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A vida como ela é: Luis Antonio – Gabriela

Espetáculo Luis Antonio Gabriela, no Teatro Luiz Mendonça, no Recife. Fotos Ivana Moura

Luis Antonio – Gabriela é um pedido de desculpa a um irmão morto. É também uma tentativa de entender as radicais diferenças quando alguém “nasce num corpo errado”. Uma experiência catártica. E uma tentativa de expurgar um fantasma. Chamado de documentário cênico ou ficção verdade, o espetáculo dirigido por Nelson Baskerville, com produção da Cia. Mungunzá de Teatro, no mínimo inquieta o espectador. Ele foi exibido ontem e tem outra sessão hoje, dentro do Festival Recife do Teatro Nacional, no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu.

Com extrema coragem, que esses tempos covardes necessitam, o ator e diretor Nelson Baskerville sangra sua própria história. Seu irmão mais velho, Luis Antonio (interpretado por Marcos Felipe), nasceu em 1953. Nelson, oito anos depois, em 1961. Ainda menino, Luis Antonio se sentia inadequado naquele corpo. Seu pai batia muito nele, porque queria arrancar daquele “pele curta” uma atitude viril. Ele viveu em Santos até os 30 anos e passou quase três décadas sem comunicação com a família. Mudou-se para a Espanha. Em Bilbao, assumiu a identidade de Gabriela e foi estrela de shows em boates. Morreu em 2006, vítima da aids.

É um passado familiar complicado, que muita gente tenta varrer para debaixo do tapete. Baskerville futuca esse passado sem pudor e mostra que o mundo não e feito de super-heróis. Qualquer um tem seu lado bom. Qualquer um tem seu lado podre. Então o garoto que poderia ser encarado com vítima da intolerância, abusa sexualmente do pequeno Nelson.

Espetáculo obrigatório da Cia. Munguzá de Teatro

A dramaturgia fragmentada foi construída por Nelson Baskerville e Verônica Gentilin a partir de depoimentos de familiares e amigos de Tonio. E chega ao palco projetando a desordem do grupo familiar, com um pai violento, uma mãe omissa e um bando de filhos, seis da parte dele, três da parte dela, que eram viúvos. Totalmente disfuncional.

Uma profusão de imagens é projetada da parafernália tecnológica, captadas e geradas pelos próprios atores, além de imagens de arquivo e um depoimento do diretor do espetáculo. A iluminação não convencional também é operada pelo elenco e cria climas diversos com a utilização de panos coloridos cobrindo as lâmpadas em determinadas cens, por exemplo.

O cenário poderia ser uma instalação de arte contemporânea. Na cena em que Maria Cristina leva Luis Antonio ao Museu Guggeinhein de Bilbao caem 22 telas 22 telas do jovem artista plástico Thiago Hattner. Pendurados estão sacos de soro que remetem para os problemas que o protagonista enfrenta. Também cabe aos atores executar a trilha sonora composta por Gustavo Sarzi. É uma música poderosa, repleta de vigor, realizada ao vivo, com piano, guitarras, entre outros instrumentos.

Montagem ousada fez sucesso na temporada paulista.

Os atores/narradores mostram a trajetória do menino que virou homem, que virou travesti. Marcos Felipe interpreta o personagem-título com força e alegria. Revela as múltiplas facetas de Luis Antonio/Gabriela de forma apaixonante. Evitando qualquer tipo de maniqueímo, o ator explora as variadas facetas do personagem: feliz, cruel, generosa, egoísta, vítima e algoz. Para fugir dos clichês, o protagonista também não usa salto alto, mas anda na ponta dos pés como se estivesse usando. Isso cria uma instabilidade no andar, uma coisa titubeante que pontua a situação da figura, sempre na corda bamba.

Nelson Baskerville é personagem interpretado por Veronica Gentilin. Também estão no elenco competente Day Porto, Sandra Modesto, Virginia Iglesias, Lucas Breda.

O espetáculo estreou em março deste ano. Assisti antes no espaço do Galpão do Folias, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo. O local menor, meio claustrofóbico, e com a cena realizada mais próxima da plateia me pareceu mais forte, mais pancada, mais hard. No Teatro Luiz Mendonça, com seu palco e aquela bocarra de cena o espetáculo também mostrou se vigor estético pulsante. Mas é diferente. Um coisa bem interessante que o grupo fez foi abrir o fundo do palco, que dá para o parque, nos minutos finais do espetáculo. Foi uma ótima sacada.

Luis Antonio – Gabriela expõe a realidade dura e crua, bela e cruel. Sem nada de limpeza asséptica (como querem alguns), mas repleta de sujeitas, muitos ruídos, lapsos. Mas sem perder o lirismo e ambiguidades da figura do travesti.

Montagem ressalta lirismo e ambiguidade do travesti Gabriela

Luis Antonio-Gabriela
Quando: Hoje, às 21h
Onde: Teatro Luz Mendonça, no Parque Dona Lindu, em Boa Viagem
Quanto: R$ 5
Informações: 3355-9821 / 3355-9845
Classificação: 16 anos

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