade do Recife, Secretaria de Cultura e Prefeitura da Cidade do Recife. A curadoria é assinada por Marcondes Lima, Ruy Aguiar e Williams Sant’Anna, garante critérios artísticos rigorosos que mantêm a qualidade das seleções. 

SERVIÇO:

“Hélio, o Balão que Não Consegue Voar”
📅 Sábado (26) de julho
🕰️ 16h30
📍 Teatro do Parque – Rua do Hospício, 81, Boa Vista
🎟️ R$ 60 (inteira) | R$ 30 (meia-entrada)
⏱️ Duração: 50 minutos
🔞 Classificação: Livre
♿ Apresentação com intérprete de Libras

Os 3 Super Porquinhos
📅 Domingo (27) de julho
🕰️ 16h30
📍 Teatro do Parque – Rua do Hospício, 81, Boa Vista
🎟️ R$ 80 (inteira) | R$ 40 (meia-entrada)
⏱️ Duração: 45 minutos
🔞 Classificação: Livre
♿ Apresentação com intérprete de Libras

🌐 Ingressos:

www.teatroparacrianca.com.br
(Sympla)

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