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Aos eternos sonhadores
Crítica do espetáculo Sueño

Paulo de Pontes  no papel de Shakespeare. Foto: Priscila Prade/Divulgação

Leopoldo Pacheco no papel de vilão. Foto: Joao Caldas Filho/Divulgação 

Enquanto teclo esse texto da minha casa provisória entre Perdizes e Pompeia, o espetáculo Sueño faz a última sessão desta segunda temporada no Itaú Cultural, na Avenida Paulista. Minha aposta comigo mesma é terminar essa escrita antes do final da sessão. Como a peça é longa, tenho tempo, acho.

Assisti três vezes à montagem na primeira temporada, na área externa do Teatro João Caetano, com aquele sentimento de urgência de comer teatro presencial dos bons. Uma tensão, aquele frisson, público reduzido, lotação esgotada, gente voltando da porta porque não cabia mais ninguém. E aquele jardim, quintal, sei lá, com um clima mágico, orquestrada por uma árvore imensa que parecia um espelho com raízes no ar. A árvore foi incorporada à encenação e exalava mistérios. Isso foi em novembro de 2021. Escrevi uma longa crítica na época, que pode ser acessada aqui.

Quase dois anos depois, Sueño fez a segunda temporada na caixa preta de um teatro, de 31 de agosto a 17 de setembro. Muitas sessões. A árvore foi recriada como cenário. E tudo se acomodou bem no palco convencional.

José Roberto Jardim no papel de Vini e Michelle Boesche como Laura. Foto: João Caldas/Divulgação

O público “ainda” gosta de uma história bem-contada no teatro. A tirar pelos depoimentos apaixonados colhidos nesta temporada de Sueño. Newton Moreno, autor e diretor do espetáculo, costura as cenas com a maestria de artesão, monta e desmonta, cria climas e transforma em outras tensões.

Sueño é puro teatro. É jogo, dramaturgia e atuação. Sueño é um deleite questionador. E as cenas vão se encaixando num quebra-cabeças, para expandir os pensamentos.

Newton chama o teatro contemporâneo para a dança, mas convida outros gêneros a deslizar pelo salão. Leva à cena a figura do dramaturgo inglês William Shakespeare (a reclamar da Rainha Elizabeth, sedenta por mais uma peça, desta vez com algum truque de casamento),  a contracenar com um diretor latino-americano.

A peça louva o teatro, a partir da atuação da trupe do diretor Vini (José Roberto Jardim), que idealiza montar Shakespeare na ascensão do ditador chileno Augusto Pinochet (1915-2006), em 1973. O foco está no Chile, mas aponta para as fragilidades democráticas da América Latina e os golpes que sofreu.

Leopoldo Pacheco e Sandra Corveloni . Foto: João Caldas Filho/Divulgação

José Roberto Jardim e Simone Evaristo. Foto: João Caldas Filho /Divulgação

Vini entrou na luta armada por influência da namorada, Laura (Michelle Boesche), que é filha de uma mulher da alta sociedade decadente, viúva de um militar e apoiadora do golpe de Pinochet (papel de Sandra Corveloni, em substituição a Denise Weinberg). Um alto posto do governo ditatorial (Leopoldo Pacheco) tem por Laura uma paixão doentia. Ele é autor de vários crimes que são citados no palco.  

O casal consegue fugir, mas não ficam juntos. Laura, grávida, é captura pelo regime. Vini alimenta no exilio o desejo de montar Sonhos de uma Noite de Verão. A peça faz o arco da tomada do poder por Pinochet até o retorno do diretor obstinado, que enfrenta o capitalismo brutal que ganhou forças com o regime, e procura encontrar sua filha.  

A peça vai do conteúdo onírico à tragédia familiar, com pitadas de Nelson Rodrigues. São muitas camadas.  

O elenco está afinado com brilho para todos os participantes. É fascinante a versatilidade de Paulo de Pontes, como exasperado Shakespeare ou o operário-ator. Leopoldo Pacheco é odiento no papel do militar torturador e nojento no de funcionário da construtora que quer erguer um prédio no local do teatro de Vini. 

José Roberto Jardim, o Vini, acentua o caráter utópico da personagem, como também as marcas da sua trajetória de artista e cidadão da Latino América, a carregar no corpo as marcas dos golpes ditatoriais. Michelle Boesche interpreta a engajada Laura com sentimentos revolucionários e a pragmática Norma, que chega a ser risível em sua obsessão por metas. O excelente Puck/feiticeira de Simone Evaristo ganha mais presença e expõe muitas facetas do seu talento. 

Sandra Corveloni investe mais na futilidade, no esnobismo da grã-finagem, como a mãe alcoólatra da revolucionária ou na leveza para o cômico de Titânia ou Rainha Elisabeth. Ela também expõe com sutileza a dor materna de quem perdeu a filha. É um registro bem diferente do de Denise Weinberg, que trabalhava uma carga dramática mais concentrada e pesada. Muito rico ter visto as duas em cena. 

A atuação de Corveloni também funciona como marcador de tempos. O Brasil respira com menos tensão agora que se livrou do Bolsonaro e aposta na gestão Lula com esperança por dias melhores.   

A direção e execução musical ao vivo a cada sessão de Gregory Slivar acentua todos os climas e dá sustentação para as cenas e suas mudanças.

Depois de Sueño o coração teima em bater repleto de emoções e, espero, com coragem para as próximas batalhas. Pois a vida é luta. E o teatro é bom. Traz Shakespeare para o nosso quintal. E que alegria que esses sonhadores encontraram condições e parceiros certos para esse exercício de utopia.

Ficha técnica:

Dramaturgia e direção geral: Newton Moreno
Direção de produção: Emerson Mostacco
Direção musical: Gregory Slivar
Direção de movimentos: Erica Rodrigues
Elenco: Leopoldo Pacheco, Sandra Corveloni, Paulo de Pontes, José Roberto Jardim, Michelle Boesche, Simone Evaristo e Gregory Slivar (músico ao vivo)
Atriz criadora da primeira temporada: Denise Weinberg
Desenho de luz: Wagner Pinto
Figurinos: Leopoldo Pacheco e Chris Aizner
Adaptação de cenário: Equipe de criação do Sueño
Colaboração (cenário): Chris Aizner
Visagismo: Leopoldo Pacheco
Assistente de dramaturgia e pesquisador: Almir Martines
Assistentes de direção: Katia Daher (primeira etapa) e Erica Rodrigues
Assistente de produção: Paulo Del Castro
Assistente de luz: Gabriel Greghi
Adereços e cenotécnico: Zé Valdir Albuquerque
Estrutura de box truss: Fernando Hilário Oliveira
Desenho de som: Victor Volpi
Operador de luz: Gabriel Greghi
Operador de som e microfone: Dugg Mont
Microfonista: Matheus Cocchi
Historiador e consultor shakespeariano: Ricardo Cardoso
Designer: Leonardo Nelli Dias
Fotos: João Caldas
Produção: Mostacco Produções
Idealização: Heroica Companhia Cênica

 

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O insuportável mau cheiro da memória
Crítica do espetáculo Sueño

Paulo de Pontes e Denise Weinberg; ao fundo, José Roberto Jardim e Michelle Boesche. Foto: João Caldas Fº_

Simone Evaristo e Leopoldo Pacheco. Foto: João Caldas Fº/ Divulgação

Fora dos espaços convencionais de edifícios teatrais ocorrem nessa pós-ainda-pandemia, em São Paulo, algumas das experiências mais desconcertantes e arrebatadoras. Uma delas acontece no quintal, na área externa do teatro João Caetano, na zona sul da capital paulista e se chama Sueño. O texto e a direção de Newton Moreno abrem trilhas de diálogos com uma América Latina  ferida, mas não abatida, com suas veias sangrando, mas que pulsa de utopia nos subterrâneos.

Sueño ocupa seu lugar na constelação da arte das emergências, que articula estratégias dos saberes latinizados, dos pensamentos subalternos, das forças de resistência que não hesitam em se afirmar. Diante do avanço dos agentes conservadores em escala global e dos retrocessos da democracia, o espetáculo toma posição nos combates anticapitalistas, anticolonialistas e antipatriarcais na cena incorporada, dos corpos em ação.

Pois é no campo da luta e da crítica à realidade recente que Sueño avança na perspectiva de revitalizar o horizonte. Lembrando o professor e escritor português Boaventura de Sousa Santos a luta é um conceito de resistência, através do qual uma mínima possibilidade de liberdade é convertida em um impulso de libertação. O grande combate e o pequeno combate.

Não dá para esconder o fedor das ditaduras das Américas. Mais que o “insuportável mau cheiro da memória” dos versos de Drummond, as visões do horror, os gritos desesperados repercutem na peça em atravessamentos sofridos e brutais. É um diagnóstico radical nesse panorama de incertezas da democracia.

Para tratar da complexidade do contexto contemporâneo Newton Moreno engenhosamente cria camadas envolventes, da peça dentro da peça, da ditadura chilena como ponto de ressonância do avassalador massacre autoritário na América do Sul.

Passado, presente e futuro se imbricam nesse manifesto poético-político, como quer o dramaturgo/ diretor, que cutuca nossa sensibilidade. Newton Moreno faz de sua indignação, arte. Da sua revolta, teatro. Cria dispositivos que operam nas dinâmicas de produção da vida. Os desafios são enormes.

As dramaturgias vêm com pulsões insubordinadas, quase revoltosas contra a realidade do passado e do presente, inquietas de futuros. Os contextos de ontem e de hoje são assustadores, sabemos.

Mas como atesta o crítico argentino Jorge Dubatti o teatro se configura como o espaço de fundação de territórios de subjetividade alternativa, espaços de resistência, resiliência e transformação, sustentados no desejo e na possibilidade permanente de mudança.

Terreno fértil de práticas micropolíticas, micropoéticas, o teatro contemporâneo latino-americano tem um papel fundamental no aguçamento dessa memória traumática. O teatro é, sem dúvida, esse espaço de análise crítica, de reflexão dos episódios políticos da América Latina.

Michelle Boesche, Foto João Caldas Fº_

Uma enorme árvore, com toda a carga de ancestralidade está fincada no centro do cenário desse Sueño. Sua visão onírica abre portais para rotas individuais do esplendor do cair da tarde para a noite enigmática. Nesse ambiente o elenco – formado por Denise Weinberg, Leopoldo Pacheco, Michelle Boesche, José Roberto Jardim, Paulo de Pontes e Simone Evaristo, e o músico Gregory Slivar – conduz um público de 30 pessoas por uma viagem desafiadora.

O sonho instala, de acordo com Freud, um espaço para realizar desejos inconscientes reprimidos. Muitos desejos circulam no ambiente da peça, provocados pelas traquinagens de Puck, a fada travessa; a luta contra a tirania, a força bruta, e as contradições dos movimentos revolucionários.

O corpo dos atores está impregnado das impressões sensoriais da experiência de sufocamento, dos resíduos das várias guerras travadas no coração do povo. Entre o sonho e o momento desperto erguem-se as estratégias de sobrevivência. Sueno atua como guardião da existência, um compromisso estético de investigação e descobertas de caminhos, de camadas, de feixes de luz.

Para erguer essa dramaturgia dura, forte, Moreno circulou pelo Uruguai, Argentina, Chile e Peru, visitou o Museu da História e dos Direitos Humanos, em Santiago, e o Espacio Memoria, em Buenos Aires. Chocou-se com imagens e depoimentos de crianças arrancadas das famílias por ordens do general Augusto Pinochet ou do espaço que serviu de centro de tortura argentino.

Fez suas conexões com a Operação Condor (campanha de repressão política e terror de Estado, promovida pelos Estados Unidos, envolvendo operações de inteligência e assassinato de opositores implementada em novembro de 1975 pelas ditaduras de direita do Cone Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai). Mergulhou nos arquivos da Comissão Nacional da Verdade, que investigou crimes repressivos dos militares brasileiros na ditadura, e releu obras como As Veias Abertas da América Latina, do uruguaio Eduardo Galeano, e A Elite do Atraso, do sociólogo Jessé de Souza.

Memória da violência

O ponto de vista é do artista, do diretor, do utópico. Numa performance da memória de quem está inscrito à margem. Dos que foram vítimas do poder institucional. É o conhecimento dos vencidos. Ao mesmo tempo põe no centro da pulsação a relevância do fazer artístico e do fazer teatral. E isso diz muito da resistência atual no Brasil e outros países atingidos pelos detratores da cultura, da ciência, dos direitos humanos.

Ao falar do horror dos rastros da ditadura, das atrocidades promovidas pelas elites, Newton levou para a cena a prática da elite chilena exploradora de cobre, que devastou natureza e pessoas.

Denise Weinberg e José Roberto Jardim. Foto João Caldas Fº

A peça corre de forma não linear, entrelaçando temporalidades num encadeamento dialético. Uma plasticidade que expõe fendas profundas da ditadura escancarada, a crueldade e arbitrariedade dos tempos idos e seus reflexos no presente.

Nesse metateatro, uma trupe teatral interrompe uma montagem de Sonho de uma Noite de Verão, de William Shakespeare, com o golpe militar de 1973 que depôs o então presidente Salvador Allende e que iniciou uma ditadura que se prolongou até março de 1990 com Pinochet. O diretor Vine e sua companheira, a atriz Laura, que está grávida, resolvem fugir do país. Ela, filha de uma importante e conservadora família do Chile, vai para a luta armada. 

E os atores, matérias-primas desse Sueño?…
Próspero, na peça A Tempestade, atenta que “Nós somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos; nossa vida pequenina é cercada pelo sono”.

A atriz Denise Weinberg é uma mulher de teatro e tem o domínio do tempo e da direção dos ventos, com todas as nuances. Ora rainha, ora personagem de Shakespeare. Mãe alcóolatra, da elite chilena indulgente com as atrocidades. Cúmplice do novo regime, mas que não é poupada dos horrores provocados pela ditadura. Avó arrependida, mas que mantém o ranço da alta sociedade. Ela nos transpassa com egoísmo concentrado dos ricaços e se descama do orgulho enquanto um mar revolto de emoções explode na cena.

Laura, personagem de Michelle Boesche como filha, assume o protagonismo questionador ao governo, representando os jovens e as mulheres, duas forças de resistência e contestação. A neta, criada sem saber sua verdadeira identidade, aparece com visões políticas e sociais opostas à de seus pais. As ligações insólitas da mão invisível do sistema. Michelle imprime uma interpretação com leveza e vigor.

A entrega do ator Leopoldo Pacheco nos entrechos e a carga de cinismo e ignomínia do militar facínora evidencia a face desses criminosos históricos. Com uma grande atuação, ele nos coloca, nós espectadores, num lugar bizarro de espichar a humanidade a esses infames malfeitores da humanidade quando eles perdem seu poder, mas não a índole cruel, e se disfarçam de coitados.

Vine, o metadiretor do espetáculo, vivido por José Roberto Jardim, segue guarnecido de poesia e cria em seus delírios outros mundos. Com uma atuação contida, por vezes esfíngica, Jardim segue sinalizando passagem, entre a defesa do teatro e o enfrentamento às megacorporações que buscam massacrar os ideais.

Simone Evaristo assume o papel de Puck e outras intervenções performáticas de forte apelo visual. Com suas agilidade e presença, ela funciona como o sal da terra, a equilibrar e desequilibrar o percurso de Sueño.

Paulo de Pontes. Foto: João Caldas Fº / Divulgação

E o que dizer de Paulo de Pontes? Ele está pleno, iluminado, com total domínio do seu ofício. Trafegando com desenvoltura pelos personagens, de Shakespeare, ou como um mineiro-ator. A cena dele transformado em asno com Denise é um jogo magnífico. O ator mistura referências, canônicas e populares, como a de Genival Lacerda, e subverte com propriedade as estratificações. Paulo de Pontes, ator que acompanho há vários anos, está brilhante nesta peça, assumindo vários registros interpretativos com a mesma potência. 

A encenação oferece ao espectador muitas gratificações na condução da fábula, que permite chegar à assombração da barbárie, mas salteada por oníricas imagens. As fantasias visuais funcionam como amortecedores sensoriais. Os fluxos energéticos se cruzam em movimentos de revelar/encobrir, em que todos os atores se desdobram num jogo de encaixe.

Sueño é daqueles espetáculos que sentimos uma profunda gratidão por ter sido erguido, com suas lembranças dolorosas. É uma peça perfeita? A cada mudança que o inquieto Newton Moreno faz poderemos dizer que é mais que perfeita. Pois transborda e nega a categoria de perfeição. É uma montagem tão humana a expor desumanidades e tão teatro no sentido mais completo da palavra que ficamos extasiados em ver e rever.

Ficha técnica:
Dramaturgia e Direção Geral: Newton Moreno
Direção de Produção: Emerson Mostacco
Direção Musical: Gregory Slivar
Direção de Movimentos: Erica Rodrigues
Elenco: Denise Weinberg, Leopoldo Pacheco, Paulo de Pontes, José Roberto Jardim, Michelle Boesche, Simone Evaristo, Gregory Slivar (músico ao vivo)
Desenho de Luz: Wagner Pinto
Figurinos: Leopoldo Pacheco e Chris Aizner
Cenário: Chris Aizner
Visagismo: Leopoldo Pacheco
Assistente de Dramaturgia e Pesquisador: Almir Martines
Assistentes de Direção: Katia Daher (primeira etapa) e Erica Rodrigues
Assistente de Produção: Paulo Del Castro
Assistente de Luz: Gabriel Greghi
Adereços e cenotécnico: Zé Valdir Albuquerque
Estrutura de box truss e arquibancadas: Fernando Hilário Oliveira
Desenho de som: Victor Volpi
Operador de Luz: Gabriel Greghi / Vinícius Rocha Requena
Operador som e Microfone: Victor Volpi
Palestrantes: Sérgio Módena e Ricardo Cardoso
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio – Douglas e Heloisa
Designer: Leonardo Nelli Dias
Fotos: João Caldas
Assistente de fotografia: Andréia Machado
Produção Audiovisual: Ìcarus
Apoio Paisagístico: Assucena Tupiassu
Costureiras: Lande Figurinos e Judite de Lima
Equipe de Montagem de Luz: Guilherme Orro / Thiago Zanotta / Lelê Siqueira
Equipe de Montagem Cenário: F.S. Montagens
Estagiários: Camila Coltri; Fernando Felix; Marcelo Araújo; Bruna Beatriz Freitas; estagiário 5; estagiário 6
Produção: Mostacco Produções
Realização: “Heróica Companhia Cênica”, “Prêmio Zé Renato de Teatro”, “Secretaria Municipal de Cultura” e a “Prefeitura de São Paulo — Cultura”
“Este projeto foi contemplado pela 12a Edição do Prêmio Zé Renato de Teatro para a cidade de São Paulo – Secretaria Municipal de Cultura”

Serviço:
Onde: Teatro Municipal João Caetano (Rua Borges Lagoa, 650, Vila Clementino, São Paulo)
Quando: de 05 de novembro a 05 de dezembro de 2021. Dias 25, 26 e 27 de novembro, as apresentações são no MIRADA, festival em Santos
Horários: de terça a domingo, às 18h
Ingressos: Entrada franca, com retirada na bilheteria uma hora antes do espetáculo.
Duração: 150 minutos + 30 minutos de debate após cada apresentação.
Classificação: 14 anos
Lotação: 30 lugares
Informações: (11) 5573-3774 / 5549-1744

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A liberdade é uma luta constante.
Estreia Sueño, de Newton Moreno

Denise Weinberg e José Roberto Jardim. Foto: João Caldas Fº / Divulgação

Michelle Boesche e Leopoldo Pacheco. Foto: João Caldas Fº/ Divulgação

Paulo de Pontes. Foto: João Caldas Fº / Divulgação

“Ou se é livre por inteiro ou se está em cativeiro”. O trecho da música de Sueño traduz o espírito do espetáculo. Livremente inspirada em Sonho de uma Noite de Verão, de William Shakespeare, a peça expõe desejos interrompidos de uma trupe de teatro e de uma família por uma ditadura sul-americana. Com direção e dramaturgia de Newton Moreno e elenco formado por Denise Weinberg, Leopoldo Pacheco, Paulo de Pontes, Michelle Boesche, José Roberto Jardim e Simone Evaristo, Sueño estreia neste 5 de novembro de 2021 de modo presencial na área externa do Teatro João Caetano, em São Paulo.

As ditaduras são especialistas, sabemos, em confiscar destinos e semear pesadelos. Na peça, que começa em Santigo, no Chile, em 1973, um grupo de teatro ensaia Sonho de uma Noite de Verão. O diretor Vine forma um casal com uma militante política, que está gravida. Eles são separados pela ditadura.

A história é narrada pelo ponto de vista do diretor chileno, Vine, que anseia retomar sua montagem shakespeareana adiada pelo golpe e reencontrar sua companheira. Mesmo com a derrocada da ditadura, na década de 1990, os ecos do autoritarismo sobrevivem.

Sueño é nosso manifesto poético. Nossa teimosia estética para retornar ao teatro após o caos pandêmico e político que atravessamos, evidenciando nossa crise e buscando reafirmar a potência de nosso ofício. Uma peça em processo, sempre em processo, como este continente em ensaio há séculos. Por isso, chamamos esta primeira temporada de Etapa 1 do SUEÑO – ensaiando sonhos”, pontua o diretor e dramaturgo Newton Moreno.

A operação Condor, que envolveu Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Argentina é o disparador da montagem. A intervenção para detectar “movimentos subversivos” foi responsável por muitas prisões e “desaparecimentos”. “Queremos acessar as gavetas-memórias desta rede persecutória e opressora. E assim desenvolver a dramaturgia, explorando um eixo organizador: processos ditatoriais na América Latina e as famílias separadas pela ditadura”, diz Newton Moreno.

Há um entra-e-sai na ‘fábula’, no universo onírico e violento de Shakespeare. “Embaixo do tapete mágico de fadas, enamorados e quiprocós, esconde-se a sombra tenebrosa dos desafetos, desmandos patriarcais de humanos e desumanos”, lembra Moreno.

Muitas camadas são criadas para falar da eterna utopia, da colonização, do devir latino-americano, dos regimes totalitários, do ontem e hoje, das nossas heranças de desgovernos.

Num dos ensaios de Sueño, que acompanhamos nos últimos dias, fomos contagiados pela força da montagem para encarar o tema-desafio. Da delicadeza para tocar o humano, esse ser tão frágil que nos seus projetos de grandeza esquece do tempo. Newton Moreno conduz com engenhosidade esse projeto coletivo que conta com quase 50 pessoas envolvidas diretamente. E extrai gradações interpretativas que vai da fúria à meiguice de um elenco afinado e apaixonante.

Ficha técnica:
Dramaturgia e Direção Geral: Newton Moreno
Direção de Produção: Emerson Mostacco
Direção Musical: Gregory Slivar
Direção de Movimentos: Erica Rodrigues
Elenco: Denise Weinberg, Leopoldo Pacheco, Paulo de Pontes, José Roberto Jardim, Michelle Boesche, Simone Evaristo, Gregory Slivar (músico ao vivo)
Desenho de Luz: Wagner Pinto
Figurinos: Leopoldo Pacheco e Chris Aizner
Cenário: Chris Aizner
Visagismo: Leopoldo Pacheco
Assistente de Dramaturgia e Pesquisador: Almir Martines
Assistentes de Direção: Katia Daher (primeira etapa) e Erica Rodrigues
Assistente de Produção: Paulo Del Castro
Assistente de Luz: Gabriel Greghi
Adereços e cenotécnico: Zé Valdir Albuquerque
Estrutura de box truss e arquibancadas: Fernando Hilário Oliveira
Desenho de som: Victor Volpi
Operador de Luz: Gabriel Greghi / Vinícius Rocha Requena
Operador som e Microfone: Victor Volpi
Palestrantes: Sérgio Módena e Ricardo Cardoso
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio – Douglas e Heloisa
Designer: Leonardo Nelli Dias
Fotos: João Caldas
Assistente de fotografia: Andréia Machado
Produção Audiovisual: Ìcarus
Apoio Paisagístico: Assucena Tupiassu
Costureiras: Lande Figurinos e Judite de Lima
Equipe de Montagem de Luz: Guilherme Orro / Thiago Zanotta / Lelê Siqueira
Equipe de Montagem Cenário: F.S. Montagens
Estagiários: Camila Coltri; Fernando Felix; Marcelo Araújo; Bruna Beatriz Freitas; estagiário 5; estagiário 6
Produção: Mostacco Produções
Realização: “Heróica Companhia Cênica”, “Prêmio Zé Renato de Teatro”, “Secretaria Municipal de Cultura” e a “Prefeitura de São Paulo — Cultura”
“Este projeto foi contemplado pela 12a Edição do Prêmio Zé Renato de Teatro para a cidade de São Paulo – Secretaria Municipal de Cultura”

Serviço:
TEATRO MUNICIPAL JOÃO CAETANO – Rua Borges Lagoa, 650 – Vila Clementino – São Paulo.
Temporada: de 05 de novembro a 05 de dezembro de 2021.
Horários: De terça a domingo às 18 horas.
Ingressos: Entrada franca, com retirada na bilheteria uma hora antes do espetáculo.
Duração: 150 minutos + 30 minutos de debate após cada apresentação.
Classificação: 14 anos
Gênero: Tragicomédia
Lotação: 30 lugares
Informações: (11) 5573-3774 / 5549-1744

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Santos Fofos*

* POR TAY LOPEZ

Terra de Santo, novo espetáculo dos Fofos Encenam, estreia hoje no Sesc Belenzinho. Foto: João Caldas

A querida Yolanda Pollyanna Diniz me deu uma tarefa: escrever algo sobre a estreia do espetáculo Terra de Santo aqui em São Paulo. A primeira resposta foi negativa, pois não sou jornalista, não sou crítico e tenho um afeto muito grande pelos integrantes do grupo Os Fofos Encenam. Portanto, não gostaria de ser leviano com artistas que tanto admiro. Resultado: assisti ao espetáculo, e cá estou eu escrevendo algumas singelas palavras a respeito das emoções que a peça me provocou.

“Nos teus olhos eu vi o mundo inteiro Jesuíno.” É através desta frase que noto estar completamente mergulhado nas palavras de Newton Moreno e percebo-me num local onde só a arte é capaz de nos colocar. Aquele espaço de encantamento e poesia onde nos encontramos com nós mesmos. Logo no começo do espetáculo, somos convidados a entrar no alojamento de um grupo de cortadores de cana e, aos poucos, vamos percebendo o entorno: um radinho sintonizado numa transmissora local, mesas, uma pequena cozinha, um telefone público, um beliche, um grande telhado sobre nossas cabeças e objetos pessoais dispostos como num set de cinema, onde os personagens vão surgindo e fazendo valer toda aquela cenografia detalhista.

O público continua apenas como observador e assim vamos acompanhando a história contada como se estivéssemos mortos num espaço cheio de vida pulsante. Sinto-me assim, pois não existe uma relação direta de interação. Apesar de estarmos muito próximos dos atores, somos invisíveis.

A personagem responsável por nos colocar em contato com um fio de história, que começa a fisgar o espectador através de um anzol bastante carismático é Mariene (Kátia Daher). Com um humor sutil de figuras populares que habitam o universo dos canaviais nos envolvemos no enredo.

Dramaturgia é de Newton Moreno

De acordo com a sinopse, um grupo de mulheres ocupa terras de uma usina canavieira, alegando que é uma propriedade dada em cartório a um santo, espaço sagrado, onde rituais são realizados. A essas terras destinadas à cana elas nomeiam como ‘terra de santo’. As máquinas aproximam-se, mas elas, guardiães do lugar, não deixam as terras. Esse é o eixo principal da peça, e a partir dele se dá uma viagem poética e uma conversa com ‘mortos da sociedade da cana’, outras famílias e etnias e suas histórias de resistência ou rompimentos com espaços sagrados, tradições e fé.

Atravessamos uma porta e vamos para um “quintal”, onde a partir de agora, não me sinto mais como um morto que passa desapercebido. Somos olhados diretamente nos olhos e nos sentimos cheios de bençãos pelas figuras que nos recebem na cena. São quatro Santeiras (Carol Brada, Cris Rocha, Erica Montanheiro e Simone Evaristo). Pegam em nossas mãos e nos conduzem para a acomodação em torno do tablado que se apresenta em nossa frente. A Terra de Santo. Fica para trás a ambiência de um espaço coloquial e agora nos encontramos num cenário com cheiros, cânticos místicos, penumbras e luz de velas, típicas de um templo sagrado. Nesse templo, as Santeiras vão, ora representando, ora incorporando, ora apenas nos apresentando a história de seus antepassados a partir dos mortos que fazem, solenemente, ressurgir no espaço. Um passeio, através dos séculos, pela brasilidade que hoje conhecemos, apresentadas como um panorama sacro/social das histórias contadas por índios, judeus, cristãos e negros. História que nos chega aos olhos pela bela proposição de encenação dos diretores Newton Moreno e Fernando Neves.

São essas mães, as Santeiras, responsáveis por nos nos colocar diretamente em contato com nossa própria ancestralidade, formação social, econômica e religiosa. Um espetacular retrato histórico e filosófico do Brasil muito bem alinhavado por um dramaturgo que dispensa elogios. Surgem então metáforas que nos obrigam a ver o mundo através de nossos próprios olhos e que também nos fazem percorrer os labirintos de nosso pensamento em forma de sinapses constantes que trazem à tona as nossas memórias pessoais e despertam um confronto direto com o que hoje chamamos de homem contemporâneo.

Se me percebo um morto invisível no primeiro movimento do espetáculo, me percebo um morto com voz no segundo e ao blackout final resta a pergunta: onde está a minha terra sagrada e o que fazer para que ela não seja destruída? Sim. As reflexões políticas propostas pelo poético espetáculo do grupo de teatro Os Fofos Encenam me põem em contato com algo mais amplo do que a contemplação de uma trajetória épica/trágica de um personagem em busca de sua completude. Terra de Santo nos provoca um dilatar da pupila.

Um elenco, sem dúvidas talentoso, nos presenteia com uma obra que transcende o ato teatral. A pesquisa e processo colaborativo deste grupo inquieto de artistas é bastante perceptível, dando extrema propriedade à toda equipe a respeito daquilo que está sendo dito no sagrado espaço do fazer teatral. Se em Assombrações do Recife Velho, me sinto como uma criança perante o medo das almas que nos assombram e em Memória da Cana, num diálogo bastante intenso com o Pai; em Terra de Santo, me vejo tendo uma sincera e silenciosa conversa com a grande Mãe que nos gerou. Colocando-me num embate direto com a maturidade e com o reconhecimento de uma fertilidade espiritual que nos habita e nos faz caminhar. Colocando-me frente aquilo que nos constrói ou nos destrói.

* texto do ator Tay Lopez. Ele viu ontem uma apresentação só para convidados da peça Terra de santo, do grupo Os fofos encenam. A montagem entra em cartaz hoje, no Sesc Belenzinho.

Serviço:
Terra de santo, da Cia Os Fofos Encenam
Quando: hoje, às 19h. Amanhã (14), às 16h30.
Temporada: terças e quartas-feiras, às 20h30. Sábados, às 21h. Domingos, às 17h. (Exceto dia 28/10 – Unidade fechada ) até 11/11.
Onde: Sesc Belenzinho, São Paulo
Quanto: R$ 24 e R$ 12

Montagem fica em cartaz no Sesc Belenzinho até novembro

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