Arquivo da tag: política cultural

Precariedade no Teatro Apolo ameaça Clotilde

Peça pode ter temporada interrompida

Peça pode ter temporada interrompida. Foto: Ivana Moura

A temporada em comemoração aos seis anos do espetáculo O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas pode ser interrompida antes do prazo. A peça entrou em cartaz neste último fim de semana no Teatro Apolo, no Bairro do Recife, e deveria seguir até o dia 24 de abril, mas a produção do espetáculo aguarda um posicionamento sobre um teste na potência do ar-condicionado do teatro, gerido pela Prefeitura do Recife, para decidir se há viabilidade de continuar as apresentações. Vale lembrar que o Teatro Apolo é o teatro mais antigo da cidade do Recife – sua construção foi iniciada em 1839. O equipamento de ar-condicionado da casa é da década de 1980.

Nas apresentações da estreia, o público e os próprios artistas sofreram com a falta de refrigeração. “Fizemos o espetáculo no sábado passando mal. Quem saía de cena ia beber água e corria para o único ventilador que estava nas coxias. O elenco ficou com a voz bem comprometida, suando muito, o figurino encharcado, a maquiagem derretendo. O bigode do meu personagem caiu por conta do calor e do suor”, conta o ator Tatto Medinni, que interpreta o vilão João Favais.

O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas é um espetáculo divertido, engraçado, com alto poder de adesão do espectador. Para caracterizar cada personagem, utiliza figurinos (de Marcondes Lima) que se sobrepõem, como casacos, jeans, blusas e meias e uma maquiagem carregada, assinada pela própria Trupe Ensaia Aqui e Acolá. Além disso, há muita movimentação no palco e coreografias repletas de elementos kitsch, que garantem o bom-humor da encenação. A peça dura 1h30.

“Nós não sabíamos do problema com o ar-condicionado. Como estávamos bastante focados com a estreia, no sábado, ensaiamos sem refrigeração, mas achamos que o equipamento seria ligado à noite. Parte do elenco já foi se maquiar no camarim do Teatro Hermilo Borba-Filho (equipamento que, com o Teatro Apolo, integra o Centro Apolo-Hermilo), porque era impossível permanecer no camarim do Apolo sem ar-condicionado. Quando entramos em cena, logo percebemos que o problema era grave. De todos os ângulos, víamos as pessoas se abanando e na segunda cena já estávamos sofrendo”, explica Jorge de Paula, encenador e intérprete do pai da mocinha.

No sábado, havia 121 pessoas na plateia (a capacidade da plateia, sem contar a galeria do teatro, é de 275 pessoas); no dia seguinte, foram 50 espectadores. No domingo, o público já foi avisado com antecedência que o ar-condicionado não estava funcionando. O ator Tiago Gondim, que já fez parte do elenco da peça, assistiu à montagem na noite de ontem. “É uma falta de respeito com o público e com os próprios atores. Não há mais desculpas”, comentou.

Ao final das duas sessões, os atores compartilharam com a plateia a dificuldade de encenar a peça; citaram o compromisso que a Prefeitura do Recife e o Governo do Estado, noutra escala, precisam ter com os equipamentos culturais da cidade e do estado.

O Apolo é o teatro mais antigo do Recife. Foto: Pollyanna Diniz

O Apolo é o teatro mais antigo do Recife. Foto: Pollyanna Diniz

“A equipe do teatro é bastante comprometida, prestativa, tenta fazer o melhor. Mas não há vontade política e pulso administrativo. O teatro e o camarim têm cheiro de barata. Enquanto montávamos o cenário, matamos baratas no palco. Não tem uma luz funcionando no espelho do camarim”, reclama a produtora e atriz Iara Campos, que interpreta Clotilde. “Estamos falando de uma situação de descaso que é generalizada. E que mostra o quanto a classe artística está desmobilizada e o quanto não somos representados pelo sindicato, que não tem atuação”, complementa.

De acordo com a produção do espetáculo, se a questão do ar-condicionado não for solucionada, a temporada será cancelada. “Do jeito que está, não dá. É uma condição desumana. A gente não tem como trabalhar dessa maneira. Espero que o Apolo não siga o caminho do Parque e do Barreto Júnior”, torce Tatto Medinni.

Mais problemas – Outros equipamentos geridos pela Prefeitura do Recife também enfrentam problemas. No ano passado, durante uma sessão da peça Incêndios no Teatro de Santa Isabel, um dos 14 teatros-monumento do país, o público sofreu com a falta de refrigeração. Uma espectadora chegou a questionar em voz a alta a secretária de Cultura do Recife, Leda Alves, que estava na frisa da Prefeitura. Leda respondeu fazendo sinal para baixo com o polegar, indicando que realmente não estava funcionando, algo que todos já haviam percebido.

O Teatro Barreto Júnior, localizado no bairro do Pina, está fechado desde novembro de 2014. Motivo principal: falta de ar-condicionado. A Federação de Teatro de Pernambuco (Feteape), publicizou que foi avisada com menos de 15 dias da abertura da 17ª edição do Todos Verão Teatro, que a Fundação de Cultura Cidade do Recife não dispunha de verba para a locação do equipamento de climatização do Barreto Júnior. Isso foi no começo de março.

O estado do centenário Teatro do Parque é ainda mais grave. O equipamento está fechado desde 2010 e teve a reforma suspensa desde julho do ano passado, seis meses depois de ter sido iniciada. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) cobra na Justiça estadual a retomada da obra de restauração, para evitar a ruína total de um prédio protegido por lei, já que o Teatro do Parque é considerado Imóvel Especial de Preservação (IEP) pela Prefeitura do Recife.

O ator e produtor cultural Oséas Borba Neto, que está à frente das denúncias pela defesa do Parque, garante que o teatro perdeu três pianos devido ao ataque de cupins: um Steinway e dois Essenfelder. Borba Neto criou uma petição pelo tombamento pelo IPHAN do Cine-Teatro do Parque, que fez 100 anos em agosto de 2015 e é o único representante em Pernambuco do grupo de Teatros-Jardins Brasileiros. A petição pode ser assinada no link www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR89351

Resposta da Prefeitura do Recife – De acordo com a Secretaria de Cultura do Recife, o ar condicionado do Teatro Apolo parou de funcionar no dia da estreia do espetáculo e “a direção do Centro Apolo-Hermilo está fazendo o levantamento para efetuar o conserto até a próxima sexta-feira”. Sobre o Teatro Barreto Júnior, finalmente há alguma previsão: “o equipamento já foi licitado e a obra deve começar na próxima segunda-feira, 11. A conclusão dos serviços está prevista para a primeira semana de junho”.

A nota responde ainda os questionamentos sobre o Teatro do Parque. “A Prefeitura do Recife, por meio do Gabinete de Projetos Especiais, esclarece: o Teatro do Parque vem ao longo de muitos anos sofrendo um processo sério de degradação. Por isso, a primeira etapa já realizada diz respeito ao trabalho que sanou os problemas encontrados na estrutura da edificação a partir da substituição de toda a cobertura do teatro. Essa etapa sanou os problemas de infiltrações que comprometia a estrutura do patrimônio. Esse trabalho também revelou características do equipamento até então desconhecidas e encobertas por outras reformas. A partir daí, foi necessário realizar uma investigação mais aprofundada sobre as características originais do teatro, que contemplou a segunda fase das obras de reforma do Teatro do Parque. Para realizar a obra de maneira a contemplar as especificidades de restauro, a Prefeitura do Recife fará novo processo de licitação que deverá acontecer dentro de aproximadamente 60 dias. A obra está orçada em cerca de R$ 13 milhões. Ressaltamos ainda que, para resguardar o patrimônio, é mantido serviço de segurança no local”.

*Texto escrito por Ivana Moura e Pollyanna Diniz

Postado com as tags: , , , , , , ,

Engolindo baratas: atriz questiona falta de pagamento da Prefeitura do Recife

Atriz apresentou leitura dramatizada em agosto e ainda não recebeu pagamento. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Atriz apresentou leitura dramatizada em agosto e ainda não recebeu pagamento. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Entra governo e sai governo e parece que as coisas mudam muito pouco. Aqui mesmo no Satisfeita, Yolanda? algumas (muitas) vezes já fizemos matérias cobrando pagamentos de cachês atrasados. Artistas que trabalharam e não tiveram suas atividades remuneradas; ou que levaram meses e passaram por muito constrangimento até conseguir o que era simplesmente um direito. Agora a história se repete. Mais uma vez. Luciana Lyra utilizou as redes sociais neste sábado (18) para protestar e fazer um apelo às autoridades. A atriz e diretora participou da abertura da programação da 12ª edição do Festival Recifense de Literatura A Letra e A Voz, realizado pela Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife, com curadoria do jornalista Schneider Carpeggiani.

Sob direção de Newton Moreno, a atriz apresentou a leitura dramática A Paixão segundo GH que, inclusive, voltou aos palcos recentemente em São Paulo. A apresentação criada especialmente para o festival no Recife foi no mês de agosto do ano passado e, até agora, nem sinal de pagamento de cachê. “(…)Por meio da intensidade das palavras da escritora, engoli barata e ‘dei inocentemente a mão ao público, e porque eu a segurava é que tive coragem de me afundar’. Tive a competente direção de Newton Moreno respondendo ao convite delicado do curador Schneider Carpeggiani. Ainda para completar o cuidado todo dedicado à leitura dramática realizada em homenagem ao romance de Clarice, tive produção de Karla Martins, indumentária de Fabiana Pirro e música de Ricardo Braz”, escreveu Luciana Lyra.

“Infelizmente o mesmo cuidado que empregamos na lida com este lindo público e com o evento, não teve a Fundação de Cultura da Cidade do Recife, da Prefeitura do Recife, em fazer o pagamento desses artistas a espera há longos oito meses”, continuou. Segundo Luciana Lyra, há pelo menos seis meses uma nota fiscal foi entregue à Prefeitura, mas “não tivemos sequer retorno ou satisfação dos coordenadores do Festival acerca do pagamento por nossa atuação em terreno pernambucano”.

Schneider Carpeggiani durante entrevista coletiva que anunciou a programação do festival. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Schneider Carpeggiani durante entrevista coletiva que anunciou a programação do festival. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

O jornalista Schneider Carpeggiani, que fez pela terceira vez a curadoria do festival, também usou as redes sociais para se manifestar. “Como curador passei um tempão tentando ajudar os convidados do festival, que não conseguiam informações de quando ou se iriam receber. Mas acabei ficando sem conseguir essas informações para repassar, tanto quanto os outros. (…) Compartilho aqui a indignação de Newton e de Luciana, porque como curador a minha principal moeda é justamente a confiança das pessoas que eu convido para o meu trabalho, confiança que tanto o conceito vai ser bom quanto que elas vão receber”, escreveu.

Em entrevista ao blog, Carpeggiani ressaltou a falta de capacitação da equipe que compõe a Fundação de Cultura. Segundo o seu relato, um dos autores que participou do festival recebeu um e-mail dois meses após o evento, informando que ele só receberia se enviasse fotos comprovando que participou da programação de fato. “É preciso haver uma capacitação das pessoas que fazem parte atualmente da Fundação de Cultura, para que elas entendam o que estão fazendo. Há uma percepção que eles contratam não pessoas especializadas, mas técnicos, pessoas de ação. Só que para a realização de um festival é preciso que esses técnicos tenham noção não apenas de ação, mas de com quem e em relação a que estão trabalhando”, pontuou o curador, afirmando que a parte operacional e de produção durante o festival é competente. “Eles precisam saber quem é um Newton Moreno ou o que é A paixão segundo GH de Clarice, porque isso facilita o processo”.

Para o curador, que disse ter conhecimento de que outros artistas também não receberam, “não é só honrar com os compromissos. Além disso, as pessoas não podem se sentir constrangidas quanto ao fato de procurarem informações em relação ao pagamento”, concluiu.

Enviamos um e-mail para a assessoria de imprensa da Prefeitura do Recife para tentar algum esclarecimento com relação ao não pagamento dos convidados do festival A Letra e A Voz.

Mas será mesmo que é só esse festival que está sofrendo com a falta de compromisso do poder público? Que outros eventos ainda aguardam pagamento? Se você é artista e também não recebeu, comente! Quem sabe não conseguimos ampliar esse clamor na luta por respeito e dignidade?

Postado com as tags: , , , , , , , , ,

Os rumos de um festival

Coletiva de imprensa do Festival Recife do Teatro Nacional. Foto: Luciano Ferreira/divulgação

Coletiva de imprensa do Festival Recife do Teatro Nacional. Foto: Luciano Ferreira/divulgação

“Começou nesta sexta-feira (22) mais uma edição do Festival Recife do Teatro Nacional”. Talvez essa não seja a frase mais apropriada para iniciar esse texto. Talvez não seja só “mais uma edição”. Depois de 15 anos, é a primeira vez em que o festival sofreu realmente uma alteração no seu perfil. Se quando foi criado e ao longo de todos esses anos, a mostra serviu para trazer ao Recife espetáculos de grupos que estivessem se destacando no cenário nacional, fosse pela excelência artística, pelas novas proposições à cena, pelas experimentações de linguagem (além de congregar os espetáculos locais, mas nunca como foco principal), desta vez, esses não foram elementos norteadores.

Como explicou o gerente do Centro Apolo-Hermilo e coordenador do festival, Carlos Carvalho, durante a coletiva de imprensa do lançamento do FRTN, realizada no Teatro Apolo, “o que se apresenta para este presente e para o futuro é que aqui agora não vão estar só os grandes. Os grandes neste sentido daqueles que têm os melhores patrocínios, os melhores esteticamente, etc. Vai (sic) estar os grandes, os pequenos que fazem o melhor naquele lugar, etc, etc. A gente não está negando o passado. A gente está tentando encontrar um caminho novo”.

Para que a grade do festival fosse montada – com apenas dois espetáculos de grupos de fora de projeção realmente nacional – o Galpão e a Armazém Cia de Teatro, um edital foi colocado na praça para que os grupos se inscrevessem. De acordo com o coordenador do festival, 150 inscrições foram recebidas.

“O recorte é o teatro do possível do Brasil. Isso é lindo. Isso é lindo. Com todo o respeito, eu não sei qual seria o curador que iria a Taboão da Serra ou iria a uma tribo indígena. Mas a tribo indígena poderia dizer: olha, eu estou fazendo um teatro aqui na minha taba. E por isso ele não é moderno, ele não é contemporâneo, ele não é bom? Ele é bom no possível dele para o Brasil. Essa diversidade nos interessa neste momento. Eu acho que não tem nenhuma questão de ser contra ou a favor. É questão de opção política”, explica Carlos.

Uma comissão formada pela atriz, diretora e gestora cultural Maria Clara Camarotti, pelo ator e representante do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife Paulo Maffe, e o ator, diretor e gestor Williams Sant’Anna escolheu os 18 espetáculos que serão apresentados no festival deste ano.

Segundo Gustavo Catalano, gerente Geral de Ações Culturais da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, a participação da comissão retirada no Fórum de Artes Cênicas realizado em agosto, no Mamam, foi “efetiva” na construção da mostra.

Além de Carlos Carvalho e Gustavo Catalano, a secretária de Cultura Leda Alves também participou da coletiva de imprensa.

……

Questões que talvez devessem fazer parte de uma discussão com a classe:

– É importante para a cidade que o perfil do Festival Recife do Teatro Nacional (assim como o Janeiro de Grandes Espetáculos e o Palco Giratório têm os seus perfis) seja mantido?
– O FRTN precisa ser repensado. Mas esse é o melhor caminho de o festival fazer diferença para a cidade?
– Os grupos de maior projeção no país, que não necessariamente são ricos e têm patrocínio (na maioria das vezes não tem, como sabemos!), vão realmente se inscrever em editais para virem ao Recife?
– Como deve ser a valorização da classe artística na política cultural da Prefeitura do Recife? Garantindo, por cota e norma, que 50% das vagas do festival são dos pernambucanos?
– E as condições dos teatros no Recife?
– E o SIC?
– E o fomento municipal?
– E a formação?

……

Usando as palavras de Ivana Moura durante a coletiva de imprensa, nossa posição aqui no Satisfeita, Yolanda? sempre foi e será o questionamento.

…….

Uma das perguntas de Ivana Moura durante a coletiva foi sobre o gerente de teatro, já que estamos em novembro e a equipe de gestão relacionada às artes cênicas ainda não estava completa:

Ivana Moura: O nosso gerente de teatro já existe?
Leda Alves: Você está desinformada?
Ivana Moura: Estou perguntando. É porque devo estar, né? (risos)
Leda Alves: Há quase um mês que é Romildo.
Ivana Moura: Romildo é das artes cênicas, não?
Leda Alves: Das artes cênicas.
Ivana Moura: E o de teatro?
Leda Alves: Que teatro?

Gustavo Catalano: O gerente de teatro já está com nome, estamos só para publicá-lo. Ainda não podemos falar.

Leda Alves: Dos equipamentos, né?

Gustavo Catalano: Exato. Na realidade, na Fundação de Cultura existem o gerente de artes cênicas e mais três gerentes: circo, dança e teatro. Nomeamos o gerente de circo, de dança, o de artes cênicas e o de teatro já estamos com nome, já foi discutido com dona Leda e estamos só aguardando a autorização para publicação. E acreditamos que até o final do mês deve ser publicado.

Bom, ontem à noite tivemos a informação de que o novo gerente de teatro foi finalmente escolhido: Jorge Clésio.

……

Coletiva de imprensa contou com as presenças de Leda Alves, Gustavo Catalano e Carlos Carvalho

Coletiva de imprensa contou com as presenças de Leda Alves, Gustavo Catalano e Carlos Carvalho

Trechos da coletiva de imprensa do Festival Recife do Teatro Nacional

Como foi a seleção dos espetáculos para o festival através de edital?
Carlos Carvalho: Tenho certeza que, para o (próximo) ano, consolidado o processo público de seleção, a gente terá com certeza a participação de mais espetáculos de diversas partes do Brasil. No entanto, tivemos 150 projetos inscritos. É um número significativo para um primeiro ano de edital. Desses 150 projetos inscritos, 36 projetos foram selecionados por uma comissão que selecionou esses projetos composta por um represente do Conselho Municipal de Políticas Culturais, um representante da Secretaria de Cultura, e teríamos a participação de um representante da Universidade Federal de Pernambuco. No entanto, nós recebemos uma comunicação do Centro (Departamento) de Teoria da Arte, que não era possível enviar um professor, uma vez que eles estavam com muitos problemas de reposição de aulas. Então nós tivemos que indicar outra pessoa para ocupar esse espaço que seria da Universidade Federal de Pernambuco. Mas isso em nenhum momento diminuiu a grandeza e a qualidade do processo de seleção. Então, desses 36 projetos que a comissão indicou, nós fizemos contatos, e aí começa um processo difícil que é de adequação daqueles projetos aos nossos espaços, adequação de espaços físicos, adequação de possibilidades técnicas, e adequação orçamentária. Então depois de passado esse processo de adequações e também de agenda dos grupos – uma vez que o grupo quando manda, ele diz que quer vir, mas do dia em que ele se inscreve até o dia em que ele é comunicado que está selecionado, a vida continua, então, muitas vezes, aparecem problemas de agenda e a gente não teria aquele grupo naquele dia, etc, etc, etc. Bom, então desses projetos indicados pela comissão, nós tiramos 18. A outra seleção se deu porque o edital previa, que também é novo isso, a garantia de que 50% da programação de espetáculos seria de espetáculos locais. Então a gente garantia, estamos garantindo, dentro dessa vitrine do festival, que na verdade o festival é uma vitrine de difusão, a participação da produção local, com 50% da grade de programação. E o edital também previa 30% de convites. A Secretaria de Cultura e a Fundação de Cultura ainda teriam a possibilidade de fazer 30% de convites da grade. Mas só convidamos um grupo, que foi o grupo Galpão, de Minas Gerais, que está abrindo o festival, no Sítio da Trindade, no dia 22 de novembro, às 20h, e também fará uma récita no dia 23, também lá, no Sítio da Trindade.

Agradecimentos à equipe
Carlos Carvalho: Gostaria aqui de registrar o meu agradecimento a três pessoas, fora o pessoal aqui do teatro, que tem trabalhado incansavelmente. A Ivo Barreto, a Eron Villar e a Margot. Que tem dado sangue, suor, lágrimas e risos, de manhã, de tarde e de noite para que a gente pudesse estar hoje aqui fazendo essa coletiva. E também a Catalano e a toda a sua equipe e também a todo o pessoal de comunicação da prefeitura, que é muito gentil, e também o pessoal da gerência de literatura….

Leda Alves: Desculpe interromper, mas eu não me referi e é uma exigência dentro de mim, que eu não posso adiar. A presença de Catalano nas nossas equipes. (….) E aqui a gente faz realmente o trabalho colegiado, todo trabalho aqui é de baixo pra cima. Ele tem contribuído muito e a gente tem aprendido também com ele. Então o projeto não é só da Secretaria. É da Secretaria e da Fundação de Cultura.

Homenageado do festival
Carlos Carvalho: Nesse processo de criação, a gente chega a quem homenagear? Durante os 15 anos de festival, sempre se homenageou alguma personalidade, um teatrólogo, um ator, etc, que contribuiu no teatro brasileiro e no teatro pernambucano. E chegamos então a Samuel Campelo e não por acaso. Quando a gente diz que depois do debut, a gente precisava repensar, depois de 15 anos, repensar e retomar outro caminho, nada melhor do que ter sido Samuel. Parece que foi escrito. Porque Samuel é a pessoa que começa no estado de Pernambuco e um dos primeiros no Brasil, a tornar possível um teatro brasileiro. Depois de Samuel, depois do grupo Gente Nossa, vem o Teatro de Amadores de Pernambuco e aí sucede-se uma série de realizadores, o Teatro do Estudante de Pernambuco, o TPN, e aí todas as outras experiências já nos anos 70, 80, e por aí vai. Então Samuel é importantíssimo. Samuel está no mesmo quilate de um Arthur de Azevedo, Samuel está no mesmo quilate de um Martins Pena. Ele funda a possibilidade de um teatro pernambucano e brasileiro com temática brasileira. E ele advogava também que, naquela época, como todos os teatros naquela época eram ocupados os seus tablados pelas operetas e burlescas francesas, que o teatro pernambucano e brasileiro precisaria, assim como Martins Pena fez, trazer o tema brasileiro, a problemática brasileira, e partindo da diversão. O que, de alguma forma, vem de encontro quando Hermilo – e é a minha frase predileta – que Hermilo Borba Filho diz que “ninguém se diverte na missa”. Então esse lugar sagrado que você não vai para se divertir, você vai para se religar, você vai para ter foco, no caso de Samuel, ele dizia que naquela época o teatro precisava tirar o foco do cotidiano e fazer diversão para fazer plateia. E ele foi um dos primeiros, digamos assim, grandes diretores do Teatro de Santa Isabel, do qual dona Leda foi uma grande diretora e eu tive o prazer de trabalhar com ela. (…)

Gustavo Catalano: Carlos, eu queria só fazer uma observação. Carlos falou sobre os 50% de artistas pernambucanos. Isso é uma determinação tanto da secretaria quanto do nosso prefeito Geraldo Júlio, da valorização dos artistas pernambucanos. Por consequência, isso transfere a nós uma responsabilidade de fazer com que isso aconteça e o edital nos ajudou muito a isso, não é verdade, Carlos? A gente sentiu que os grupos pernambucanos se interessaram, entraram mais dentro do processo, quando a gente colocou o edital na rua. Então acho que ele foi muito importante também neste sentido, no sentido de integrar os artistas pernambucanos nesse processo, e nesses novos festivais, para que a gente conseguisse executar as diretrizes da nossa secretária e do prefeito Geraldo Júlio na valorização dos artistas pernambucanos.

(…)

Perguntas dos jornalistas:

Ivana Moura: Quais grandes festivais vocês usaram como modelo para montar a programação do Festival Recife do Teatro Nacional através de edital?
Carlos Carvalho: Não conheço. Ou não tenho conhecimento assim geral de quais são os festivais que são por edital. Acho que a maioria é por curadoria. Mas isso também não quer dizer, assim, da gente mudar, que um é ruim e o outro é bom. É questão de opção. Quando é um curador, a opção é que alguém vai ter um recorte sobre uma vasta produção dentro de um tema. O tema é, sei lá, política. E o cara faz um recorte, mas o olhar é dele. No caso, ele vai procurar aqueles grupos, aquelas produções, que satisfazem aquela perspectiva que ele está fazendo um recorte. No caso do edital, é o inverso. Quando eu digo: eu procuro você, não é você quem me procura. Eu digo: olha, eu estou aqui. Você quer me ver? Então é diferente o olhar. Isso nem coloca pontos positivos nem para um, nem para outro, de dizer esse é melhor, esse é pior. É questão de opção. A opção que nós fizemos foi: se a gente se abre para o Brasil e os grupos do Brasil têm a possibilidade de dizer eu quero ir a Recife. Com isso você vai ter um olhar mais alargado. Nesse caso aqui, por exemplo, o festival deste ano não tem um recorte. O recorte é o teatro do possível do Brasil. Isso é lindo. Isso é lindo. Com todo o respeito, eu não sei qual seria o curador que iria a Taboão da Serra ou iria a uma tribo indígena. Mas a tribo indígena poderia dizer: olha, eu estou fazendo um teatro aqui na minha taba. E por isso ele não é moderno, ele não é contemporâneo, ele não é bom? Ele é bom no possível dele para o Brasil. Essa diversidade nos interessa neste momento. Eu acho que não tem nenhuma questão de ser contra ou a favor. É questão de opção política. É uma política de se abrir mais e essa eu acho que é a questão. Assim como também no carnaval, no são João, assim como foi no festival de inverno de Garanhuns, que não era por edital e nem por conta disso diminuiu a qualidade dos espetáculos, abriu-se para a diversidade. A gente não pautou nessa decisão “agora vamos romper com o passado”. De jeito nenhum. O que pautou foi nós vamos ter outro olhar para o futuro.

Leda Alves diz que edital é um instrumento da democracia

Leda Alves diz que edital é um instrumento da democracia

(….)

Leda Alves: O edital vai ser usado como um instrumento da democracia. A gente quer, que é uma das funções e missões da secretaria, criar ou abrir espaços para todas as pessoas que produzem cultura, que fazem a cultura, para todos os artistas, da capital e do interior. Você veja: o nosso São João foi alimentado por muita gente do interior. Como Carlos tinha passado sete anos trabalhando pelo interior com o Governo do Estado e estava disponível para vir para cá, ele integrou o meu grupo de trabalho e ele trazia informações de conhecer, de conviver, de testar, de saber que é bom. E foi uma coisa comentada pelas comunidades que conheceram grupos que nunca tinham conhecidos e ouvir deles a chance de virem ao Recife se apresentar, mostrar sua arte. É essa troca, esse angu que a gente quer que a cultura seja, dando acesso a todos. Segunda liberação para nós da democracia que o edital nos dá: sem injunção de pedidos. Uma das coisas mais difíceis pra gente: os amigos, os parentes, os políticos, a pedirem e a provarem que os seus candidatos são os melhores do mundo. E a gente tem essa grande arma de dizer: o edital está na praça. Se inscreveu? Não? Agora, inscreveu-se? Então fique tranquilo! Que a gente vai analisar cá e você entra. Então isso também facilita muito a democracia e dá credibilidade ao artista de que ele irá, de que é verdade o que ele assinou ali, e que nós realizaremos. Isso vem ao encontro, não é de encontro, ao encontro, a uma determinação do prefeito: a prioridade é o da terra.

(…)

Ivana Moura: O Festival Nacional ele foi pensado, inclusive você está no nascedouro desse pensamento, em busca de uma excelência artística, que ela estivesse espalhada pelo Brasil e que se pudesse buscar isso. Você acha que, com esse edital, foi possível conseguir essa excelência para este ano?

Carlos Carvalho: Sim. A excelência do possível.

Ivana Moura: Pode ser possível, mas pode não ser excelência. Daqui a pouco vamos começar a filosofar!

Carlos Carvalho: A excelência pra quem? O edital abriu as possibilidades, os grupos se inscreveram, uma comissão analisou os projetos e a gente adequou os projetos às condições. Eu não sou um curador do festival. Eu não sou um curador. O curador é o edital e a comissão.

Leda Alves: Então foi feito por uma equipe de especialistas. O objetivo dele é principalmente a troca de experiências, de aprendizados, daí haver várias oficinas. Agora, geralmente, a gente só pode avaliar a eficácia e o fruto desse edital, quando avaliar o festival. É um caminho novo. O edital a gente lançou, respondeu, a gente montou o festival, vamos ver. Essa pergunta você faz a gente quando acabar.
(…)

Ivana Moura: É porque nós temos 15 anos de edição de festival antes desse festival. 15 edições conhecidas e acompanhadas.

Leda Alves: E o que é que tem?

Ivana Moura: O que tem é que, durante esse tempo, os grandes grupos brasileiros estiveram presentes nesse festival. O que estou pontuando…

Leda Alves: Vamos acabar o festival para ver.

Carlos Carvalho: Eu concordo. Agora, o que se apresenta para este presente e para o futuro é que aqui agora não vão estar só os grandes. Os grandes neste sentido daqueles que têm os melhores patrocínios, os melhores esteticamente, etc. Vai estar os grandes, os pequenos que fazem o melhor naquele lugar, etc, etc. A gente não está negando o passado. A gente está tentando encontrar um caminho novo.

Ivana Moura: O que é um caminho novo?

Carlos Carvalho: O edital para os 15 anos é novo. É o caminho.

Ivana Moura: Edital é um caminho novo? É porque edital eu acho que é um caminho já pensado, exercitado noutras situações.

Leda Alves: Não estou dizendo a peça jurídica edital não. A utilização dele para o acesso ao festival, para a pessoa participar desse festival está sendo através deste instrumento legal chamado edital.

Carlos Carvalho: Deixa eu perguntar uma coisa. Quando você me pergunta isso você está me dizendo que você é contra o edital?

Ivana Moura: Eu não sou contra nada. Minha posição aqui é perguntar.

Carlos Carvalho: E eu estou perguntando a você também.

Leda Alves: A pergunta transparecia isso. Você tem direito de estranhar, até de desconfiar, é um direito que você tem.

Ivana Moura: Eu me preocupo com a qualidade da programação de um festival que eu acompanho desde o começo.

(…)

Carlos Carvalho: “Eu estou dizendo que é preciso a gente discutir, mas discutir com o coração aberto. Porque não é interessante a gente ter uma discussão que seja sempre sólida e todo mundo estar a favor. O que é bom é que a gente tenha os discursos diferentes para a gente encontrar um caminho. Assim como o Janeiro encontrou um caminho que eu, inclusive, acho que não é o melhor. Eu, particularmente, Carlos Alberto Carvalho Correia, não acho que é o melhor. Já discuti isso com Paula (de Renor). Mas é uma opção de três pessoas ou quatro, mas três que assinam o festival. Nós estamos agora olhando outro espaço, outra forma de conduzir. E a gente pode ter, inclusive, a humildade, se fosse o caso, de dizer: olha, não deu certo. Mas porque não deu certo? Tem que fazer primeiro.

(….)

Ivana Moura: Qual foi a efetiva participação no festival daquela comissão de artes cênicas que foi tirado lá no Mamam, no Fórum de Artes Cênicas?
Gustavo Catalano: Após uma reunião que fizemos com o fórum temático de artes cênicas foi tirada duas comissões: uma comissão para o festival de dança e outra para o festival de teatro. E essas comissões vieram para que, junto com os gerentes, nomeados para coordenar cada festival, montassem a estrutura deles. O que seriam eles? Se o edital seria o edital, se o edital seria uma curadoria. Naquele momento em que já estava muito próximo já dos festivais. E a gente apresentou o edital, discutiu esse edital, discutimos texto, discutimos tudo dentro desse contexto. E aí após essa aprovação, após essa discussão toda, foi que a gente lançou o edital. A gente não lançou oficialmente da nossa cabeça.

Ivana Moura: Então esse grupo teve uma participação efetiva na formulação dessa história? Que são os representantes da classe?

Gustavo Catalano: Efetiva.

Carlos Carvalho: Ele foi consultado.

Leda Alves: Não só isso.

Gustavo Catalano: Também. Uma participação efetiva. Várias reuniões. Vieram.

Carlos Carvalho: O grupo foi consultado. Todos os pontos foram elencados, a gente discutiu. Samuel (Santos), Rodrigo Dourado…é….

Gustavo Catalano: A gente não excluiu a sociedade civil do processo não. Muito pelo contrário. A intenção é incluir a sociedade civil na discussão dos festivais.

Postado com as tags: , , , , , , ,

A entrevista com Leda Alves em vídeo

Gestora já atuou na Fundarpe, Fundação de Cultura Cidade do Recife, Teatro de Santa Isabel e Companhia Editora de Pernambuco

Gestora já atuou na Fundarpe, Fundação de Cultura Cidade do Recife, Teatro de Santa Isabel e Companhia Editora de Pernambuco

Como foi bem longa, dividimos o vídeo com a entrevista da secretária de Cultura Leda Alves, gravada semana passada e já postada em texto aqui no Yolanda, em três partes. Na primeira parte, ela fala porque aceitou o cargo e confessa que chegou a reclamar intimamente: “pô, isso chegar agora, na minha velhice?”.

Perguntada sobre a representatividade de sua figura (que assim como o escritor Ariano Suassuna, virou um escudo cultural do governador Eduardo Campos, desde sua gestão passada), de certa forma blindada com relação a críticas da categoria artística, ela reconhece isso, guardada as devidas proporções. Leda acredita que existe uma força maior e canta “não sou eu que me navego, quem me navega é o mar…”. E lembra-se da boa receptividade com sua chegada.

Ciente da competição das vaidades, das traições e deslealdades, da inveja que sempre rondam o poder ela confessa que já foi traída por um sujeito, que foi tirado do grupo. “Cheguei e encontrei uma equipe pequena, mas completamente apática”. E que vem lutando para melhorar as condições físicas de trabalho, “que são péssimas” e as condições salariais, “que ainda são bastante degradantes”.

Na segunda parte da entrevista, Leda Alves pontua que não houve transição da gestão anterior (o jornalista Renato L foi o secretário do prefeito João da Costa durante três anos e pouco e a produtora e atriz Simone Figueiredo assumiu os últimos meses). Anuncia o chefe da divisão de Artes Cênicas, o diretor, o pesquisador e diretor Romildo Moreira (indicado por Carlos Carvalho [diretor do Centro Apolo-Hermilo] e Williams Sant’Anna [do Teatro Luiz Mendonça]). Conta como resolveu os problemas da Orquestra Sinfônica do Recife e diz que ainda não tem uma definição sobre o Sistema de Incentivo à Cultura (SIC). Explica ainda que começou a trabalhar sem dinheiro: “a gente não tinha um tostão no orçamento. O orçamento não foi pensado”.

Na terceira parte da entrevista, a secretária fala da mudança de conceito. E que no São João os artistas locais ganharam espaço e que isso será repetido no Carnaval. Ela fez uma ressalta: “Nós não somos produtores. Muito menos de eventos. A proposta, o compromisso da secretaria de Cultura é fomentar, apoiar, incentivar, dar oportunidade e espaço a todas as expressões de nossa cultura, respeitando a tradição, respeitando o novo, respeitando o jeito que o Nordeste tem de brincar e de se alegrar, em todas as linguagens”.

Também ressalta que pretende investir a vocação do Centro Apolo-Hermilo de formação. E que os festivais de dança e de teatro já estão pensados e estão na mão de Carlos Carvalho, coordenador do Centro Apolo-Hermilo.

O fomento de artes cênicas, no valor de R$ 100 mil, que não é realizado há alguns anos, ela alega que tem que ser repensado. “Tem que se rever muito esse negócio de dinheiro público, de fomento, de fundo de cultura”. Leda também fala sobre a manutenção e ocupação dos teatros municipais e a política cultura que está construindo.

Entrevista com Leda Alves 1

Entrevista com Leda Alves 2

Entrevista com Leda Alves 3

Postado com as tags: , , , , , , , , ,

Balanço da gestão Leda Alves nas artes cênicas

Leda Alves, 82 anos, secretária de Cultura do Recife. Foto: Ivana Moura

Leda Alves, 82 anos, secretária de Cultura do Recife. Foto: Ivana Moura

Há alguns meses tentamos marcar uma entrevista com a secretária de Cultura Leda Alves. Mas o nosso encontro, por motivos vários, ainda não tinha dado certo. Depois de uma reunião do Fórum de Artes Cênicas, no último dia 14, no entanto, enxergamos o óbvio com muita clareza: essa conversa era fundamental. Afinal, passados oito meses de gestão, a equipe de artes cênicas não havia sido montada e a classe artística estava ali reunida, ouvindo um gestor técnico (Gustavo Catalano, gerente geral de ações culturais e infraestrutura da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife) perguntar se seria possível realizar o 18º Festival Internacional de Dança do Recife e o 16º Festival Recife do Teatro Nacional juntos. Não havia sequer uma resposta segura com relação aos orçamentos destinados aos dois eventos, completamente consolidados na cidade.

Em quase duas horas de conversa com a secretária, na última terça-feira (27), fizemos vários questionamos sobre diversos problemas da área de artes cênicas – o SIC (Sistema de Incentivo a Cultura), a manutenção dos espaços, a formação. Novamente, o óbvio ululante se instaura: há muito por ser feito e posicionamentos ainda bastante vagos. Leda Alves, pelo que demonstra na entrevista, deposita muita confiança e também responsabilidade no diretor, dramaturgo, ator e gestor Carlos Carvalho, que assumiu o Centro Apolo-Hermilo.

Aos 82 anos, a atriz e gestora, que já passou pela Fundarpe, Fundação de Cultura Cidade do Recife, Teatro de Santa Isabel e pela Companhia Editora de Pernambuco, e viu Geraldo Júlio e Eduardo Campos engatinhando, tem muitos desafios pela frente. Começou tentando exterminar os ratos e baratas que, explica ela, tomavam conta da sua sala no 15º andar da Prefeitura do Recife; e dividindo a sua sala noutras três, tão grande seria o espaço. Teria resolvido também os problemas da Orquestra Sinfônica do Recife; e agora, finalmente, durante a entrevista, anuncia o novo Chefe da divisão de Artes Cênicas (conhecido com gerente de artes cênicas): o diretor, dramaturgo e ator Romildo Moreira. Estão subordinados a ele o chefe do setor de serviços de Circo – Cleiton Osman Ferreira de Oliveira, nome também revelado na entrevista, o gestor responsável pela Dança, Fred Salim (que já assumiu o cargo) e o chefe do setor de serviços de Teatro. Esse último ainda não foi escolhido. Pelo menos até terça-feira passada. E ah, como o céu seria de brigadeiro se a pendência fosse só essa!

Entrevista // Leda Alves

Porque você aceitou ser secretária de Cultura do Recife?
Eu acho que a palavra nem é “aceitou”. A palavra é comparecer, dizer sim. O sim não quer dizer aceito. Quer dizer que acredita. Tenho uma perspectiva na minha vida muito ligada a uma fé, a um sentido da minha vida, a uma consciência de missão, a uma consciência de que sou parte de um plano de Deus. Não tenho dúvidas que Ele pensa em cada um de nós e, consequentemente, em mim também. E em toda a minha vida eu peço para eu não colocar obstáculos no plano de Deus sobre mim. Era tão fora da minha perspectiva essa secretaria! Porque eu tinha atravessado o momento mais difícil na Cepe (Companhia Editora de Pernambuco), que foi logo quando eu cheguei. Mas aí a gente abriu veredas do ponto de vista da democracia, da cidadania, da justiça social, da inserção e da abertura para outros códigos da cultura, muito sérias, profundas e bonitas. Nenhuma coisa que estou falando aqui se refere a mim. Eu só fui instrumento ali. Só chamei para junto de mim um bando de gente que acredita nas coisas e tem talento e deu no que deu. E aí eu estava vivendo o momento que o governador um dia me disse: “Leda, quando você colocar esse cargo nos trilhos, você viajar em céu de brigadeiro”. E eu brincava dizendo que parecia que o céu de brigadeiro estava chegando. Não deu duas! Eu estava em Exu, nas festas de Gonzaga, quando recebi o telefonema de Geraldo (Júlio), que eu conheço desde menino porque eu era amiga dos pais dele. Então foi uma pancada tão grande na minha cabeça, no meu coração, que eu estava almoçando, bebendo, saí da mesa e, quando voltei, não sabia nem em que chão eu estava pisando, voltei meio aérea. E à noite fui pro show e disse, “Geraldinho”! Eu não entendia o que ele estava me pedindo: “eu?”. Engasguei e disse: “Deixe eu conversar com Dudu (Eduardo Campos)”. “Mas é com o governador sabendo de tudo que eu estou telefonando”, ele respondeu. Aí eu fui ainda alimentando uma esperança que Eduardo dissesse: “não, eu não estou liberando você não. Quero que você termine meu governo”. Como ele dizia: “enquanto eu for governador, daqui você não sai”. Aí encontrei com ele à noite, ele beijou a minha testa e eu disse: “Dudu, olha a situação!”. Aí ele: “Vamos trabalhar? Eu quero você lá. Vamos trabalhar?”.

Espiritualizada, Leda Alves acredita em missão

Espiritualizada, Leda Alves acredita em missão

A sua escolha tem uma força política grande. E você, de certa forma, é uma pessoa, assim como Ariano, blindada com relação a críticas da categoria artística. O que você pensa sobre isso?
Guardando as devidas proporções com Ariano! Mas eu pensei sobre muitas coisas, sobre uma saudade do que não fui na minha juventude em relação a isso. Cheguei a reclamar dentro de mim: “pô, isso chegar agora, na minha velhice?”. Eu nunca pretendi, nunca insinuei, nunca desejei. Mas mais ligada ao doutor Arraes (Miguel Arraes de Alencar) do que eu era e depois a Eduardo? Que vi andando, engatinhando? Mas eu nunca insinuei nada disso porque sempre pensei que no balanço do mar..não sou eu quem me navego, quem me navega é o mar! (cantando). Então o mar para mim é uma força muito poderosa e eu sempre tento boiar na vida. Não de apatia, mas eu me largo completamente. E, se você não se largar, você não boia. É condição de boiar, você largar. Se você fizer uma forcinha, o corpo afunda. Então eu navego assim. Agora que estou terminando a missão? Chega um tamanho de missão desse? Mas, ao mesmo tempo, reflito: essa é a minha praia e eu trabalhei nela de várias maneiras, em várias frentes, desde quando tive minhas decisões de vida, de existência e de fé. Eu nunca tive desvio. Sempre fui desse lado e nesse código. O capitão Antônio Pereira dizia a Hermilo (Borba Filho) um negócio lindo: “ô Hermilo, só tem um caminho. O resto são veredas.” Eu nunca tomei outra vereda. Fui nesse caminho. Então agora você vai assumir a secretaria de Cultura. Sofri tanto ao longo desses caminhos vendo as besteiras que eram feitas, os desvios que faziam, a competição das vaidades, as traições e deslealdades com os outros, a inveja. Mas eu estava muito mais ligada aos artistas, apesar de sempre conviver com o poder. Mas o poder nunca me fez mal não. Eu ia como emissário. Agora quando eu aportei aqui, eu já vim bem, dessa expressão, que você usa, que eu senti que a categoria me quis. Eu vindo de Exu para cá, o telefone não parou um minuto. Das pessoas das mais diferentes linguagens, que me telefonavam, uns dizendo, “conte comigo, agora a coisa vai, a gente tem esperança, toque para frente, a gente ajuda no que puder”. Então isso é oxigênio. E eu tenho é que ouvir essas vozes. E se estão querendo, esperando e acreditando, é porque eu posso fazer, com eles eu posso. Aí eu vim para a posse. Também achei a receptividade da posse, quando meu nome foi anunciado, muito grande. E aí são as antenas de atriz, uma porção de coisas. Eu sou meio bicho para esse negócio de: comunico ou não comunico? Misturo pele, misturo uma porção de coisas…sinto logo quando a pessoa…não dá! Há pouco tempo eu tive uma reunião aqui, o sujeito estava sentado nessa cadeira, e eu disse: esse vai trair, esse não vai ser desse grupo. Não deu outra. Dez dias depois as coisas estavam virando e ele era o mentor da virada. Então isso eu sinto. Mas isso não é de agora não. Isso é de muito tempo! Então cheguei e tive uma reunião ainda no dia da posse. Eu acho que foi, porque eu cheguei até aos lugares sem pisar no chão, eu acho que é capaz de ter sido nessa sala. Quando eu disse a eles, aos funcionários, eu renovei o meu compromisso com eles que eu vivi há 28 anos. Se eu tenho hoje 82, eu tinha 54 anos. No auge da energia, já com uma maturidade, de experiência. Eu disse a eles que estou do lado deles, do ponto de vista do funcionalismo, do profissionalismo, da capacitação, das condições físicas de trabalho, que são péssimas, das condições salariais, que ainda são bastante degradantes. E aqui eu cheguei e encontrei uma equipe pequena, mas completamente apática. A barata “comia no centro”, quando você saia à noite, elas tomavam conta. Puxasse o telefone, saia uma barata de dentro. ‘Se botava’ spray para durante à noite não invadirem. Tinha rato, tinha barata, tinha tudo aqui dentro. Os roedores se misturavam com a gente. Cada vez que eu fui lá dentro e voltei…eu não sabia por onde começar! Mas fomos devagarzinho. Me pegaram logo, fizeram uma decoração de carnaval, logo no começo, do jeito que eu gosto. Pobre do ponto de vista do custo, mas sóbria, discreta e de bom gosto. Só com o essencial. Aí colocamos um som aí, só músicas de carnaval. Porque eu elogiei? Elogiei porque gostei e o pessoal nunca tinha tido um elogio. Aí eu os reuni aqui nessa sala para conversar sobre a situação de cada um, o que cada um fazia. As coisas mínimas! Muitos foram do meu tempo e outras não. Os mais novos não me conheciam. Olhe, houve gente que chorou, porque nunca tinha entrado nessa sala, nunca tinha sido ouvido, nunca tinha sido chamado pelo nome. Eu fui vendo como é fácil você administrar pessoas que têm a sensibilidade de sentir falta. Então vi que todos estavam vivos, todos estavam com possibilidade de querer alguma coisa. Hoje a gente está com uma equipe entusiasmada, cumprindo as etapas e as tarefas, querendo acertar. A equipe administrativa, que é a mais difícil, porque é meio cru, aquele negócio do papel, do papel, do papel. E eu tenho dado mais atenção a eles. Tirei umas coisas absurdamente erradas. Aí, para não sentirem muita falta, vai se colocando outras coisas. Estou apertando na disciplina de horário, coisas que incomodam. Tiramos uns negócios que eram assim já de vício.

Houve uma transição? Você chegou a conversar com Simone Figueiredo, a secretária da gestão anterior?
Não. Simone me entregou dizendo que tinham umas pastas e que, se eu precisasse de alguma coisa, se colocou à minha disposição, mas fui me virando com o pessoal que está aqui, que era com eles que eu tinha que viver.

Você sabe que viemos aqui principalmente para falar sobre as artes cênicas. Que é também a sua área. Então vamos começar: porque a gente não tem um gerente de artes cênicas? Porque a equipe de artes cênicas não está estruturada?
Passou a ter a partir de ontem (segunda).

Então anuncie! Que nós não estamos sabendo!
Danado é que eu não sei os nomes…

Saiu no Diário Oficial?
Não, não saiu ainda. Foram Carlos Carvalho (diretor do Centro Apolo-Hermilo) e Williams Sant’Anna (do Teatro Luiz Mendonça). Já sei. O gerente de artes cênicas é Romildo (Moreira). Agora a gente está pensando em Romildo. É porque mudaram as nomenclaturas. Agora ainda não foi publicado. Eu estou dizendo a vocês e vocês aguentem…Porque aí o prefeito vai dizer: eu nem assinei ainda a portaria e Leda já está dizendo?”.

Mas você sabe que toda a classe quer essa informação!
Uma coisa que eu acho formidável é que não há nenhuma pressão do prefeito em empurrar nomes. A gente está fazendo uma mudança agora radical no desenho do carnaval. A conversa da gente toda é com as agremiações. Ontem passamos a tarde com algumas categorias. Amanhã de tarde outra, depois de amanhã outra. Apresentando uma proposta e discutindo com eles. Para depois eu comunicar ao prefeito.

Mas sobre a sua equipe: eu conversei com Gustavo Catalano (gerente geral de ações culturais e infraestrutura da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife) na última reunião do Fórum de Artes Cênicas, no dia 14 de agosto, e ele me disse que ainda não tinha equipe porque não tinha encontrado as pessoas capacitadas.
Mas já está encontrando. Porque a gente está no fazer das nossas ideias e do que a gente sonha, do que a gente pensa em caminho novo – e nem sempre caminho novo obrigatoriamente é caminhado por jovens, mas por experiências renovadas, não é? A gente está ouvindo muito as pessoas que estão na área, trabalhando, caminhando, fazendo ou refazendo. Então isso tem sido uma hora de muita escuta.

Orquestra Sinfônica do Recife foi uma das primeiras bombas que estourou na mão da secretária

Orquestra Sinfônica do Recife foi uma das primeiras bombas que estourou na mão da secretária

Esse tempo foi essa escuta? Porque, afinal, são oito meses de gestão.
Também. Mas aí quando a gente está escutando, a gente também está operacionalizando muita coisa. Por exemplo, a Orquestra Sinfônica do Recife. Fui eu chegar e, um mês ou dois depois, estourou o negócio. E estourou não foi um fato isolado. E estourou, uma orquestra gritou: “estamos morrendo”. E morrendo por dentro. Até que vomitaram, de maneira errada ou certa, não quero avaliar a dor de ninguém. O fato é que Gioia (Osman) entregou o cargo, e a gente ficou: “e agora?”. Uma torre de Babel lá dentro. Cada um falava de um jeito, chorava de um jeito e agredia de outro.

Mas a sensação que se tinha na área de artes cênicas, logo que você chegou, uma pessoa da área. E nesse intervalo…
Artes cênicas não é só teatro não. Eu estou falando de ópera, eu estou falando de música clássica. E isso está sendo um feito muito bom, que essa Prefeitura está ganhando, rapaz! A gente trouxe Marlos Nobre, cidadão acima de qualquer suspeita. Ele não participa de nenhuma corrente artística aqui no Recife. Então ele entrou com muita competência, com um nome internacional. Foi ele quem me procurou para dizer: “estou acompanhando a agonia da Sinfônica. Eu sendo daí, estou sofrendo pelo Recife”. Eu estava almoçando quando ouvi uma frase: “Leda, pode contar comigo”. Isso não foi em vão, que eu ouvi essa frase! Ele falou, falou, e eu disse que voltava a ligar. Aí fui para o prefeito. Quando eu falei, contei tudo, ele disse: “vamos chamar esse maestro aqui?”. Levei, sentamos os três e ele ouviu de mim, do prefeito; e ele, naquela hora, Marlos saiu comprometido em cuidar da Sinfônica. E ele é muito mais do que um maestro. Está sendo um amigo, um irmão, um confidente, um psicólogo. Então ele restaurou por dentro os músicos. Os músicos hoje estão alegres. E ele pensava que não poderia preparar um concerto antes de três meses de trabalho. De tal maneira, porque ele viu como ela estava desfalcada, instrumentos, plano de cargos e carreira…Claro que isso é o somatório de muitas coisas que vivemos no passado, de muitos não, não, não, esquecimento, e tudo. Não é de valor do pessoal não. E ele investiu, ele apostou. Aí o prefeito disse: “Eu estou com você e o que você precisar eu quero fazer”. Pronto. Ele mergulhou dentro do teatro e amanhã (quarta / na realidade, o concerto foi adiado por conta do apagão no Nordeste) ele entrega a Sinfônica, que ele acha “eu estou entregando ao Recife uma Orquestra Sinfônica, que faz jus ao título de ser a mais antiga do Brasil”. É exercício. A gente não comprou os instrumentos ainda, porque o processo de comprar fora do país é coisa para seis meses de burocracia. Mas já está tudo levantado, aprovado por ele, aprovado pelo prefeito, é só o tempo de os instrumentos chegarem. Ele então resolveu, um negócio que eu achei formidável, pegar músicos jovens, do Conservatório Pernambucano de Música, do antigo Centro de Criatividade Musical, e também dos meninos do Coque, também era o sonho dele. Mas o juiz Targino (João Targino) não concordou e não cedeu um músico para se incorporar à orquestra! O que eu achei lamentável! Então ele (Marlos Nobre) pegou: são quinze ou dezesseis, que também estreiam agora, já ganhando, pouquinho, mas ganham, e de janeiro em diante a gente vai ver. Isso daí, nessa área, missão cumprida, no sentido de ter limpado o chão, tirado as cascas de ferida, ninguém comenta mais o passado, tem gente que já estava se entregando à bebida, entendeu? E ele levantou tudo. Ele é forte e ao mesmo tempo muito suave.

Mas esse descontentamento é o que a senhora vai encontrar, pelo menos se Gustavo conversou com a senhora depois da reunião do Fórum de Artes Cênicas, nas três áreas, circo, teatro e dança. Porque as pessoas estavam muito cansadas. Porque estavam com aquela esperança e aí chegou o mês de agosto e não tinha gerência! Na reunião ouvimos um gestor perguntar: “e aí, quais são os problemas do festival de teatro e do festival de dança?”. Nós estamos em agosto, um dos festivais era teoricamente em outubro, o outro em novembro, “quais são os problemas do festival para a gente tentar resolver?”. Como assim? Você não tem nem gerente! Se você tivesse um gerente, ele saberia dos problemas. A gente tem uma avaliação do festival de teatro todo ano.
Não… Foi horrível.

Então os festivais, isso não é nenhuma novidade para quem é da área. Isso é uma construção. Então eu queria saber sobre os principais problemas das artes cênicas. Por exemplo, nessa reunião, foi levantada a questão do SIC. Como será resolvida a questão do SIC?
Vai se resolver. Todas as questões vão ser resolvidas primeiro numa mesa, conversando. E aos pouquinhos isso está acontecendo. Você veja a conferência da gente, se bem que eu acho que têm coisas muito deficitárias nas conferências: por exemplo, a ausência de artistas. Na minha opinião, ela é muito mais um encontro de política partidária. E a ausência de jovens. Acho que discutir partido é outra coisa. Participei de tudo. Foram horas difíceis, por conta das brigas das correntes e das tendências. Mas eu achei: classe média lá não pisou. Tudo foi comunidade. Mas fizemos e abrimos a porta para ingresso de outras faixas da sociedade civil. O SIC é uma coisa que a gente vai, já começamos a pensar, a tratar, e ver como é que a gente vai fazer. É claro que a gente vai ver como é que conduz. Discutindo. Há quem pense que a gente deveria deixar o que não foi feito, não foi feito, e começar a pensar e organizar de agora pra diante. Esse é um pensamento, com o qual eu me afino mais. Eu não posso dizer a vocês ainda. O universo é muito grande. A Sinfônica me pegou muito tempo, porque a gente não tinha um tostão no orçamento. O orçamento não foi pensado.

Essa foi uma situação geral? Todas as secretarias chegaram sem dinheiro?
Praticamente.

Por que isso aconteceu?
Porque não foi planejado antes. A gente agora já tem que encaminhar todas as verbas para o próximo ano. E se ela não foi pensada, a LOA (Lei Orçamentária Anual), e tudo, a gente não tem. Tudo é o prefeito que está encaminhando, suplementação, suplementação.

Vamos para os festivais. E os festivais? Como você vai resolver essa pendenga?
Vão acontecer. Não é pendência não. A cada dia basta o seu fardo. Então cada vez que vem, a gente se senta, pensa, reflete, discute e tenta fazer. Graças a Deus o pessoal do secretariado, a parte de finanças, está olhando com muita boa vontade, com muito respeito e credibilidade os pedidos de Cultura, que não são pequenos. A gente saiu com o carnaval. Quanto é que a gente gastou no Carnaval? Eu sou péssima para números! Este carnaval vai ter um desenho completamente diferente dos outros.

Qual a diferença?
Construído! Vai ser diversificado, vai ser realmente discutido, como a gente fez o São João. Eu vou dizer uma coisa que digo sempre. Eu não pensei em viver a experiência que vivi no São João. Pode para vocês ser até…até artesanal. Mas nós, este ano, eu queria que vocês ressaltassem isso, a gente passou a usar, nas nossas programações artísticas e culturais, um instrumento chamado edital. Esse edital é uma coisa formidável. Fizemos no São João. Esse edital democratiza e evita injustiças, abre espaço e vez para todos. Se bem, um parêntese, a gente vai ver como reformular as leis que regem um item que se chama prestação de contas, documentação, para os artistas populares. Isso bate no Tribunal de Contas, mas isso a gente ainda pensa em mudar. Mas, fechando o parêntese, com o edital, todo mundo tem acesso. Não tem boquinha também: eu não recebo pedido seu, pedido seu, pedido seu. Parente, aderente, neto, avó, compadre, nada! Aí vem: “Leda..”. Eu secretária, então! “Meu grupo, não sei o que, não sei o que”. Eu digo: “vocês se inscreveram no edital?”

Mas isso especificamente para o São João?
Não! Vou fazer para carnaval, vou fazer para Natal. É caminho definido de politização, política cultural. Não há apelação, quem não estiver inscrito no edital, perdeu! E aí eu recebo os nomes, a relação toda, e a gente vai sentar aqui, uma equipe, e vai decidir.

Então existe uma mudança de conceito. Com relação ao São João, é o forró pé-de-serra? Em detrimento aos outros?
Não! Coco, ciranda, aboiador, todas as expressões concernentes ao nosso São João, a gente descobriu, catucou, vem pra cá! Vamos nos apresentar!

Mas o que não era do nosso São João, por exemplo, que estava tendo vez?
Tinha, tinha muita coisa de fora que vinha para cá porque tinha prestígio. O que todos nós vivemos, não precisa eu denunciar. Todos nós vivemos e sabemos qual era a receita: era a da amizade, do sujeito que tem nome, da sujeita que tem fama. Se você fosse ao Sítio da Trindade, não precisava eu falar nadinha! Você ia ver a mudança que foi esse São João no Sítio da Trindade, em estética, beleza, organização e a qualidade do que se apresentou no palco. E tem mais, viu? Não houve uma briga, assalto, furto!

O Carnaval vai seguir essa linha? Não precisa ter artista de fora?
Não, não precisa. Este ano teve, mas para o próximo não. Agora a gente ainda não pode dizer como vai ser a abertura do carnaval, porque o grande homenageado deste carnaval será o frevo.

Mas vamos voltar ao assunto festival. Os festivais de dança e teatro, que são para agora, como você está pensando em produzir esses eventos?
Você usou uma palavrinha que eu não uso. Nós jamais produzimos. Nós não somos produtores. Muito menos de eventos. A proposta, o compromisso da secretaria de Cultura é fomentar, apoiar, incentivar, dar oportunidade e espaço a todas as expressões de nossa cultura, respeitando a tradição, respeitando o novo, respeitando o jeito que o Nordeste tem de brincar e de se alegrar, em todas as linguagens. Para as artes cênicas, eu pensei muito no Centro Apolo-Hermilo. Não foi nem um minuto pelo nome de Hermilo apenas. Mas é porque o projeto daquilo é que seria um centro de formação. Ele foi durante um tempo no começo, mas depois os tumultos da vida foram afastando, afastando. E hoje eram dois espaços sem nenhuma linha cultural, de compromisso, de nada. Aquele “espontaneísmo” da mediocridade. Então chamei para lá Carlos Carvalho, que estava no Governo do Estado. Conversei com Fernando (Duarte) e pedi Carlos para a gente. Ele é um homem de artes cênicas, escritor, encenador, foi ator. Mas ele é um idealizador, um líder e também com muita ligação com a cultura popular. Por coincidência, ele é hoje o homem de teatro que mais trabalhou sobre a obra de Hermilo, adaptando até para a dança. Ele seguiu essa estética. Passou seis anos no Governo do Estado, exatamente trabalhando muito com os artistas populares. Aí chamei Carlos. Ele veio para cá e está dando tempo integral. E aí ele está pensando. O projeto dele tem coisas muito boas de formação. E os festivais estão acontecendo, irão acontecer, já estão pensados, todos eles.

Secretária afirma que festivais de dança e de teatro já estão pensados

Secretária afirma que festivais de dança e de teatro já estão pensados

Como assim já estão pensados? Se a gente, há menos de um mês, teve uma reunião com a classe em que não sabíamos nem o orçamento dos festivais?
Vocês sabem que Carlos Carvalho é o coordenador do Centro Apolo-Hermilo? E esses projetos de festival estão na mão de Carlos.

Como é que ele vai dar conta de dois festivais e do Centro de Formação Apolo-Hermilo?
Você vai perguntar a ele. Ele está com esses dois festivais, distribuiu nos outros teatros.

Mas você está falando do Festival Recife do Teatro Nacional? Porque geralmente há uma curadoria, além do coordenador, o que demanda um tempo.
Mas isso está havendo. Procure Carlos, converse com Carlos.

Está bem. Vamos adiante. Outra questão é sobre o fomento de artes cênicas, que sempre foi alvo de muitos questionamentos, principalmente por conta do valor, que é apenas de R$ 100 mil. E há alguns anos ele não sai.
Deixa eu dizer uma coisa a vocês. Não está decidido, não foi maturado, mas eu acho que tem que se rever muito esse negócio de dinheiro público, de fomento, de fundo de cultura. Um produtor veio um dia me pedir um apoio para uma viagem para o exterior. E aí ele disse, agora você me dá, vamos dizer, R$ 20 mil, para os atores poderem sair, passear, comprar presentes, beber, uma farrinha. Você não tem o despudor de me pedir isso não? Desde quando dinheiro público é para isso? Para isso ele bota a mão no bolso, do dinheiro dele, que ele leva. E quem não leva porque não pode levar, não faz farra, nem traz presentes. O que é isso? Eu vou custear isso? Já sabe que não vai. Não dou um tostão. Então você não sabe o que é se sentar nessa mesa e ouvir pedido. Vem as coisas mais absurdas do mundo pedindo dinheiro para você! Porque há uma deformação. O sujeito vem com uma série de apoios e vem, pede R$ 90, pede R$ 80, pede R$ 120 mil. Pede 13 passagens de ida e volta para a Europa, 20 passagens. Então não há nenhuma consciência disso. Você foi para o Funcultura (Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura), você recebeu? Como também a gente sabe que um projeto encaminhado ao Funcultura, um fulano pode ser beneficiado em seis projetos. Quando ele vai somar os dinheiros, botou um bom dinheiro no bolso. Entendeu? Muda só a posição dele, o nome do projeto, mas é tudo uma mesma cadeia. Essas coisas têm que ser moralizadas.

Você pensa em criar um fundo municipal, como o Funcultura?
Eu estou dizendo a você que como está não presta. Agora qual é o caminho que a gente vai seguir, vocês também têm que propor. Está na hora de propor. Vocês sabem quando a coisa não presta. Vocês sabem quando não está correto o negócio. Só não presta quando não vem benefício? Quando vem benefício para mim eu me calo? Não pode! Olhe, facilitar isenção de pauta no Teatro de Santa Isabel. Eu entrei radical. Eu só dou isenção quando o ingresso é de graça. Chega um sujeito cheio de apoios e cobra R$ 80, R$ 100, R$ 120 por ingresso. E eu vou dar o da gente de graça? Não. Agora, se é de graça, se vem com preços populares, às vezes simbólicos só, se a troca é, como por exemplo, com Deborah Colker. Esse espetáculo de hoje (terça) à noite, que a gente ajudou, ela deu para a Prefeitura do Recife, para a secretaria de Educação. As escolas da gente vão todas hoje. O que ela está chamando de ensaio aberto. É o espetáculo. Então negocio com isso, com uma troca de benefícios. Se você faz de graça, você tem todo o meu apoio, se você está entregando ao povo um produto de primeira, de graça, eu também vou dar ao povo o Teatro de Santa Isabel de graça.

Você saberia dizer quanto Deborah Colker recebeu?
Foi R$ 20 mil. Só para a secretaria de Educação a gente entregou 1.200 ingressos. E teve uma oficina de dança. Aí ela deixa um benefício aqui.

Vamos adiante. Queria saber sobre a manutenção dos nossos teatros e aí, claro, vamos entrar inevitavelmente na questão do Teatro do Parque.
Que não é da secretaria de Cultura, é da Fundação de Cultura, mas já foi criado um grupo, os projetos já estão sendo desenhados. Isso aí vai para frente. Eu tenho certeza que agora o Teatro do Parque vai. É coisa para mais um ano, um ano e tanto, talvez até dois anos.

Daqui a dois anos, quando o Teatro do Parque completar cem anos, ele vai estar aberto? Vamos lá, o seu compromisso para a câmera!
Vai, vai estar aberto. É Roberto Lessa quem está encarregado disso, mas eu participo de algumas reuniões. Porque o Teatro do Parque pertence à Fundação de Cultura. Ele e o Barreto Júnior. Daqui são Teatro de Santa Isabel, Dona Lindu, Apolo-Hermilo, o de Peixinhos. Esses, fizemos um grande projeto pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), encaminhamos ao Minc (Ministério da Cultura), o Iphan liderando isso, e chegou o sinal verde de que tinham sido aprovados os projetos para restauração de luz e de som. Dinheiro do Ministério da Cultura.

Para compra de equipamentos de luz e som?
Exatamente. Eu acredito! Se eu não acreditar, o que é que eu faço?

Pensando no Teatro do Parque como um problema que vem desde a outra gestão, você não vai gostar da palavra mas, existem outras heranças malditas?
Palavrinha muito cansada. Mas não. Eu prefiro não falar sobre isso. Porque é tão contundente, que eu prefiro não falar. Vamos trabalhar, vamos colocar para frente, o pessoal de Carnaval, que diziam tanta coisa, a gente vai pagar os atrasados. Tenham paciência, porque tudo agora é emergencial!

A sua principal vertente em formação é o Centro Apolo-Hermilo? E o que você vai fazer com relação à Escola João Pernambuco?
Mas ela não pertence à secretaria de Cultura não. Pertence à secretaria de Educação. Agora, no afã da Sinfônica, falamos muito sobre ela. Acho que o maestro até ia visitá-la. Mas eu ouvi do secretário de Educação, numa conversa, que está tirando a João Pernambuco do lixo, do chão. Está levantando.

E sobre o Apolo-Hermilo?
Eu quero dar uma ênfase muito grande ao Apolo-Hermilo. A Semana de Hermilo, que há três anos não acontecia, ela nasceu muito bem, ela foi muito bem, uns quatro, cinco anos, depois ela caiu. Ela caiu e caiu para a mesmice, para a coisa medíocre e morreu. Agora Carlos (Carvalho) deu uma linha dos espetáculos populares nordestinos, ele trouxe o filé de tudo e, a partir dali, debates com teóricos, com estudiosos, com doutores, com especialistas e com os mestres populares. A gente repetiu um modelo que aconteceu com o Teatro do Estudante de Pernambuco no fim dos anos 1940. A gente voltou a reunir os mestres populares para discutir as coisas. Agora, não sei porque, público lá não foi. Quinze, vinte pessoas é muito pouco.

Falando do Apolo-Hermilo, uma das vocações do Apolo-Hermilo, por ser um centro de formação, é o de fomentar o novo…
O que você entende por novo?

É o teatro contemporâneo, instigar o novo, a produção, discutir dramaturgia.
Você não acha que o contemporâneo também se alimenta do acúmulo de experiências do que você viveu? Você transforma, você renova. Então a gente não pode excluir nada. A pauta do Hermilo está aberta para ocupação do teatro, diferente do Santa Isabel. O espaço do Santa Isabel não pode ser para um teatro experimental. Não pode ser um teatro de comunidade que vem testar. Não se estreia espetáculo no Santa Isabel. Ele é um teatro municipal, que tem características, que tem peso, um custo altíssimo, cada vez que aquela cortininha se abre. Ali só pode vir espetáculo testado já. Quando Carlos Carvalho estreou O inimigo do povo, eu disse: “de jeito nenhum. Você vá embora para os outros teatros, enxuga esse espetáculo, amadureça. Quando ele tiver vida já testada e tiver pauta no Santa Isabel você traz. Mas aqui não se pode experimentar”. Agora, o Apolo-Hermilo, não quer dizer com isso que venha qualquer porcaria, porque toda peça, há que haver uma avaliação. Não pode chegar assim. Vamos fazer das coisas um passo para a melhoria. O que você faz numa sala no seu bairro, numa garagem, você dali está caminhando, pensando em um dia levar para a cena mesmo. Para isso você tem que testar o começo, acrescentar as coisas, dominar as técnicas e capacitar o elenco. Ninguém nasce pronto, não é? Para um dia chegar lá. Agora nessa semana (Hermilo) o que eu achei formidável é que tinha espetáculos de dança contemporânea e tinha espetáculos de dança popular. Entendeu? E o debate não foi grande porque o público não dizia nada.

Uma das preocupações de Leda é com sua equipe de funcionários

Uma das preocupações de Leda é com sua equipe de funcionários

Que tipo de política cultural você está construindo? Você teria um conceito?
Eu não formulo pensamentos. Até porque vocês falam em sete meses, isso não é nada. Isso não é nada. Eu só consegui diminuir o meu gabinete, que era muito grande – do que a gente tirou, eu fiz três salas. A gente não arrumou a casa, o programa de cargos e salários dos funcionários. Arrumei umas melhorias pequenas, estou moralizando um negócio que se chama diária de evento. Diária de evento surgiu no meu tempo. Não fui eu quem inventou não, mas é do meu tempo. Para os funcionários que trabalhavam, vamos dizer, nos ciclos culturais. E trabalha, viu? O pessoal administrativo vê o dia clarear preparando pagamento. É incrível. Então há o valor de uma diária, duas, três, dependendo do quanto você trabalhou. Isso seria um nome para gratificação. Isso de tal maneira se alastrou, que entra saúde, entra tudo com diária de evento. E ela se transformou em complementação salarial. Eu chamo você para um trabalho e lhe digo: “o seu salário é R$ 1,2 mil, mas você tem de diária de evento outro pacotão. Isso não incorpora na sua aposentadoria, não incorpora em nada. Então a gente está acabando com isso. Ela voltar a ser, até haver outra possibilidade, das pessoas que trabalham mais, ganhar mais.. Mas isso é uma máquina tão ronceira, que por mais que a gente esteja tentando impregnar de prazo para poder viver… A mínima coisa! Prazo para se cumprir, ninguém cumpre! Então colocar esse negócio para a frente. Você não pode ir para casa tendo um ofício pra despachar. Volta para a tua mesa, despacha tudo, vá para casa, bote a cabeça no travesseiro dizendo: “fiz”. E transformar em servidor público um funcionário público é um processo de mutilação, às vezes, porque é muito difícil. Então não é uma frase que vai dizer o que a gente pensa. É uma constatação depois que a gente estiver fazendo. Se daqui a um tempo vocês disserem: “Leda, em que você acha que vocês mudaram?”. Que não sou eu! Ou esse bonde vai junto ou não caminha. Aí a gente hoje é uma secretaria assim, quero informatizar ela todinha, mas isso não se faz em dois meses, nem com pouco dinheiro. Agora é que eu estou colocando uma pessoa para captação de recursos. A engrenagem é muito difícil! Mesmo que todos os secretários não tenham mais do que 45 anos, é tudo gente bem jovem, mas é fogo! Eu esperneio, perco paciência, difícil, muito difícil.

Qual o seu sonho? Quando você deixar essa secretaria, o que você quer? Deitar no travesseiro e dizer: “fiz”?
Se ela puder ser democrática, se ela puder refletir a vontade do povo, sem demagogia, se ela puder criar espaço para todos os artistas terem condições de desenvolver o seu talento, o seu ofício, viver do seu ofício e ser feliz! Se a secretaria de Cultura puder contribuir para isso, eu me dou por satisfeita.

O prefeito é sensível à cultura?
Sensibilíssimo. Não é artista, mas ele é…você falou, ele diz: “não posso, agora não dá” ou diz: “vamos fazer”. Não enrola. Esse defeito ele não tem.

Muito obrigada!
Obrigada por eu ter a chance de falar nas coisas nas quais eu acredito.

Postado com as tags: , , , , , , ,