Monga, um espetáculo em construção
Farofa do Processo
Segunda parte

Monga, trabalho em andamento de Jéssica Teixeira, na Farofa do Processo. Foto: Ligia Jardim / Divulgação

O espetáculo em processo Monga, concebido e protagonizado por Jéssica Teixeira visita o lugar do estranho com ousadia, para falar de si e de uma dinâmica do mundo opressor/repressor. Para isso, a artista mergulha na jornada de Julia Pastrana, mexicana que adquiriu notoriedade sob a alcunha depreciativa de “mulher-macaco”, figurando como uma das principais inspirações dos espetáculos de curiosidades, conhecidos como Freak Shows, no Brasil e no mundo. O trabalho Monga foi apresentado na Farofa do Processo, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, e nós assistimos no dia 5 de março, na sessão das 11h.

Começamos nossa reflexão por Julia Pastrana (1834-1860), uma mulher indígena mexicana que se tornou conhecida mundialmente como “a mulher mais feia do mundo” devido a uma condição genética rara, designada como hipertricose terminal (caracterizada por um crescimento excessivo de pelos em partes do corpo), combinada com uma possível forma de acromegalia, que conferiam traços faciais e dentárias incomuns.

Pastrana foi vendida ou entregue a um administrador de espetáculos, Theodore Lent, que se tornou seu empresário e mais tarde seu marido. Lent explorou a aparência de Pastrana, exibindo-a em shows por toda a Europa e América do Norte, onde ela era anunciada como a “mulher-urso” ou “mulher macaco”.

Julia era uma artista talentosa, com habilidades que incluíam canto e dança. Ela possuía uma voz mezzo-soprano – dizem que encantadora – e apresentava peças musicais desde ópera a canções populares da época. Poliglota, ela falava várias línguas, incluindo espanhol (sua língua materna), inglês e francês, o que facilitava sua comunicação com o público de vários países, durante suas turnês.

Apesar de sua fama, a artista teve uma vida marcada por exploração e desumanização, o que evidencia o início do entretenimento comercial baseado na objetificação e na exploração de corpos não normativos.

Os conceitos teóricos e as referências nos permitem entender seu caso não apenas como um evento isolado, mas como parte de uma estrutura mais ampla de opressão e objetificação. Em Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color, Kimberlé Crenshaw desenvolve o conceito de interseccionalidade para explicar como diferentes sistemas de opressão (raça, gênero, classe) interagem na vida das mulheres negras. Aplicado à situação de Pastrana, esse conceito ajuda a entender como sua exploração foi moldada não somente por seu gênero, mas também por sua etnicidade e suas características físicas.

Prazer Visual e Cinema Narrativo, de Laura Mulvey, é um texto seminal que introduz a ideia do “male gaze” argumentando que as mulheres são objetificadas nas narrativas cinematográficas para o prazer do espectador masculino. Embora Mulvey se concentre no cinema, seu conceito pode ser utilizado ao contexto de Pastrana, onde ela foi objetificada e desumanizada para entretenimento público.

Judith Butler discute, em Problemas de Gênero: Feminismo e a Subversão da Identidade“, a performatividade do gênero e como as normas de gênero são socialmente construídas e mantidas através de atos performativos repetidos. A exploração de Pastrana destaca a rigidez e a crueldade das normas de gênero e beleza, bem como a violência da não conformidade.

Essas referências teóricas fornecem uma estrutura para compreender a vida e a exploração de Julia Pastrana não apenas como um caso de curiosidade do século 19, mas como um exemplo da contínua objetificação, marginalização e desumanização de corpos não normativos e da persistente construção do “outro” nas sociedades patriarcais e coloniais.

Ao explorar essas dimensões, podemos reconhecer a relevância contínua de sua história para as discussões feministas contemporâneas sobre corpo, identidade e resistência.

Após sua morte em 1860, o abuso persistiu com a exibição de seu corpo e do seu filho. Essa exploração, iniciada por seu marido Theodore Lent, reflete a objetificação de Julia em vida e a desumanização após sua morte, configurando a extensão da dominação patriarcal. No século 20, os corpos foram esquecidos e depois redescobertos, mostrando a fascinação contínua pela imagem de Julia. Somente no século 21, após esforços de ativistas e do governo mexicano, Julia foi repatriada e enterrada no México em 2013, um gesto simbólico para restaurar sua dignidade.

Cena do espetáculo em andamento Monga, com Jessica Teixeira. Foto: Ligia Jardim / Divulgação

Jéssica Teixeira sinaliza nas tramas de Monga os preceitos do “realismo traumático” de Hal Foster. A peça se ergue em um complexo de células narrativas, incluindo a jornada de Julia Pastrana, o poema-prosa Entre fechaduras e rinocerontes de Frei Betto, uma conversa com Deus, reflexões sobre a ausência, interações com a plateia, algumas músicas incluindo uma sobre o inferno, numa exploração crua da percepção social dos corpos e da incessante busca por sentido em um mundo fragmentado.

Teixeira, habilmente, não se limita à representação direta da realidade; em vez disso, ela convoca uma série de técnicas que sugerem um encontro falho com o real, alinhando-se com a teoria de Foster. A utilização de luzes estroboscópicas, microfones e uma variação de cenários do claro ao escuro forja uma atmosfera imersiva e projeta a repetição do irrepresentável, gerando um choque que supera o visual ou temático para perturbar a própria estrutura da obra.

A atuação despojada, com a atriz por vezes usando uma máscara de macaco, critica a busca incessante por um ideal inatingível de perfeição. Esse ato desafia os espectadores a confrontar suas próprias percepções e preconceitos.

A peça Monga se engaja com o conceito de “abjeto”, conforme explorado por Foster, ao abordar temas considerados repulsivos e marginalizados como meio de confrontar e refletir sobre as condições sociais contemporâneas. A conversa com Deus e a música que proclama que “o inferno está cheio” provocam diretamente o público, desafiando crenças religiosas e sociais arraigadas. Enquanto a interação direta com a plateia questiona a vida e nossa duração neste planeta e a suposta completude dos corpos ou corpos perfeitos.

Ao incorporar o texto de Frei Betto, Entre fechaduras e rinocerontes, Teixeira enriquece a narrativa. Embora a essência poética do texto original ofereça profundas reflexões sobre a vulnerabilidade humana, penso que uma adaptação mais radical – com cortes e justaposições – removendo as camadas de moralidade católica poderiam destilar suas qualidades sem perder a essência.

Monga oferece insights valiosos sobre as dinâmicas da arte contemporânea e sua capacidade de engajamento com a realidade traumática. É um meio de explorar e expressar as complexidades e contradições do mundo atual, destacando os desafios de representação, engajamento e resistência em um mundo pós-ideológico.

A interação com a plateia, um momento crucial de Monga pode requerer ajustes em sua dramaturgia. Em vez de questionar diretamente a presença de burgueses na audiência, por exemplo, Teixeira poderia optar por um caminho mais indireto, lançando uma série de perguntas provocativas que funcionem como espelho, refletindo os preconceitos e as suposições do público. Esse mecanismo pode desarmar e chegar ao miolo das crenças e atitudes do espectador.

A artista, ao se declarar habitante e dona de um “corpo extremo”, estabelece uma conexão com Pastrana, desafiando as normativas sociais que moldam a percepção dos corpos e questionando as fronteiras entre o normal e o anormal. Essa ligação honra a memória de Pastrana e amplifica a posição de Monga na defesa da dignidade inerente de cada ser humano, independentemente de sua aparência.

Monga se apresenta como uma obra que desafia as convenções, tanto em forma quanto em conteúdo. A atuação e direção de Teixeira sintetizam uma dança entre luz e sombra, entre o visível e o invisível, criando um espaço onde o realismo traumático de Hal Foster encontra um novo sopro.

Este texto integra o projeto arquipélago de fomento à crítica, com apoio da Corpo Rastreado.

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Farofa do Processo
Algumas anotações
Primeira parte

Intensa movimentação na Oswald durante os dias da Forafa do Processo. foto: Ivana Moura

Gabs Ambròzia, da Corpo Rastreado. Foto: Ivana Moura

Muitas possibilidades de encontro

“Farofa, farofa, farofa’, esse anúncio feito ao megafone por Gabs Ambròzia, uma das figuras da Corpo Rastreado, projeta a natureza lúdica e inclusiva do evento e vai continuar ecoando na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo, e na cabeça de muita gente. De 2 a 10 de março, foram muitos gestos políticos de grupos, spoilers do bem de espetáculos em andamento, conversas, armações para insurgências. Momentos de pura festa e a lembrança que estamos em guerra por existir… a luta continua. Muitas vezes o clima era tão festivo que senti a vibração do carnaval de Olinda de finais das manhãs. Esses processos, sonhos em construção, todos legítimos cada qual do seu jeito, repercutem e seguem. Ficam imagens ricas e vibrantes.

No Teatro de Contêiner Mungunzá, um ponto da Farofa do Processo desse ano (o outro era a Casa do Povo), vi uma correnteza de gente a se deslocar do lado de fora empurrada pela chuva, enquanto lá dentro do teatro os atores buscavam motivos para expressar a vida e entender até onde vai a arte… Aporia.

Nessa atmosfera de engajamento crítico e criativo, aliades para a rebelião, bandos em manifestação, corpos em combate refletem um espírito de resistência e a busca por transformações sociais. Lindo ver o fluxo desses dias na Oswald, das salas cheias e sessões esgotadas para um batimento suave. Celebração do gesto artístico, da reflexão crítica e da ação coletiva. Encantamento especial na Farofada, almoço preparado e distribuído pela equipe da Corpo Rastreado para alimentar estômagos e ideias, refeição compartilhada para aprontar para outros combates. Uma dramaturgia especial esses almoços de conversas ao pé do ouvido e gargalhadas soltas.

Esse território de encontros, espaço tão rico de diálogo onde a fricção de linguagens da cena acontece com força em aberturas meios e conclusões de processos, espetáculos revisitados. Eita danou-se, como diz Marcelino Freire, escritor que foi prestigiar um dos processos, o da turma do Carrossel.

O domingo de programação intensa já chega com gostinho de quero mais. “Farofa, Farofa, Farofa!”. Último dia dessa edição.

Um salve para o Boteco Crítico, do projeto Arquipélago, que em três encontros botou na prática a experiência de pensar/repesar/ fazer/refazer a crítica em outros patamares, mais democráticos, numa discussão honesta que também está buscando seus caminhos, de reimaginar o papel da crítica cultural na contemporaneidade. Desde o nome, a tentativa é desmitificar a crítica, aproximando-a de quem chegou junto.

Compartilhar, uma palavra quase mantra da Farofa do Processo tem poder.  

Acompanhei algumas ações da Farofa do Processo e faço alguns comentários a partir dos que acompanhei.

Equipe do espetáculo Magnólia, em processo de construção. Foto: Ivana Moura

Marina Esteves e sua equipe (idealização e atuação @vimvermarina, direção musical @daninega, texto: @lucasmouradr, dramaturgia @vimvermarina e @lucasmouradr , Banda da Zé Pretinha: @vinisampaioofficial @djkmina @larioliveiratp @gisahspreta )
apresentaram o processo criativo do espetáculo Magnólia, uma peça que enfrenta as opressões na conjugação de raça, gênero, e identidade com narrativa afro-futurista.

A inspiração na música Magnólia e no álbum A Tábua de Esmeralda de Jorge Benjor adiciona camadas intertextuais da canção que tematiza alquimia, espiritualidade e transformação. Foi com esse álbum lançado em 1974 que Benjor consolidou sua posição como um dos músicos mais febris do Brasil.

A personagem central, Magnólia, vivida por Marina, simboliza a resistência, luta e avanços frente às opressões sistêmicas. O sonho como recurso narrativo funciona como estratégia estilística e como uma poderosa ferramenta de exploração e manifestação da subjetividade da personagem.

Para apresentar a jornada de Magnólia, que a leva além dos limites terrestres, a atriz apresentou o roteiro cantado com uma banda ao vivo. Forte e poética essa demonstração do processo, repleta do impacto da diáspora africana e da posição de que as grandes e pequenas transformações são protagonizadas pelas mulheres negras.

Éden, direção de Tarina Quelho . Foto: Ivana Moura

A peça Éden, apresentada na Farofa do Processo, bateu como uma obra provocadora para explorar assuntos como a crise climática, o esgotamento de recursos materiais e subjetivos, e a busca por significado em um mundo cada vez mais desencantado. A menção de que a peça  é uma obra de cli-fi (ficção climática) sugere uma intenção de engajar o público em uma reflexão sobre as consequências ambientais de nossas ações e escolhas.

A produção disse que o processo de montagem está na sua etapa final e na cena vai utilizar mais de 10 mil sacos plásticos no cenário, o que me pareceu uma tentativa de chamar atenção para o consumo excessivo e a poluição e criar uma atmosfera visualmente impactante que serve como pano de fundo para a narrativa distópica. Na sessão da Farofa, com apenas uma amostra desse cenário, as montanhas de sacos plásticos foram apenas imaginadas pela plateia.

O deboche e a descrença são manipulados pelo elenco, fazendo com que a peça circule entre o cinismo e um humor corrosivo. Essas escolhas podem desafiar a plateia, gerando desconforto em algumas pessoas. A minha percepção viajou do Éden ao inferno.  

A diretora Tarina Quelho ao mencionar que a obra transita entre teatro, dança e performance, e que busca borrar os limites entre teoria, (auto)ficção e cena, destaca que ela está sempre arriscando novas possibilidades na cena.

Éden pula de um assunto ao outro sem parcimônia, ensaia práticas sexuais e conecta com conceitos do teatro e da performance, fala de relações, pensa em identidade, dá pitaco sobre o que é pertencimento em um mundo em crise.

A ideia de que a arte não pode alcançar todos os públicos é pertinente, e isso fica mais evidente em algumas obras. Éden, que parece projetada para atrair um público mais jovem, talvez mais alinhado com as plataformas digitais como o TikTok, por sua agilidade, leveza e abordagem irreverente. Isso confere um valor artístico e  impacto de sua mensagem. Só não é para todos; como nada, aliás.

Serra Pelada. Foto: Ligia Jardim / Divulgação

O teatro de Dal Farra procura questionar a ética do poder, testando limites humanos e apontando novas possibilidade de olhar fatos, eventos, ideias, pensamentos. O trabalho em processo Serra Pelada – Boca de Ouro – Xingu, ainda em estágio inicial, se posiciona – evidentemente – contra a lógica extrativista tanto em seu tema quanto em sua metodologia. Investiga a natureza da arte, do consumo e do olhar. Em um primeiro momento essa obra em andamento chega friccionando as imagens emblemáticas de Sebastião Salgado, a peça/filme Boca de Ouro de Nelson Rodrigues, carrega o Googlemaps para levar para uns lugares de difícil acesso e diz que está cansado de alegoria.

A obra critica o capitalismo em todas as estruturas e examina os sistemas de dominação colonial presentes em Nelson Rodrigues e se arrisca a reinterpretar a obra do autor de Boca de Ouro à luz de perspectivas contemporâneas,. Vamos ver no que vai dar. O processo ainda está no seu estágio inicial de produção da @tablado_sp, (nesse trabalho tem financiamento da Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo), que compartilhou na Farofa do Processo as motivações e inquietações que impulsionam a peça.

Os atores @flowkountouriotis e @silva_monalisa_ fizeram uma leitura interpretativa da peça em andamento, que tem previsão de estreia para janeiro de 2025.

Figueiredo, espetáculo com Pedro Vilela. Foto: Divulgação

O espetáculo Figueiredo se propõe a mergulhar nas complexas camadas da história brasileira, especialmente no que concerne às violências cometidas contra os povos indígenas. A peça, apresentada por Pedro Vilela, com um texto poderoso em mãos e o auxílio de imagens projetadas, associa teatro com ato de memória e resistência.

A dramaturgia fez opção pela leitura direta dos fatos, com projeção de vídeos de arquivo e a utilização de pedaços de madeira no palco. No decorrer do espetáculo os espaços de ocupação são reduzidos como metáfora para a restrição e a asfixia cultural e física vivenciadas pelos povos originários ao longo da história.

A montagem é baseada no Relatório Figueiredo, de aproximadamente 7.000 páginas, que detalha uma série de atrocidades cometidas contra os povos indígenas do Brasil durante o período da ditadura militar (1964-1985). Esse documento leva o nome de Jader Figueiredo Correia de Oliveira, o procurador que foi encarregado de investigar as denúncias de violências e injustiças contra os indígenas.

A política de desenvolvimento nacional implementada na época priorizava a expansão econômica a qualquer custo. A qualquer custo. Então, os projetos de infraestrutura, como a construção de rodovias e represas, expansão da fronteira agrícola, passaram por cima dos povos indígenas, que tiveram territórios frequentemente invadidos e expropriados. E forçaram a barra com a “política  integracionista” para os indígenas, com violações dos direitos e apagamentos de identidades. Um verdadeiro horror.

O Documento Figueiredo foi fruto de uma investigação que durou cerca de três anos, iniciada em 1963, e revelou uma série de crimes contra os indígenas, incluindo genocídios (muitos de autoria de funcionários do governo ou fazendeiros e garimpeiros acobertados pelo governo), casos de tortura, violência física e sexual , escravidão, deslocamento forçado.

Esse documento ficou desaparecido por décadas, sendo redescoberto apenas em 2013, durante o governo de Dilma Rousseff, no contexto marcado pela atuação da Comissão Nacional da Verdade, instituída em 2012. A CNV reacendeu o debate sobre as violações dos direitos dos povos indígenas durante a ditadura e reforçou a necessidade de políticas de reparação e justiça.

Levar para a cena esse documento é importante para o debate público, lembrando que a memória pode ser uma ferramenta viva de conscientização e transformação social.

A reação emotiva por parte do plateia, muitos aos prantos ao final da apresentação, atesta a capacidade do espetáculo de tocar em feridas abertas da sociedade brasileira. A força do texto e da dramaturgia, aliada às imagens e a simbologia do cenário, criam uma experiência que pode contribuir com o debate para mudanças.

O espetáculo é um documento importante para falar do Brasil, de seu passado, presente e futuro, mas ainda há espaço para um tratamento de encenação, para que Figueiredo evolua, podendo criar novas formas de interação com o plateia, utilizar elementos multimídia adicionais, ou procedimentos cênicas que aprofundem ainda mais o impacto da obra.

Há muito mais para falar sobre essa experiência da Farofa do Processo. Vamos tentar nos próximos posts.

Este texto integra o projeto arquipélago de fomento à crítica, com apoio da Corpo Rastreado.

 

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O valor dos processos nas artes da cena

Gabi Gonçalves, produtora da Corpo Rastreado. Foto: Divulgação

Gabi Gonçalves, produtora da Corpo Rastreado. Foto: Divulgação

Enviei umas perguntas para Gabi Gonçalves, da produtora Corpo Rastreado, na perspectiva de postar aqui no Yolanda, no formato perguntas e respostas, sobre a Farofa.

As questões seguiram por zap. A comunicação por um tipo de aplicativo desse, não totalmente direta, deixa dúvidas e achei interessante expor essas dúvidas, pensando que estamos falando do projeto Farofa do processo.

No 29 de fevereiro, a  produtora estava em Bogotá e eu em São Paulo, trancada num quarto durante uma noite insone para terminar um trabalho.

Recebi as respostas no dia 1 de março, por volta de 1h da manhã, mas só consegui ouvir os áudios no final da tarde. Achei interessante registrar essa troca praticamente na íntegra a partir desses breves diálogos por áudio e texto que criam uma rasura, um troço meio performativo, por suas condições.

ENTREVISTA || GABI GONÇALVES

Ivana – A Corpo não escolhe, a Corpo aceita?!!!! Como funciona essa lógica de quem entra na Farofa?

Gabi – A Corpo não escolhe, a Corpo aceita, eu não entendi se é uma pergunta ou se é uma afirmação, né? Mas a Corpo escolhe e a Corpo aceita. Imaginar essa possibilidade de uma curadoria, que não é exatamente isso que a gente faz, mas é uma aproximação desses artistas e desses agentes, como os produtores, porque muitas vezes a gente vai atrás dos produtores também, principalmente quando não são projetos que estão próximos de nós. A gente se aproxima deles para entender o quanto eles se interessam ou não de estar nesse movimento, que é a Farofa, que eu tenho gostado de chamar de movimento. Eu sei que é sempre necessário colocar em caixas mais organizadoras, como festival, como um movimento conjunto e poderosíssimo entre artistas e produtores, encontrando outros espaços e outros modos de fazer. Então, a nossa lógica não tem a ver com quem eu vou escolher, quem é bom, quem é ruim, o que eu quero, o que eu não quero. Não, a gente olha para o cenário, a gente conhece as pessoas, conhece os artistas, sabe em que momento eles estão e pergunta se eles têm desejo de fazer parte desse movimento nesse momento, se não, num outro momento, porque já fizemos várias. Então, é isso, a Corpo escolhe, a Corpo aceita, a Corpo não escolhe, a Corpo aceita, a Corpo observa. Na verdade, somos pessoas. Quando a gente está falando da Corpo, é esse coletivo de 26 pessoas que trazem ideias, que trazem propostas, que trocam com os artistas, os artistas indicam outras pessoas. Então, é um movimento bastante coletivo que resulta nesse formato que a gente está apresentando agora, nesse recorte dessa Farofa de 2024, pelo menos até agora, é essa.

(Era uma pergunta!)

Ivana – Que tipo de trabalho interessa à Corpo? E o que não interessa?

Gabi – Eu não consigo te responder essa pergunta desse jeito, de forma tão direta, porque eu não construo interesse de uma maneira tão rápida. Não é assim, isso me interessa e não me interessa. Eu preciso de tempo, eu preciso estar junto, eu preciso conhecer, eu preciso trocar, eu preciso compreender, eu preciso brigar, eu preciso fazer as pazes. Então, assim, eu me interesso por ideias, por posicionamentos, mais que tudo. Eu acho que é isso, é como essas pessoas, esses artistas se posicionam diante da arte que fazem, diante dos trabalhos que fazem, o quão essas ideias e esses trabalhos são vitais para essas pessoas. Porque é isso, eu acompanho a trajetória desses artistas.

Então, numa trajetória, quiçá bastante longa, que é o que desejo para todos, todas e todes. Em alguns momentos nós vamos fazer coisas interessantes, noutros não vamos fazer coisas interessantes. Vamos acertar, errar e tudo isso junto. Isso que é a beleza de você poder passar um tempo prolongado vendo o desenvolvimento dos artistas, aprendendo pra caramba com eles. E o que não me interessa, talvez… Não me interesso por teatro musical, tem muita gente maravilhosa fazendo, fazendo bem. Eu jamais conseguiria fazer bem. Eu não me interesso em trabalhar com artistas globais, pessoas famosas, porque é um jeito muito peculiar de fazer, que eu respeito, mas eu não acredito muito, não me faz brilhar os olhos, mas eu realmente respeito bastante. Então é isso, se eu tivesse que dizer o que me interessa, o que não me interessa. Todo o resto que tiver desejo de investigar e de gastar tempo, eu me interesso. Aí eu posso te dizer que me interesso.

Ivana – Por que a produção resolveu trabalhar nesse formato?

Gabi – Por que a produção resolveu trabalhar nesse formato? Eu não sei se eu entendi essa pergunta. Por que a produção resolveu trabalhar em que formato exatamente? Acho que essa pergunta talvez eu gostaria que você me explicasse um pouco melhor. Por que a Farofa é nesse formato? É isso? Porque a gente está dando luz mais à produção do que se é dado normalmente, é isso. Eu fiquei confusa com essa, estou com medo de responder errado.

Ivana – Em tantos anos de festival é possível mapear mudanças ou tendências de uma cena brasileira a partir da Farofa?

Gabi – Bom, essa pergunta eu te diria, eu começaria te respondendo que não, eu não vejo mudança nenhuma, porque eu acho que seria muita pretensão da minha parte te responder que sim, assim de imediato, até porque a gente só existe há quatro anos, a gente fez muitas edições, essa é a nossa oitava edição, se eu não me engano, que eu também não fiquei contando, mas foram muitas já para quatro anos, então, no mínimo, fiz duas ou três por ano. O que acho é que a gente da Corpo Rastreado, como produtor, a nossa ideia é abrir espaço.

Então, a gente vai caçando meios e modos de abrir mais espaço para que os artistas tenham condição de mostrar os seus trabalhos. E eu venho percebendo ao longo do tempo que o processo está definhando em termos de importância dentro do todo. Então, o que eu poderia te dizer é que eu acho que as pessoas hoje em dia, de alguma maneira, já esperam a oportunidade de poder ou não participar da Farofa e sabem que ali elas podem experimentar livremente.

É óbvio que quatro anos não é nada para isso, então o que eu imagino é que ao longo de mais pelo menos quatro anos a gente vai ter que ir mostrando para os artistas, mostrando para o mercado, mostrando para o público que o processo é uma coisa linda, divina, que vale a pena ser compartilhado. Então, o que a gente está fazendo é abrir espaço de compartilhamento. E esse compartilhamento mais genuíno, onde o artista mostra como ele está organizando as ideias, mas ainda inseguro, sem saber, e abrindo isso para uma troca. E eu acho isso lindo, eu acho incrível. A gente não precisa mostrar só produtos incríveis que morrem depois de um mês. A gente precisa mostrar que existe muita coisa por trás disso. Então, se eu tiver algum desejo nos próximos quatro anos, é que a gente entenda o valor do processo.

Ivana – Você acha que expor o trabalho em processo aproxima-se da crítica genética no aspecto de “revelar os segredos da fabricação da obra”?

Gabi – Eu acho que sim, eu acho que se aproxima sim, e eu acho bonito você revelar segredos, eu acho que nós não somos mágicos nem ilusionistas que precisam tanto desses segredos, a magia tá também na feitura. Eu só acho que não é uma questão de exposição, sabe? É uma questão de compartilhamento mesmo. Compartilhar o trabalho em processo. Trazer as suas ideias e as suas incertezas e as suas dúvidas genuinamente para trocar com outros. Por isso que, esse ano, a gente perguntou para cada um dos artistas com quem você quer conversar, com quem você gostaria de conversar, para quem você gostaria de mostrar o seu processo. E aí nós convidamos essas pessoas para que elas estejam lá para essa troca. E essa troca é muito aberta. Como ela vai acontecer, a gente não sabe, só vai acontecer em algum momento ali, entendeu?

Então, vão ser trinta e tantas trocas diferentes. A gente tá bem, assim, eu tô bem curiosa para ver como é que vai ser isso, porque eu tenho certeza absoluta que, por exemplo, para um aluno que está estudando teatro e tudo mais, poder se aproximar desse tipo de ação, se aproximar do trabalho do artista tão genuinamente, eu só vejo ganhos e possibilidades de futuro. Então, acho que revelar os segredos de como a gente faz uma obra é muito foda, porque as camadas de aprendizado são infinitas.

Ivana – Penso em colocar como pergunta e resposta, se você concordar em responder. Pode ser por áudio, se achar melhor.

Gabi – Ivana, eu não tenho certeza do que você está pensando em fazer com essas perguntas, porque você me fala se pode ser uma entrevista ou não. Eu acredito que sim, se você achar que dá para ser como uma entrevista, se precisar editar alguma coisa, eu poder te responder a partir do que eu entender, porque eu acho que pode ser que seja uma pergunta-chave, sabe? Do que nós estamos fazendo, o que exatamente é a Farofa, porque eu fiquei na dúvida se nessa entrevista a gente estava falando da Corpo ou da Farofa, porque muitas vezes você fala a Corpo aceita, Corpo isso, é a Corpo óbvio, mas essa ação da Farofa ela é muito maior do que a Corpo, é um movimento que parte de todos e todas e todes nós, mas ele é, ele fica muito maior que a gente.

E eu gosto disso, eu gosto desse lugar. Eu gosto de imaginar que eu tô começando de uma maneira e eu não tenho a menor ideia como vai terminar. É desse jeito que eu gosto de pensar em curadoria. Por isso que eu não assino como curadoria, porque o curador poderia ficar chateado comigo. Então, eu prefiro assinar como produtora e ser essa pessoa que está testando outros paradigmas, porque é isso que a gente está fazendo. A gente está testando outros paradigmas para encontrar mais saídas, mais possibilidades. A Farofa não deixa de ser um espaço onde eu estou tentando criar mais possibilidades de trabalho para os artistas. No fundo, é isso. Estou buscando mais possibilidades de trabalho. Organizo isso em um movimento que é a Farofa. Mas sei qual é o objetivo todo o tempo, sabe? Que, obviamente, é em cima de muitos erros, alguns acertos e continuidade. Sigo sempre com essa possibilidade, fazendo, refazendo, avaliando e refazendo, e fazendo de novo, errando, acertando um pouco, enfim, a gente tá aí nesse movimento bem vivo, sabe? É um organismo bem vivo. O que a gente sabe que o que a gente tem, a gente divide. Isso pra mim é muito importante. Então a gente não perde, a gente divide pra multiplicar. Então esse é o nosso, digamos, o nosso lema, o nosso canto pra subir.

 

 

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Farofa do Processo reúne trabalhos em andamento
e espetáculos em constantes movimentações

 

Espetáculos e Processos da Farofa 2024. Fotos: Divulgação

A transformação da FarOFFa para Farofa representa mais do que uma alteração no nome, mas indica um desenvolvimento no conceito, na identidade e na missão do evento. Ao remover os dois “Fs” de seu nome, o evento sinaliza uma transição para uma fase mais abrangente e inclusiva, onde o foco se amplia para abraçar o processo criativo em suas múltiplas facetas e para destacar as mais recentes realizações no panorama das artes cênicas. Na 8ª edição, em 2024, a produção continua sendo o principal foco da Farofa, com o objetivo de expandir as discussões sobre distribuição, circulação e mediação das artes vivas.

A Farofa do Processo de 2024 se destaca como uma plataforma singular para a apresentação de trabalhos artísticos em diferentes estágios de desenvolvimento, englobando uma gama de artistas provenientes de São Paulo, Baixada Santista, Espírito Santo e Piauí. A programação ocorre entre os dias 2 e 10 de março de 2024 e promete muitas possibilidades de encontro, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, na Casa do Povo e no Teatro de Contêiner, que são locais que oferecem um ambiente propício para a experimentação e o diálogo entre artistas e público. A programação vasta e diversificada, estendendo-se por mais de 100 horas de apresentações, expressa um compromisso com a acessibilidade e a inclusão, garantindo que haja algo de interesse para todos, em diferentes momentos do dia.

 Início, expansão, filosofias

A origem da Farofa, em 2020, como uma plataforma alternativa para o encontro de artistas, produtores e curadores, tanto do Brasil quanto do exterior, revela um desejo de desbravar territórios inexplorados da cena cultural “off”. Comparando-se a um ultrassom cultural, a Farofa busca capturar e projetar em tempo real os processos criativos, oferecendo uma visão íntima e detalhada das engrenagens que movem a arte. Na edição de 2024, essa meta se expande, com a Farofa do Processo dedicando-se a revelar as etapas de criação de obras artísticas, proporcionando uma experiência quase tangível do ato criativo.

Gabi Gonçalves, representando a Corpo Rastreado, articula nitidamente a missão da Farofa: equilibrar a valorização entre os processos criativos e as obras concluídas. Esta abordagem convida o público a uma viagem aos bastidores da criação artística, destacando a importância do trabalho de produção e oferecendo uma compreensão mais profunda do que envolve a materialização de uma ideia artística. É uma celebração da arte, desde a concepção até a execução.

A Farofa do Processo se propõe a ser mais do que um evento; é uma experiência imersiva que questiona e explora as nuances do fazer e do perceber nas artes cênicas. Através de uma programação que inclui rodas de conversa, debates, encontros com curadores, exposições e exibições, cria-se um ecossistema de trocas e aprendizados. Este ambiente fomenta não apenas a apreciação artística, mas também o debate crítico e a reflexão sobre a dinâmica da criação, distribuição e circulação das artes.

Desde sua concepção em 2020, a Farofa adotou a ideia de “movimento” como um de seus pilares fundamentais. É uma metáfora para a constante evolução, adaptação e transformação que caracteriza a jornada artística. A programação do evento, fluida e adaptável, reflete essa filosofia, promovendo um espaço que é ao mesmo tempo um ponto de encontro para a comunidade artística e um laboratório vivo de ideias.

A Criação Artística

Figueiredo, com Pedro Vilela. Foto: Pedro Sardinha

Stalking. Foto: Anna Carolina Bueno / Divulgação

Sou ave. Foto: Cristiano Prim / Divulgação

Avesso da pele. Foto: Helt Rodrigues/ Divulgação

Na Farofa do Processo, o palco é dedicado às obras que estão em plena formação, diferenciando-se por não priorizar espetáculos completamente finalizados. Isso resulta em uma programação que reúne peças que já tiveram sua estreia, mas que continuam a evoluir, proporcionando ao público a chance de experimentar ou reexperienciar trabalhos que marcaram importantes diálogos culturais.

Pedro Vilela traz à cena Figueiredo, uma obra que ilumina o obscuro Relatório Figueiredo, mantido em segredo por mais de quatro décadas. Este documento histórico, que investiga as falhas no Serviço de Proteção aos Indígenas, serve de inspiração para a peça, que fez sua primeira aparição em 2022 na Europa. Vilela, que reside no Porto, Portugal, usa sua arte para questionar e refletir sobre as políticas indigenistas brasileiras do passado.

Stalking, de Elisa Volpatto, é uma peça inspirada em uma experiência real de assédio sofrida por Livia Vilela. Estreada em 2022, a obra usa o sarcasmo para criticar as estruturas patriarcais, misturando elementos de terror e contos de fadas em um apelo à desconstrução do machismo em nossa sociedade.

Do Karma Coletivo, de Itajaí, Santa Catarina, vem Sou Ave que Carrega Coisas Que Têm Brilho Para o Seu Ninho, uma obra que estreou em 2023. Esta dança-rito, que dialoga com as artes visuais, aborda a continuidade da presença através da performance, explorando temas como o sagrado, a vida e a morte.

A adaptação teatral de O Avesso da Pele, pelo Coletivo Ocutá, baseia-se na obra de Jeferson Tenório, laureada com o Prêmio Jabuti em 2021. A peça, que subiu aos palcos em 2023, narra as complexidades das relações raciais e a história de Pedro, cujo pai, Henrique, é vítima de violência policial.

Cena Ouro, da Cia. Mungunzá de Teatro, que apresenta também Poema Suspenso Para uma Cidade em Queda

A Cia Mungunzá apresenta Poema Suspenso Para uma Cidade em Queda  e  Cena Ouro , duas peças que refletem sobre a realidade contemporânea e as políticas socioculturais, respectivamente, enriquecendo a programação com suas perspectivas.

O ensaio aberto na Casa  do Povo E Nunca as Minhas Mãos estão Vazias, de Cris Duarte em Companhia/Zona, promete reacender emoções “para delirar a vida diante de uma realidade insuportável”. A obra estreou em 2023. Já a performance JAMZZ, também do Cristian Duarte em Companhia, é uma ode ao Jazz Dance, convidando o público a participar de uma experiência estética retro, ao som de hits dos anos 80, em uma celebração da dança e da música.

Para o público mais jovem, CaÊ é uma aventura inspirada nas obras do artista visual Mauro Caelum, trazida pelo Karma Coletivo de Artes Cênicas. A história segue um menino e sua bicicleta em uma jornada de autoconhecimento e magia.

Cada uma dessas propostas reflete o compromisso da Farofa do Processo com a promoção da inovação e do diálogo na arte, evidenciando os fluxos das expressões cênicas e a importância de revisitar e reavaliar obras que continuam a inspirar e desafiar.

Panorama Diversificado 

Serra Pelada, de Alexandre Dal Farra, aborda o tema do extrativismo de uma maneira crítica, evitando a glamourização frequentemente associada a essa prática. Por outro lado, Macário do Brazil, uma colaboração entre Carlos Canhameiro e o Quarteto à Deriva, é uma experiência que entrelaça o texto de Álvares de Azevedo com a música brasileira contemporânea, criando um híbrido entre jazz, MPB, teatro e dança.

O Coletivo Inominável apresenta Fronteira, situando a narrativa em um futuro distópico para explorar as experiências de personagens marginalizados pela sociedade. Enquanto isso, CASTILHO investiga as nuances do termo “mulata” em #PRÓPIR4NH4, através de uma lente que valoriza as expressões artísticas afroindígenas periféricas.

Fuga, uma iniciativa do coletivo Frente, mergulha no debate climático, evidenciando as ameaças ao planeta e seus ecossistemas. Great Fake, por Iara Izidoro, desafia as noções de realidade, enquanto Monga, de Jéssica Teixeira, navega pelo erótico e o ridículo. Chama Chama Chama, de Josefa Pereira, e Born to Burn: Estudo III, de Juliana França, exploram, respectivamente, a dinâmica do movimento coletivo e o simbolismo do fogo.

A Coletiva Inscritas encena Carrossel, um jogo performático que busca engajar o público de maneira direta. Peabiru – Um Caminho de Volta, de Maya Andrade e Kidauane Regina, resgata memórias de um caminho pré-colonial, refletindo sobre a colonização. Magnólia, uma colaboração entre Marina Esteves e Lucas Moura, e Sentinela, de Terra Queiroz, discutem, respectivamente, as interseções de gênero e raça e a experiência da travestilidade preta.

O Original Bomber Crew, com Vapor, e o Coletivo Entardecer, com Debaixo dos véus de minhas senhoras, juntamente com outras iniciativas como Eden, de Tarina Quelho, e projetos da ColetivA Ocupação, OZ e a Cia Sacana de Teatro y Dança, adicionam profundidade ao evento, abordando temas como memória, identidade, resistência e sustentabilidade. Essa diversidade de abordagens e temas demonstra o compromisso da Farofa do Processo de 2024 em ser um espaço de experimentação e inovação no campo das artes cênicas.

Para os mais jovens. Foto: Divulgação

No universo infantil, a Farofa do Processo reserva um lugar especial para a imaginação e a criatividade das crianças. A Cia Benedita apresenta o desenvolvimento de O Retrato de Janete, um monólogo que explora os vínculos e temores dentro do seio de uma família convencional. Por outro lado, a Cia Graxa encontra inspiração na obra do renomado escritor angolano Ondjaki, trazendo à cena A Bicicleta que tinha bigodes, uma narrativa que promete encantar o público infantil com suas aventuras e descobertas.

Após as encenações, o evento abre espaço para diálogos, com sessões de bate-papo lideradas alternadamente por figuras notáveis do teatro: Luiz Fernando Marques, diretor; Jhonny Salaberg, ator e dramaturgo; e Tiago Piragira, artista e curador do reconhecido Porto Alegre em Cena. Esses momentos de conversa oferecem uma oportunidade única para aprofundar o entendimento das obras, permitindo que crianças e adultos mergulhem mais fundo nas histórias e nos processos criativos por trás das apresentações.

Inclusão e Acesso Universal

Para a edição atual, a Farofa do Processo se compromete a implementar medidas e disponibilizar recursos visando a máxima acessibilidade e inclusão para uma ampla gama de públicos. Essas iniciativas estão alinhadas com as diretrizes e resoluções internacionais mais recentes, incluindo aquelas estabelecidas pela ONU. Sob a liderança de Vanessa Bruna, especialista em acessibilidade, a mostra contará com uma dedicada equipe de nove profissionais. Essa equipe estará disponível para prestar assistência, realizar atividades e engajar em diálogos com o público em diversos momentos do dia – manhã, tarde e noite.

Um dos serviços oferecidos será a audiodescrição personalizada, um recurso projetado para atender individualmente pessoas com deficiência visual ou baixa visão. Nesse formato, o audiodescritor ou a audiodescritora acompanhará o visitante, fornecendo narrações detalhadas diretamente ao seu ouvido, promovendo uma experiência mais íntima e customizada.

Para atender às necessidades de pessoas neurodivergentes, a Farofa do Processo também disponibilizará equipamentos específicos, como protetores auriculares e óculos especiais. Esses dispositivos são essenciais para mitigar o desconforto causado por sons altos ou mudanças súbitas e intensas na iluminação, situações que podem ser particularmente desafiadoras para indivíduos com autismo ou epilepsia.

Essas iniciativas refletem o compromisso da Farofa do Processo em criar um ambiente acolhedor e inclusivo, garantindo que todos os participantes possam desfrutar plenamente das experiências culturais e artísticas oferecidas.

Diálogos sobre Internacionalização das Artes Cênicas

Nesta edição, a Farofa do Processo enriquece sua agenda com três encontros dedicados à exploração das dinâmicas e estratégias de internacionalização nos campos do teatro e da dança. Essas sessões são concebidas como espaços de troca e aprendizado, onde os participantes compartilham insights e estratégias derivadas de suas próprias trajetórias profissionais, fomentando assim a disseminação de conhecimento sobre essa temática vital. As sessões, de caráter gratuito, serão realizadas virtualmente via Zoom, das 19h às 22h, nos dias 19, 21 e 26 de fevereiro.

Oficina de Reflexão e Ação com Jimena Garcia Blaya

Entre os dias 6 e 8 de março, a Farofa do Processo apresenta a oficina LAB: REFLEXÃO E AÇÃO ARTÍSTICA, sob a liderança da renomada artista argentina Jimena Garcia Blaya. As inscrições já foram encerradas. Esta iniciativa tem como objetivo promover um diálogo coletivo sobre o desenvolvimento de contextos curatoriais, ambientes de trabalho e projetos de mediação cultural no universo das artes cênicas, adotando uma abordagem que valoriza a inclusão, a diversidade e a conexão com as tendências atuais da produção artística. Jimena Garcia Blaya, com residência na Argentina, é uma figura proeminente no cenário das artes performativas, atuando como artista, curadora e gestora cultural especializada em dança e performances ao vivo. C

Arquipélago: Coletividade Crítica na Farofa do Processo

Neste ano, a Farofa do Processo traz uma inovação significativa ao seu programa: o Arquipélago, uma coalizão crítica formada por oito influentes veículos de crítica nacional (Guia OFF, Tudo Menos Uma Crítica, Ruína Acesa, Satisfeita, Yolanda?, Horizonte da Cena, Farofa Crítica, Cena Aberta e Agora Crítica). Esta aliança propõe a realização de atividades reflexivas ao longo de todo o evento, com o objetivo de promover um diálogo profundo sobre as apresentações e processos artísticos em destaque.

Uma das atividades centrais deste coletivo é o Boteco Crítico, uma iniciativa performática e reflexiva conduzida por Heloisa Sousa, Fernando Pivotto, Guilherme Diniz e Amilton de Azevedo. Em um ambiente informal, reminiscente das tradicionais mesas de boteco, este quarteto convida o público a participar de discussões abertas e descontraídas sobre a programação do evento. Essas conversas buscam construir, coletivamente, uma compreensão mais profunda e sensível dos espetáculos e processos artísticos apresentados.

 

Para situar a ação Boteco Crítico do Arquipélago enviei essas provocações para Heloísa Souza:

Uma cerveja é muito bom pra ficar pensando melhor…, salve Chico Science!
Qual o propósito do boteco crítico? Eu sempre achei que os grandes negócios são fechados regados a um bom drink. Será que fazer crítica também funciona assim?
– Qual a dinâmica do trabalho? Ou a dinâmica será de acordo com a demanda?
– De que forma vai ficar registrada a ação?

“Esta ação tem como objetivo instaurar um espaço informal de diálogo e debate crítico sobre a experiência de acompanhar a mostra, buscando relacionar as obras, entender os movimentos do que está sendo apresentado e conversar sobre teatro a partir daquela realidade posta. A gente remete a essa experiência comum das conversas de boteco, onde a comunhão, a cerveja e a experiência de estar junto, naquela situação, fomenta uma certa atitude filosófica diante de algumas questões. Entretanto, a própria informalidade do boteco não exige que se chegue a nenhuma conclusão ou proposição em si, o próprio diálogo é o centro, o exercício de alinhavar pensamentos juntos, de compartilhar uma percepção e observar intimamente as pessoas colocando suas questões.

Achei interessante essa lembrança que você faz em relação aos grandes negócios regados a um bom drink, tem um pouco disso, no sentido que as práticas de comunhão são formas rituais que se repetem em várias situações e pressupõem a possibilidade de estabelecer alianças e criar alguma comunidade: é um “estar junto, em volta de uma mesa ou em configuração circular, pressupondo horizontalidade”. A partilha da bebida é uma prática milenar e fundamental nesse ato, e que nasce da simbologia de um “apaziguamento”. Quando povos antigos que tinham alguma inimizade, sentavam juntos para beber alguma coisa, eles estavam indicando que ali havia possibilidade de confiança para baixar a guarda, olhar no olho e se relacionar mesmo com as diferenças. Obviamente que esse “apaziguamento” não é sinônimo de ausência completa de divergência, mas sim de criação de um espaço seguro para que as diferenças possam coexistir e se aliar de algum modo.

Geralmente, tomamos a prática da crítica como uma ação de escrita solitária ou como uma elaboração individual de pensamento; mas acho muito interessante e imaginativo, fomentar a ação da crítica como uma ação de roda e em compartilhamento, como uma forma de observar, de conversar, de ouvir que pode ser lapidada na prática da comunhão. Vai dar certo? É realmente possível? Não sei. Acho que o Boteco Crítico vai servir para gente descobrir o que é possível… tem algo de performativo nele também, neste sentido.

Vamos ter três encontros ao longo da programação do Farofa. Os encontros serão espaçados, justamente para termos a possibilidade de assistir alguns vários processos e depois poder conversar a partir dessa paisagem e não apenas sobre uma obra-projeto em si. A dinâmica interna dos Botecos vai ser entendida no próprio fazer, seguindo a espontaneidade da situação que estamos propondo também.

Não pensamos em um registro audiovisual da ação. Mas, ainda permeados pelo espaço e situação do Boteco, pensamos que os objetos comuns desse lugar como os guardanapos, podem servir como pequenos espaços de anotações, registros e isso ir se acumulando no espaço. Mas, o mais importante é como nós criamos um lugar que estimula essas formas de manejar o pensamento crítico, a partir dessas ações comuns de beber juntos, anotar no espaço, trocar, criar relações paralelas.

Heloisa Souza – crítica teatral

Sobre a Farofa

Desde sua concepção em 2020, sob o nome original de FarOFFa – Circuito Paralelo de Artes de São Paulo, a Farofa tem se destacado como um espaço de reflexão e inovação nas artes cênicas. Inspirada por uma provocação da MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, a iniciativa se concentrou inicialmente nos processos de trabalho e na internacionalização das artes. Ao longo dos anos, o coletivo se adaptou e evoluiu, explorando diferentes formatos e temáticas, desde a reflexão sobre a memória cênica até a interação direta com o público em espaços urbanos variados.

A trajetória da Farofa é marcada por momentos significativos, como a FarOFFa no Sofá, que refletiu sobre a memória da cena durante a pandemia, e a OcupAÇÃO FarOFFa, que reuniu um grande número de produtores. Internacionalmente, a Faroffa atravessou fronteiras com sua participação no Platea 21, em Santiago, integrando-se ao Festival Santiago a Mil. Outras edições exploraram formatos inovadores, como o Dispositivo FarOFFa, que promoveu encontros íntimos entre artistas e público em espaços abertos, e a Faroffa Zona, que utilizou a Kombi Joyce Sunshine para criar diálogos com diversos contextos urbanos.

A equipe da Farofa do Processo é composta por um grupo diversificado de profissionais dedicados, incluindo Adilson Corrado, Ágatha Louise, Alba Roque, Alexandre Simão de Paula, Aline Borges, Anderson Vieira, entre muitos outros. Esses colaboradores contribuem para a riqueza de experiências e de perspectivas para o programa.

SERVIÇO
Mostra Farofa do Processo
De 2 a 10 de março de 2024
Gratuito – ingressos distribuídos uma hora antes das apresentações
Atividades das 10h às 22h.
Informações e programação completa em: 
https://www.faroffa.com.br/

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O palco do mundo para além do eurocentrismo 9ª edição da MITsp investe no decolonial

Broken Chord [Acorde Rompido] faz a abertura da MITsp. Foto: Thomas Müller / Divulgação

Na sua nona edição, a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo aprofunda sua essência experimental e crítica, apostando numa perspectiva curatorial que destaca espetáculos oriundos das margens das hegemonias geográficas. Encontramos aqui obras e artistas cujas raízes territoriais, étnicas e culturais manifestam diversificadas teatralidades e investigações. A presença de criadores, grupos e pesquisadores/as da África, Ásia, Oriente Médio e América Latina reflete um esforço da MITsp de descentralizar do cânone  das narrativas eurocêntricas do teatro e ampliar o palco para outras vozes. “Neste sentido, a curadoria intensificou a perspectiva decolonial”, afirma Antonio Araujo, no material de divulgação. 

Araujo, diretor artístico, e Guilherme Marques, diretor geral, idealizadores da Mostra, aquecem as provocações sobre nosso tempo com as discussões que atravessam os trabalhos, carregadas de novos olhares para questões como memória, racismo, transfobia, identidade, conhecimento, colonialismo, entre outros.

A MITsp é um dos principais eventos de artes cênicas do país e funciona em quatro eixos principais: Mostra de Espetáculos, Ações Pedagógicas, Olhares Críticos e MITbr – Plataforma Brasil.  A programação ocorre entre entre os dias 1º e 10 de março de 2024 e conta com nove montagens internacionais, uma estreia nacional, dez espetáculos na MITbr série de oficinas, debates e conversas ao longo dos dez dias de evento.

O espetáculo Broken Chord [Acorde Rompido], uma colaboração entre Gregory Maqoma e Thuthuka Sibisi, faz a abertura dessa intensa maratona cênica no Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros. A obra mergulha  A peça mescla dança e música tradicionais africanas com elementos da dança contemporânea e música clássica europeia, e mergulha nos efeitos duradouros do apartheid, para investigar as feridas históricas.

Também da África do Sul, O Circo Preto da República Bantu, solo de Albert Ibokwe Khoza, discute racismo e violência contra corpos negros através da história dos zoológicos humanos na Europa.

Lolling and Rolling, do sul-coreano Jaha Koo. Foto de Marie Clauzade

Nesta edição da MITsp o foco se volta para a obra do diretor e compositor sul-coreano Jaha Koo, que traz ao evento sua Trilogia Hamartia, composta por Lolling and Rolling, Cuckoo e A História do Teatro Ocidental Coreano. Essa série explora a intersecção e o impacto do encontro entre culturas orientais e ocidentais na vida individual, ancorada no conceito grego de “hamartia”, que se refere a um defeito ou falha trágica.

Contado pela Minha Mãe, do libanês Ali Chahrour, outra obra da mostra, utiliza uma combinação de dança, teatro e música para narrar a história de uma mãe que se recusa a aceitar a morte de seu filho, criando poemas e canções na esperança de seu retorno.

Profético (nós já nascemos), da costa-marfinense Nadia Beugré, aborda questões de racialidade, transsexualidade e preconceito com um enfoque crítico e engajado.

A Argentina contribui com duas estreias: PERROS – Diálogos Caninos, uma colaboração entre Monina Monelli, Celso Curi e Renata Melo, explora a complexidade das relações entre humanos e cachorros; enquanto Wayqeycuna [Meus Irmãos], de Tiziano Cruz, investiga a memória e a identidade cultural através dos quipus, um artefato andino tradicional.

A MITsp investiu como produção nacional na estreia de Agora tudo era tão velho – FANTASMAGORIA IV, sob a direção de Felipe Hirsch, marcando a continuidade do festival em ser uma plataforma de lançamento para obras de artistas brasileiros renomados e emergentes.

A MITsp de 2024 reforça que é um evento chave no calendário cultural da cidade de São Paulo, e do Brasil, e reflete o compromisso do festival em oferecer um espaço para diálogos transculturais e a exploração de temas contemporâneos através do teatro, dança e performance.

Em 2024, a MITsp tem patrocínio  da Redecard, Sabesp e Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura. A mostra tem correalização do Sesi, Consulado Francês, Instituto Francês, Centro Cultural Coreano no Brasil e Goethe Institut; e copatrocínio do IBT – Instituto Brasileiro de Teatro. A realização do evento é da Olhares Cultural, ECUM Central de Produção, Itaú Cultural, Sesc SP e Ministério da Cultura – Governo Federal.

MITbr Plataforma Brasil

Lançada em 2018, a MITbr – Plataforma Brasil emerge como um componente vital da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), dedicada à promoção e internacionalização das artes cênicas brasileiras. A cada ano, a plataforma se propõe a apresentar uma seleção de obras nas áreas de teatro, dança e performance, enfatizando a diversidade regional do Brasil e abordando temas contemporâneos e urgentes.

Para a seleção dos projetos, a MITbr conta anualmente com a expertise de curadores convidados, que são encarregados de escolher entre 10 e 12 trabalhos de um conjunto de inscrições que, desde sua primeira edição, supera a marca de 400 candidaturas. O objetivo é destacar a riqueza e a qualidade da cena artística brasileira em um contexto global.

Neste ano, os curadores Marise Maués, Cecilia Kuska e Marcelo Evelin analisaram 446 inscrições provenientes de 19 estados do Brasil, do Distrito Federal e de países da América Latina. A seleção resultou em dez obras que serão vistas entre o público geral por um grupo composto por cerca de 100 programadores nacionais e internacionais, uma investida para  ampliar o reconhecimento e a circulação das artes cênicas brasileiras no cenário mundial.

As obras escolhidas para a nona edição da MITsp são representativas da riqueza artística brasileira, cada uma originária de diferentes cidades do país, demonstrando a vasta gama de estilos e temáticas abordadas pelos artistas nacionais:

Ané das Pedras da Coletiva Flecha Lançada Arte, é uma obra que vem do Crato (CE) e da aldeia Kariri-Xocó (AL). O espetáculo explora a relação indígena com a terra e a natureza através de um ritual de plantação de pedra, destacando a visão indígena sobre a existência e a comunicação com o meio ambiente. Por sua vez, Dança Monstro”, da Cia. dos Pés, vem de Maceió (AL) e investiga a interação entre o corpo humano e a natureza, utilizando a dança como meio de conexão com o essencial.

EU NÃO SOU SÓ EU EM MIM – Estado de Natureza – Procedimento 01, do Grupo Cena 11, originário de Florianópolis (SC), propõe uma reflexão sobre a identidade brasileira, misturando dança e teoria para questionar o conceito de “povo brasileiro”. 

Gente de Lá, de Wellington Gadelha, traz uma perspectiva de Fortaleza (CE), apresentando um olhar crítico sobre a violência estrutural dirigida à população negra no Brasil, através de uma performance que mescla artes visuais e movimento.

Já O que mancha, de Beatriz Sano e Eduardo Fukushima, é um projeto de São Paulo (SP), que desafia as fronteiras entre o movimento e o som, questionando dualidades como humano/animal e masculino/feminino. 

Meu Corpo Está Aqui”, produzido pela Fábrica de Eventos do Rio de Janeiro (RJ), aborda as experiências de pessoas com deficiência, explorando questões de relacionamento, corpo e desejo.

Lança Cabocla, da Plataforma Lança Cabocla, é um espetáculo multimídia que une São Luís (MA), Fortaleza (CE), Salvador (BA) e São Paulo (SP), explorando danças populares e afrodiaspóricas em um contexto contemporâneo.

7 Samurais, de Laura Samy do Rio de Janeiro (RJ), inspira-se no clássico filme Os Sete Samurais para criar uma ponte entre os guerreiros japoneses e os artistas de hoje, investigando suas lutas e existências.

Eunucos, das Irmãs Brasil, com origens em São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), reflete sobre a castração, a transição de gênero e as performances de gênero em uma abordagem crua e simbólica.

Wilemara Barros é a artista em Foco da MITbr e apresenta o espetáculo Preta Rainha. Foto: Luciano Gomes

E por fim, a peça da “Artista em Foco” deste ano. Preta Rainha é um solo autobiográfico que percorre a vida de Wilemara Barros, bailarina e educadora vinculada à Cia. Dita, sediada em Fortaleza. Aos 60 anos, Barros apresenta uma obra que funciona tanto como uma introspecção pessoal quanto uma exposição pública de sua rica jornada artística. 

Preta Rainha é mais do que uma performance; é um mergulho profundo nas memórias pessoais e afetivas de Barros, traçando sua evolução desde os primeiros passos no balé clássico até a consagração como artista contemporânea. Este solo narra a história de sua vida e reflete sobre a herança cultural e ancestral que lhe foi transmitida por sua família. A peça se destaca por seu caráter introspectivo e pela maneira como Barros se apropria de seu legado, reafirmando sua identidade e contribuição para a dança brasileira.

Além de criar uma vitrine para os talentos brasileiros no cenário global, a MITbr – Plataforma Brasil, incorporou uma série de programas educacionais e de reflexão, como o Seminário de Internacionalização das Artes Cênicas Brasileiras e workshops destinados a capacitar artistas e produtores locais. Guilherme Marques destaca a importância da preparação além da produção artística. Ele ressalta que o mercado internacional, com sua estrutura altamente organizada, exige dos profissionais não apenas excelência artística, mas também um profundo entendimento das dinâmicas de negociação e comunicação. Isso é fundamental para que as obras alcancem os programadores e plataformas ideais. Marques aponta para a lacuna existente no Brasil em relação ao papel do agente-difusor, uma figura chave no mercado internacional de artes, mas ainda pouco presente no contexto nacional.

Ações críticas e pedagógicas

O segmento Olhares Críticos destaca a participação de Achille Mbembe, renomado filósofo, historiador e acadêmico camaronês. Mbembe, uma figura proeminente nos estudos pós-coloniais, é conhecido por suas análises afrocêntricas dos impactos do colonialismo tanto na África quanto globalmente, além de ter introduzido o conceito de necropolítica. Sua participação na MITsp inclui uma aula magna programada para ocorrer na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) no dia 4 de março, marcando um dos pontos altos do evento.

Para o ano de 2024, a curadoria do Olhares Críticos está sob a responsabilidade de Leda Maria Martins, ensaísta, dramaturga e professora, que visa fomentar o debate sobre as intersecções entre as artes cênicas e questões contemporâneas. Este eixo do evento será enriquecido por uma série de atividades que incluem conversas com pensadores e pesquisadores de diversas disciplinas, além da publicação de uma variedade de materiais críticos, como críticas, artigos e entrevistas. Entre os destaques da programação estão as sessões de Reflexões Estético-Políticas, Pensamento-em-Processo, Diálogos Transversais e Prática da Crítica, prometendo um ambiente rico em diálogo e reflexão crítica sobre o papel e a influência das artes cênicas na sociedade contemporânea.

No segmento de Ações Pedagógicas da MITsp, sob a curadoria de Dodi Leal, que é performer, docente e investigadora, o público é convidado a mergulhar no universo criativo dos artistas participantes por meio de uma programação diversificada que inclui diálogos, oficinas, apresentações musicais e atuações. Um dos pontos centrais é o Encontro de Pedagogias Teatrais, que visa a renovação das técnicas de criação no teatro através da exploração de metodologias educacionais influenciadas pelos conhecimentos transgêneros. Outra iniciativa significativa é o Laboratório de Pedagogias da Performance, que promove o encontro de artistas e acadêmicos, tanto nacionais quanto internacionais, para discutir e praticar a arte performática, destacando-se a participação da artista argentina Susy Shock.

Além desses eixos, a MITsp oferece a edição de Cartografias, um catálogo que funciona como um compêndio de ensaios, entrevistas e artigos elaborados por pesquisadores e artistas do Brasil. Esta publicação resulta de uma colaboração com o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), sendo editada pelo professor e pesquisador de artes cênicas, Ferdinando Martins. Cartografias busca não apenas documentar as diversas vozes e perspectivas presentes na MITsp, mas também contribuir para o debate acadêmico e prático dentro das artes cênicas contemporâneas.

9ª MOSTRA INTERNACIONAL DE TEATRO DE SÃO PAULO

Quando De 1º a 10 de março 

Onde: São Paulo: Biblioteca Mário de Andrade, Centro Cultural Olido, CCSP – Centro Cultural São Paulo, Cúpula do Theatro Municipal de São Paulo, Itaú Cultural, Teatro Cacilda Becker, Teatro Paulo Autran – Sesc Pinheiros, Teatro Antunes Filho – Sesc Vila Mariana, Teatro Anchieta – Sesc Consolação, Teatro do Sesi-SP e Tendal da Lapa.

A programação completa está disponível no site www.mitsp.org.

 

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