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E a cadela não era dela
Reflexão critica sobre o espetáculo
Hip-Hop Blues – Espólio das Águas

Espetáculo Hip-Hop Blues – Espólio das Águas. Foto: Cristina Maranhão / Divulgação

Nilcéia Vicente em cena do espetáculo Hip-Hop Blues. Foto: Cristina Maranhão / Divulgação

Pense numa cidade rica e injustamente desigual como São Paulo. Faça um esforço para ouvir as vozes caladas, as figuras apagadas em muitas camadas de concreto. Porque além de abstrato, aniquilamento, eliminação são feitos concretos. Sinta as ondas energéticas de negociação por espaço de existir. Perceba os corpos insubordinados que falam / gritam / surraram em muitas linguagens suas existências plenas de vida.

Eu fiz esse exercício antes do terceiro sinal e essa ambiência grudou ao contorno do meu corpo.

Hip-Hop Blues – Espólio das Águas, peça-show do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos celebra os 20 anos de atividades e atuação continuadas do grupo que em 2022 chega aos 22 anos. Parece que engoli um tempo aí, mana, mas são as coisas da pandemia e muitas operações da necropolítica, que além de coisas roubadas como horizontes, nos surrupiaram o tempo, nosso bem tão preciso.

Tô indo desacelerada porque não quero que acabe. Não quero que acabe o Hip Hop Blues que me diz tanto, que expande tanto as questões identitárias, que de novo e de novo e de novo Eugênio Lima lembra do corpo-político, do corpo-ocupação. Ai minhas deusas, Nilcéia Vicente o que você nos faz com sua voz e com sua presença a conduzir por esse percurso de labirintos que soa, ecoa, ressoa, reverbera da caixa torácica aos vãos cabeça com seus sete buracos e aos mindinhos do pé.  Ai mulher, que força da natureza!

O espetáculo compõe microcenas individuais do elenco. Faz cruzas incríveis. Mergulha em ancestralidades, dá partida, que podem ir e voltar. Os atores elegem depoimentos a partir dos passos de cada qual. A marca desse diálogo entre o teatro épico e a cultura hip-hop que o grupo faz como ninguém está lá viva ardente acesa afogueada audaciosa (me prometi não usar a palavra potente nesse texto).

São os corpos que habitam São Paulo. É um grupo de teatro que pensava antes da pandemia em montar um texto de Bertolt Brecht. É a cidade que assusta, que não tem paciência com as dores de seus habitantes apressados. Canções, poemas, ações dramáticas se encaixam nessa curadoria, nesse passeio por São Paulo que aterrou seus rios, pelas memórias dos atores que destampou suas dores.

Foto: Matheus José Maria

Com dramaturgia e a direção de Claudia Schapira e concepção geral do Núcleo Bartolomeu, os artistas – atrizes e atores MC’s – Cristiano Meirelles, Dani Nega, Eugênio Lima, Luaa Gabanini, Nilcéia Vicente e Roberta Estrela D’Alva – mais Daniel Oliva na guitarra  se revezam no centralidade da cena para questionar os lugares, reivindicar o protagonismo negro, expor em alta escala as nervuras do mundo e as mudanças inadiáveis.

E no meio, na borda, no alto, no íntimo da coisa toda está a música, que sempre vai mais além, que toca mais fundo que cria revoluções temporais. E a música é azul de muito sangue derramado, de muita na estrada, da política e da diáspora, dos levantes.

Rima com rima. É a visão do mundo do Bartolomeu de guerras e guerrilhas, atravessadas por uma pandemia que deixou e ainda deixa suas marcas nos corpos, que atualiza de forma feroz a travessia.

Mas Hip Hop Blues – Espólio das Águas é celebração. Estamos vivos e isso é inegociável. Vivos e com fome de vida digna. Para quem quase sempre foi preterido.

Foto: Cristina Maranhão / Divulgação

Eugênio Lima. Foto: Cristina Maranhão / Divulgação

Na cena, um grupo de teatro conta como tentou montar a obra Os Sete Pecados Capitais dos Pequenos Burgueses, de Brecht, mas não parava de chover, e a chuva continua. Baldes de alumínio são deslocados durante a cena para aparar as goteiras. Brecht virou disparador para confrontar questões contemporâneas das marcas coloniais que pulsam na sociedade brasileira.

Depoimentos é uma a palavra que está no título do Núcleo Bartolomeu e vibra nos procedimentos do grupo, que faz isso há 22 anos. Na cena, Roberta Estrela D’Alva destrincha a estratégia para o público, como funciona. Cada um dos artistas leva para cena um ou mais episódio de suas vidas, suas subjetividades, o preço alto pago para chegar até aqui.

Esses sujeitos históricos em exposição alinham sequências ricas de sentidos individuais, que projetam os constantes deslocamentos, a lutas e as escolhas do Bartolomeu.

A visão de mundo é blues. As memórias são blues carregadas de violências de gênero, raça e classe que formam uma cena tão plenas de vida.

Nilcéia Vicente canta e conta da sua avo, aquela figura pequena, concentrada, anônima, violentada por outra quase igual numa fábrica de exploração – negrinha com xingamento – até atingir o refluxo da água. Não menosprezem a força da água represada, ela pode responder com tsunami ou enxurrada.

Eugênio Lima expõe os elepês que ele considera fundamentais para alimentar essa história, esse imaginário. Espólio do que sobrou do alagamento e que os discos traduzem como poucas coisas no mundo. O que pulsa de uma linha musical da cultura negra. Essa curadoria sonora é regada por samples que inundam o ar, enquanto Eugênio comenta sobre alguns vinis, como o de Miles Davis herança-orgulho de sua mãe. É eletrizante sua coleção, Tim Mais, Jorge Ben Jor, e que inclui o bolachão de Chico Science e NZ: “Cadê as notas que estavam aqui / Não preciso delas! / Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos” (o Brasil ainda precisa redescobrir Chico Science, sua genialidade).

Dani Nega tensiona o próprio passado de adolescente, as escolhas estéticas, as pressão social, a violência dos padrões impostos, os movimentos de exclusão, a partir de um retrato com cabelo alisado. O que foi, o que não pode ser negado, e marcas no seu corpo dessa experiência subjetiva e social.

Alguns artistas pretas, trans e indígenas aparecem em vídeo ou áudio para dar o seu recado ou são citados como Adeleke Adisaogun Ajiyobiojo, MC Neguinho do Kaxeta, Nêgo Bispo, Matriark, Reinaldo Oliveira, Aretha Sadick, Zahy Guajajara e Kiki Domaleão, drag afro tupini queen de Cristiano Meirelles,

Foto: Cristina Maranhão / Divulgação

Os assuntos da branquitude são enfrentadas a partir de duas cenas da atuação de Luaa Gabanini. O primeiro é o teste para o papel da peça de Brecht, em que entram os sentimentos de uma atriz branca, que não será escolhida para interpretar a personagem do dramaturgo alemão, que será feita por uma atriz negra. Os incômodos, os lugares de privilégio, as possíveis mudança de protagonismo dão voltagem à cena, que se vale de um humor corrosivo para desenvolver a temática. No segundo momento Gabanini apresenta o refluxo, em que tenta entender esse momento em que lhe está destinado um lugar secundário.

A opressão sofrida por Cristiano Meirelles chega pela sua homossexualidade e cobranças familiares e sociais, e as pressões em casa e na rua e a hipocrisia brasileira da família. E sua opção pela arte, pelo desbunde e pela alegria.

A atriz-MC Roberta Estrela D’Alva explora um não-saber, nesse tempos tempos em que quase todos tem discursos prontos. Na sua construção de palavras-ruelas, estradas, becos, cidades, a artista leva para cena o caso do menino Miguel. A cadela não era dela, a mão opressora que chamou o elevador. É sufocante, apavorante, quase palpável as palavras que Roberta convoca para contar essa história.

Mas o espólio das águas desse Hip-Hop Blues é para lavar o corpo, para energizar, desafogar, seguir como água que pode desviar das pedras do caminho, que segue o curso e sempre encontra um um jeito de existir, com força, com fúria, enchente, que nunca desiste, porque é essencial.

Ficha técnica

Hip-Hop Blues – Espólio das Águas
Núcleo Bartolomeu de Depoimentos
Direção: Claudia Schapira
Dramaturgia: Claudia Schapira e elenco
Concepção Geral: Núcleo Bartolomeu de Depoimentos
Atores/Atrizes-MC’s: Cristiano Meirelles, Dani Nega, Eugênio Lima, Luaa Gabanini, Nilcéia Vicente e Roberta Estrela D’Alva
Guitarra: Daniel Oliva
Direção musical: Dani Nega, Eugênio Lima e Roberta Estrela D’Alva
Músicas: Núcleo Bartolomeu e elenco
Assistência de direção: Rafaela Penteado
Cenografia: Marisa Bentivegna
Criação e operação de luz: Matheus Brant
Assistência de iluminação: Guilherme Soares
Criação e operação de vídeo: Vic Von Poser
Assistência de cenografia: César Renzi
Cenotecnia: César Rezende
Assistência de vídeo: Beatriz Gabriel
Direção de movimento: Luaa Gabanini
Técnica de spoken word e métricas: Roberta Estrela D’Alva e Dani Nega
Técnica de canto blues: Andrea Drigo
Técnica de sapateado: Luciana Polloni
Danças urbanas: Flip Couto
Participações especiais vídeo: Adeleke Adisaogun Ajiyobiojo, Aretha Sadick e Zahy Guajajara
Participações especiais áudio: Matriark, Reinaldo Oliveira e Nêgo Bispo
Pensadores-provocadores convidados: Luiz Antônio Simas, Luiz Campos Jr. e Celso Frateschi
Engenharia de Som: João de Souza Neto e Clevinho Souza Intérprete Libras: Erika Mota e equipe
Figurinos: Claudia Schapira
Figurinista assistente e direção de cena: Isabela Lourenço
Costureira: Cleuza Amaro Barbosa da Silva
Direção de produção, administração geral e financeira: Mariza Dantas
Direção de Produção Executiva: Victória Martinez e Jessica Rodrigues [Contorno Produções]
Assistência de produção: Carolina Henriques e Helena Fraga
Coordenação das redes sociais: Luiza Romão
Assessoria de Imprensa e Coordenação de Comunicação: Canal Aberto – Márcia Marques, Carol Zeferino e Daniele Valério
Programação Visual e Desenhos: Murilo Thaveira
Fotos divulgação: Sérgio Silva
Agradecimentos Lu Favoreto, Estúdio Nova Dança Oito, Pequeno Ato, Galpão do Folias, Lucía Soledad, Marisa Bentivegna, Colégio Santa Cruz – Raul Teixeira, Périplo Produções

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Hip-Hop Blues reforça ativismo do Bartolomeu

Elenco de Hip-Hop Blues – Espólio das Águas Daniel Oliva, Luaa Gabanini, Eugênio Lima, Nilcéia Vicente, Roberta Estrela D’Alva, Dani Nega, Cristiano Meirelles. Foto: Sérgio Silva  

A temporada de Hip-Hop Blues – Espólio das Águas acontece de 25 de março a 24 de abril de 2022 no Sesc Santana – sextas e sábados às 21h; domingos e feriados às 18h. 

Hip-Hop Blues – Espólio das Águas, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, mergulha no Rio Mississipi para trazer à tona os rios soterrados de São Paulo. Essa imagem tem como alavanca a obra Os Sete Pecados Capitais dos Pequenos Burgueses, de Bertold Brecht, um dos disparadores do espetáculo, e o transbordamento dos rios paulistanos, que gritam por seu espaço de existência em dias de chuvas. Ideias atravessadas por dilúvios da memória.

Essas narrativas explodem em mosaico de depoimentos pessoais do elenco, que avaliam as condições instauradas pela pandemia e pelo momento político penoso em que vivemos. Na cena, os seis atores refletem e ensaiam. A peça sacode questões contemporâneas num jogo cênico que fricciona testemunho e ficção, projetando histórias e ancestralidades que revelam e contrapõem o racismo, a moralidade, a lgtqia+fobia, a intolerância, a supremacia branca e patriarcal e seus inúmeros braços estruturais.

O coletivo, criado em 2000, alimenta uma produção cultural ativista na cidade de São Paulo, aposta na contundência da autorrepresentação como discurso artístico, e tem como pesquisa de linguagem o diálogo entre a cultura hip-hop e o teatro épico e seus recursos.

O elenco é composto pelos quatro membros-fundadores do Núcleo – Claudia Schapira, Eugênio Lima, Luaa Gabanini e Roberta Estrela D’ Alva -, além dos artistas-aliados Cristiano Meirelles, Dani Nega, Nilcéia Vicente e Daniel Oliva. Adeleke Adisaogun Ajiyobiojo, Aretha Sadick e Zahy Guajajara, se juntam ao grupo formando a narrativa com a adição do vídeo. 

Inspirado pelos percursos dos rios de São Paulo, o grupo traduz o afogamento e reforça a necessidade de resgatar os afetos após as enxurradas. As narrativas são construtos da memória, cosidos pela diretora Claudia Schapira a partir dos depoimentos do elenco, criando um tecido polifônico. 

A música exerce papel essencial em Hip Hop Blues. O blues opera uma tradução dos conflitos, das desigualdades de classe e amplifica formas de resistência e de protesto. “Como ágora capaz de abrigar todas as diásporas, todos os levantes; que lança mão do ritmo e da poesia como se fosse reza, como se fosse lamento, também reivindicação e luta, sem abrir mão do poder transformador da celebração”  diz Claudia Schapira.

Este projeto foi realizado com apoio do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo – Secretaria Municipal de Cultura.

Ficha Técnica
Direção: Claudia Schapira
Dramaturgia:  Claudia Schapira e elenco
Concepção Geral: Núcleo Bartolomeu de Depoimentos
Atores/Atrizes-MC’s: Cristiano Meirelles, Dani Nega, Eugênio Lima, Luaa Gabanini, Nilcéia Vicente e Roberta Estrela D’Alva
Guitarra: Daniel Oliva
Direção musical: Dani Nega, Eugênio Lima e  RobertaEstrela D’Alva
Músicas: Núcleo Bartolomeu e elenco
Assistência de direção: Rafaela Penteado
Cenografia: Marisa Bentivegna
Criação e operação de luz: Matheus Brant
Assistência de iluminação: Guilherme Soares
Criação e operação de vídeo: Vic Von Poser
Assistência de cenografia: César Renzi
Cenotecnia: César Rezende
Assistência de vídeo: Beatriz Gabriel
Direção de movimento: Luaa Gabanini
Técnica de spoken word e métricas: Roberta Estrela D’Alva e Dani Nega
Técnica de canto blues: Andrea Drigo
Técnica de sapateado: Luciana Polloni
Danças urbanas: Flip Couto
Participações especiais vídeo: Adeleke Adisaogun Ajiyobiojo, Aretha Sadick e Zahy Guajajara
Participações especiais áudio: Matriark e Reinaldo Oliveira
Pensadores-provocadores convidados: Luiz Antônio Simas, Luiz Campos Jr. e Celso Frateschi
Engenharia de Som: João de Souza Neto e Clevinho Souza
Intérprete Libras: Erika Mota e equipe
Figurinos: Claudia Schapira
Figurinista assistente e direção de cena: Isabela Lourenço
Costureira: Cleuza Amaro Barbosa da Silva
Direção de produção, administração geral e financeira: Mariza Dantas
Direção de Produção Executiva: Victória Martinez e Jessica Rodrigues [Contorno Produções]
Assistência de produção: Carolina Henriques e Helena Fraga
Coordenação das redes sociais: Luiza Romão
Assessoria de Imprensa e Coordenação de Comunicação: Canal Aberto – Márcia Marques, Carol Zeferino e Daniele Valério
Programação Visual e Desenhos: Murilo Thaveira
Fotos divulgação: Sérgio Silva
Agradecimentos
Lu Favoreto, Estúdio Nova Dança Oito, Pequeno Ato, Galpão do Folias, Lucía Soledad, Marisa Bentivegna, Colégio Santa Cruz – Raul Teixeira, Périplo Produções

Serviço
Hip-Hop Blues – Espólio das águas
Duração: 1h30
Recomendação etária: 12 anos
Sesc Santana (330 lugares) Av. Luiz Dumont Villares, 579, São Paulo – SP, Tel.: 11 2971-8700
Quando: 25/03 a 24/04/2022 + o dia 21/04 quinta-feira, às 18h
[Sexta e Sábado às 21h e Domingo e Feriado às 18h]
Quanto: R$ 40,00 e R$ 20,00
É necessário apresentar comprovante de vacinação contra COVID-19. Crianças de 5 a 11 anos devem apresentar o comprovante evidenciando uma dose, pessoas a partir de 12 anos, das duas doses (ou dose única), além de documento com foto para ingressar nas unidades do Sesc no estado de São Paulo.  
 
Sesc Santana na rede
instagram.com/sescsantana
sescsp.org.br/santana

 

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Núcleo Bartolomeu desafia o fascismo

Espetáculo Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, está em cartaz no Sesc Bom Retiro, em São Paulo, até 28 de julho. Foto: Sérgio Silva / Divulgação

O Núcleo Bartolomeu de Depoimentos é um grupo teatral que articula o teatro épico com o hip-hop na pesquisa de linguagem. É um coletivo militante da autorrepresentação como discurso artístico, que vibra com questões contemporâneas. Isso pode parecer óbvio, mas como “não sei com quem estou falando” nesses tempos de cinismo exacerbado e chamamentos conservadores no teatro… Voilà, talvez apareça alguém fora da bolha (da minha pobre bolha) interessado nessas artes cênicas. Pois bem, o espetáculo Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias, do Bartolomeu, estreou nesta sexta-feira (28 de junho), às 21h, no Teatro do Sesc Bom Retiro e segue até 28 de julho.

Um dos impulsos da montagem do Núcleo é o texto Terror e Miséria no Terceiro Reich, do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht (1898-1956), composto entre 1935 e 1938. A produção também valeu-se das ideias de escritores e ativistas como Angela Davis, Grada Kilomba, Frantz Fanon, Achille Mbembe, Walter Benjamin, e outras, e outros, e outrxs para erguer a encenação.

Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias traça um paralelo entre a barbárie espalhada no nosso cotidiano com aqueles anos que precederam a Segunda Guerra Mundial e a ascensão do fascismo e do nazismo. A diretora Claudia Schapira sugou da realidade do presente muitos fluxos de uma arena de contradições, com vistas ao futuro.

 

Luaa Gabanini em Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias. Foto: Sérgio Silva 

Brecht traçou um panorama da decadência da sociedade alemã, sufocada pelo pavor, nas 24 cenas curtas da peça, que expõe a repercussão do regime de Hitler no cotidiano de gente comum. O ditador emporcalhou até a dinâmica familiar, como expõe uma das cenas de Terror e Miséria no Terceiro Reich, em que um professor de História sente o peso do nazismo tanto no trabalhou quanto na sua vida privada em casa.

Quando chegou ao poder na Alemanha, lá nos idos de 1933, Bozonazi (eita, ato falho!!!) Adolf Hitler surrupiou liberdades e desmantelou instituições democráticas. Fincou na História uma violenta ditadura. Deixou “tudo dominado”: economia, educação, artes, meios de comunicação etc.

Mas até corporificar o poder, o cabra não era grande coisa. Poucos levavam a sério aquele ex-militar bizarro de baixo escalão, “famoso” pelas falas contra gays, mulheres, feministas, políticos de esquerda, elites progressistas, minorias, imigrantes, mídia, judeus. Numa rápida pesquisa sobre a subida desse sujeito me deparo com a pergunta “Por que tantos alemães instruídos votaram em um patético bufão que levou o país ao abismo?”.

Mas estamos falando de quem mesmo???

Um anti-político que conseguia usar a mídia da época para seus propósitos, difundindo fake news. Um elemento que insuflou a agressividade de seus apoiadores – da afronta verbal à violência física. Um charlatão oportunista.

 

Nilcéia Vicente e Vinícius Meloni. Foto: Sérgio Silva 

Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, com direção de Claudia Schapira chega para problematizar criticamente esses dias vivenciados com crueza em todos os recantos da vida social. Essa crise de civilização, com efeitos devastadores, é esquadrinhada na montagem pelos 11 atores MC’s : Fernanda D’Umbra, Georgette Fadel, Jairo Pereira, Luaa Gabanini, Lucienne Guedes, Nilcéia Vicente, Roberta Estrela D’Alva, Sérgio Siviero e Vinícius Meloni, Dani Nega e Eugênio Lima.

A diretora se vale do procedimento de uma peça dentro da peça numa escolha metalinguística que espelha tempos – passados e presentes. O elenco ensaia algumas cenas do Terror e Miséria no Terceiro Reich, de Brecht. A partir desse disparador é estabelecido um jogo entre atores e personagens.

Composta por 8 cenas e respectivos comentários, além do prólogo e epílogo, os artistas discutem temas contemporâneos que giram em torno da fome e da pobreza,  da flexibilização do porte de armas, da destruição do meio ambiente; da retirada de direitos conquistados na luta de classes; do genocídio negro, da LGBTfobia, do machismo e outras violências cotidianas da concentração de renda, do desemprego estrutural; o desmonte dos bens e serviços públicos; da instabilidade, da precarização, da “obsolescência planejada” em textos falados e cantados. 

Nascido no ano 2000, o o Núcleo Bartolomeu de Depoimento atua com contundência nas suas montagens. Utiliza os recursos do teatro épico e da cultura hip-hop para discutir o “ser” em processo. Na mão desses artistas o teatro é uma ótima arma.  

SERVIÇO
Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias
Quando: De 28 de junho até 28 de julho. Sextas e sábados, às 21h e domingos, às 18h
DIA 12/07 Não haverá espetáculo
Onde: Sesc Bom Retiro (Rua Alameda Nothmann, nº 185).
Ingressos: R$ 20 (inteira), R$ 10 (meia) e R$ 6 (credencial plena).
Capacidade: 250 lugares.
Duração: 120 minutos.
Classificação: 14 anos.

 

Elenco do espetáculo Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias. Foto: Sérgio Silva 

FICHA TÉCNICA
Direção: Claudia Schapira
Dramaturgia: Claudia Schapira em colaboração com Lucienne Guedes e elenco – livremente inspirado em “Terror e Miséria no Terceiro Reich” de Bertolt Brecht.
Inserções de poemas: Jairo Pereira e Roberta Estrela D’Alva
Giovane Baffô e Paulo Faria
Tradução auxiliar: Camilo Shaden
Direção Musical: Dani Nega, Eugênio Lima e Roberta Estrela D’Alva
Direção de Movimento e Coreografias: Luaa Gabanini
Assistência de Direção: Maria Eugenia Portolano
Atores-MCs: Fernanda D’Umbra, Georgette Fadel, Jairo Pereira, Luaa Gabanini, Lucienne Guedes, Nilcéia Vicente, Roberta Estrela D’Alva, Sérgio Siviero e Vinícius Meloni.
Atores-MCse DJs: Dani Nega e Eugênio Lima
Direção de arte: Bianca Turner e Claudia Schapira
Vídeo e cenário: Bianca Turner
O vídeo Contém samples dos documentários “SLAM: Voz de Levante” de Roberta Estrela D’Alva e Tatiana Lohmann (poeta Kika Sena) e “Mães de Maio – um grito por justiça” de Daniela Santana )
Figurino: Claudia Schapira
Figurinista assistente: Isabela Lourenço
Técnica de spoken word e métricas: Roberta Estrela D’Alva
Kempô e Treinamento de Luta: Ciro Godói
Danças Urbanas: Flip Couto
Preparação Vocal: Andrea Drigo
Iluminação: Carol Autran
Engenharia de Som: Eugênio Lima e Viviane Barbosa
Costureira: Cleusa Amaro da Silva Barbosa
Cenotécnico: Wanderley Wagner da Silva
Design gráfico: Murilo Thaveira
Estagiárias: Isa Coser, Junaída Mendes, Maitê Arouca
Direção de Produção: Mariza Dantas
Produção Executiva: Jessica Rodrigues e Victória Martínez (Contorno Produções) e Núcleo Bartolomeu de Depoimentos- Teatro Hip-Hop
Assistente de Produção: Leticia Gonzalez (Contorno Produções)

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