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Paixão avassaladora e mal-entendido cômico

Sessão deste sábado de A Saga Amorosa dos Amantes Píramo e Tisbe está marcada para às 17h30

Sessão deste sábado de A Saga Amorosa dos Amantes Píramo e Tisbe está marcada para às 17h30

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Choveu tanto no Recife (e RMR) ontem que a cidade virou um caos. Ruas inundadas, engarrafamentos, suspensão de alguns serviços. O Festival Palco Giratório cancelou a sessão de sexta do espetáculo A Saga Amorosa dos Amantes Píramo e Tisbe. A apresentação será neste sábado, no mesmo local, na Praça do Campo Santo (ao lado do SESC e em frente ao Cemitério de Santo Amaro), mas o horário mudou para as 17h30. A Cena Bacante, programação agendada para as sextas-feiras de maio, também foi adiada para hoje, a partir das 23h, no Centro de Articulação dos Sabores Artísticos (C.A.S.A), que fica na Av. Visconde de Abaetê, 166, na Tamarineira.

A comédia farsesca A Saga Amorosa dos Amantes Píramo e Tisbe, do Grupo Teatral Gota, Pó e Poeira (ES) participa do Palco dentro do projeto Diálogos Capixabas. Píramo e Tisbe é uma lenda sobre uma paixão avassaladora entre dois jovens vizinhos (estão separados por uma parede, mas eles trocam juras de amor por uma fresta, que só eles viram), mas que os pais proíbem o relacionamento. Um dia eles resolvem fugir para vivenciar esse amor, mas ocorre uma tragédia movida por pistas falsas.

Grupo Teatral Gota, Pó e Poeira participa do Palco dentro do projeto Diálogos Capixabas

Conta a lenda que eles combinaram de se encontrar no no túmulo de Nino, ao pé de uma amoreira branca. Tisbe chegou primeiro e teve que se esconder de uma leoa, que acabara de trucidar algum animal. Mas deixou cair a capa. Quando Píramo aparece encontra o véu da amada rasgado e ensanguentado e decide tirar a vida com sua própria espada. Ao voltar ao local, Tisbe encontra seu amado morto e resolve ter o mesmo fim. O sangue dos dois, derramado aos pés da amoreira, comoveu os deuses, que pintou as amoras de vermelho.

Essa história influenciou Shakespeare na elaboração de Romeu e Julieta. Na montagem do Grupo Teatral Gota, Pó e Poeira, uma trupe de teatro deve apresentar ao rei e à rainha uma peça que junte amor e comédia. O bando apresenta esse fragmento do Sonho de uma Noite de Verão, uma paródia do bardo ao Romeu e Julieta.

Fotos: Keily Dias/Divulgação

Fotos: Keily Dias/ Divulgação

Serviço:

A Saga Amorosa dos Amantes Píramo e Tisbe, do Grupo Teatral Gota, Pó e Poeira (ES)
Quando: hoje(18), às 17h30
Onde: Praça do Campo Santo (ao lado do Sesc e em frente ao Cemitério de Santo Amaro)
Quanto: Grátis

Ficha técnica:

Atriz/contrarregra: Aline Saraiva
Ator/diretor: Carlos Ola
Ator/músico: Dyonathas Silveira
Atrizes: Danielle Lino, Eliane Correia e Neuza de Souza
Atores: Edmar da Silva e João Batista Ferreira de Moraes
Músico: Jovani Anacleto

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Alaíde é um travesti na dança de Otávio Bastos

Coreografia O Alfaiate de Livros, com Otávio Bastos. Fotos: Ivana Moura

Coreografia O Alfaiate de Livros, com Otávio Bastos. Fotos: Ivana Moura

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

O bailarino e coreógrafo pernambucano Otávio Bastos nasceu prematuro. Depois do ventre da mãe, ele foi alimentado na incubadora. A tecnologia no início da vida. E também agora. A máquina filmadora faz a mediação na criação do seu trabalho. Bastos assina a direção, interpretação e coreografia de duas peças que apresentou ontem no Palco Giratório, no Teatro Capiba: O Alfaiate de Livros e Vestido de Noiva.

Otávio Bastos aprendeu primeiro o frevo. Nascimento do Passo foi o seu mestre. Foi estudar dança contemporânea em Nova York. Conheceu uma chinesa, com quem fez uma parceria: um dueto, uma pesquisa de linguagem. Apresentou o resultado em São Paulo, onde morou por um tempo. E ainda guardou um gestual, passos e movimentos da cultura oriental. De volta ao Recife, ele mostrou o seu espetáculo O fio das miçangas, o entrelaçamento que faz entre a arte popular brasileira e a cultura urbana contemporânea.

Nas suas atuações há lugar para performances, vídeos, instalações, teatro e dança. Ele é rápido para criar. Levou um mês para erguer O Alfaiate de Livros e dois para Vestido de Noiva.

Peça Vestido de Noiva, em que Alaíde é um travesti

Peça Vestido de Noiva, em que Alaíde é um travesti

Cada apresentação dos espetáculos é única. E essa é uma das características da arte de Bastos. Ele opera o improviso, a partir da marcação de luz e som, dando total liberdade para costurar outros movimentos a cada sessão.

Na coreografia O Alfaiate de Livros o artista foi buscar inspiração nas memórias afetivas da infância e adolescência. Filho de bibliotecário encadernador de livros, o menino cresceu entre palavras e letras. E elas aparecem projetadas. Às vezes invadem a pele do bailarino ou seguem um movimento arredondado, na vídeo-cenografia assinada por Ormuzd Alves e iluminação de Cris Souto.

Em Vestido de Noiva, montado ano passado para participar dos eventos em homenagem ao centenário de Nelson Rodrigues, Otávio Bastos toma suas liberdades poéticas. Com linóleo branco e fundo idem, coberto por um tecido de renda, ele buscou o pseudônimo de Nelson, Suzana Flag, como ponto de referência para o mergulho.

O artista fez o recorte dos planos da mulher que foi atropelada e que desintegrada, aparece em três planos para o público: realidade, alucinação e memória. No caso de Bastos, ele caminha por labirintos de entre-lugar. Entre popular e contemporâneo, entre homem e mulher. Sua personagem é um travesti que foi atropelado e vivencia essas tensões entre a vida e a morte.

Os três momentos ganham pulsações diferentes. Da queda ao desaparecimento. A trilha sonora tem Erik Satie e GMZ (domínio público). A iluminação é de O Poste Soluções Luminosas. O figurino das duas peças é de Agrinez Diana.

São muito interessantes as propostas de Otávio Bastos. Sua força para descobrir e experimentar.

Coreógrafo e bailarino pesquisa cruzamentos entre as manifestações populares brasileiras, tecnologia e dança contemporânea

Bailarino pesquisa cruzamentos entre as manifestações populares, tecnologia e dança contemporânea

 

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Próxima escala: BH

Os amigos mineiros – ou que estão mineiros (não é Luciana Romagnolli?!) – podem conferir duas peças pernambucanas por esses dias. Seguindo o roteiro incansável do Palco Giratório, que leva teatro a todos os lugares deste país, os atores da Trupe Ensaia Aqui e Acolá mostram hoje, em Belo Horizonte, a peça O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas. A montagem já participou de vários festivais, foi super premiada aqui em Pernambuco, tem público cativo…e sim: é realmente muito divertida. A apresentação será no Sesc Palladium (será no Galpão Cine Horto! A programação divulgada no site do Sesc estava errada!), às 19h 20h. Já nos dias 11 e 12, o grupo se apresenta no Sesc Santo André, também às 19h.

O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas

Quem também seguiu para Minas foi o elenco da montagem Cinema – uma co-produção entre o Espaço Muda (PE) e a Cia Clara de Teatro, do diretor Anderson Aníbal -, que se apresenta a partir de amanhã até domingo no Teatro da Funarte, em Belo Horizonte. Será de quinta a sábado, às 20h, e no domingo, às 19h. No elenco, Brunno de Lavour, Daniel Barros, Elilson Duarte, Hermínia Mendes, Jorge Féo, Paulina Albuquerque, Sofia Abreu, Bárbara Ferraz, João Márcio e Peu Queiroga.

A vida de sete personagens se entrecruza, em tramas de afetos e desamor. Uns separam. Outro aguarda o coração. Uma quase metáfora de viver intensamente. Alguém perde a memória. Enquanto outro sonha com a fama e se projeta na trajetória de Roberto Carlos. E nas horas vagas, alguém vai ao cinema.

O espetáculo é fragmentado e se aproxima da sétima arte nas opções do diretor de enquadramentos, corte, eclipses, com um elenco de muita garra.

Cinema é fruto de parceria entre Espaço Muda (PE) e Cia Clara (MG). Foto: Marcelo Lyra/Divulgação

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A fala de um mestre – Parte I

Eugenio Barba e Julia Varley no Teatro Apolo, no Bairro do Recife. Foto: Rodolfo Araújo

Eugenio Barba, o principal nome da antropologia teatral, autor de diversos títulos, diretor do Odin Teatret, esteve no Recife na semana passada pela primeira vez. Um lindo sorriso, simpático, simples, ele conversou com a imprensa no hotel em que estava hospedado – sempre, claro, acompanhado pelos olhares e palavras de sua esposa, a atriz Julia Varley.

No dia seguinte, na sexta-feira, no Teatro Apolo, Julia fez a demonstração de trabalho O eco do silêncio, que foi seguida por uma palestra de Barba. Disponível, depois ele respondeu inúmeras perguntas da plateia. De mansinho, falou coisas muito caras – que merecem ser registradas. E vamos fazer isso aqui no blog. Está aí a primeira parte da palestra de Eugenio Barba no Recife. A transcrição é de pouco mais de 15 minutos de fala. Ainda temos muito material (inclusive a entrevista para a imprensa), mas vamos divulgar aos pouquinhos, para que o tempo não se passe sem que registremos as palavras de um mestre. (Ah, antes de começar a palestra, ele pediu para que as pessoas levantassem e dissessem um texto como se estivessem acariciando o outro. Depois, todos sentaram e ele começou).

PALESTRA // EUGENIO BARBA

Vocês vieram aqui para escutar, para serem inspirados, pelo que Julia podia fazer, pelo que eu poderia contar. Para ver a maneira de como ser eficaz com o espectador. O que eu quero como ator? Como diretor? Quero que o meu ator seja eficaz em aguardar, provocar ressonância nos meus espectadores. Sei que os meus espectadores não são um público único. Cada um de vocês chegou aqui de diferentes lugares da cidade, de diferentes famílias, com uma história, uma biografia. Cada um chegou aqui com uma expectativa diferente. Cada um de vocês tem uma fome diferente de aprender, de compreender. Assim que, para mim, isso da unicidade do espectador foi um dos meus problemas como diretor. Como é possível que o ator possa dirigir-se a esse nível? A esse animal mitológico que está constituído de duzentos e cinquenta destinos humanos? Cada um possui saudades, nostalgias, ambições, feridas, vitórias. Isso do “como” poderia também chamar-se técnica, o que se aprende. E nos damos conta de que a primeira experiência que temos que enfrentar no nosso ofício é uma experiência de impotência. Porque cremos que se possa absorver um conhecimento. E esse conhecimento não se absorve. Apesar de que alguém pode ir a uma escola teatral, fazer cursos e seminários. Mas aí se dá conta que o resultado, que a conseqüência dessa relação didática, pedagógica, não é automática. Você tem a sensação de marchar no mesmo lugar todo tempo. Essa era a minha sensação quando eu fui à Escola Teatral de Varsóvia. Depois de um ano, tinha a consciência que não tinha aprendido nada, que estava perdendo o meu tempo. Que o que era para mim fundamental, era um ofício imaginário, que existia só na minha cabeça, nos meus sonhos ou nas minhas necessidades. Tudo que estava aprendendo, tudo que me ensinaram na escola, não funcionava.

A demonstração da Julia é um típico exemplo. Ela chegou a um grupo de teatro, o Odin e começou a fazer toda a aprendizagem, que no Odin se faz através de exercícios, de treinamento. Mas ela, ao contrário de ir adiante, de desenvolver suas capacidades sonoras, vocais, ela perdia a voz. Ela tinha que fazer todo o caminho solitário dentro do grupo para encontrar sua identidade. Que é muito diferente da identidade profissional, técnica, dos seus companheiros. Assim, quando começamos, a primeira pergunta é: como? Como poder encontrar um ambiente, uma pessoa, alguém que, na verdade, podemos chamar de mestre? Porque o mestre é só alguém que nasceu antes da gente e conhece um pouco mais. Como encontrar esse mestre que nos ajude a encontrar nosso caminho?

Mas, depois de alguns anos, quando já há certo costume em ser ator, em resolver suas dúvidas, seus problemas, quando já há adaptação ao ofício, à rotina, quando isso conquistou parte da gente, outra pergunta fica importante: porque estou fazendo tudo isso? Que coisa mais engraçada é que, às vezes, nem eu ganho o suficiente, tenho que ter outro emprego para poder fazer isso. E porque estou fazendo isso?

Quando começamos, no meu caso, eu manipulava, criava ilusões. Só depois de alguns anos me dei conta do porquê de ter escolhido o teatro. Mas no começo eu disfarçava tudo isso com um álibi, uma justificação solene e nobre: eu queria fazer teatro para poder mudar a sociedade. Era um período. Comecei nos anos 1950, do século, do milênio passado. Quando existia uma luta de classes, uma guerra fria. Quando todo tempo, de verdade, havia o medo de uma guerra atômica. Então a participação ativa dos cidadãos na Europa era muito, muito presente. Assim que o teatro foi também um dos fóruns, dos instrumentos, dos canais, que o jovem podia, ou imaginava poder, usar para lutar contra algo que ameaçava uma cultura humanística.

E isso foi o que, essa tensão dos anos 50 e 60, que se criou em todo planeta, que provocou a grande mudança das quais vocês, os mais jovens, são os filhos. 1968, apesar de que todo processo começou antes, é um ano em que toda a estrutura de pensamento, de comportamento, de expressão, a maneira de se vestir mudou. Não existia jeans! Imaginem o que significa hoje uma sociedade sem jeans! Hoje os professores de universidade também vão de jeans. Antes, o professor de universidade, você podia reconhecê-lo. Tinha quase um uniforme, extremamente solene. A maneira de cantar! Pensem em toda a expressão da juventude através dos grupos, dos Rolling Stones. E tudo isso na verdade mudou profundamente. Mas, em tudo isso, existia como uma bola de fogo incandescente, irracional, que não podia ser lógica, que era raiva e o desejo da juventude de não aceitar um mundo que o sufocava.

A reação dos que não estavam de acordo foi muito dura. Vocês, no continente de vocês, foram os primeiros a vivê-la. Em 1964, vocês sabem o que aconteceu no Brasil. O que aconteceu nos anos 1970 no Chile, Argentina, Uruguai. Assim que não foi só uma grande revolução de alegria, de hippies. Foi uma sacudida que provocou mortos. Muitos mortos. Mas hoje isso se conquistou: em parte, há essa possibilidade de exprimir-se livremente.

Foi durante toda essa luta que o porquê do teatro era muito claro. As pessoas sabiam que se criavam grupos pela primeira vez na história do teatro do Ocidente e do Oriente, se criou algo muito estranho. Antes, tinham as companhias onde os atores estavam contratados, um período curto, alguns meses, uma temporada, às vezes. Hoje se chama isso de projeto. Nesse tempo, tudo isso era profissional. No sentido que os atores viviam disso. Os atores tinham que chegar às salas para viver. Não existiam subsídios, não existiam Sesc, Ministério da Cultura, que pagavam os atores. Os atores haviam de inventar, no século 16, na Europa, uma estranha indústria, um estranho ofício, onde as pessoas pagavam e, ou de pé ou sentados, deveriam ser entretidos, uma diversão. Os atores e as atrizes também proporcionavam isso, representavam. Isso era o teatro. Tenho que lembrá-los sempre: nosso ofício nasce de um acordo, de uma convenção, entre espectadores e atores. “Eu pago”, diz o espectador. “E você tem que entreter-me. Não me aborrecer. É isso”. Essa é uma das faces do teatro. A outra é que as relações no nosso ofício, não duram muito.

Como explicava antes, o profissionalismo consistia em firmar um contrato de alguns meses e, depois, cada um partia. Por isso é importante lembrar, porque em 1968, surgiu uma geração que pensava em outras categorias. Pensava em categorias em que o grupo era como uma micro sociedade. Era como uma nova maneira de socializar. Indo de encontro aos princípios que existiam na sociedade lá fora. Assim que os grupos de teatro não eram só uma resistência à ditadura, contra um teatro burguês, contra uma maneira de ver a sociedade comandada pelos capitalistas. Era também uma maneira de viver. Pela única vez existiu nesse planeta uma geração que, de maneira consciente ou inconsciente, através dos grupos teatrais, imaginou que, através do teatro, o teatro tinha uma dupla, profunda função. Não só deixar que algo aconteça na mente, no intelecto, nos sentidos, na vivência dos espectadores. E que saindo do teatro cada espectador possa refletir, viver, estabelecer um diálogo com a sua história pessoal, e confrontá-la, enfrentá-la. Medi-la com o que se passava na história. Não só isso. Também era o teatro como um processo de mudança pessoal. Daqui surgem as grandes lições do Living Theatre, anarquista puro. Que, através de sua existência, do seu processo de trabalho, tenta dar vida a essas relações e a também proclamar isso no momento do espetáculo. Dessa visão, que é uma reação contra os limites imposto pela sociedade, na história.

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Cru, quase cruel

Espetáculo Cru, de Alexandre Ribondi e direção em colaboração com Sérgio Sartório (o pistoleiro). Fotos: Ivana Moura

Ouvi de um conhecido brasileiro, que tem uma filha com uma russa, que a história deles não prosseguiu porque ela (e seus familiares de São Petersburgo) não achava o Brasil um bom lugar para se viver. Ele não queria ir pras terras de Lenin porque teria que começar praticamente do zero, num território em que predomina um frio intenso e onde se fala uma língua que ele não domina. A moça branquinha, branquinha de olhos claros, que se comunicava com o rapaz tímido em inglês, se arrepiava só de pensar no calor de lascar do Nordeste do Brasil. Mas de todas as adversidades elencadas pela mulher russa a que prevaleceu foi a de que “a vida humana vale muito pouco no Brasil”. Ela disse isso com muito pesar. E medo.

Depois de assistir ao espetáculo Cru – E o que mais você quer além de morrer?, da companhia Cia. Plágio, de Brasília/DF, lembrei-me dessa história, mais precisamente da frase “no Brasil, a vida humana vale muito pouco”.

É triste pensar que isso pode ser real…

A ficção cênica Cru, peça escrita por Alexandre Ribondi e dirigida por ele e Sérgio Sartório é sobre violência, balas certeiras e encomendadas, banalização da vida, vingança e ódio…

Montagem é da Cia Plágio de Teatro, de Brasília

As carnes no açougue não estão sangrando, mas há bastante realismo na peça Cru, que fez única sessão no Palco Giratório, sábado, no Teatro Capiba (Sesc de Casa Amarela, no Recife). Um açougue interiorano ou de beira de estrada é o cenário para um encontro, um acerto de contas, entre um matador profissional e uma figura estranha, desconfiada, que aparece no estabelecimento de Frutinha (André Reis, o ator é Vinicius Ferreira). A aparência do lugar é degradante. Peças de ossos, de vísceras e de carne de terceira. E nada disso é à toa.

Para compor o cenário, além dos colchetes (ganchos duplos onde se pendura a carne nos açougues), um freezer velho, mesa e cadeiras, caixotes. O homem que chega atrás dos serviços do tira-vida é cismado, como se escondesse algo, ou como um cabra arrependido de alguma coisa que fez. Apresenta-se apenas por Zé (Chico Sant’Anna), diz que não bebe, não fuma e logo descobrimos que é evangélico. Enquanto Cunha (Sérgio Sartório) não chega, Frutinha tenta descobrir quem é esse homem, de onde ele vem, o que ele quer e o que está por trás de tudo isso.

Cunha aparece. Seu aspecto é de sujeira. Anda meio trôpego, com ar de quem bebe durante todo o dia. Arrasta uma perna, sequela de um acidente do passado.

A partir daí, um jogo eletrizante, seco, em que cada personagem vai expondo um pouco de si até o desfecho forte, impactante.

A inteligência dos diálogos se projeta na agilidade das falas, mas também nos silêncios de alta pressão de uma figura sobre a outra. Situa a trama no Brasil mais arcaico, onde matadores têm a lei… Mas tudo é mais profundo e não fica na injustiça social e na vingança por motivação econômica. Há amor, doentio, enviesado, amor no meio disso tudo.

Três personagens: o evangélico, o travesti e o pistoleiro

Os blocos de diálogos arrancam camadas e mais camadas que revelam um pouco do passado de cada um. Há um flerte com a obra de Plínio Marcos e seus marginais carentes e sem opções.

Os personagens de Cru são duros e não param para a dúvida. Eles têm certezas, certezas horríveis, mas certezas.

A encenação é enxuta, seca e aposta no talento dos três atores, que estão muito bem em seus papéis, num discurso direto, em alusões a mortes célebres.

E mergulha na pergunta sobre a origem do mal. Como nascem os monstros. Da ruindade pura.

Sobre a trama não posso dizer mais…

Cru é um espetáculo redondo, de 50 minutos de duração. E quando apagam as luzes, deixa o público em suspenso. Não dá pra ficar indiferente. É um murro no estômago para deixar a plateia sem fôlego.

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