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O Teatro Ventoforte e suas muitas chaves

Ilo Krugli, criador do Teatro Ventoforte. Foto: Pollyanna Diniz

Ilo Krugli, criador do Teatro Ventoforte. Foto: Pollyanna Diniz

Quem entra no meio de uma apresentação do Teatro Ventoforte – grupo criado há 40 anos pelo diretor, dramaturgo, ator, poeta e artista plástico Ilo krugli – , pode não entender nada. Dependendo do momento em que esteja a encenação, quem sabe imagine até que a peça já terminou e os atores agora recebem o afago do público.

As 4 Chaves, por exemplo, espetáculo apresentado no Aldeia Yapoatan – II Mostra de Artes em Jaboatão dos Guararapes, quebra quaisquer limites entre atores e plateia, só que de uma forma bastante orgânica. Talvez porque as crianças tenham mesmo pouco pudor em se entregar a uma experiência ou porque é simplesmente outra maneira de pensar a encenação, sem que seja uma imposição subir ao palco ou que você tenha a lucidez de pensar, como tantas vezes acontece: “ok, chegou a hora da interação com o público. Podemos pular? Qual o próximo passo da cartilha mesmo?”.

Parte do público assistiu à peça no palco

Parte do público assistiu à peça no palco

Se para quem foi assistir à peça, a mudança é significativa, isso também acontece com o ator. A maneira fluida de pensar a encenação de As 4 Chaves exige outro estado de energia e de atenção. É como se todo o treinamento físico e preparação não fossem suficientes para dar conta dos estímulos e da efetividade das relações que podem ser construídas. A obra, embora com as amarrações e delimitações do grupo, de fato se estabelece quando há não só o encontro, mas a participação do outro.

O elenco conta com, além de Ilo lrugli, Ana Maria Carvalho, Rodrigo Mercadante, Karen Menatti, Juan Velásquez, Alexandre Lavorini, Valquíria Rosa Elaine Duarte, Leandro Alma, Vanessa Carvalho, Thiago França e os músicos-atores Anderson Areias, Flávia Cunha e Bruno Lavorini. Os destaques vão para Juan Velásquez, que é o narrador da história; Rodrigo Mercadante e Karen Menatti, esses dois últimos também integrantes da Cia do Tijolo.

No enredo, quatro personagens e seus desejos: Joana quer engravidar; o Gigante sonha com um coração; Zé precisa de pão; e o Desconhecido seria tão mais feliz com uma namorada! Nada muito complicado – mas o que a partir daí pode surgir, é sempre uma surpresa. E assim lá se vão duas horas de peça.

Crianças ajudam a realizar o sonho de Joana

Crianças ajudam a realizar o sonho de Joana

A musicalidade é um dos pilares da encenação proposta por Ilo Krugli: os atores tocam e cantam, numa encenação completamente pontuada pelas canções. Outra base de trabalho é a cultura popular, que pode se evidenciar na escolha do repertório, no figurino, no cenário.

É um espetáculo lúdico, que vai funcionar ainda mais à medida em que as respostas do público são dadas. E essa construção não é um caminho fácil: por vezes, por exemplo, nos perguntamos se o enredo tem mesmo a força para segurar a proposta da encenação; é como se a história ficasse tão pulverizada que perdesse em potência. O texto aqui é visto como um elemento de composição nessa colcha de retalhos. Mas a impressão é que a experiência poderia ser alavancada pelo texto e isso não necessariamente acontece.

Outra questão que se mostra prioritariamente por conta da estrutura da montagem é a dificuldade em cortar e se livrar dos excessos da encenação. Aparar as arestas não é nada fácil. O espetáculo se mostra longo e da mesma forma que é uma maratona para os atores, é para o público. Quando, inclusive, todos imaginam que a montagem está resolvida, uma nova questão se estabelece e a peça parece recomeçar, mas já sem o fôlego inicial.

Ainda assim, mesmo com ponderações, a criatividade de Ilo Krugli e a competência do elenco que ele reuniu em As 4 Chaves são indiscutíveis. É mesmo emocionante ver um homem com mais de 80 anos no palco e nos mostrando que é possível pensar além de uma forma já estabelecida, nos fazendo enxergar possibilidades, nos abrindo horizontes de percepção.

*Este texto é resultado de uma parceria com o Sesc Piedade, realizador do Aldeia Yapoatan

Espetáculo foi encenado na lona de circo montada no Sesc Piedade

Espetáculo foi encenado na lona de circo montada no Sesc Piedade

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Espetáculo Párias vale pela metade

Arion Medeiros no monólogo Sobre os males do fumo

O espetáculo Párias – Somos vários dessa espécie faz a última sessão desta temporada nesta sexta-feira, no Espaço Muda (Rua do Lima, 280, Santo Amaro).

A montagem é composta por dois textos curtos: Sobre os Males do Fumo de Anton Tchekov (1860-1904) e O Pária de August Strindberg (1849-1912).

O ator Arion Medeiros interpreta Sobre os Males do Fumo, monólogo repleto de tensões internas do protagonista, em que um homem é dominado pela mulher, sufocado pela sociedade. Trata-se de um intelectual decadente que vai dar uma palestra sobre o assunto do título, mas enquanto ela não chega, ele critica os valores que norteiam uma gente consumista e com visão estreita.

Espetáculo se despede hoje do Muda

Há muitos anos atrás, Medeiros foi dirigido com esse mesmo texto pelo saudoso Rubem Rocha Filho. A direção atual é assinada por Jorge Féo. Mas a mão de Rocha Filho está presente na montagem, ele que era um exigente diretor de ator.

Arion Medeiros consegue extrair do personagem as nuances, seja nas entonações, nos gestos desengonçados, nas intenções. Sua figura ajuda na composição desse personagem que parece o retrato do declínio humano perante a força capitalista do mundo. Sua atuação é comovente. Há brilho nos olhos e todo um gestual contido que humaniza a figura que desperta até compaixão.

Jorge Féo e Thiago França interpretam Strindberg.

O Pária tem direção assinada por Arion Medeiros e no elenco estão Jorge Féo e Thiago França. É uma das poucas peças curtas de Strindberg.

Dois homens se encontram no mesmo espaço e durante uma tempestade discutem sobre ética, moral, ganância, impunidade, justiça, dissimulação, mentira, chantagem. Até onde o ser humano é capaz de ir para salvar sua pele? Até onde ele pode descer para se dar bem? Por quanto ele é capaz de vender, roubar ou tirar a vida de outro ser humano? Essas questões são colocadas em debate com fina ironia e uma sofisticada teia que se enrola e desenrola no texto.

Eu disse, no texto de Strindberg. O problema dessa segunda parte do espetáculo é que a rica elaboração do autor … não se traduz no corpo, nos gestos, na voz, na intenção, no peso, na comunicação com a plateia.

É verdade que existe um desnível entra a atuação dos dois. Thiago França tem mais domínio da situação que escapa a Jorge Féo. Ele não convence em absolutamente nada. O andar é forçado, os gestos são inadequados, a voz não dá credibilidade. E, além disso, o texto de Strindberg exige um jogo de cumplicidade entre os atores fortíssimo, o que não acontece.

Então, no quesito atuação Párias – Somos vários dessa espécie vale só pela metade, pela primeira parte do espetáculo. A segunda é deprimente. Foi assim pelo menos para mim.

A trilha sonora original de Zé Manoel merece ser aplaudida. Ela cria os climas interessantes para o espetáculo. Ele compôs um valsinha para Sobre os Males do Fumo e fez uma pesquisa musical para a trilha que tem músicas dele próprio, de Carlos Gomes (Brasil), Astor Piazolla (Argentina) e Eduardo Mateo (Uruguai).

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Amor de blog

“Oi, no momento não posso atender, deixe seu recado após o sinal que em breve retornarei, disse a secretária eletrônica com voz de me coma de quatro. Eu não deixei nenhum recado, continuei mudo segurando o telefone na orelha. É tão engraçado, a gente para no tempo e fica viajando sem mala e sem avião, o passaporte era o telefone, pus no gancho e entrei no carro. Apenas uma luz acesa naquele edificiozão. O apartamento dela iluminado, as janelas abertas e apenas uma secretária lá dentro, eletrônica. Só pode ser uma patologia, só pode. Vou contar um segredo porque sou seu amigo e confio em você: tenho fixação pela secretária eletrônica. Eu sei que é a Vanessa, mas aquela voz, aquela voz parecia ser de outra pessoa. Eu ligava mais de trinta vezes por dia só para poder ouvir ela dizendo oi, no momento não posso atender, deixe seu recado após o sinal que em breve retornarei”. (Cleyton Cabral)

Gostou? Terça-feira, no Espaço Muda (Rua do Lima, 280, Santo Amaro) tem muito mais! Esse foi só um trechinho de um texto que ‘pesquei’ do blog Cleytudo; vários deles serviram de base para esta edição do Leia-se: Terça!, que está sob a direção de Rafael Almeida, e traz no elenco Evandro Lira, Fernanda Mélo, Luana Lira, Luciana Pontual e Thiago França.

“São textos sumários falando dos encontros e desencontros do coração, a descoberta do amor, as ilusões e desilusões amorosas. Os textos falam do cotidiano, mas de uma forma peculiar”, conta Rafael. A leitura dramática de Hoje quero falar de amor está marcada para 20h. E já estamos sabendo que na próxima edição, o texto também é de Cleyton, mas desta vez um infantil, que participou de uma série de leituras dramáticas no Sesc Santo Amaro no fim do ano passado (foi em janeiro deste ano!): O menino da gaiola. Ah, não tem cobrança de ingresso, tá? É “contribuição espontânea”!

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