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Quebra de protocolo

Protocolo, com o grupo português Mala Voadora. Foto: Divulgação

Protocolo, com o grupo português Mala Voadora. Foto: Divulgação

Trema!

Os salamaleques inventados pelo Rei Luís XIV de França, que ficou conhecido como O Rei Sol, são as motivações do espetáculo Protocolo, da trupe portuguesa Mala Voadora. A montagem abriu ontem o TREMA – Festival de Teatro de Grupo do Recife, no Teatro Hermilo Borba Filho. O sistema de etiqueta inventado pelo soberano é descortinado em passos bem ensaiados, ironias, joguetes entre os dois intérpretes e a solicitação da participação da plateia, que é apontada com nomes de figuras da corte.

Para ser sincero é só abrir a boca, diz um dos personagens. Acionou uma chave da memória, da minha, e, enquanto os atores faziam suas piruetas, um filminho foi passando na minha cabeça. Conversas na saída do cinema após um festejado filme pernambucano. Comentários demolidores, desses que não lemos mais nos jornais. Um determinado crítico da cidade disse que não gostou, mas não queria se indispor com o autor da obra. Mascaramento de opiniões.

Ser sincero é uma coisa perigosa. Principalmente numa terra de capitanias hereditárias, em que os coronéis da cultura ditam gosto e pensamento.

Ah, mas os atores deram mais umas voltinhas e apontam mais alguns espectadores como os ilustres da corte de Luiz. São divertidos os passinhos, a disputa entre os dois para impressionar os presentes, espectadores/corte/nobres.

Em meio à dança, o duo explica que essas regras de etiquetas formam um sofisticado sistema de convivência social. A ideia é que temos que nos agradar uns aos outros, conceito que é repetido ao longo da peça.

O público não me pareceu que se sentiu fortemente incluído pelas atribuições de títulos dados pelo ator Jorge Andrade. Percebi uma recepção fria.

Sabemos e os atores nos lembram isso em meio a lições de como levantar o mindinho ou se portar com o guardanapo, que esse protocolo foi um instrumento de poder usado sabiamente por Luís XIV. O disciplinamento prossegue vindo de vozes sem a mesma realeza.

Anabela Almeida e Jorge Andrade

Anabela Almeida e Jorge Andrade

A coreografia da cordialidade em alguns momentos é quebrada pelos atores para salientar as rusgas, os embates e descortesias. Mas a dupla se recompõe da ironia, porque é preciso conviver em sociedade. Enquanto paródia, o espetáculo se mostra com pouco arsenal para instigar. Tudo parece um pouco esticado, o tempo, as ações. As repetições não se apresentam como exercício de linguagem, mas como multiplicações esvaziadas.

Os atores Jorge Andrade e Anabela Almeida são bons, mas fazem um esforço demasiado para a falta textual e de amplitude na concepção do espetáculo. Os códigos de convivência, o desejo de ser benquisto, esses disciplinamentos dos sentidos ficaram a meu ver a gritar por entrar na peça, mas foram barrados ou constrangidos pelas regras.

Protocolo contém coreografias, pequenos monólogos, diálogos e uma vontade imensa da participação do público. Os intérpretes atuam próximos da plateia. Por trás de uma cortina vermelha se encontra um espelho, em que os espectadores veem refletidas suas imagens, numa ideia de inclusão. Ainda como parte da cenografia, todo o chão está coberto por uma relva sintética, que deve ter algo com um certo jardineiro de Luís XIV, e uma placa em que estava escrito “étiquette”.

Senti falta de ressignificações com o contemporâneo, de feixes de luz de simulacros de simulação (Baudrillard) no contexto da obra, de um ir adiante na intercambiação de papéis. Enfim, Protocolo parece um novelo de renda insuficiente para uma rica colcha de cama king.

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