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Experiência artística do êxtase vai à exaustão

Nereu Jr / Divulgação

Foto: Silvia machado / Divulgação

Crowd (Multidão), espetáculo da franco-austríaca Gisèle Vienne, abriu a 7ª MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, na noite de quinta-feira, 5 de março. A artista buscou o mote da coreografia em suas experiências dos “clubs” de Berlim dos anos 1990 para erguer uma impressionante encenação de rave regada a música techno, manipulação de tempos e ritmos estampados nos corpos bem treinados de 15 jovens dançarinos.

Ao som de uma trilha eletrizante concebida por Peter Rehberg, com músicas de artistas como Jeff Mills, Global Communication e Underground Resistance, Crowd propõe nessa festa selvagem um mergulho interior nessa jornada hedonista. Experimentos para a figura perder o controle coletivamente na perspectiva de vivenciar algo profundo. É o que defende Gisèle Vienne.

A artista compõe imagens exuberantes. O chão é coberto por uma espécie de terra e lixo orgânico, permitindo que esse cenário remeta a uma noite de farra, que entra pela madrugada na Europa, em São Paulo ou em qualquer outro lugar.

Os 15 dançarinos entram em cena se movendo muito lentamente, o que, num primeiro momento, pode parecer uma representação de seres de outro planeta. Mas não é isso. Ou é, noutros termos? Eles se aglomeram, traçam marchas solitárias.

É a produção de um exercício de transe pela imersão em um ambiente sonoro intenso e repetitivo. A luz de Patrick Riou equaliza significados desse cenário, desenhando quadros de efeito impactante, das figuras que atravessam a noite perseguindo prazeres efêmeros ou um sentido para a vida.

Da plateia captamos o conjunto, um bloco de gente, ou cenas específicas, fisgadas dessas pequenas narrativas que surgem por todo o palco – encontros rápidos, corpos balançando em convulsões, beijos fugazes, jogos de mãos bobas que escorregam pelo corpo alheio, brigas, luxúria, solidão, estrago. Esses seres humanos falíveis acionam em 90 minutos amplificação narcísica.

Para mim, mais do que o êxtase proposto pela diretora, o que chega é o esgotamento pela repetição em vários ritmos e andamento nos movimentos dos intérpretes. Apreendo o que essa quantidade exagerada de opções, de ofertas, de relacionamentos não assegura ou atrai para uma relação duradoura. Tudo é fugaz.

Essa experiência sonoro-motora imersa em um ambiente de alta voltagem vibratória, pelo volume alto, pelas escolhas das músicas, pela simulação da perda do controle dos movimentos, tudo isso me remete a reflexões sobre os mecanismos inconscientes que alimentam a máquina capitalista atual.

As modulações de movimento, manipulação do ritmo, do tempo e intensidade dos gestos dos corpos expõem as emoções diluídas na multidão – algo opaco e translúcido – em estados alterados de consciência.

Os recursos técnicos, de produção e de efeito, como uma lata que explode ou fumaça que brota dos casacos são realmente impressionantes. A preparação do elenco expõe um virtuosismo, como se diria na modernidade, de trabalhar os corpos em câmera lenta, com movimentos em looping ou congelados em “frames”, que são realmente incríveis.

Mas é certa a associação com o estado psíquico do país e da plateia presente à abertura da MITsp, de um esgotamento causado por ataques constantes à democracia, às liberdades individuais e coletivas, às ofensivas ao direito de desejar e ser, as investidas contra a arte.

Abertura

O lugar de resistência da MITsp parece construído às custas de muito sacrifício, esforços que, quem está de fora, talvez não consiga supor. Mais uma vez, a mostra foi erguida em quatro meses, realmente um trabalho hercúleo. Em sua fala, o diretor de produção Guilherme Marques exaltou o trabalho da equipe e convidou o grupo para se juntar na frente do palco. Foi um dos momentos mais emocionantes da abertura, o esforço tornado carne.

Elegantíssimos os mestres de cerimônia da MITsp, os atores trans Gabriel Lodi e Renata Carvalho. O sempre admirado Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc-SP, – um exemplo de combatividade em prol da cultura –, avança com seu discurso e postura coerentes desde a primeira versão da mostra. O diretor do Itaú Cultural Eduardo Saron reforçou o apoio da instituição ao evento e à cultura. O jornalista Celso Curi leu o Manifesto Artigo 5º, pelas liberdades.

Ah, os políticos… destoam do ritual, principalmente os que ocupam cargos nas gestões de centro, de centro-direita. O mundo já está muito complicado para quererem repassar responsabilidades das diretrizes culturais insuficientes.

Sigamos, pois, lutando pela arte e pelas vidas. Inclusive as nossas.

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